sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

DAINIS KAREPOVS | Mário Pedrosa entrevista Benjamin Péret

 


Esta entrevista de Mário Pedrosa com o poeta surrealista francês Benjamin Péret, [1] publicada em 17 de novembro de 1928, foi recentemente redescoberta perdida nas páginas de um jornal paranaense. A Revista Aurora a divulga com seus leitores devido à relevância do texto.

Militante nas fileiras do Partido Comunista do Brasil (PCB), desde meados de 1925, Mário Pedrosa foi indicado pelo partido para frequentar o curso de formação de quadros, na Internacional Comunista em Moscou, a Escola Leninista Internacional. Tal designação, ocorrida provavelmente no final de setembro, levou-o a embarcar para Moscou, em 7 de novembro de 1927. Essa escolha era o resultado da orientação do PCB no período, qual seja, o de sua aproximação com os setores médios e a intelectualidade brasileira. Mário Pedrosa, naquela época atuando como jornalista no Diário da Noite de São Paulo, dava concretude a tal diretiva. Junto a Heitor Ferreira Lima – jovem sindicalista da categoria dos alfaiates do Rio de Janeiro –, também escolhido para frequentar a Escola Leninista Internacional (este já havia embarcado em meados de outubro rumo a Moscou), ambos simbolizavam a atuação e o perfil dos comunistas brasileiros.

Em seu trajeto para Moscou, Pedrosa foi de navio a Hamburgo, na Alemanha, e dali seguiu para Berlim, de onde deveria tomar um trem rumo à cidade russa. No entanto, por razões de saúde, Pedrosa permaneceu na capital alemã. Com as notícias provenientes da União Soviética sobre o congresso do Partido Comunista soviético, que se realizava naquele momento tematizando a expulsão da Oposição Unificada, capitaneada por Trotsky, Kamenev e Zinoviev, Pedrosa decide não mais ir a Moscou. Em carta a Livio Xavier, afirmou:

 

Hoje – posso dizer que foi melhor que eu ficasse. Não devia ir. Teria sido pior. O valor da informação talvez fosse nulo – por impossível no regime da escola. [...] A situação é mais grave do que parece. E você acredita que eu teria a liberdade (sem saber o russo) de me informar seriamente? Na Escola? Não, talvez fosse pior pra mim. Hoje, estou perfeitamente conformado em não ter ido. (MARQUES NETO, 1993)

 

Assim, ao mesmo tempo em que buscava se situar frente aos acontecimentos da luta entre Stalin e Trotsky, Pedrosa permaneceu militando no Partido Comunista alemão e em contato com os membros da Oposição de Esquerda francesa, em particular com Pierre Naville, com quem mantinha correspondência, desde os tempos em que estava no Brasil, embora naquela ocasião o foco das cartas fosse mais dedicado ao surrealismo, movimento do qual Naville fazia parte e se afastou, paulatinamente, para se dedicar à militância no movimento comunista. Além da militância na Alemanha, Pedrosa continuou a exercer sua atividade de jornalista, enviando textos ao Brasil. Não foi possível, até agora, realizar um levantamento completo deles. Até o momento, foram localizados uns poucos enviados para o Diário da Noite, de São Paulo (certamente pelo fato de que ali trabalhou até as vésperas de partir para a Alemanha); O Dia, de Curitiba (por conta de contatos que estabeleceu, provavelmente, com o redator-chefe, Rodrigo de Freitas); e com o jornal A União, da Paraíba (pelas relações que tinha com o editor Anthenor Navarro). [2]

Desse conjunto, destacamos a curta entrevista que Pedrosa fez com Benjamin Péret, em um de seus deslocamentos para Paris, feito quando foi para lá assistir ao casamento de Elsie Houston (irmã da sua companheira Mary) e Benjamin Péret. O matrimônio ocorreu em 12 de abril de 1928 (PARATODOS, 1928). Na ocasião, Pedrosa aproveitou para entrevistar Péret como jornalista. Ali se estabelecera, além da proximidade intelectual (ambos partilhavam da mesma posição política e se aproximavam das posições da Oposição de Esquerda e das ideias de Leon Trotsky), também uma relação familiar, já que desde então ambos se tornaram contraparentes. Pedrosa retornou a Berlim, onde ficaria até abril de 1929, quando regressou a Paris, ali permanecendo até julho e aderindo efetivamente às posições de Trotsky e da Oposição Internacional de Esquerda. Em 19 de julho de 1929, retornou ao Brasil, iniciando sua militância pela Oposição de Esquerda no país.

Em uma carta a Livio Xavier, quando retornou a Berlim após o casamento de Elsie Houston e Benjamin Péret, Pedrosa comentou:

 

Em Paris, estive algumas vezes com os surrealistas. Bons rapazes. O Breton fisicamente causa boa impressão – é forte, grandão, cara de macho, beiços grossos, bom aspecto de saúde física e força. Isso vai pra Mary. Quanto ao mais – simpático, muito inteligente – e acostumado a falar pra ser ouvido. A meninada escuta e respeita. O Péret – é aquilo que nós pensávamos. Camarada simpático, simples, sem grande inteligência, doido, vagabundo, poeta, entusiasmado, forte – e intelectualmente – seguindo o Breton e o Aragon, sobretudo o primeiro. [...] Fiz uma entrevista com Péret sobre o surrealismo. Gozada. (MARQUES NETO, 1993)

 


A entrevista, no entanto, não foi redigida e enviada de imediato. Por alguma razão, além, naturalmente, da demora nas comunicações entre a Europa e o Brasil (naquele tempo), o texto acabou publicado apenas no final de novembro e em um jornal paranaense, de oposição ao regime de Washington Luiz, o que ajuda a compreender o fato de que somente agora essa entrevista pode ter sua difusão ampliada. No texto, Pedrosa afirma que o surrealismo era o único movimento que se mantinha (os demais, segundo ele, haviam cedido ao individualismo) e dá a palavra a Péret. As respostas são apresentadas divididas por parágrafos e sem a reprodução das questões de Pedrosa. Péret iniciou a fala depois de reivindicar a herança histórica da qual procedia (Nerval, Poe, Baudelaire, Lautréamont, Jarry, Vaché, Apollinaire, Rimbaud), afirmando que o surrealismo era fundamentalmente um estado de espírito revolucionário, uma atitude revolucionária. É revolucionário no domínio da poesia, no domínio da expressão dos estados de sonho. A seguir, Péret destacou que o surrealismo se descolara da literatura tradicional (que afirmou ser coisa para velhos gotosos e caquéticos) e tomava caminhos revolucionários:

 

O modo de escrever surrealista tem uma significação revolucionária, pois acarreta consigo a negação dos valores burgueses. É o único modo de expressão legítima e que suprime a intervenção da razão, instrumento com que a burguesia vem embrutecendo a França, o Ocidente, já desde Voltaire. O Ocidente, a França, o francês médio, a burguesia, a razão – tout cela n’est pur la bêtise”. (PEDROSA, 1928)

 

Péret, por fim, enfatiza o aspecto do surrealismo que então vigia em seu interior, o seu vínculo político, a partir do qual, desse modo, retomava a conexão de Marx e Rimbaud, estabelecida na máxima transformar o mundo e mudar a vida:

 

A revolução para nós surrealistas não é outra, não pode ser outra senão a revolução comunista, condicionada pelos meios de execução e de vitória definidos pela 3ª Internacional, pela Internacional Comunista. Por seu próprio desenvolvimento interior, pela polarização de sua ideia de revolução, pelas próprias condições burguesas de existência – o surrealismo foi ter ao comunismo, numa atração inconsciente. O surrealismo, mais uma vez (convém repetir) não distingue a seção da poesia nem esta da revolução: – são faces diferentes dum mesmo estado de coisas. (PEDROSA, 1928)

 

Esse vínculo com o político era um aspecto muito pouco enfatizado na leitura que então se fazia do surrealismo em terras brasileiras, onde havia preferência por aferrar-se mais aos escândalos que os surrealistas provocavam em suas intervenções. Péret também deixou em sua entrevista a Pedrosa um esclarecimento sobre as razões dos estardalhaços:

 

O único meio revolucionário que atualmente está mais diretamente ao nosso alcance é o escândalo. E eis porque nunca deixamos nem deixaremos passar uma só ocasião, que seja, de fazê-lo e provocá-lo. E isto “eles” já compreenderam, tanto que em torno de nós fizeram a conspiração do silêncio. Mas não abafarão a nossa voz e o grito da Revolução “eles” hão de ouvir. (PEDROSA, 1928)

 

Enfim, foi Mário Pedrosa quem apresentou Benjamin Péret e o surrealismo ao Brasil, por meio de um ponto de vista mais político e engajado do que literário.

 

O MODERNO MOVIMENTO INTELECTUAL DA EUROPA

 


A significação do surrealismo [3] – Uma palestra com o poeta do “Le Grand Jeu” Benjamin Péret fala a O DIA no “Café Radio”, em Paris, onde se achava nosso correspondente epistolar em Berlim.

 

Paris, em Outubro (Especial para O DIA por M. Pedrosa). Em Paris, de todos os movimentos ditos modernos, originários dos meios intelectuais e artísticos, só o surrealismo ainda vive coerente e coeso, com uma persistência que admira. Dissolveram-se os grupos, aquela agitação enervante de durante e depois da guerra cessou. Reina agora, ali, uma quietude de ventos parados. Os artistas voltaram ao seu individualismo, cada um tomou posição, fixou-se, e as doutrinas e os manifestos coletivos cederam lugar às obras, às tendências individuais, às preocupações solicitadas pelo temperamento de cada um. Só o movimento surrealista se mantém unido em grupo, sistematizado na sua doutrina. Apesar das defecções, o número de seus adeptos não diminui. Novas adesões das camadas mais novas, dos que apenas vão chegando da juventude, com mal completados 20 anos de idade, e ainda completamente inéditos, preenchem os claros abertos. Muitos não se dão ao trabalho de expressar, por escrito ou por outro qualquer meio, o próprio pensamento: não são escritores nem pintores. São espíritos inteligentes que aceitam o surrealismo, como outrora se era católico ou positivista, aderia-se ao anarquismo – com a sua doutrina e, por assim dizer, a sua disciplina. Pois esse movimento não se caracteriza por sua atividade literária ou artística, como muita gente pensa.

Está fora do domínio da arte e da literatura, é mesmo dirigido contra essa forma de atividade espiritual. Eles são peremptórios nesse sentido. Aliás, é de se notar que quase todas as defecções têm partido dos que escrevem, dos mais inclinados ao manejo da pena, dos mais solicitados pelas glórias literárias, dos mais dotados da capacidade de expressão. Assim desde a já longínqua defecção de Delteil até Soupault, Desnos [4] etc. E sem falar dos pintores que, mais sujeitos à corrupção pela fortuna e pelo sucesso, são por isso mesmo menos seguros na intransigência doutrinária e disciplina. Max Ernst, por exemplo, já em pleno gozo do sucesso, e Miró, às portas dele. [5] O núcleo central do grupo, para só falar dos que escrevem, é composto por Breton, Aragon, Éluard [6] e Péret. E foi numa tarde, abancado numa mesa do Café Radio, [7] onde o grupo costuma se reunir, que ouvimos ao último daqueles – Benjamin Péret, esse admirável tipo de poeta, da riqueza marinha de sua imaginação à sua magnífica vocação de revolucionário – contar da verdadeira significação do surrealismo. Recolhi esta palestra pros leitores de O DIA, pois que diz respeito a um dos mais interessantes movimentos espirituais da França e com certeza o mais profundamente moderno, o mais fundamentalmente impregnado e compenetrado, em todo o Ocidente, de todos os grandes problemas que agitam a nossa época e lhe tecem o enredo de seu drama. 

Mario Pedrosa

 

O surrealismo não é nenhuma escola literária nem movimento artístico, começa B. Péret. Está fora do domínio da arte, pois toda arte supõe uma escolha, e o surrealismo é por definição um automatismo psíquico. [8] É verdade que este, se não procede, vem, pelo menos de Dadá [9] (que se caracterizou por sua desafeição de toda expressão), proclamando que tudo era igual e preconizando a violência contra tudo. Dadá era por assim dizer a expressão da Anarquia. O surrealismo, porém, polarizou-se em torno de algumas ideias e criou, portanto, ao contrário da Dadá, uma expressão nova e própria.

 

– Este é fundamentalmente um estado de espírito revolucionário, uma atitude revolucionária. É revolucionário no domínio da poesia, no domínio da expressão dos estados de sonho. E nessa expressão já Nerval, Poe, Baudelaire, Rimbaud, Lautréamont, Jarry, Vaché, Apollinaire foram surrealistas. [10] Poe, por exemplo, em Marginália. Baudelaire, exprimindo o amor, como no poema “À la três belle”. Lautréamont, que era o contrário dum artista. Rimbaud, no sentido da vida, no seu sentido único, revolucionário, surrealista; Rimbaud, de quem se vive procurando desfigurar, mas em vão, a rebelião indomável, até o fim. Foi ele o primeiro a ter consciência da impossibilidade de expressão espiritual dentro da Sociedade, debaixo das condições atuais sociais existentes. Les Illuminations são todas numa escritura surrealista. Jarry pela rigolade, pela criação de Ubu, que ele acabou encarnando em pessoa durante a vida toda. E, finalmente, Apollinaire, que, apesar de esteta contra ele próprio, a sua obra guarda alguns caracteres surrealistas, sobretudo em Calligrames. Foi o último poeta, como disse Breton.

 


– Sim, há uma identidade absoluta: a poesia só existe quando tem uma significação rebelde, revolucionária. Do contrário, é literatura, e literatura hoje em dia é só para velhos gotosos e cacochymes. [11] O modo de escrever surrealista tem uma significação revolucionária, pois acarreta consigo a negação dos valores burgueses. É o único modo de expressão legítima e que suprime a intervenção da razão, instrumento com que a burguesia vem embrutecendo a França, o Ocidente, já desde Voltaire. O Ocidente, a França, o francês médio, a burguesia, a razão – tout cela n’est pur la bêtise.

 

– Oh! A direção da marcha do desenvolvimento do surrealismo é por definição imprevisível. A este é impossível prever e ele mesmo escapa a toda previsão. Ninguém pode saber para onde ele vai. Só uma coisa é certa para ele: todo valor moral no estado social atual tem de ter por força e por definição um valor revolucionário. E quem diz revolucionário diz moral.

 

– A revolução, para nós surrealistas, não é outra, não pode ser outra senão a revolução comunista, condicionada pelos meios de execução e de vitória definidos pela 3ª Internacional, pela Internacional Comunista. Por seu próprio desenvolvimento interior, pela polarização de sua ideia de revolução, pelas próprias condições burguesas de existência, o surrealismo foi ter ao comunismo, numa atração inconsciente. O surrealismo, mais uma vez (convém repetir), não distingue a ação da poesia nem esta da revolução: são faces diferentes dum mesmo estado de coisas.

 

– O único meio revolucionário que atualmente está mais diretamente ao nosso alcance é o escândalo. E eis porque nunca deixamos nem deixaremos passar uma só ocasião, que seja, de fazê-lo e provocá-lo. E isto eles já compreenderam, tanto que em torno de nós fizeram a conspiração do silêncio. Mas não abafarão a nossa voz, e o grito da Revolução eles hão de ouvir. [12]

 

NOTAS

A presente edição é uma reprodução da Aurora: revista de arte, mídia e política, São Paulo, v.14, n.42, out.- dez, 2021.

1. Benjamin Péret, nome artístico de Victor Maurice Paul Benjamin Péret (1899-1959). Poeta francês. Em 1920, Péret tomou contato com o grupo da revista Littérature e sua conversão à escritura automática foi imediata. Em 1921, seus poemas e contos já trazem essa marca e o acompanharão por toda a vida. Entre sua obra poética, destacam-se: Grand Jeu (1928); De derrière de fagots (1934); Je ne mange de ce pain-là (1936); além de obras como Anthologie de l’amour sublime (1956) e Anthologie des mythes, légendes et contes populaires d’Amérique (1959). Casado com a cantora brasileira Elsie Houston, com quem teve um filho, Geyser Péret. Esteve no Brasil em duas ocasiões: quando foi expulso por sua militância nas fileiras da Oposição de Esquerda brasileira (1929-1931); quando foi preso por conta de sua expulsão de 1931, mas acabou libertado pelo presidente da República, Juscelino Kubitschek, devido ao protesto dos intelectuais brasileiros (1955-1956). Durante a Segunda Guerra Mundial, esteve exilado no México.

2. PEDROSA, Mário. Silvestre, o carnaval na Alemanha. Como se divertem os alemães e as alemãs. O que bebeu e o que comem Berlim nesta noite. Diário da Noite. São Paulo, 10-02-1928; ___. O teatro moderno em Berlim. A voga do teatro político. A aventura de Rasputin no palco. Os incidentes políticos e sociais que provocou. Diário da Noite. São Paulo, 14-02-1928; ___. O teatro moderno na Alemanha – II. As realizações do teatro político. A introdução do cinema nos dramas históricos modernos. Diário da Noite. São Paulo, 16-03-1928; ___. No caminho da amizade franco-alemã. Manifestação pacifista em Berlim. Diário da Noite. São Paulo, 02-04-1928; ___. A propósito de Leipzig e da sua feira. Contraste curioso. Os pavilhões nacionais e internacionais. Ausência do Brasil. A casa das invenções e novidades. Diário da Noite. São Paulo, 17-04-1928; ___. O moderno movimento intelectual da Europa. A significação do super-realismo – Uma palestra com o poeta do “Le Grand Jeu”: Benjamin Péret fala a O Dia no “Café Radio”, em Paris, onde se achava nosso correspondente epistolar em Berlim. O Dia, Curitiba, 17-11-1928; ___. O drama da economia moderna. O Dia, Curitiba, 0212-1928; ___. A rebelião romântica e o espírito prussiano. A União, Paraíba, dezembro de 1928.

3. Embora Mário Pedrosa, já nessa época, bem como vários de seus contemporâneos, traduzisse e empregasse a palavra surrealismo (ver, por exemplo, a sua correspondência com Livio Xavier, reproduzida na obra de José Castilho Marques Neto [Solidão revolucionária: Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2022 (no prelo)]), o jornal O Dia preferia “super-realismo”, coisa que aqui corrigimos para respeitar a vontade de Pedrosa. [D.K.]

4. Joseph Delteil (1894-1978). Escritor e poeta francês. Embora seu primeiro romance (Sur le Fleuve Amour) o tenha aproximado dos surrealistas em 1922, eles logo rompem com Delteil pela publicação de sua novela dedicada a Joana d’Arc, em 1925. Philippe Soupault (1897-1990). Poeta, escritor e jornalista francês. Além de iniciador do dadaísmo na França, foi fundador do surrealismo. Em 1919, publica Os Campos Magnéticos, de 1920, considerada a primeira obra de escrita automática e marco inicial do movimento surrealista, escrita em parceria com André Breton. Acaba excluído do movimento surrealista, em 1926, por sua dispersão literatura. Robert Desnos (1900-1945). Poeta francês. Desnos é antes de tudo aquele que, em 1922, durante as experiências do sono, fala surrealista à vontade, como escreveu Breton no primeiro Manifesto do Surrealismo. Acaba se afastando do surrealismo em razão de sua aproximação com o comunismo e acaba retomando a poesia de forma mais tradicional. Deportado ao campo de concentração nazista de Buchenwald, em 1944, Desnos morre vitimado pelo tifo, na Tchecoslováquia, pouco depois de sua libertação. [D.K.]

5. Max Ernst, nome artístico de Maximilian Maria Ernst (1891-1976). Pintor, escultor, artista gráfico e poeta alemão. Após a Primeira Guerra Mundial, Ernst ingressou no movimento dadaísta na Alemanha. Em 1922, Ernst se mudou para a França, onde dois anos depois aderiu ao surrealismo, com o qual rompeu em 1938. Joan Miró, nome artístico de Joan Miró i Ferrà (1893-1983). Pintor, escultor, gravurista e ceramista espanhol. Em 1919, mudou-se para a França, entrando algum tempo depois em contato com os surrealistas. Participou na primeira exposição surrealista, em 1925. [D.K.]

6. André Breton, nome artístico de André Robert Breton (1896-1966). Escritor, ensaísta, crítico e poeta francês. A vida e a obra de Breton se confundiram com o surrealismo, o qual fez seu e manifestou todas as preocupações sem exceção. Quando estudou medicina (curso que não concluiu por conta da Primeira Guerra Mundial), Breton se interessou por doenças mentais, as quais o levaram à leitura de Sigmund Freud (a quem conheceu em 1921). Isto lhe trouxe o conceito de inconsciente. Influenciado pela psiquiatria e pela poesia simbolista, juntou-se aos dadaístas. Em 1919, Breton e Philippe Soupault publicaram Os Campos Magnéticos, o primeiro exemplo da técnica surrealista de escrita automática. Em 1924, no primeiro Manifesto do Surrealismo, Breton definiu-o como automatismo psíquico em estado puro mediante o qual se propõe exprimir, verbalmente, por escrito ou por qualquer outro meio, o funcionamento do pensamento. Ditado do pensamento, suspenso qualquer controle exercido pela razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral. Disposto a combinar os temas de transformação pessoal, encontrados nas obras de Arthur Rimbaud, com a política de Karl Marx, Breton e vários surrealistas ingressaram no Partido Comunista francês, no final dos anos 1920. Rompeu com o Partido Comunista em 1935, mas permaneceu comprometido com os ideais marxistas. Ao viajar ao México em 1938, visitou Leon Trotsky, ali exilado. Juntos, Breton e Trotsky escreveram o Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente (publicado com os nomes de Breton e Diego Rivera), defendendo a liberdade total da arte, especialmente naquele momento em que se avizinhava uma nova guerra mundial, e o fascismo parecia tomar vulto cada vez mais sombrio para a humanidade. Louis Aragon, nome artístico de Louis Andrieux (1897-1982). Poeta, romancista e ensaísta francês. Um dos fundadores do movimento surrealista. Com seu ingresso no final dos anos de 1920 no Partido Comunista francês, onde passou a exercer autoridade contínua sobre sua expressão literária e artística, passou a progressivamente a incorporar os cânones estéticos impostos pelo Partido Comunista soviéticos aos demais partidos comunistas do planeta, passando a posteriormente empregar o realismo socialista em sua obra, também ela tomando rumos nacionalistas. Esse processo o levou a se afastar do surrealismo em 1932. Paul Éluard, nome artístico de Eugène Grindel (18951952). Poeta francês. Um dos fundadores do movimento surrealista, teve nele, entre 1922 e 1938, um papel de primeira linha. Após a Guerra Civil Espanhola, Éluard abandonou as experimentações surrealistas. Em 1942, ingressou no Partido Comunista francês, onde se tornou referencial, levando a que escrevesse coisas como Porque a vida e o homem elegeram Stalin para encarnar na terra sua esperança ilimitada. [D.K.]

7. Os cafés de Paris foram um lugar marcante na vida do movimento surrealista. Ali, encontravam-se do meio do dia até a noite. Mas não eram cafés literários como ainda hoje se compreende a expressão. Se neles ocorria tudo o que se pode associar a movimentos artísticos e literários, era imprescindível que acima de tudo fossem verdadeiros cafés, com seu vai-e-vem, sua clientela, seus amantes, seus jogadores de carteado. O Café Radio ficava no chamado Baixo Montmartre, na esquina do Boulevard Clichy e da Rue Coustou. De acordo com o professor e cineasta francês Henri Béhar, em Le Paris des surréalistes, Breton institui um uso surrealista do café. Nele se encontravam em um horário determinado, para fazer um balanço, discutir apaixonadamente, preparar um folheto, uma edição de uma revista, tomar uma posição coletiva ou nada decidir. Cada um fazia seus pedidos e pagava sua conta. […] Em dias de briga, ou para evitar aborrecimentos, ia-se [...] ao Café Radio [...] onde foram acolhidos os jovens recrutas Buñuel e Dali. [D.K.]

8. O automatismo foi uma técnica usada pela primeira vez por pintores e poetas surrealistas para expressar a força criativa do inconsciente na arte. Influenciados pela teoria psicanalítica freudiana, os surrealistas acreditavam que os símbolos e imagens assim produzidos, embora pudessem parecer estranhos ou incongruentes para uma mente consciente, na verdade constituíam um registro das forças psíquicas inconscientes de uma pessoa e, por isso, possuíam um significado artístico inato. Se no campo da escrita apresentaram retrospectivamente resultados sobre os quais se podem discutir ainda hoje, o automatismo foi um veículo mais produtivo para os pintores surrealistas, tornando-se parte do repertório técnico na pintura atual. [D.K.]

9. O dadaísmo foi um movimento artístico da vanguarda europeia cujos primórdios se dão com a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Floresceu na Europa e nos Estados Unidos. As atividades dadaístas duraram até meados da década de 1920. O movimento Dadá rejeitava a lógica, a razão e o esteticismo da sociedade capitalista moderna, expressando seu descontentamento com a violência, a guerra e o nacionalismo. A arte do movimento abrangia as artes plásticas, a literária e a música, por meio de diversas formas e técnicas, e nela, expressando sua rejeição à ideologia capitalista, parecendo rejeitar a lógica, abraçava o caos e a irracionalidade. De acordo com Hans Richter, Dadá não era arte: era anti-arte. Dadá representava o oposto de tudo o que a arte representava. Onde a arte se preocupava com a estética tradicional, Dadá ignorava a estética. Se a arte era para apelar às sensibilidades, Dadá pretendia ofender. Em Paris, o Dadá ganhou ênfase literária com um de seus fundadores, o poeta Tristan Tzara. Na França, antes do surgimento do surrealismo, seus precursores André Breton, Louis Aragon e Philippe Soupault, que haviam fundado a revista Littérature (que circulou entre 1919 e 1924), aproximaram-se do dadaísmo, mas dele acabaram se afastando em meados de 1923, por sua ênfase niilista. Entre as principais figuras do movimento, destacam-se: Jean Arp, Johannes Baader, Hugo Ball, Marcel Duchamp, Max Ernst, Elsa von Freytag-Loringhoven, George Grosz, Raoul Hausmann, John Heartfield, Emmy Hennings, Hannah Höch, Richard Huelsenbeck, Francis Picabia, Man Ray, Hans Richter, Kurt Schwitters, Sophie Taeuber-Arp, Tristan Tzara e Beatrice Wood, entre outros. [D.K.]

10. Benjamin Péret lista aqui alguns poetas que considerava como precursores do surrealismo. Gérard deNerval, nome artístico de Gérard de Labrunie (1808-1855). Poeta, escritor e dramaturgo francês. Edgar Allan Poe (1809-1849). Poeta e escritor estadunidense. Charles Baudelaire, nome artístico de Charles-Pierre Baudelaire (1821-1867). Poeta francês. Arthur Rimbaud, nome artístico de Jean-Nicolas Arthur Rimbaud. (1854-1891). Poeta francês. Conde de Lautreamont, nome artístico de Isidore Lucien Ducasse (1846-1870). Poeta franco-uruguaio. Alfred Jarry (1873-1907). Poeta, escritor e dramaturgo francês. Jacques Vaché (1896-1919). Escritor francês. Guillaume Apollinaire, nome artístico de Wilhelm Albert Włodzimierz Apolinary de Waż-Kostrowicki (1880-1918). Poeta, dramaturgo, contista, romancista e crítico de arte francês. [D.K.]

11. Caquéticos [D.K.]

12. O Dia. Curitiba, 17nov1928. 

 

REFERÊNCIAS

Carta de Mário Pedrosa a Livio Xavier. Berlim, março ou abril de 1928. In: MARQUES Neto José Castilho. Solidão Revolucionária: Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

Carta de Mário Pedrosa a Livio Xavier. Berlim, 14 de maio de 1928. In: MARQUES Neto J. C. Op. cit.

Para Todos. Rio de Janeiro, ano X, nº 488, 21abr1928.

PEDROSA, Mário. O moderno movimento intelectual da Europa. A significação do surrealismo – Uma palestra com o poeta do “Le Grand Jeu”: Benjamin Péret fala a O Dia no “Café Radio”, em Paris, onde se achava nosso correspondente epistolar em Berlim. O Dia, Curitiba, 17-11-1928. 

 


DAINIS KAREPOVS. Mestre e doutor em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo. Pós-doutorado em História, realizado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Coautor, com Fulvio Abramo, de Na Contracorrente da História (Sundermann, 2015). Autor de Pas de politique Mariô! Mário Pedrosa e a política (Ateliê; Editora da Fundação Perseu Abramo, 2017).
 

 

 


PIERRE MOLINIER (França, 1900-1976). Fue pintor, fotógrafo, diseñador y creador de objetos. En 1955, Pierre Molinier se puso en contacto con André Breton y en 1959 se exhibía en la Exposición Surrealista Internacional. En ese momento, definieron el propósito de su arte como para mi propia estimulación, indicando la dirección futura en una de sus exhibiciones en la muestra surrealista de 1965: un consolador. Entre 1965 y su suicidio en 1976, hizo una crónica de la exploración de sus deseos transexuales subconscientes en Cent Photographies Erotiques: imágenes gráficamente detalladas de dolor y placer. Molinier, con la ayuda de un interruptor de control remoto, también comenzó a crear fotografías en las que asumía los roles de dominatriz y súcubo que antes desempeñaban las mujeres de sus cuadros. En estas fotografías en blanco y negro, Molinier, ya sea solo con maniquíes de muñeca o con modelos femeninos, aparece como un travesti, transformado por su vestuario fetiche de medias de rejilla, liguero, tacones de aguja, máscara y corsé. En los montajes, un número improbable de miembros enfundados en medias se entrelazan para crear las mujeres de las pinturas de Molinier. Declaró: En la pintura, pude satisfacer mi fetichismo de piernas y pezones. Su principal interés con respecto a su sexualidad no era ni el cuerpo femenino ni el masculino. Molinier dijo que las piernas de ambos sexos lo excitan por igual, siempre que no tengan pelo y estén vestidas con medias negras. Sobre sus muñecas dijo: Si bien una muñeca puede funcionar como un sustituto de una mujer, no hay movimiento, no hay vida. Esto tiene cierto encanto si se está ante un cadáver hermoso. La muñeca puede, pero no tiene que convertirse en el sustituto de una mujer.

 



Agulha Revista de Cultura

Número 220 | dezembro de 2022

Artista convidado: Pierre Molinier (França, 1900-1976)

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