terça-feira, 15 de abril de 2025

DEMETRIOS GALVÃO (1979)

 

DOCUMENTA – A POESIA BRASILEIRA

 


DEMETRIOS GALVÃO (Teresina/PI, 1979). Poeta, editor e professor. Autor dos livros de poemas Fractais Semióticos (2005), Insólito (2011), Bifurcações (2014), O Avesso da Lâmpada (2017), Reabitar (2019), do objeto poético Capsular (2015) e da plaquete A Inconstância dos Fluxos (2023). Participou do coletivo poético Academia Onírica e foi um dos editores do blog Poesia Tarja Preta (2010-2012) e da AO-Revista (2011-2012). Tem poemas publicados em diversas antologias e revistas literárias. É coeditor da revista Acrobata e do projeto Atlas Lírico da América Hispânica, assim como, integra a Rede de Aproximações Líricas (ambos projetos fazem a ponte com a literatura hispano-americana).

 

 

 

 

o mundo feito com as mãos 


no universo antropomágico

do mundo feito com as mãos

existem seres bonitos em sua simplicidade

uns visíveis e outros invisíveis

essa comunhão que frutifica

uma espiritualidade suave

 

de mãos dadas com a mística do mundo

o ciclo cósmico renova ruínas

e a força transformadora

produz alimentos

molda idades abstratas

reluz palavras na escuridão

 

a humanidade come na mão da natureza

 

 

a grandeza do rinoceronte

 

a grandeza do rinoceronte

habita na exclusividade de sua ternura

na paciência circular que digere o dia

faz sol e chuva ao mesmo tempo na sua circunferência

– um encanto de sua natureza

 

 

a grandeza do rinoceronte

está na missão que sustenta no olhar

conservar os ritmos internos e externos

de sua própria materialidade

– manter a vida florestal a salvo da civilização

 

 

a grandeza do rinoceronte

passa por sua ecologia sobrenatural

pelo microcosmos invisível que leva nas costas

pela ética da caça e

o limiar de sua extinção

 

 

o rinoceronte carrega na sua ancestralidade

a linguagem da sobrevivência

 

 

a inconstância dos fluxos

 

uma porção de vida felina

dorme em minhas mãos

observo a força vibrar

no corpo de 200 gramas

 

por um instante, penso

na poeira cósmica que nos cobre

do nascer do mundo ao algoritmo

uma inteligência artificial

que planeja o nosso futuro

 

esse lapso que dura

uma eternidade de incertezas

oferece margens difíceis de saber

onde pôr os pés

qual melhor forma de plantar?

para qual deus dar atenção?

 

agora mesmo

uma performance pandêmica

sincroniza a atenção dos expectadores

no seu espetáculo mortífero

transforma nomes de família

em vazio numérico

 

em algum lugar do país

uma pessoa precisa encher os pulmões de ar

mas a atendente diz que está em falta

explica que é uma espécie de castigo

por maltratarem o planeta

 

volto para a pequena porção de vida

em minhas mãos

contemplo sua saúde

pelo rastro que deixa

pela vontade de comer de hora em hora

 

 

uma infância se prepara para a inconstância dos fluxos.

 

 

farrapos da imprecisão

 

é privilégio dos vivos ter lembranças

coisas guardadas onde não sabemos:

 

de um avô, lampeja a velhice esbranquiçada em passos bem curtos

palavras que não criavam raízes dentro da frase.

do outro, a matéria dos olhos assertivos-esverdeados

semeando a terra, plantando cajus e lutando contra as formigas.

 

de uma avó, ficou a potência de uma mãe de muitas mulheres

que não tiveram a sua mesma força.

da outra, a doçura-alegre de quem gostava de bananas

e nos enchia o bucho com coisas boas.

 

o que fica são os farrapos da imprecisão

alguns flashes não revelados da máquina.

 

 

o escuro dos sentidos

 

ver as palavras e não enxergar nada

olhar o oco da grafia, tudo vazio

nem corpo, nem aura, nem fluido

 

ouvir um som sem voz de palavra

um ar estático, mordaz

sem matéria que penetre os ouvidos

 

andar no escuro dos sentidos

passo a passo sobre a falha tectônica

morfologia difícil de percorrer

 

 

– foi o que disse um experiente pajé

quando avisou sobre a queda do céu

 

 


ANA MARIA PACHECO (Brasil, 1943). Escultora, pintora e gravadora. Sua obra possui um acento impressionante estabelecido no centro das relações entre sexualidade e magia, sem descuidar da tensão inevitável entre Eros e Tanatos. A personificação de sua escultura encontra amparo vertiginoso nas lendas, mitos e em sua própria biografia. Tendo sido inicialmente atraída pela música, nos anos 1960 foi exímia concertista, porém o piano iria encontrar melhor abrigo, com sua força rítmica sugestiva na narrativa que acabou aprendendo a compor, a partir de sua fascinação pela escultura barroca policromada e o ideário ritualístico das máscaras africanas. Nos anos 1970 viajou para estudar na Slade School of Art em Londres e ali mesmo resolveu mudar definitivamente de endereço. Com o tempo foi desenvolvendo uma maestria singular, a criação de conjunto escultórico que se destacava como a representação tridimensional de uma narrativa. Embora tenha igualmente se dedicado à pintura, com seus trípticos fascinantes, é na escultura que esta imensa artista brasileira se destaca, com o uso de recursos teatrais e a mescla de elementos constitutivos de diversas culturas. É também uma valiosa marca sua a montagem de cenas emprestadas da literatura ou de evidências do cotidiano. Agradecimentos a Pratt Contemporary, Dictionnaire Universel des Créatrices, AWARE – Archives of Women Artists, Research & Exhibitions. Graças a quem Ana Maria Pacheco se encontra entre nós como artista convidada da presente edição de Agulha Revista de Cultura.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 260 | abril de 2025

Artista convidado: Ana Maria Pacheco (Brasil, 1943)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/

http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

 



 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário