sábado, 9 de abril de 2022

FERNANDO FREITAS FUÃO | As collages surrealistas de Toshiko Okanoue

 


A distância cultural entre oriente e ocidente segue abissal. As contribuições e influências recíprocas seguem pouco estudadas principalmente no universo das artes, literatura e arquitetura, desde a nossa visão ocidental. No caso do Japão, o mais ocidentalizado deles, talvez, essa relação não seja tão gritante, mas a divulgação dos fatos artísticos produzidos por lá tem pouca repercussão aqui. Com certeza o revés não é verdadeiro. A influência da cultura artística europeia e americana após a segunda guerra no Japão é gritante em se tratando de assimilações. Quando contextualizamos em termos de Brasil, o que chega dessa cultura é pouco principalmente nas artes plásticas. Para o mundo da collage e do surrealismo a produção da collage no Japão até poucos anos atrás era uma incógnita. No extenso livro Collage (1971) de Herta Wescher, ela não fez referência aos artistas japoneses que trabalharam com collage. Entretanto se referiu a uma das origens da collage aos antigos poemas chineses orientais montados a partir de diferentes papeis artesanais. Tampouco, encontraremos qualquer referência no livro Fotomontagem (1976) de Dawn Ades. Se afinarmos essa busca pelo filtro do surrealismo a coisa fica mais complicada. Foi graças ao advento da internet que hoje podemos conhecer as fantásticas collages da artista Toshiko Okanoue produzidas durante a década de 1950, assim como as collages do artista e fotógrafo Yamamoto Kansuke [1] durante o mesmo período; e suas aproximações ao surrealismo.

Infelizmente, nos anos que se seguiram Okanoue cairia no anonimato devido ao seu casamento; assim como muitas mulheres japonesas de sua geração o casamento significava o fim de sua carreira. Em 1958 com apenas 28 anos ela parou de produzir suas collages ao se casar com o pintor Fujino Kazutomo. Após divorciar-se Okanoue não pode retornar a suas atividades artísticas, levou seus filhos e sua mãe doente de Tóquio para Kōchi, sua cidade natal. Somente no início dos anos 2000 Okanoue seria redescoberta no Japão, e comedidamente no ocidente.

A presença do surrealismo no Japão é anterior à segunda guerra mundial, e esteve em total sincronia com o movimento surrealista europeu. Em 1927 já aparecia o primeiro jornal poético surrealista, editado e publicado pelo poeta Kitasono Katue (1902-1978); [2] no ano de 1928 o poeta surrealista Nishiwaki Junzaburō volta de seus estudos em Oxford; e em 1931 o pintor Ichirō Fukuzawa [3] retorna à Tóquio depois de permanecer em Paris, cada um se torna um polo de informação em seus respectivos mundos. O surrealismo que esses artistas trouxeram da Europa, e o que fora transmitido em anos anteriores no Japão por meio de jornais e exposições, estava misturado com dadaísta, expressionismo, futurismo, não muito distinto do que aconteceu no Brasil.

A riqueza da família de Fukuzawa lhe permitiu estudar arte em Paris entre 1924 e 1931, ali Fukuzawa encontrou inspiração no Surrealismo, principalmente através de Max Ernst como as collages de La Femme sans tetes (1929) e as pinturas metafísicas de Giorgio de Chirico. O fascínio de Fukuzawa pelo surrealismo fez com que relegasse a escultura passando para a pintura. Os recortes de Ernst retirado de revistas e sua remontagem em collage inspiraram a aplicar o mesmo princípio à pintura. A intensa atração que o surrealismo exerceu em Fukuzawa é atribuída diretamente às conexões percebidas por ele entre o movimento e os gêneros literários japoneses tradicionais de haiku (haicai) e koan. [4] Tal como o haicai, Fukuzawa procurava transmitir sua mensagem através de descrições curtas, e o Koan ao explorar o absurdo, e o nonsense como formas de acessar o espiritual. Fukuzawa prontamente percebeu essas aproximações e quis expressar a magnitude do pensamento surrealista associado à narrativa tradicional oriental.

A verdade é que o movimento surrealista encontra no Japão uma base milenar cultural favorável para sua disseminação na década de 1930. E, simultaneamente ao surrealismo francês, torna-se a forma artística dominante no Japão, até que a “polícia do pensamento” [5] do governo em 1941 começou a prender alguns artistas modernos porque considerava que transmitiam uma mensagem que ia contra os interesses da nação. Um deles foi Fukuzawa, ficou preso sete meses em 1941. [6]

Ao final dos anos 30 acontece uma expansão do movimento surrealista dando início ao processo de internacionalização da poesia surrealista. Esse fenômeno do surrealismo e da collage, no caso, atingiu não somente o Japão, mas também a América Latina. No Brasil teremos como representante desse período a poesia e as collages de Jorge de lima.

Neste cenário de um Japão já em plena modernidade, com o surrealismo como um de seus avatares, em 1946 a colega de classe da Keisen Girls ‘High School, Asaka Wakayama, também conhecida depois por Sra. Asaka Takemitsu [7] apresentou Okanoue para o crítico de arte Shuzo Takiguchi (1903-1979), [8] figura importante do movimento surrealista japonês; ainda hoje pouco referenciada sua importância a nível mundial no surrealismo. Takiguchi ajudaria Okanoue a ampliar seus horizontes do mundo da arte moderna através dos trabalhos dos surrealistas europeus, principalmente com as collages de Max Ernst que influenciariam totalmente em seu trabalho de collage, visto que até então Toshiko conhecia muito pouco de história da arte e nada de surrealismo, mesmo já fazendo suas primeiras collages.

Shuzo Takiguchi assim como Fukuzawa era um apaixonado por Max Ernst, e manteve correspondências com Juan Miró e André Breton, traduziu de Breton Surrealismo e Pintura (1928) para o japonês, dois anos depois de ser publicado na França. Por causa de sua associação com os surrealistas franceses, Takiguchi também foi preso em 1941 pela “polícia do pensamento” japonesa, e mantido por mais de oito meses na prisão. Após sua libertação parou de escrever e se reinventou como artista visual e crítico de arte. Em 1967, admiradores de sua obra coletaram poemas individuais que antes só haviam aparecido em revistas, e publicaram no Japão como The Poetic Experiments 1927-1937. A partir da década de 1950, Takiguchi começa a oferecer novas oportunidades experimentais em exposições coletivas, para jovens artistas de vanguarda do pós-guerra que não tinham oportunidades de apresentar seus trabalhos em formatos diferentes dos tradicionais.

A partir da década de 1960 Takiguchi vai criar os incríveis mundos das paisagens abstratas através do que chamou decalcomanias, como Europa depois da chuva (1940), Olhos do silêncio (1943). As decalcomanias poderiam ser consideradas um desvio das frottages praticada por Max Ernst, também presente nas formas de suas paisagens pictóricas. Para Takiguchi decalcomania é a técnica que consiste em pingar tinta num vidro, esparramar e pressionar papel sobre ele, e depois removê-lo. Anteriormente, Max Ernst também havia nomeado por decalcomania esse processo de colocar tinta sobre uma superfície e depois colocar papel e retirá-lo criando uma sucção, puxando a tinta para formar uma textura biomórfica, [9] mas o resultado é surpreendente nas mãos de Takiguchi. As imagens que se formam – distintamente da frottage, esta diretamente associada também ao acaso objetivo, ao imprevisível – são como imagens plasmadas instantaneamente pelo inconsciente. Muitas refletem pela coloração imagens do inconsciente oriental de um mundo onírico. As cores que Takiguchi utiliza são muito peculiares e o resultado é e extremamente psicodélico intimista, hoje se poderia associar às imagens dos fractais.

Foi nessa época do início dos anos 1950 que Okanoue conheceu Takiguchi que se interessou por seu trabalho apresentando para ela as colagens de Max Ernst. Esse encontro inspirou Okanoue a mudar suas composições simples de collage que praticava como forma de representação, para seus exercícios de design de moda com fundos de uma única cor, para colagens mais complexas com fotografias para seus fundos. Nos seis anos seguintes ela produziria mais de 100 collages. Takiguchi organizou duas exposições individuais para ela, uma realizada em 1953 e outra em 1956 na Galeria Takemiya em Kanda. No auge da fama, suas colagens foram frequentemente apresentadas em revistas de arte e fotografia no Japão, incluindo Asahi Club, Bijutsu Techo e Camera, bem como em algumas publicações internacionais.

Embora o trabalho de Okanoue apresente imagens fantásticas e justaposições insólitas, características das collages surrealistas, no início de sua carreira como collagista as semelhanças foram acidentais; na época ela nada sabia sobre o esforço internacional para liberar a imaginação através da collage tocando o inconsciente, muito embora suas primeiras collages sem fundo já lembrassem também algumas collages de Hannah Hoch como: Arranjada para sair (1936), Fuga (1931), A janota (1923).

Ainda que, as partes, os fragmentos de suas colagens tenham suas fontes nas revistas ocidentais, a própria Okanoue considerou sua técnica de criação de imagens profundamente enraizada na tradição japonesa. Ela pensava em seus trabalhos como uma forma de harie. Essa expressão pode-se decifrá-la de dois modos complementares: “hari” significa agulha, costura; e “e” significa imagem em japonês, dando margem para interpretar livremente como imagens costuradas, algo totalmente coerente com a pratica da moda, do corte e da costura, que tanto Toshiko gostava de criar. Também, harie significa “colar fotos” uma técnica tradicional japonesa de fazer imagens colando pequenos pedaços de papel colorido em uma cartolina.

Suas collages depois dessas duas exposições e após seu casamento caíram num profundo silêncio por 40 anos. Felizmente, Okanoue foi redescoberta em 1990 e suas collages resgatadas literalmente de um baú em sua casa, pelo influente historiador da fotografia Ryuichi Kaneko do Museu de Arte Fotográfica de Tóquio. Em 1996, o Meguro Museum of Art incluiu o trabalho de Okanoue na exposição Light Up, e também realizou uma exposição individual intitulada “Toshiko Okanoue’s Photo Collages: Droplets of Dreams” apresentada na Dai-ichi Mutual Life Insurance Co. South Gallery. Uma primeira monografia de seu trabalho foi publicada em 2002, intitulada Drop of Dreams: Toshiko Okanoue: Works 1950-1956. Em 2019, o Tokyo Metropolitan Teien Art Museum apresentou uma mostra individual das obras de Okanoue intitulada Toshiko Okanoue, Photo Collage: The Miracle of Silence, bem como um catálogo de exposições com o mesmo nome. Desde então, houve nesses últimos anos um ressurgimento do interesse por sua obra. Essa última exposição foi a maior exibição de seu trabalho em um museu público, e disponibilizou importantes materiais de referência, incluindo edições originais das revistas nas quais suas collages de fotos foram publicadas.


Nascida na província de Kochi em 1928, Okanoue mudou-se para Tóquio com sua família quando ainda era criança. Essa foi uma época em que as mulheres japonesas estavam cada vez mais adotando vestidos no estilo ocidental, mas a moda pronta era proibitivamente cara. Era comum que as mulheres fizessem suas próprias roupas. Como muitas meninas da época Okanoue aprendeu a modelagem na escola e desenvolveu um olhar aguçado para a moda ocidental ao ver as revistas importadas como Harper’s Bazaar, Life e Vogue. Em 1950, aos 22 anos, Okanoue matriculou-se em uma escola inovadora chamada Bunka Gakuin para estudar design, uma das técnicas que ela explorou lá foi chigiri-e, uma arte tradicional japonesa na qual pedaços de papel feitos à mão em cores diferentes são rasgados e combinados para criar uma imagem, podendo se assemelhar a uma pintura de aquarela. Essa técnica data do período Heian da história japonesa quando era frequentemente usada em conjunto com a caligrafia. O papel artesanal é essencial para a criação da imagem chigiri-e, Toshiko percebendo um recorte na cabeça de uma mulher entre os restos da mesa onde trabalhava se animou a recortar mais imagens adicionais de revistas femininas, e colá-las de maneiras incongruentes. Em suas primeiras colagens de fotos, as composições eram simples, ou seja: coladas em um fundo liso vermelho ou preto.

Mika Kobayashi em seu artigo “Toshiko Okanoue: Between the Layers of Dreams” um dos poucos artigos encontrados relevantes na internet, explica a importância dessas revistas no Japão, “Okanoue encontrou os motivos e as imagens para suas collages principalmente nas revistas americanas, como Life e Vogue que comprava nas livrarias de Tóquio. Muitas dessas revistas foram deixadas para trás no Japão após a ocupação aliada de 1945-1952. Os anos 1940/50 foram o apogeu do fotojornalismo e essas revistas publicaram muitos artigos e ensaios fotográficos, reportagens; e também anúncios de página inteira ricamente ilustrados com fotos. Para aqueles que sofreram a pobreza e as dificuldades da guerra, a ocupação e a reabilitação do pós-guerra no Japão, o mundo rico retratado nos anúncios e nas placas de moda parecia ser um mundo de fantasia, o oposto da vida no Japão do pós-guerra.” [10]

No Japão do pós-guerra, as referências culturais colonialistas estadunidenses entraram com tudo através dessas revistas. Desde a ótica histórico-política pode-se considerar as collages de Toshiko como um retrato histórico desse triste período. Os arranha-céus estadunidenses que aparecem em algumas collages são a representação desse fascínio americano da cidade moderna, que despertava tanto interesse na Europa como no Japão. Importante lembrar que não havia até a segunda metade do século XX arranha-céus no Japão devido aos terremotos. Esse cenário vertical das metrópoles estadunidenses comparece nas collages: Visita à noite (1951), A trait angel (1954), Drifting (1950). Suas collages são constituídas basicamente de imagens em preto e branco típicas das revistas da época, Okanoue misturava imagens de lugares, objetos e pessoas, mas sempre as personagens principais são mulheres em situações diferenciadas. Na maioria das vezes mulheres europeias da moda, modelos e manequins de moda em composições e posições dinâmicas que Okanoue colava com imagens de guerra provocando o inusitado. Uma curiosa associação em dois momentos tão singulares, ao ponto de interpretá-las também como collages temporais.

Em uma leitura mais atenta sobre as collages percebe-se a presença muito marcante das imagens da segunda guerra, ao ponto de não se discernir se a predominância temática das collages de Toshiko é a figura feminina, ou a segunda guerra; quiçá estranhamente ambas em simultaneidade de tempos. Toshiko viveu os horrores do bombardeio americano sobre Dogenzaka, um distrito de Shibuya na cidade de Tóquio. Esse bombardeio foi feito pelos aviões estadunidenses B-29 com bombas incendiárias, com o propósito de queimar as construções de madeira e papel dos japoneses, em maio de 1945. Ao todo, 174 aeronaves atacaram a alta atitude durante a noite e destruíram por volta de 260 hectares da cidade, usando 453,7 toneladas de bombas incendiárias e de fragmentação. Essa cena deve ter deixado uma forte impressão nela. As bombas incendiárias estadunidenses foram jogadas no bairro eminentemente residencial de Shibuya. Essas bombas explodiam no ar e liberavam centenas bombas de Napalm luminescentes que onde quer que caíssem provocavam o incêndio, acabando em uma noite o bairro de casas de madeira e papelão. Há relatos de que muitos corpos explodiam no mesmo instante em que essas bombas eram detonadas. Há na internet, no YouTube vários vídeos desses horrores que foram silenciados tanto pela cultura nipônica como americana.

Toshiko tinha 17 anos, e esse ataque bombardeiro é considerado hoje um genocídio maior que o de Hiroshima, e de Dresden. Três meses depois desse terrível ataque a Tóquio são despejadas as duas bombas atômicas em Hiroshima e na Nagasaki. Ignorar esse fato nas collages de Toshiko é não entender realmente sua obra. A aproximação com o surrealismo é apenas uma forma de explicitar o que foi reprimido no inconsciente; e não uma meta final de interpretação. Penso que analisar e observar a obra de Toshiko desde o ponto de vista da moda ou da questão do feminino, ou seja desde uma aparência superficial que as colagens pretendem mostrar seria enfatizar um aspecto capenga, pois suas collages estão intrinsicamente relacionadas com a história da segunda guerra, e que não se pode escapar disso, mesmo os teóricos de arte.

Tudo sobre a guerra está presente e marca presença na maioria de suas collages. A ilha, por exemplo que aparece metaforicamente em uma collage, Sem título, poderia ser muito bem a ilha de Okinawa e a sangrenta luta que lá foi travada; ou mesmo Tóquio. Okinawa foi a maior batalha marítimo-terrestre-aérea da história, ocorrida de abril a junho de 1945. E algumas das collages de Toshiko, quando trabalha o tema do mar, parecem se referir a essas batalhas marítimas do pacifico como a de Mid Way. Talvez nunca saibamos se Harbor flowers (1952) é possivelmente uma referência ao ataque de Pearl Harbor.

Uma análise minuciosa do trabalho de Toshiko deveria passar sobre as fontes dos fragmentos que ela utilizava, não para saber a precisão do fato, mas para entender o que ela queria retratar através desses elementos. Por exemplo, o pano de fundo de A melodia de ruínas não se sabe se é do bombardeio à Tóquio ou de Hiroshima, não resta muito para observar a não ser fragmentos de ruina. Na revista LIFE foram publicadas fotos jornalísticas de guerras em vários países do mundo na época, bem como a serialização de experimentações com armas nucleares e bombas de hidrogênio. Após o término da guerra Toshiko nos anos 1950 se utilizou das imagens dessas revistas para despejar e plasmar seu inconsciente e seus traumas do período da guerra. Penso que ela ao realizar essas collages realizou simultaneamente uma auto-psicanálise de sua adolescência, sintetizando essa terrível experiência em seus trabalhos, tais como: Premonição (1954), Naufrágio (1951), Melody of Ruins, uma beleza única criada pela collage de uma mulher vestida com roupas da moda olhando uma partitura, com um instrumento musical nas mãos, numa paisagem totalmente destruída ao seu redor. Também cabe destacar a presença das explosões das bombas na collage Flor Polinizada pelo Vento (1955).

As informações sobre Toshiko ainda são poucas na internet. Encontram-se alguns artigos que repetem o dito de um artigo anterior, falam de suas exposições, contam um pouco de sua vida superficialmente, e em cada um é acrescentado um pequeno detalhe. Não há entretanto artigos que analisem suas collages com exceção do já citado artigo de Kobayashi. É impossível dissociar em termos de surrealismo a vida da autora de suas collages. É importante contextualizar sua vida, não investigar a história pode-se acabar enveredando por caminhos equivocados. Atualmente encontram-se dois catálogos de exposição que estão à venda na internet e custam uma fortuna. [11] Das quase 100 collages de Toschiko aparentemente não se sabe muito como foram produzidas, mas na internet pode-se acessar em torno a 50 delas. Nessa pesquisa encontrei uma série de collages intitulada O milagre do silêncio, como se fosse uma novela collage, com narrativa semelhante às de Max Ernst. Entretanto, acredito que esse título foi dado a posteriori na exposição que leva o mesmo nome. Nessa coleção de imagens agrupadas sob esse título O milagre do silêncio o personagem principal é uma mulher, ou mulheres, que sempre se apresentam com a cabeça transfigurada ou sem cabeça. Nessas collages Toshiko explorava o que ela gostava de fazer, criar moda, roupa feminina. Essas mulheres estão em sua maioria em vestidos elegantes, de gala, noiva, lingerie estratégia compositiva que já havia desenvolvido em suas primeiras collages; e também nuas, fazendo questionamentos sobre a nudez e o papel da mulher e sua sexualidade.

Explica Kobayashi, “Como Okanoue na época estava estudando para se tornar uma estilista, as fotos da Vogue e de outras revistas de moda devem ter sido fascinantes e muito atraentes para ela. Nessas fotos, os contornos dos corpos e vestidos das modelos foram enfatizados pelo efeito da iluminação artificial. Ao recortar essas figuras cuidadosamente com uma tesoura e colá-las em páginas que retratam diferentes cenas, Okanoue estava colocando os modelos em fundos teatrais e fazendo-os atuar como personagens nas histórias, como é indicado por títulos como Ophelia (1955) e Leda no mar (1952).” [12]

Nas collages de Toshiko existe a presença de fortes elementos temáticos que se repetem como a agua, seja em forma de mar como em Naufrágio (1951), Drifting (1950), Kill (1955), Harbor flowers (1952), ou de cachoeiras, quedas d’água, como em Ophélia, Leda no Mar e O nascimento (1956). Pode-se elaborar algumas leituras subjetivas da persistência da agua, desde a mais ingênuas como a questão insular do Japão, ou ainda em termos de confecção da collage. O mar, a agua são imagens fáceis de colocar como fundo para outras imagens, basta uma incisão para enxerta-las, ou recortar a figura em sua base de acordo com a ondulação da agua. Quase sempre essa base de agua funciona muito bem para colocar qualquer elemento que provoque o estranhamento. Mas, em Toshiko a questão das aguas parece mais complexa que isso, porque arrasta todo o simbolismo do feminino como podemos observar. E, se avançarmos um pouco mais poderíamos recorrer a psicanalises da Agua e dos sonhos de Gaston Bachelard ao descrever os diversos tipos de aguas proposto por ele: as aguas violentas como em Drifting (A deriva) e o Naufrágio, agua maternal feminina, as aguas correntes, as aguas dormentes e aguas profundas. [13]


Na collage Sem nome (1952), já referida, Toshiko representa uma costa com falésia e sobre ela soldados, dois deles correm sobre esse litoral rochoso, outro parece sobrevoar ao redor, enquanto um cavalo de patas para o ar parece cair do céu. Esse cenário poderia ser também uma parte da ilha Iwo Jima, outro cenário de uma das batalhas mais sangrentas entre estadunidenses e japoneses. A cabeça de uma mulher emerge dos rochedos como de dentro um pequeno vulcão, fazendo parecer que ela e o rochedo são uma coisa única, que ela e a ilha são únicas.

Em Drifting, Toshiko apresenta uma imagem assustadora, digna de um pesadelo, um oceano agitado com fortes ondas parece encobrir tudo sobre a terra, desponta para fora somente um gigantesco arranha-céu que afunda, de cuja parte superior sai um braço em gesto lânguido de quem está se afogando; enquanto uma jovem mulher solitária num pequeno bote parece tentar fugir desse pesadelo sob um céu tempestivo.

Na collage Ophélia, Okanoue questiona consciente ou inconscientemente a tradição secular de Ophélia de Hamlet, ao representar uma Ophelia arrastada pelas aguas e em vias de dissolver-se na pequena cachoeira. Em Hamlet, Ophélia enlouquece após saber da morte de seu pai, e termina se matando afogada. A representação de Ofélia na arte ocidental desde o período pré-rafaelita até os dias atuais, tende a ser retratada na pintura e no teatro como um objeto passivo e inerte, morre deitada languidamente na água. [14] Na collage de Toshiko, Ophélia já se apresenta numa representação desviada, metade de seu corpo já se dissolveu em meio a essa pequena cachoeira, o que resta ainda de seu corpo logo desaparecerá. A transição de dissolução do corpo na agua é muito bem-feita, através dos encaixes de tonalidades e do braço que faz a transição. O fundo da collage, o céu é representado numa cor escura chapada no qual atravessa um avião de guerra. No meio do rio aparece algo semelhante a pedras na qual apoia um pássaro; parece doente; apoia-se em uma perna só com uma plumagem branca de cabeça abaixada, destacando-se sobre o fundo negro do céu.

No século XIX houve uma correspondência entre o sucesso da personagem Ofélia e o interesse pelas patologias da loucura, associando-a a epilepsia e histeria, à “melancolia erótica” (erotomania) e feminilidade. Como explica Alice Violet, “fortaleceu-se a ideia de uma predisposição natural das mulheres a tais enfermidades. Por tudo isso, entre outras razões, a maioria das obras que a retratam convergem num ponto: Ofélia permanece vestida, ora de forma rica ora sumária, mas invariavelmente discreta”. [15] Toshiko não fugiu a regra. Na collage de Toshiko já não há salgueiro do qual ela teria caído, mas sim uma alusão à questão área tanto do pássaro branco acabrunhado, simbolizando a paz em estado doentio, e o avião de guerra que passa acima dominando tudo que se passa abaixo.

Em Leda no mar, uma das collages prediletas de Toshiko, o mito de Leda e o cisne é reinterpretado e alterado. Leda e o cisne fisicamente são um corpo só, estão na borda de uma cachoeira e parecem serem arrastados para o fundo. Leda está com vestido elegante que se percebe somente pela parte superior, sua parte abaixo da cintura se transforma no próprio corpo do cisne, convertendo a parte da saia em plumas e vice-versa. Ela agarra no pescoço do cisne como que agarrada a um falo. As plumas do cisne assim como o branco de seu vestido parecem fundir-se também com o branco da agua que emana em forma de espuma do fundo da cachoeira para cima devido à queda. Assim como em Ophelia, a questão do afogamento se faz presente aqui em Leda no mar.

Na collage O nascimento também aparece a presença de pequenas quedas d’água na parte de baixo da cena, e acima dessas pequenas quedas d’agua flutua um ovo semiaberto, onde se pode ver a gema do ovo e dentro dessa gema Toshiko coloca a metade superior de um corpo de mulher. Aqui é nítida a relação simbólica com a questão da fertilidade, a questão das aguas com o feminino, o ovo como símbolo do nascimento como bem indica o título da collage. Em Respite (Trégua, 1952) um lindo corpo feminino de lingerie emerge de um rio cheio de meandros e curvas, assemelhando-se a uma serpente em meio a um deserto de areia. Sobre esse cenário sobrevoam o que parece ser insetos, mas são pequenos aviões de guerra devido ao tamanho da escala da mulher. Ela parece simbolizar o próprio rio que serpenteia, a própria serpente. Em todas essas collages Toshiko traz à tona o questionamento do papel da mulher em meio a violência da guerra.


Geralmente, em termos de representação, a figura, o personagem que monta num cavalo empinado, geralmente é um general, Toshiko em sua collage Natureza (1952) apresenta um abutre montado em cima de um cavalo enxertado num vestido branco plissado. Fica a interrogação, não se trataria aí de mais uma referência a guerra e nesse caso ao general Hiroito ou o general Douglas MacArthur? Poderia Toshiko ter querido expressar a homossexualidade latente dos samurais através da saia, assim como no filme Furyo de Nagisa Ōshima? Na verdade, a ocidentalização após a segunda guerra trouxe de arrasto a repressão homossexual, que desde o shintoismo não era condenável nem mesmo entre os samurais, ao contrário. A outra collage em que a figura do abutre aparece, e dessa vez não deixa dúvida que é referente a um homem é na collage A pequena melancolia, onde uma mulher sentada parece estar sendo seduzida e cortejado por um homem em pé com cabeça de abutre, em meio a um cenário palaciano classicista.

Em suas primeiras collages no ano de 1950 agrupadas na série A reality condensed in a dream, ainda sem cenário de fundo, Toshiko já trabalhava essas trasnsfigurações femininas tão caras ao surrealismo.

Um dos aspectos cruciais hoje em dia para a valorização de Toshiko Okanoue é o fato de ser uma das poucas mulheres que na época praticavam collage; e sobretudo uma mulher que trabalhava sobre imagens do corpo feminino deslocando seu sentido original, que ela mesmo produzia manipulando em suas collages. De certa forma, as exuberantes figuras femininas, as modelos da Vogue nas collages de Toshiko mantem seu significado original mais corriqueiro de moda mesmo, mas ao serem deslocadas para outro contexto com temas como a guerra, sexualidade, o desejo, e a repressão feminina, assim como os mitos e a questão noturna, há uma transformação profunda no sentido.

Tudo parece muito gris ou noturno em suas collages, um clima extremamente representativo do cenário existencialista dos anos 1950. É observável ainda, a figura feminina aparecer solitária, quase em todas as collages. Ao contrário das fotonovelas collages de Ernst, La femme sans tete (1929) e Une semaine de bonté (1934) onde as personagens femininas são manipuladas e transfiguradas por Ernst. As sutis diferenças entre as figuras recortadas de Okanoue e Ernst devem ter em conta a diferenciação entre o binômio masculino x feminino, onde os desejos, os fetiches e taras falocêntricas plasmam-se nessas collages sob a máscara do inconsciente.

Some-se a isso, nesse caso, particularmente à escolha das figuras femininas e de seu contexto original de onde foram recortadas. Cabe reiterar o abismo entre ocidente e oriente, aqui Freud, lá o zen budismo. Aproveito para recordar que no Brasil temos o equivalente dessa representação ernstiana na fotonovela surrealista As aventuras do máscara negra [16] produzida no ano de 1957, por Sergio Lima, poeta, artista e representante do surrealismo.

Nas collages iniciais que Okanoue fazia sobre um fundo neutro de uma única cor, já ocorriam essas maravilhosas transfigurações, embora não tão impactante quanto seriam as posteriores; nessas colagens um dos focos sempre parece ser o vestido, a saia; por exemplo, em Dance (1951) o vestido da modelo é transfigurado e substituído por um leque de cartas de baralho que é segurado por um dedo gigante. Nessas collages o corpo é montado muito semelhante a retorica da Hannah Hoch, constituído por partes de distintas de outros corpos, e até de animais. Em Mask de Toshiko (1952) a cabeça da modelo é trocada por uma cabeça de gata preta, a collage se realiza sobre também um fundo escuro como em Dance. Na collage Star (1951) há uma profunda troca do corpo principal por partes de outros corpos alterando a escala. As pernas da mulher parecem exageradamente desproporcionais, uma delas na coxa se transforma na ponta de um dedo que segura uma carta de baralho – um “Ás de espadas” –, a carta desempenha o papel de tórax. A cabeça está demasiada pequena, desproporcional, a mulher só tem um braço, tudo está desfigurado, até as pernas estão separadas do resto do corpo por um corte de tesoura, visível pelo fundo preto da collage. Em Float (1951) a figura da modelo já está totalmente desfigurada, não tem pernas, seu corpo se confunde com uma figura recortada de gato branco, a cabeça da mulher está suprimida e em seu lugar é colocado um ramalhete de flores que lembra cabelos e um perfil de rosto. Uma das patas do gato branco assume a posição de um braço da mulher, enquanto o outro braço da mulher segura um leque.

Essas transfigurações femininas foram uma constante ao longo de suas collages. Em outra collage posterior Arrested People (1954), vemos um corpo feminino nu com a cabeça substituída por uma corrente de barco, que sob determinada ótica assemelha-se a uma serpente enroscada. A cena transcorre num espaço um tanto indefinido, ao fundo num paredão encontra-se uma série de jovens encostados e enfileirados, alguns estão com a cabeça voltada para a parede, outros tapam seus rostos como se não quisessem ver a estranha mulher nua. A foto de fundo talvez originalmente tratasse de uma foto de alguma batida policial, como o próprio título sugere, mas que ganhou um sentido distinto com a introdução da figura feminina.

As transfigurações femininas principalmente ocorrem sobre das cabeça das mulheres, fato curioso que dá o que pensar. Dentre as collages de Toschiko podemos perceber as seguintes transfigurações, substituições nas cabeças femininas através de fragmentos desconexos como: uma cabeça de cavalo em Fantasy (1953), uma corrente de navio em Arrested People, flores-folhagens, uma hélice em Flor Polinizada pelo Vento (1955), taças, cabeça de gato, pássaros, insetos, borboleta como em Incubation (1955), guampas Supraspinatus (1956); um leque assume o lugar da cabeça em Dreams visite at the night (1951); jarras, engrenagens em Noblewoman (1954), numa clara releitura de Max Ernst onde uma figura feminina altiva espera em frente a porta da rua de uma casa. Ainda, um conjunto formado por mãos com luvas em The Night of The Dance Party (1954), semelhante a uma flor ou um estranho animal marítimo, talvez, uma das collages mais oníricas de Toshiko.

A questão onírica e a leveza são fortes nas collages de Toshiko, tudo parece que pode flutuar a qualquer momento, como bem descreve Mika Kobayashi: “Isto é visível em O Ninho de Anjos (1952), onde uma mulher voa através de uma janela para chegar a um baile que se realiza num velho castelo em ruínas. A irracionalidade e qualidade sonhadora das cenas é por vezes enfatizada pelos motivos dispostos de tal forma que a personagem parece flutuar em pleno ar, como também em Noon Song (1954), onde insetos e borboletas voam à volta da mesa sobre a qual a perna de uma mulher está saliente de um vestido”. [17]

Na collage Falling (1954) a cabeça da mulher é substituída, ao que parece ser, uma folha vegetal curvada que se assemelha a um paraquedas aberta, ou uma mãe d’água ou mesmo um leve tecido nervurado. A metade debaixo do corpo está cortado e o que resta é somente um torso sem cabeça que cai amarrado à um paraquedas. Os paraquedas são uma constante referência a guerra. Nessa collage, Toshiko recria um cenário procurando colocar o observador dentro de um avião bombardeiro. No piso há uma abertura onde aparecem vários ratos na borda, nas laterais também aparecem uma série de arquivadores; pela abertura se avista uma cidade desde cima na eminência de bombardeada. Outra collage que Toshiko utiliza-se de paraquedas é The Miracle of the silence (1952) onde a cabeça, que parece ser uma mulher religiosa ou de um samurai, está decepada do corpo e sobe para o alto através de um paraquedas. Essas decapitações nas collages poderiam remeter também a milenar pratica do suicídio no Japão, o seppuku, que ainda na segunda guerra eram praticadas; tal como quem faz collage uma tesoura ou um estilete sobre as figuras de papel, o kaishakunin é o encarregado auxiliar no ritual suicida japonês do seppuku, um exímio espadachim capaz de executar com precisão o corte de decapitação –kaishaku – fazendo uso de uma katana.


Os paraquedas, ou outras figuras que adquirem o significado de paraquedas estão presente também nas collages do brasileiro Athos Bulcão, [18] Na véspera da boda (1953), e A invasão dos marcianos (1952) na qual há uma quantidade de paraquedas descendo, sugerindo que são os marcianos que estão chegando. O fascínio pelo paraquedas é biomórfico, porque sua forma muitas vezes sugere águas marinhas, medusas, polvos calamares; e desde o ponto de vista da morfológico um guarda-chuva poderia ser considerados também um paraquedas e vice-versa; vide Mary Poppins. No reino da collage eles quase possuem o mesmo significado atribuído ao inconsciente, dependendo do contexto os paraquedas e os guarda chuvas costumam estar associados à ideia de proteção, segurança, salvação e resgate.

A aproximação de Toshiko à Athos Bulcão não se constitui somente pela presença de algumas referências de figuras recortadas, mas sobre tudo o período comum em que trabalham respectivamente suas collages. Consequentemente também uma aproximação a utilização das revistas, magazines que circulavam na época em preto e branco. Fato esse que ajuda a conferir uma espécie de parentesco dessas collages entre si, graças ao tipo de fotografia dominante na época, e também a própria gramatura dos papeis dessas revistas e a qualidade de impressão. Athos Bulcão vai a Paris entre 1948 e 1949, vive com bolsa de estudos concedida pelo governo francês, realiza cursos de desenho na Académie de La Grande Chaumière e de litografia no ateliê de Jean Pons (1913), [19] que na época já havia experimentado a técnica da collage. Athos Bulcão vai realizar suas collages entre 1952 e 1958 já no Brasil, contemporaneamente a Toshiko.

Retomando o tema das cabeças. Há muitas teorias sobre a questão da decapitação da cabeça da mulher, Ernst em sua pintura La Roberté Proche de 1921 representou uma mulher sem rosto, e praticamente sem cabeça. Mas isso não é uma originalidade de Ernst. A verdade que em termos de operacionalidade da collage, o autor muitas vezes fica na dúvida se é pertinente colocar a imagem de uma pessoa conhecida numa collage em termos de direitos autorais, ou não. Normalmente, o artista opta por alterar a fisionomia para não ser reconhecido o personagem na sua collage, exceto se deseja o contrário. Essa é uma consideração que muitos críticos do surrealismo e da collage ignoram, e preferem desviar suas interpretações para o lado inconsciente. Além do que, cortar o pescoço ajuda na construção das collage. Cabeças, pescoços, braços, pernas, mãos são as partes mais frequentes de serem cortadas, tal como um processo de esquartejamento, estratégia própria a retorica da collage.

Aproveito e chamo aqui a figura de Jorge de Lima não só por seu pioneirismo no Brasil, mas também pela semelhança de certos elementos figurativos e estratégias de composição das collages de Jorge Lima com as de Toshiko, relacionadas ao corpo feminino, as roupas, e as decapitações e substituições. Jorge de Lima (1893-1953), um dos precursores da collage no Brasil, percorreu a poesia, a pintura e a collage como formas de expressão, passando continuamente de uma linguagem a outra. Produziu a primeira fotonovela collage no Brasil, A pintura em pânico em 1943 realizada segundo os moldes de Max Ernst, onde a narrativa clássica dá lugar a uma narratividade descontinua através de golpes de corte, de deslocamento de significados similar ao mundo dos sonhos. A redescoberta de A pintura em pânico só foi possível pelos estudos de José Niraldo de Farias, Sergio Lima e Ana Paulino nas décadas de 80-90, com Toshiko Okanoue foi através do curador Ryuichi Kaneko do Museu de Arte Fotográfica de Tóquio na década de 1990.

Em Jorge de lima temos três collages onde o destaque é também a personagem feminina, as mulheres sem cabeça e ou com cabeças trocadas; e seus os exuberantes vestidos. Nessas três collages Lima se utiliza de fotos de modelos que vestem casacos de pele. Numa delas, a modelo está sentada fumando, Lima suprime a cabeça e troca por uma cabeça de macaco. Na outra, O julgamento do tempo (1947) a modelo está de pé, e ele substitui a cabeça por um escafandro enquanto a mulher segura sua própria cabeça de cabeça para baixo. Na terceira, O nome da musa (1938) dedicada a Henri Michaux, simplesmente ele retira a cabeça deixando um espaço vazio branco ovoide. Tal como as primeiras collages de Toshiko, Jorge de Lima também usa fundo neutros, de uma cor só, e no caso dessas utiliza a técnica do sfumatto, para dar a ideia de fundo infinito.

Mika Kobayashi, critica de fotografia, em seu artigo Toshiko Okanoue: Between the Layers of Dreams, um dos poucos trabalhos de respeito, embora ainda pequeno faz uma brilhante análise e original interpretação, que normalmente pode passar despercebida para os críticos, sobre a questão das cabeças nas collages de Toshiko; e também do conteúdo de outras collages:

 

Os mundos de fantasia que ela criou contêm aspectos extraordinários, enigmáticos e às vezes perturbadores, principalmente a remoção das cabeças das mulheres. Um exemplo notável é The Miracle of Silence (1952), em que a cabeça de uma mulher é destacada e suspensa por um paraquedas. Uma provável razão pela qual Okanoue frequentemente removia as cabeças das mulheres era sua experiência com o uso de manequins sem cabeça para costura e estudo de design de moda. Suas cabeças são substituídas por acessórios, plantas e animais, transformando as mulheres em criaturas imaginárias. Em Visit in the Night (1951), uma misteriosa mulher em vestido de gala tem sua cabeça substituída por um leque numa paisagem nebulosa com arranha céus ao fundo, no céu cinzento flutua um guarda-chuva. Substituir suas cabeças por animais e insetos faz com que as mulheres pareçam ainda mais enigmáticas e extraordinárias. Em Incubação (1955), o corpo de uma mulher repousa sobre uma almofada, sua cabeça é substituída por uma borboleta enquanto que segura os ovos no colo. Que tipo de criatura ela vai chocar? Em Fantasy (1953), uma mulher com cabeça de cavalo está deitada no chão de uma linda sala rodeada por três cavalos. Na mesma linha, em A Noite da Dança (1954), a cabeça de uma mulher em um salão de baile é substituída por um conjunto de mãos com luvas que parecem conformar uma criatura marinha, uma anêmona do mar. Essas cenas irracionais e absurdas podem ser lidas como sua própria fantasia, com um pequeno toque de desejo sexual. É muito interessante ver que a imagem das modelos, criadas como mercadorias idealizadas da sociedade de consumo do pós-guerra, se transformaram em estranhas criaturas carregadas de emoções complexas e altamente forjadas nas mãos de Toshiko. As mulheres até parecem assumir e expressar o poder que foi escondido dentro delas. Em Noblewoman (1954), uma mulher sem braços em um vestido longo está parada em frente a uma porta. Seu perfil do rosto está quase coberto por uma grande broca, e parece prestes a arrombar a porta com a broca, em vez de abri-la. Da mesma forma, em A Trait Angel (1954), uma mulher aparece com duas mãos segurando armas atrás de suas asas que esconde seu rosto. Um homem à direita é arrebatado e voa sobre as asas, tudo se passa sobre um fundo urbano de altos arranha-céus estadunidenses. Os métodos de Okanoue para criar seus trabalhos de collage foram baseados na exploração de cenas e coisas que ela só poderia ter conhecido no Japão do pós-guerra apenas por meio de revistas. As cenas que ela criou em suas obras nos mostram sua admiração por essas coisas do mundo ocidental, mas também seu desejo impulsivo por algo que ela não poderia ter experimentado em sua própria vida. Entre as complexas camadas de motivos, podemos imaginar quais podem ter sido seus desejos, não tão diferentes dos nossos. [20]

 


Particularmente, chama a atenção algumas das collage que Toschiko explora fotografias de interiores arquitetônicos decorados ao estilo vitoriano, clara influência de Ernst que as utilizava como figuras fundo, figuras de espera para suas collages. Os s interiores de Ernst eram de figuras retiradas de revistas da época, gravuras, desenhos, e não fotografias. Em algumas collages também se encontram ambientes modernos, com a presença de elementos inusitados como guarda-chuva que saem de uma tela na parede para o interior do quarto Rainy Day (1951). Em alguns interiores ela explora também o uso exuberantes de lustres antigos como elementos de cenário, e as vezes também como elemento para a transfiguração de suas personagens.

Para entendermos mais profundamente o significado e sentido dessas transfigurações de Okanoue não basta ficar somente na aparência da forma, é necessário mergulhar na questão da linguagem, na língua japonesa para podermos também entender o jogo de significações que em algumas collages podem ocorrer. Não só a questão da linguagem, mas a história e a experiência de ter vivido a guerra, testemunhar as consequências imediatas dos ataques aéreos massivos em Tóquio em maio de 1945. Tudo parece estar refletido nas muitas cenas de catástrofe que aparecem em seu trabalho, alguns temas de guerra que estão transfigurados, mascarados em suas collages: os ataques à submarinos e navios com bombas de profundidade comparecem nas collages de mar e agua; os bombardeios aéreos e os paraquedistas que se traduzem na presença das figuras de aviões bombardeiros, as ruínas, as explosões, e os paraquedas. Tudo isso confere à essas collages também uma qualidade de documentação histórica singular, que se traduz também na forte expressão e dinamismo causando um impacto no observador muito forte.

Em Ernst as imagens são gravuras, em Toshiko são fotografias de revista da década de 1950, nem todas de boa qualidade. Hoje as reproduções digitais dessas collages na internet estão quase todas retocadas num amplo leque que variam da nitidez à tonalizações, parece que comparadas as reproduções dos catálogos parecem até superar em termos de qualidade de imagem. Deve-se também que considerar que por mais bem guardadas que essas collages estivessem, elas com o tempo envelheceram, seus papeis envelheceram tornando-se amarelados. Poderíamos remeter o trabalho de Toshiko Okanoue à uma forte influência de Ernst, mas isso seria, de alguma forma, desmerecer sua originalidade; poderíamos atrever e dizer que a discípula sobre determinados aspectos superou o mestre.

Penso que, talvez se Toshiko não acabasse conhecendo o trabalho de Ernst seu caminho seguiria o mesmo. E, talvez com mais presença de elementos orientais, pois o princípio da collage e do surrealismo no Japão já preexistia anterior mesmo ao trabalho dos surrealistas francesas e de Max Ernst. Atribuir o pensamento surreal, analógico intrínseco a collage, somente à cultura europeia e ocidental, nesse caso seria um equívoco. Por exemplo, a questão da dobra, da dobradura, do origami se faz presente também nas collages de Toshiko dependendo do ponto de vista, do plissado e da plica nas mãos de Toshiko os vestidos de tulhe se transformam em flores, rosas brancas, plumas, de uma beleza dilacerante, e a leveza com que trabalha o papel como voile. Sobre a anterioridade do pensamento analógico surrealista temos o testemunho de Utagawa Kuniyoshi (1797-1862) que criou retratos consistindo de uma cabeça montada a partir de corpos de homens nus e também retratou cenas urbanas com cabeças de peixes, gatos ou pardais. Kuniyoshi é hoje considerado um dos precursores dos Mangas. Essas fantasias oníricas têm uma longa história na arte pictórica japonesa.

O artigo de Hollis Goodall, Origens e influência do surrealismo na arte japonesa, nos dá uma breve e excelente panorâmica das origens do surrealismo no Japão, pergunta ele:

 

Como o surrealismo pegou no Japão e se tornou uma força dominante, envolvendo cerca de três mil artistas? O surrealismo pode ter tido um antecedente familiar com a Art Nouveau, que era popular anteriormente no Japão urbano, tendo se originado na Europa com base na pintura japonesa importada no estilo Rinpa e nas artes decorativas, No desenho do surrealismo, obras de Eikyū e Hirai Terushichi em particular mostram o corte e remontagem de partes, em que fragmentos recém-justapostos criam uma sensação de desconexão estranha e estimulam no espectador um novo nível de percepção. Nas décadas de 1840 até a década de 1860, particularmente, os artistas Utagawa Hiroshige (1797-1858) e Utagawa Kunisada (1786-1865), relacionados apenas por afiliação escolar, muitas vezes combinavam esforços em uma série de impressões justapondo imagens aparentemente aleatórias em uma única impressão da folha. Essa forma de jogo funcionava como um quebra-cabeça para o espectador, que tinha que usar seu conhecimento da cultura popular urbana para descobrir as conexões. Embora não fale ao espectador no nível psicológico do surrealismo, a desconexão chocante de algumas dessas imagens criou um hábito de olhar que foi levado para a era moderna. A montagem e a justaposição também aparentemente aleatória eram expressões populares tanto no cinema japonês quanto na propaganda das décadas de 1920 e 1930, e esses métodos já eram familiares ao público, aos quais produziam por meio da composição de xilogravura do século anterior. [21]

 

Deixou-nos esse delicado e sugestivo relato:

 

Todas elas são eu. A cada dia coloco um vestido novo, se for caso fico nua. Eu sou todas elas, é preciso ver lá no fundo, além do papel designado. Sou uma paper doll. Faço de mim uma paper doll em minhas collages. É assim que brincávamos nos anos 1950. Quando não se tem bonecas de verdade, manequins para brincar, como aqueles brinquedos de vestir a bonequinha, resta recortar das revistas e fazer de conta que é a mesma coisa. Recortávamos uma aqui, outra lá, e fazíamos de conta que “eu sou eu” nessas collages. Me projetava e me encarnava nessas figuras da collage, animava-aa com meus movimentos e recortes, e elas me animavam a prosseguir. Sou a mulher de mil cabeças.

 

Pelo que sabe pela internet Toshiko Okanoue tem 99 anos e vive em Kochi.

 

NOTAS

1. Floriano Martins em “5 poemas de Kansuke Yamamoto (Japão 1914-1987) explica: que “para melhor situar a presença do Surrealismo no Japão cabe referir a chamada era Taisho, que ocupa o período 1912-1926, logo após uma repressiva era Meiji que lhe antecede. Taisho abre espaço para uma expansão experimental tanto na política quanto nas artes. Um de seus resultados mais expressivos é o surgimento do Surrealismo no Japão. Harue Koga (1895-1933) foi um dos primeiros artistas a se utilizar de valores surrealistas em suas pinturas. Logo na poesia veríamos surgir Nishiwaki Junzaburo (1894-1982), que posteriormente seria comparado a Rilke e Valéry, embora mais do que essa comparação o que importa é referir que com ele nasce uma nova tradição poética no Japão. Estudioso de literatura inglesa, seu primeiro livro é justamente Spectrum, de 1925, ao qual ele se referia como um livro de poemas ingleses, escritos quando residia na Grã-Bretanha. Ao retornar a seu país de nascimento levou consigo as ideias do Surrealismo, sendo um de seus introdutores. Kansuke Yamamoto (1914-1987), poeta, desenhista e fotógrafo, logo se beneficia dessa nova realidade, tendo sido ávido leitor da revista surrealista Ciné, dedicada à poesia. Em seguida, ao lado de alguns amigos, funda a Associação de Pesquisa de Fotografia Independente e cria a revista Dokuritsu, dedicada à fotografia. A seu respeito observa Meghan Maloney que ele influenciou profundamente o desenvolvimento do surrealismo japonês e tornou-se uma figura singularmente importante na história da fotografia japonesa. Em Yamamoto poesia e plástica se mesclam na evocação de uma metáfora da liberdade e na crítica refinada da sociedade contemporânea, firmando os postulados do Surrealismo no sentido de uma recusa da dicotomia entre realidade e pensamento. Yamamoto também criou uma revista de poesia, Yoro no Funsui (Fonte da noite), porém ao sair o quarto número foi forçado, pela Polícia do Pensamento, a fechá-la. Com a mudança no ambiente político, o Surrealismo, que então encontrara no Japão uma singular expansão, passa a ser duramente perseguido pelo governo. A fotografia de Kansuke Yamamoto, um dos artistas japoneses mais influentes do século, lidava com uma vigorosa mescla de experimentos que envolviam a fotografia tradicional, fotogramas, poemas visuais e colagens, em uma alquímica mesa de edição. John Solt, ao escrever sobre as distinções entre surrealismo francês e japonês, esclarece: No Japão, a psicologia freudiana não era amplamente praticada ou compreendida. Em vez de se interessar pelo inconsciente per si, artistas e escritores do movimento estavam entusiasmados com a produção de imagens surrealistas. Nesse sentido, os artistas japoneses são uma espécie de reação de segunda geração à experimentação inicial dos ocidentais, e os japoneses fornecem um ponto de vista valioso sobre essa produção inicial. Em 1953, ele próprio diria: O surreal existe dentro do real. A incansável experimentação com a nova fotografia leva à criação de uma nova beleza. Revista Acrobata, junho de 2020.

2. Sobre a importância de Kitasono Katsue para a poesia concreta veja-se o artigo The Word as Object Concrete Poetry, Ideogram, and the Materialization of Language, de Pedro Erber. O artigo discute a relação entre discurso verbal e discurso visual a partir do legado da poesia concreta e neoconcreta dos anos 1950, e de sua teorização pelos poetas Haroldo de Campos, Ferreira Gullar e Kitasono Katsue. Em: Luso-Brazilian Review 49.

3. Para se ter uma ideia de quanto Fukuzawa se interessava pelo surrealismo, no início dos anos cinquenta Ichirō Fukuzawa visita o México e o Brasil para examinar a arte indígena in situ, que influenciaria em sua pintura no mínimo mediante cores mais vibrantes, durante a década de 1950 e início de 1960.

4. Um koan é uma narrativa, diálogo, questão ou afirmação no budismo zen que contém aspectos que são inacessíveis à razão. Desta forma, o koan tem, como objetivo, propiciar a iluminação espiritual do praticante de budismo zen. Essa narrativa admite o nonsense o ilógico como forma de compreensão, por isso se aproxima da narrativa dos surrealistas. Um koan famoso: Batendo as duas mãos uma na outra, temos um som; qual é o som de uma mão somente?

5. Em 1911, foi criada uma polícia especial, que ficou conhecida popularmente como “polícia do pensamento”, por vigiar e perseguir os dissidentes ideológicos do sistema imperial. O Governo também editou naquele ano uma lei da imprensa que, reforçando os critérios para censura, instituía um maior controle das formas de expressão pública. Qualquer manifestação que as autoridades julgassem subversiva da ordem pública podia ser proibida e levar os responsáveis à cadeia. Concebida para perseguir os grupos de esquerda, a Lei de Preservação da Segurança Pública de 1925 radicalizou este viés, criminalizando a arte e a formação de organizações e difusão de ideias ameaçadoras da política nacional e da propriedade privada. Francisco Rüdiger. O pensamento propagandístico japonês, das origens até 1945. Revista com política 2016, vol. 6.

6. Veja-se em https://unframed.lacma.org/2013/01/03/origins-and-influence-of-surrealism-in-japanese-art

7. Asaka Takemitsu (anteriormente Wakayama) casou-se em 1951 com o famoso compositor e escritor japonês de estética e teoria musical Takemitsu admirado pela manipulação sutil do timbre instrumental e orquestral., conhecido por combinar elementos da filosofia oriental e ocidental e por fundir som com silêncio e tradição com inovação. Ela conheceu Takemitsu em 1951, e cuidou dele quando estava sofrendo de tuberculose aos vinte e poucos anos, depois se casou com ele em 1954.

8. Shuzo Takiguchi nasceu em Toyama e morreu em Tóquio, poeta e também um dos críticos de arte mais influentes no Japão do pós-guerra. Enquanto estudava na Universidade Keio, na segunda metade da década de 1920, ele foi profundamente influenciado pelo surrealismo, principalmente do poeta francês André Breton. Takiguchi foi o primeiro poeta japonês a criar poemas surrealistas e o primeiro surrealista no Japão. Ele também contribuiu para espalhar o surrealismo por todo o Japão através de sua tradução de Surrealismo e pintura, de André Breton, em 1930. Escreveu sobre Joan Miró em 1940, o primeiro livro no mundo sobre o artista espanhol.

9. Outro artista que trabalhou extensamente com as decalcomanias, e pouco valorizado, foi Georges Hugnet (1906-1974) Autor do romance de colagem, ou novela collage, Le septième face du dé (1936). Georges Hugnet explorou a decalcomania, em vários trabalhos na década de 1940, como Circa (1946). Seu livro novela collage de poesias, O sétimo lado do dado (Le Septième Face du Dé, 1936), é quase da mesma data de Uma semana de bondade (1934) de Ernst. Mas raramente os críticos de arte e do surrealismo o associam também a Hugnet. Posteriormente em seu trabalho iria misturar as imagens plasmadas através da decalcomania com figuras recortadas de pessoas aplicadas sobre esse fundo como A Little Girl Imagining an Orgy.

10. Mika Kobayashi. Toshiko Okanoue: Between the Layers of Dreams. This document was originally published in Foam Magazine #15, the images mentioned in the text are available at the following URL.

11. Uma primeira monografia de seu trabalho foi publicada em 2002, intitulada “Drop of Dreams: Toshiko Okanoue: Works 1950-1956.”. E agora em 2019, o Tokyo Metropolitan Teien Art Museum apresentou uma mostra individual das obras de Okanoue intitulada “Toshiko Okanoue, Photo Collage: The Miracle of Silence”, bem como um catálogo de exposições com o mesmo nome

12. Op. cit.

13. Bachelard, Gaston, El agua y los sueños. Breviarios del Fondo de Cultura Económica. México. 1978.

14. Alice Violet. “Desafiando o gênero: abraçando a interseccionalidade? Simpósio, Open University, Camden, 28/11/15. 4 de dezembro de 2015.

15. Op. cit.

16. Nesse período, entre os anos 56-57 Sergio Lima estava produzindo a novela collage As aventuras do Mascara Negra, uma narrativa que lembra também fotonovelas collage de Max Ernst, ainda que utilizando outro tipo de imagens, não gravuras de enciclopédia, mas sim imagens fotográficas. Esse material é de grande valor para compor o quadro da história da arte brasileira, seja para o estudo do surrealismo, como também para a história da collage no Brasil. As aventuras do máscara negra foi feita entre Agosto e Dezembro de 1957. Nesta época Sergio Lima, ainda que conhecesse algumas imagens das novelas-collages de Max Ernest, não tinha conhecimento de como eram compostas as narrativas de Ernst. As aventuras do máscara negra esta compostas a partir de textos e imagens-collages. O texto que se encontra é proveniente de narrativas automáticas, poesias, que ora funcionam como páginas-textos, ora como legendas em apoio as collages. O conteúdo da história tal como o nome indica é basicamente de aventura e ação. O personagem está baseado nos moldes dos seriados de cinema da época: Jim da Selva, Perigos de Paulina, Fantômas, Cavaleiro Prateado, …Trata-se de uma brilhante trama feita mediante constante reenvios literários ao romance gótico ou noir, e também as aventuras de histórias em quadrinhos, como O Fantasma. O máscara negra, personagem central, presente em algumas collages, apresenta-se como um personagem extraído de aventuras de bang-bang, e seu rosto nunca se deixa revelar. Em uma das collages: O amanhecer do máscara negra, aparece sua cabeça flutuando no ar, sobre o amanhecer. Para construir suas aventuras Sergio Lima utilizou-se de recortes de revistas da época, desde Life até Revista Cinema. As figuras escolhidas e recortadas foram as mais variadas, desde anúncios publicitários, como Toddy, até paisagens da natureza. Muitas das figuras femininas que aparecem principalmente no primeiro capítulo da parte I, foram tiradas de cartas de baralho pornô.

17. Mika Kobayashi, artigo Toshiko Okanoue: Between the Layers of Dreams. 1973 This document was originally published in Foam Magazine #15, the images mentioned in the text are available at the following URL.

18. Athos produziu diversas collages totalmente surrealistas nesse período no início dos anos 1950, cujo único paralelo na arte brasileira encontra semelhança nas collages vanguardistas surreais de Jorge de Lima, que produziu a primeira fotonovela collage, A pintura em Pânico, inspirado na obra de Max Ernst. Há uma pequena divergência com relação ao período de produção de Bulcão, em alguns artigos encontramos o período referente a 52-58, e em outro 49-54. Outra contradição é chamar as collages de Athos Bulcão de Fotomontagens, quando o correto é chamar collage, tal qual os surrealistas franceses chamavam suas collages para se diferenciarem dos dadaístas. Essas collages foram em um momento bem específico da vida do artista. quando o Brasil experimentava uma efervescência no campo da fotografia. Athos Bulcão tinha retornada da efervescência de Paris e estava em crise, pois havia descoberto que não poderia viver de pintura no Brasil.

19. Jean Pons cria vários livros ilustrados, trabalhando, entre outros, com Aimé Césaire (“Batouque”, 1945) e Charles Estienne (“Rosa do insulto”, 1952).

20. Mika Kobayashi (b.1973) is a photo critic em seu artigo Toshiko Okanoue: Between the Layers of Dreams . This document was originally published in Foam Magazine #15, the images mentioned in the text are available at the following URL.

21. Hollis Goodall, Origins and Influence of Surrealism in Japanese Art. 3 de janeiro de 2013. 

 


FERNANDO FREITAS FUÃO
| Arquiteto, artista e ensaísta brasileiro, nascido em 1956. Começou a fazer colagens em 1975, no mesmo ano em que ingressa na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Pelotas (1975-81). Em 1987 vai a Barcelona cursar o doutorado na Escuela Técnica Superior de Arquitetura, desenvolve a tese Arquitetura como collage. Em 2011, publica o livro A collage como trajetória amorosa (Editora UFRGS). Possui uma série de artigos e ensaios que giram em torno a Collage, assim como textos publicados sobre alguns collagistas. Articula interlocuções da collage com a filosofia, a arquitetura, a psicologia e a educação. Desenvolveu a pesquisa A collage no Brasil, arquitetura e artes plásticas, sob o viés do surrealismo (1992-1995. CNPq). Pertenceu ao Grupo Surrealista de São Paulo, liderado por Sergio Lima e Floriano Martins durante os anos 1990. Ministrou desde então uma série de cursos e oficinas sobre collage. Mantém o blog http://mundocollage.blogspot.com/ e https://fernandofuao.blogspot.com/

 

 


JOE HESTER | (Austrália, 1920-1960). Foi uma intrigante artista do desenho, cujo traço automático acentuava a expressão dos rostos por ela revelados. Parte considerável da crítica entende que sua melhor fase data de 1948-9 quando fez inúmeros desenhos de seu amante. Contudo, a impulsão selvagem de sua mão trouxe à luz imagens tanto assombrosas, quanto as delirantes figuras da série “Getsêmani” (1946-47), quanto fascinante, no caso da luxúria encontrada na série “Os Amantes” (1956-58), ou mesmo cativante como os desenhos maiores de sua fase final, em que vemos crianças com os olhos esbugalhados ao lado de seus cães. Ao lado de James Gleeson, Sidney Nolan, Arthur Boyd e outros, Joe Hester se encuentra entre os grandes artistas australianos do século passado.


 

Agulha Revista de Cultura

Série SURREALISMO SURREALISTAS # 07

Número 206 | abril de 2022

Artista convidada: Joy Hester (Austrália, 1920-1960)

Tradução: Allan Vidigal

editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com

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