terça-feira, 1 de janeiro de 2019

DIÁLOGO MULTICOR COM ANITA BORGIA



PEDRO KZ: Qual é a sua cor preferida?

ANITA BORGIA: Azul é lindo demais, Pedro. Depois de azul, vermelho escuro, tipo pitanga bem madura.

ZUCA SARDAN: Pytanga, a cor oficial de nosso glorioso Lyceo!!!

DR. FLOR: Quando as cores se misturam de que modo percebes o azul?

ZUCA SARDAN: Ela pinta tudo de azul por cima, como fazia o Melarmek: L’AZUR!!! L’AZUR!!! L’AZUR!!!

ANITA BORGIA: Pinto sim, mas só às vezes. Quando as cores se misturam é preciso olhar meio de lado, para baixo, piscar duas vezes e aí a gente percebe o azul, que se apresenta como um rastro na profundeza média da superfície.

DR. FLOR: Como sabes, o azul é a cor do pensamento, graças à sua direta relação com o espaço e o céu claro. Qual o melhor contraponto entre o azul e outra cor, quando buscas um equilíbrio para teu ser? E qual seria essa outra cor? O alquimista Abraham le Juif narra o que se segue: O homem e a mulher de cor laranja sobre campo azul celeste significam que o homem e a mulher não devem fixar sua esperança neste mundo, pois o laranja assinala o desespero, e o fundo azul celeste a esperança do céu. Tua segunda cor é o vermelho, que está relacionado com o sofrimento, o amor e a sublimação. Como te deixas guiar por essa simbologia das cores?

ANITA BORGIA: Puxa, Dr. Flor, se as cores me guiam eu não sei, elas que sabem. O azul se apresentou a mim na mais tenra infância provavelmente, porque só me lembro dele lá, sem nunca não ter estado. O vermelho escuro foi uma descoberta da vida bem muito adulta. Grudou em mim de repente. Durante a juventude teve branco, muito branco, mas parece que branco não é cor… E quando estou desequilibrada, fico olhando esta imagem aqui:


ZUCA SARDAN: Quais, das cores planetárias, achas a combinação mais perigosa?

ANITA BORGIA: Talvez amarelo urânio com cinza plutônio. É uma bomba essa combinação.

PEDRO KZ: https://m.youtube.com/watch?v=nD4ib9-laGY | Blau blau / Die Liebe ist blau / Blau ist der Meer / der Meer auch blau ist

DR. FLOR: Considerando a passagem apócrifa do Decálogo das Cores, como te saíste em teu curso de cromoterapia?

ANITA BORGIA: Me saí bastante bem e agora conheço o decálogo completo, além dos textos apócrifos, como pudeste perceber. Devo ter lido bem uma página e meia, que debati exaustivamente com os professores do Lyceo Pitanga. É um conhecimento muito útil para a vida. Breve montarei consultório.

DR. FLOR: Dali dizia que a fase azul de Picasso era fruto de um estágio profundamente depressivo, no momento em que, em Paris, ele vivia com Max Jacob num quartinho, onde os dois amigos partilhavam da mesma cama. O Dr. Nypopoulos, do Lyceo Pitanga, desprezava essa versão, dizendo que o azul havia sido escolhido por Picasso por ser a cor de uma imediata empatia com as peruas chiques de quem ele pretendia arrancar seus polpudos quinhões.

 ZUCA: Acho que o Picasso, por via das dúvidas, dormiu no armário.

PEDRO KZ: [Breve interrupção do diálogo para uma intervenção digressiva]

ou indagações sobre a localização problemática do azul na relação bleu-blanc-rouge
invocando Malievitch e El Lissitzky para a mesa quadrada do Kolax

Branco: ultra direita
Vermelho: povão sanguinário
Azul: ????
Em termos semafóricos, é a cor que mais se aproxima aqui do verde (verde que abriria uma passagem no coração revolucionário do vermelho). Quando a cor acolhedora irá tornar mais tépida a sublime aspiração azulácea? Liberté? Fraternité? Égalité?
Burguesia? Pequena? Alta? Média?
O azul não deveria estar no meio? O branco no meio significa que a o lugar da transição é niilista e aristocrático?

ZUCA: O branco é das tetinhas da Marianne pulando fora do decote no quadro de Delacroix. O vermelho é o da cara do Padre Bernard ao ver as tetinhas fulgurantes. E o azul… é o do céu do Paraíso, praticamente inatingível, por nossas almas. O que gera depressão nos crentes daqui e dali.

ANITA BORGIA: Azul? Depressivo? Não, Dalí não entendeu. Picasso já estava deprimido por ter de dividir aquela cama – ainda por cima de solteiro – com o Max Jacob e por isso começou a pintar tudo em azul, para dar um up na psiquê. Funcionou e ele saiu para vender seus quadros assim, mais alto astral, e as peruas a-do-ra-ram conversar com ele, e com as plumas delas no bolso Picasso pôde alugar um cafofo melhorzinho.

ZUCA: E logo Jacob chegou pressuroso pra dividir o cafofo, mas Picasso bateu-lhe a porta na fuça, o que deixou o Max de esperanças esmaecidas.

DR. FLOR: Esmaecidas, as cores fogem para onde? Há um inferno das cores?

ZUCA: Sim o Inferno do Plutão, onde as cores são todas vermelhas bem vivas, e as demais… esmaecidas.

ANITA BORGIA: Há certa confusão relacionada com este assunto, porque as cores esmaecidas não estão propriamente mortas, estão só cansadas. Vão para um hospital, onde recebem transfusão de anilina.

ZUCA: E assim se tornam todas azuis… e acabam elas todas indo pro céu onde os bem aventurados ficam felizes, que seja lá tudo azul… azul… azul…

DR. FLOR: Hospital público? Há perigo de contágio, infecção, loucura?

ANITA BORGIA: Há, sim, perigo de mistura de tipos de cores. Um amarronzado final é o resultado para todas as que sofrem este tipo de descuido.

DR. FLOR: É possível a existência de uma cor louca, aquela que se revele à margem de toda ordem ou sistema? Dali deu ao Louco, em seu tarô singular, a cor vermelha. Para muitos o personagem se assemelha ao Bobo. Sir George Frazer recorda que são criaturas marcadas pela substituição nos sacrifícios humanos. Mas o Louco não é propriamente um doente. O amarronzado orgíaco não lhe cabe, porém não sei se também o vermelho. Qual te parece ser a verdadeira cor da loucura?

ANITA BORGIA: A loucura, pelo menos no bom sentido, que entendo ser a do Louco do tarô, é certamente multicolorida, como a roupa do bobo, e caleidoscópica, pelo elemento surpresa.

DR. FLOR: Quando afinal chegamos ao fim de uma cor?

ZUCA: Quando voltamos a mergulhar num filme preto-e-branco, de preferência numa das magníficas galhofas mudas do Charlie Chaplin.

ANITA BORGIA: Quando ela acaba.



EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019

QUARTETO KOLAX é uma carroça de atores percorrendo os escombros da arte contemporânea com seu teatro automático. Seus integrantes são Anita Borgia, Dr. Flor, Pedro Kz e Zuca Sardan. As imagens que acompanham a edição, reconhecidas ou não, por efeito cênico, são estrategicamente anônimas.


Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 125 | Janeiro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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