sábado, 27 de junho de 2020

AGULHA REVISTA DE CULTURA # 153 – Maio de 2020


• EDITORIAL – O FRACASSO DE UMA CIVILIZAÇÃO

Devemos usar a expressão correta que defina a realidade. O Brasil é hoje um país brutalmente abandonado por seu governo. Um país fora de moda que deve ser evitado pelo resto do mundo. Haverá um momento em que teremos que avaliar sinceramente o que nos trouxe até aqui. Agora nós temos um problema maior, que excede até mesmo a catástrofe sanitária que está nos infectando e matando diariamente. É sabido por todos que temos na presidência da República um psicopata genocida. Sentimento correto e amplamente compartilhado. O modo criminoso como abandonou o país o situa como o principal responsável por todos os mortos. Hoje o Ministério da Saúde é um órgão de fachada. Sua inoperância equivale à extinção. A reação a esta violência não tem sido menos criminosa, considerando a cumplicidade letal que caracteriza o silêncio ou a subestimação. De algum modo, em grau maior ou menor, somos todos cúmplices deste canalha que está destruindo o país. As exceções, que sempre existirão, devem se sentir desconfortáveis em meio à paralisia geral cujas razões não se mostram.
O que esperamos para agir? Que estejamos todos mortos? O que esperam ganhar políticos, empresários, estudantes, intelectuais, artistas com todo este morticínio imparável? O que se está provando agora é de assustadora conclusão: O brasileiro jamais tomará a frente de nada por seu país. Há os que roubam, os que lastimam, os que fazem piada. Há os que se acostumaram a entregar a vida à patética figura de um inexistente herói nacional e aqueles ainda mais inconsequentes que não se julgam responsáveis por nada e com isto encerram a questão. Há em todos eles um medo atávico de enfrentar seus próprios fantasmas. Os brasileiros só são geniais quando tudo está bem. Agora a situação é pior do que inversa, pois ocorre que um bandido desqualificado virou o jogo a seu favor, percebeu o ponto crítico do caráter nacional e está tripudiando sobre cadáveres. Não há dúvida que um país é reflexo de seu povo. E este é o país que permitimos.
Estamos vivendo em uma realidade desencontrada. Não se trata de ficção, mas sim de perversão. Tudo à nossa volta é retirado de lugar, funções e significados embaralhados. Regras desmentidas ou não cumpridas. Referências fora de órbita. Uma sociedade desorganizada pelos mesmos poderes que a estrangulam em sua capacidade de reação. Em um mundo de erros sistêmicos a ninguém corresponde a responsabilidade de acertos. Até mesmo os deuses se eximem. Enumeramos os casos mais absurdos: como pode haver flexibilização da quarentena se continua crescente a curva de mortos e infectados pelo vírus? Como o Congresso Nacional pode aceitar a inoperância criminosa do Ministério da Saúde? Somos um país com o livre arbítrio à deriva, sem poder de reação contra todo um estado de coisas que há muito manipula nosso espírito. Uns se julgam protegidos; outros se desfazem de qualquer responsabilidade; há ainda aqueles que subestimam tudo o que está acontecendo. Os verdadeiros culpados jamais aparecem no espelho. Orientados por uma falácia, o mundo já não nos respeita, pior: nos considera um país a ser evitado, uma sociedade enferma, um governo inescrupuloso. Em meio a tudo isto disparando uns contra os outros os cartuchos mofados do que nos resta de indignação.
Antes mesmo que possamos todos voltar a sair de casa e a circular pelas ruas, já sabemos, com toda a experiência do corpo e do espírito, que não podemos contar com o Estado. Ou aprendemos a viver sem ele ou nos obrigamos a inventar um novo Estado. A administração do bem comum, como a conhecemos, se fez inaceitável, já não se pode confiar em nenhuma forma de governo. Isto exige de todos nós uma forma de organização até aqui insondável, sob pena de estraçalhar o tecido social e erradicar a potência visionária do indivíduo. E há uma meta que já deveríamos considerar, a de escapar desse looping que nos foi imposto pelo Capitalismo. Entramos e saímos repetidamente em um dia padrão que se repete incansavelmente, onde o cidadão foi definitivamente convertido em mero consumidor. Tal mecanismo atesta o fracasso de uma civilização, e sua comprovação brutal se dá justamente graças à pandemia, cujo imperativo do isolamento social atua como um xeque-mate nos caixas do Grande Mercado.
A presente edição da Agulha Revista de Cultura abre a seus leitores um portal para reflexões sobre os efeitos da pandemia no mercado editorial, bem como seus entraves a outras questões. Alguns textos foram escritos especialmente para esta edição, aqueles assinados por Leda Rita Cintra, Thereza Christina Rocque da Motta, José Ángel Leyva e Omar Castillo. As duas primeiras, brasileiras, seguidas por um mexicano e um colombiano. Os quatro são editores, com experiência tanto na produção de livros como de revistas de cultura. Também para este número um outro editor, Alfonso Peña, a partir de sua base na Costa Rica, preparou uma enquete envolvendo escritores, artistas plásticos e editores, observando inúmeros aspectos ligados a nosso tema central. Àngel Leyva comparece com um segundo artigo, intitulado “Pandemia: ¿el coronavirus llegó para quedarse?”, recém publicado em um periódico mexicano (Milenio, junho de 2020). Do francês Joël Gayraud emprestamos a tradução ao espanhol, assinada por Eugenio Castro, de umas reflexões suas sobre a pandemia. Da cientista política argentina Juliana Montani reproduzimos um artigo escrito há dois meses (El País, março de 2020), texto que mantém sua atualidade no que diz respeito a preocupações como o intercâmbio de informações, regulação de patentes, invasão de privacidade etc. Por último, emprestamos de outro periódico, BBC News Mundo, um artigo do jornalista Gerardo Lissardy, que contribui com uma visão mais global. Como artista convidado deste número de Agulha Revista de Cultura optamos por um contraste dado pela grande angular da fotógrafa portuguesa Teresa Sá Couto, cuja vastidão capturada com sua câmara nos faz lembrar que o mundo pode voltar a ser maior do que a cilada em que caímos a humanidade.

Os Editores

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Teresa Sá Couto



• ÍNDICE


ALFONSO PEÑA | Historias de los ocho de La Corona y el delirio… (parte 1)

ALFONSO PEÑA | Historias de los ocho de La Corona y el delirio… (parte 2)

GERARDO LISSARDY | Coronavirus: escenarios mundiales para después de la pandemia

JOËL GAYRAUD | Detrás de nosotros, el día después

JOSÉ ANGEL LEYVA | Los libros antes del tsunami

JOSÉ ÁNGEL LEYVA | Pandemia: ¿el coronavirus llegó para quedarse?

JULIANA MONTANI | La pandemia es global, pero su respuesta es nacional

LEDA RITA CINTRA | O mercado editorial e livreiro do Brasil no ano de 2020

OMAR CASTILLO | El Ábrete Sésamo de la escritura y la industria editorial

THEREZA CHRISTINA ROCQUE DA MOTTA | O mercado editorial e a pandemia


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Agulha Revista de Cultura
UMA AGULHA NO MUNDO INTEIRO
Número 153 | Maio de 2020
Artista convidado: Teresa Sá Couto (Portugal)
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2020


7 comentários:

  1. Flori, que beleza de editorial expondo as nossas misérias, vísceras, podridões de leque aberto!!!! E a nossa má-consciência também, porque só fazemos nos queixar e chorar e desligar a tv quando chegamos ao sufoco! Somos uns covardes - falo por mim, querido, com autoridade!!!
    Vejo e abomino - mas só faço assinar manifestos contra e me resguardar para não virar presunto esquecido. Horror.
    Por isso muito obrigada pelo que escreveu, querido! Vou mandar para todo mundo e beijo os teus pés!
    Maria Lúcia Dal Farra

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  2. Floriano, acho que foi o artigo mais forte e equilibrado, na sua indignação, que jamais li sobre a situação atual no Brasil.
    E... tanto mais forte... pela coragem serena. Coragem, eu sempre respeito, e tiro o chapéu.
    Abrazzzzzi
    Zuca Sardan

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  3. Gracias, Floriano. La situación que ustedes están viviendo es sumamente difícil.
    Coincido con las apreciaciones de tu declaración. El virus ha llegado pero a la vez es utilizado en todas partes.
    No sabemos si subsistiremos como personas, como naciones, como humanidad, pero sería un daño suplementario entrar en pánico.
    La firmeza en la defensa de nuestras leyes y la relación con otros grupos y naciones puede sostener una resistencia a la caída mundial que nos castiga. Esa caída no empezó ahora. La codicia ha talado nuestras selvas, ha envenenado nuestras aguas. Primero se atacó al planeta que habitamos, ahora amenazan con destruir a quienes lo habitan.
    Quienes tenemos algún modo de fe sabemos que el Mal no prevalecerá.
    Un abrazo,
    Graciela Maturo

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  4. Hola Floriano:
    Acabo de leer la editorial, ¡muy interesante!; y ante todo ¡MUY VALIENTE!
    También quiero agradecerles a ti y a Alfonso Peña por haber pensado en mí para la entrevista que hicieron sobre el libro y la pandemia. Valga la ocasión para decirles que fue un ejercicio que me permitió pensar en los alcances que tiene el encierro en la industria editorial y por ende en la cultura.
    Un abrazo,
    Berta Lucía Estrada

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  5. HOLA floriano ,excelente tu editorial, dolorosamente marca el proceso que esta viviendo el país, con un gobernante inhumano y criminal, con políticos incapaces e irresponsables, con una sensación de un país envuelto en un laberinto con pocas respuestas sociales. Magnífico , además el número en sí, con todas sus secciones.
    Ahi me he visto en una, dedicada a la pandemia y al hacer creativo, excelente.
    chau, abrazos

    Eduardo Mosches

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  6. O Editorial é preciso, enxuto, exato, verdadeiro, contundente e necessário, Com esta sucessão de adjetivos, assinalo a substantividade de sua leitura nesses tempos caóticos, habitados por uma multidão de "homens ocos", para ficar nas palavras de Eliot, transformando o universo numa "terra desolada", arrasada por desgovernos em todos os quadrantes da CIVILIZAÇÃO, que a passos larguíssimos caminha para o FRACASSO.
    R. Leontino Filho

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  7. Felicitaciones por el editorial y la valiente postura asumida por Agulha Revista de Cultura frente a la tenebrosa situación porque atraviesa el Brasil, tal como la describe el citado documento.
    Comparto tus argumentos y los razones que llevan a pensar que estamos al borde de una tragedia de consecuencias nefastas para Latinoamérica, aterrado como estoy de coincidir con tus previsiones pues soy de las personas que día a día opto por informarme de lo que está sucediendo en tu país a raíz de la toma del poder por una mafia criminal. Me solidarizo con todo lo que expones en el documento. Y te agradezco insinuarnos de qué otra manera se puede apoyar al Brasil que no sea solo manteniéndose informado, o por medio de firmas, sino encontrando de común acuerdo formas más específicas de compromiso con la lucha.
    Estoy a tus completas órdenes
    JUAN CALZADILLA

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