terça-feira, 7 de abril de 2015

Agulha Revista de Cultura | Fase I | Número 68 | Editorial


O BRASIL FAZ PARTE DESTE PLANETA

Um dos editores da Agulha Revista de Cultura foi, outro dia, convidado a responder à seguinte pergunta: “Você acredita no Brasil?”, para uma enquête, promovida por um magazine. A resposta começou pela observação de que o Brasil é aqui. Não está em outra galáxia, ou em um universo paralelo. Portanto, está sujeito ao aquecimento global, com seus desequilíbrios climáticos e demais conseqüências. E, nesse quesito, não há como deixar de ser pessimista.
O aquecimento global deve acelerar-se, correspondendo às piores previsões. Isso, pela interação de efeitos: o derretimento polar libera gases da decomposição de matéria orgânica, carbônico e metano, que por sua vez, provocam mais aquecimento; os grandes incêndios florestais, como estes recentes, devastadores, da Austrália e Califórnia, produzem gás carbônico, calor, e, obviamente, aquecimento; a mudança de temperatura dos mares, associada a alterações de sua composição química, acarreta a extinção de algas e microorganismos que produziam oxigênio, que minorava o efeito estufa. Etc.
Jornais noticiaram que uma cidade à beira-mar em Portugal agora é suprida de energia elétrica pelo movimento das marés e ondas, acionando pás. Em Roma, tem início um projeto de utilização do lençol freático, de águas subterrâneas, mais quentes que as da superfície. Fontes de energia como essa, além de limpas, são baratas.
Mas esses são exemplos isolados. Apontam caminhos, mas não alteram o todo. Estamos atrasados em décadas na geração de energia limpa. Obviamente, por projetos como esses contrariarem interesses econômicos. É melhor negócio, para alguns grandes conglomerados, continuar explorando e comercializando petróleo, queimando seus derivados – ou, pior ainda, como na China, queimando carvão, o mais poluidor dos combustíveis. Ou então, beneficiar-se de novos investimentos em colossais usinas hidroelétricas, nos moldes de Itaipu, ou térmicas, ou termonucleares.
Vender condicionadores de ar, aí está um belo negócio: o aumento de escala os barateou e aperfeiçoou, tornando-os acessíveis à classe média, que usufrui da separação de frio, em seus cômodos, e calor, lançado à atmosfera.
O Brasil, em especial, é um campeão do desperdício: conforme já observado em editorial anterior, aqui há uma perda de 40% de energia durante sua transmissão; idem, uma perda de 40% da água entre o manancial e o usuário final, que, por sua vez, majoritariamente, não está nem aí, e vai desperdiçando no consumo. Isso, além dos 40% de desperdício no transporte de grãos, bem como de alimentos perecíveis. Mais dano ambiental: mais terra para a agricultura em grande escala, menos para reservas naturais.
As políticas ambientais brasileiras são um faz de conta. Os devastadores são multados, porém as multas nunca são cobradas: outro dia jornais noticiaram que a AGU, Advocacia Geral da União, promoverá um mutirão, para ativar processos parados faz anos, e tornar efetivas ao menos algumas dessas punições.
E não se trata apenas da expansão de clareiras na Amazônia. Em São Paulo, agora, imprensa e autoridades estaduais deram-se conta da devastação da Serra da Cantareira, aqui, na cara de todo mundo... Basta sobrevoar, tomar qualquer vôo comercial que saia do aeroporto de Guarulhos, para ver que essa reserva estabilizadora do clima em São Paulo foi inteiramente invadida por loteamentos, com a plena conivência de administradores de municípios da região metropolitana e sub-prefeituras da própria capital.
Desse jeito, não há otimismo que resista. Jornais, revistas e noticiários na TV têm dado conta, de modo talvez intermitente, desse descalabro. Mas falta a correspondente resposta da sociedade, exercendo a cidadania, e fazendo que governantes cumpram suas obrigações.

***

No editorial passado, da Agulha Revista de Cultura # 67, havíamos alertado para essa relação meio mágica, de uma causalidade subterrânea, entre a quebra de financeiras e a conseqüente crise econômica, e as compras de livros na biblioteca de Iraty.  De Iraty? Continuamos sem saber o que se passa nesse município paranaense. Já em outro município, bem maior, o de São Paulo, tivemos um contingenciamento de 33% dos recursos orçamentários da Secretaria Municipal de Cultura. Uma redução pesadíssima, adiando programas importantes, e gerando justificadas manifestações de protesto. Na área estadual, também houve cortes significativos em programas culturais. E, para o governo federal não ficar atrás, acaba de ser noticiada a retenção de nada menos que 78% dos recursos do MinC, Ministério da Cultura.
Há um contra-senso, nesse descaso pela cultura. Liberam recursos para manter ativos a produção industrial, a construção civil, o crédito – e parecem ignorar que um filme ou encenação teatral podem gerar mais empregos, por real investido, que a fabricação de automóveis; que essas atividades, subvencionadas, trazem mão de obra da informalidade para o mercado formal; que os programas ligados à literatura estimulam a leitura, além de contribuírem para a elevação do nível do ensino.
Quase vinte anos atrás, durante o governo Collor, a redução do apoio público à cultura foi recebida por uma vigorosa reação de artistas, intelectuais e suas entidades. Hora disso repetir-se, e a sociedade civil despertar da presente letargia. Que a relação de governantes com a cultura deixe de resumir-se a mandarem cortar “despesas”.

Os editores
ÍNDICE

1 acerca de réquiem, de lêdo ivo (premio casa de las américas 2009). marta spagnuolo 
2 alberto santos e a escrava de córdova: um livro, seu tempo e lugar. joão garção
contador borges e os sentidos da linguagem (entrevista). marco vasques
eros surrealista: bataille, bellmer, bordese, masson y sade. carlos m. luis
jack kerouac e o primeiro on the road. claudio willer 
la literatura latinoamericana. carmen perilli
7 
la segunda vanguardia. los ’60 en la argentina: las voces diferentes. jorge ariel madrazo
manitta angelo y la academia internacional il convívio (entrevista). carlos chacón zaldivar
mario soffici: pionero del teatro y del cine argentino. león repetir 
10
 
o atrativo e o nutritivo: a imagem do alimento na literatura para crianças. daniela bunn
11 
rafael moneo: arquitectura y espacios imprescindibles (entrevista). miguel ángel muñoz
12 
roberto rébora: pruebas de arte, pruebas de vida (entrevista). javier ramírez


artista convidado risques pereira [pintura, texto de perfecto e-cuadrado]poesia de língua espanhola banda hispânica
visitação permanente galeria de revistas  a cigarra (brasil) l universidad de antioquia(colombia) l azougue (brasil) l la casa (equador) l la pecera (argentina) l lenguaraz (méxico) lluna zeta (méxico) l país cultural (república dominicana) l palabras escritas (paraguai) l raiz(brasil) l sophia (equador) l va de nuez (méxico)
EXPEDIENTE
Fortaleza/São Paulo | Março de 2009

editores
floriano martins & claudio willer


projeto gráfico & logomarca
floriano martins


jornalista responsável 
soares feitosa
jornalista - drt/ce, reg nº 364, 15.05.1964


correspondentes
todos os colaboradores


artista plástico convidado (desenhos)
risques pereira


apoio cultural 
jornal de poesia


traduções
éclair antonio almeida filho [inglês, francês e português]floriano martins [espanhol e português]gladys mendia [português e espanhol]
marta spagnuolo [português e espanhol]


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segunda-feira, 6 de abril de 2015

PERFECTO E. CUADRADO | Risques Pereira: uma apresentação cordial








Risques Pereira
Cometa dos maiores do firmamento surrealista português, como cometa luminoso aparece no primeiro momento dessa aventura individual e coletiva, moral, ética, política e estética, e como cometa desaparece para voltar a surpreender-nos com a sua luz nestes nossos dias de escuridão em que as palavras da tribo – digamos liberdade, digamos desejo, digamos amor ou poesia, por exemplo – continuam a pedir-nos urgentemente a restituição do seu mais limpo e puro significado e o seu sentido profundamente transformador prostituído e degradado, quando não silenciado e condenado à morte. Cometa a um tempo aparecido e desaparecido, da sua biografia pessoal quase nada quis desvelar e expor à curiosidade dos investigadores, dos argonautas, dos aventureiros ou dos noviços. Assim resumiu essa biografia quase sem biografia (ou sem fatos, como diria o Bernardo Soares), um dos seus seguidores na senda da única real tradição viva:
Nascido em Lisboa em 1930, Henrique Risques Pereira, amigo e companheiro de António Maria Lisboa e de Fernando Alves dos Santos, entra em contato com o grupo dissidente (Os Surrealistas), através de Pedro Oom em 1949, participa nas sessões do J.U.B.A. e nas duas exposições do grupo, e assina alguns dos mais importantes manifestos, panfletos, cartas e textos coletivos que surgiram ao longo da breve, convulsa e rica história do Surrealismo português no seu momento de intervenção mais ou menos organizada.
Dessa história de guerrilhas surrealistas (as do tal Grupo Dissidente) e da incorporação progressiva dos seus membros ao tumulto e à festa e à tragédia, fala-se, por exemplo, na carta aberta de António Maria Lisboa “Ao Sr. Dr. Adolfo Casais Monteiro”, datada de “Agosto 31-1950” e reproduzida por Mário Cesariny em A intervenção surrealista (Lisboa: Ulisseia, 1966 | reed. Lisboa: Assírio & Alvim, 1997). Dos membros do grupo, Risques Pereira manteve sempre uma muito particular relação de amizade, cumplicidade e colaboração com António Maria Lisboa, de que resultariam, entre outras derivações paralelas, alguns manifestos e textos poéticos conjuntos (vid., por exemplo, Poesia de António Maria Lisboa. Texto estabelecido por Mário Cesariny de Vasconcelos. Lisboa: Assírio & Alvim, 1977; aí inclui-se também, as págs. 386-387, o depoimento emocionado e esclarecedor de Risques Pereira a propósito da sua relação com o autor de “Erro próprio” e com o resto dos surrealistas portugueses). Morto António Maria Lisboa em 1953, a aventura deixou de ser necessidade e ter sentido para Risques Pereira, substituído no palco pelo Engenheiro civil Risques Pereira, embora muitas vezes aquele gato que um dia partiu à aventura voltasse ao telhado do Sr. Engenheiro para renovadas conversas e confidências mais tarde metamorfoseadas em poemas arrumados pacientemente na mala clandestina do quarto mais escuro, talvez à espera de luz, mais luz, como Goethe queria e Mário Cesariny seguia reclamando. O poeta verbal sobreviveu (sobreviveu-se), mas não o poeta plástico que hoje e pela primeira vez em exposição individual aqui lembramos e concelebramos em pública homenagem. Da poesia plástica de Risques Pereira ficou dito:

Risques PereiraLevado por uma preocupação de experimentação, realizou, entre 1949 e 1952, um conjunto amplo de desenhos que recriam um mundo figurativo delirante, em que a ocultação, as formas geométricas dos cristais, as manchas pretas e a aplicação de água sobre o suporte para impedir a adesão uniforme da matéria pictórica, foram algumas das técnicas fundamentais, além do traço curvo que será distintivo do seu trabalho (Catálogo da exposição Surrealismo em Portugal 1935-1953. Lisboa/Badajoz: Museu do Chiado/Museu Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, 2001, p. 366).

E escrito ficou também o parecer poético do Amigo, na seguinte passagem do manifesto “Erro próprio”:

Muito para além da chamada Obra de Arte, e tanto para além que a nega, a Cabala Fonética abriu, entre nós, o caminho que se pretende – pois nos concretiza e dispersa, nos arruína e constrói e, Catapulta, nos vertigina para o Planalto! O mesmo poderemos dizer da sua expressão pictórica, ou doutra atividade Mágica: a re-invenção do Desenho Colorido de Henrique Risques Pereira. Aqui, não são as palavras o elemento Alquímico, mas o Desenho e a Cor que translúcida a nossa posição Cósmica.


UMA CONVERSA ENTRE ANTÓNIO GONÇALVES E RISQUES PEREIRA


Risques PereiraAG Risques Pereira, um nome ligado ao Surrealismo Português. Como se dá este encontro com o Surrealismo?

RP Um encontro que em princípio é casual, através de um amigo comum, Pedro Oom, entramos em contato com o grupo surrealista que já existia, diga-se de passagem que o nosso pequeno grupo foi muito bem aceite.

AG O que é para si ser-se surrealista?

RP Surrealismo naquele contexto consistia em fazermos e dizermos coisas que as pessoas normalmente escondiam. Era um ato de liberdade.

AG Que informação tinha do movimento surrealista internacional?

RP Naquela época era muito pouca porque a maior parte dos livros e revistas era censurada.

AG Como via a existência de dois grupos surrealistas em Portugal? Acha que pode existir distância ou aproximação entre os grupos passando por razões poéticas, plástica, ou meras razões pessoais?

RP Eram meras razões pessoais.

AG Se houve algum autor ou autores que o influenciassem nesta adesão ao movimento?

RP Uma pergunta complicada… André Breton.

AG Nos elementos do grupo existia uma forte relação de amizade com António Maria Lisboa. Essa relação influenciou-o na colaboração com o grupo?

RP O encontro apareceu casualmente, não houve qualquer preparação ou alguém em grupo que viesse influenciar a pessoa para aderir.

AG Qual a descrição que faz de António Maria Lisboa dentro do grupo?

Risques PereiraRP António Maria Lisboa tinha uma personalidade muito forte e todas as coisas que nós fazíamos no grupo eram discutidas nas mesas do café, onde era deliberado o que cada um ia fazer. António Maria Lisboa dentro do grupo era o timoneiro que orientava a barca onde íamos todos lá dentro.

AG Quanto à sua obra plástica, onde começa esta necessidade de se expressar?

RP Eu sempre tive uma grande tendência para encontrar na parte plástica uma forma de me exprimir que me dava prazer e se houve alguém que me influenciou foi Mário Cesariny.

AG Como alguns dos membros do grupo também opta pela utilização de meios e materiais muito simples para realizar os seus trabalhos, há alguma razão em especial?

RP Não ter dinheiro.

AG Como me descreve a sua obra plástica?

RP A minha obra plástica realizou-se num período muito curto, e a influência foi de mim para os outros do grupo e dos outros do grupo para mim. Quero dizer que se havia algum problema ele era debatido entre nós.

AG Fez alguma exposição individual?

RP Não, nunca.

AG A sua obra não passa só pelas Artes Plásticas, é também na poesia que encontra um outro meio de expressão. Como os relaciona? Sente uma relação direta da sua obra plástica com a poética?

RP Para mim eram iguais, simplesmente utilizo num a expressão plástica e noutro a escrita.

AG Durante este período onde “o gato partiu à aventura” continuou a desenvolver o seu trabalho enquanto artista ou simplesmente abrandou ou abandonou a criação?

RP Abandonei a criação plástica; a expressão poética, mais fácil de levar no bolso, foi a que continuou comigo.

AG Nunca teve a pretensão de viver da pintura ou poesia?

Risques PereiraRP Nunca, não era cego.

AG Há alguma obra que ainda gostaria de realizar ou não há qualquer intenção de o fazer?

RP Não tenho nada de especial neste momento, sabe-se lá o que será amanhã.

AG Na atualidade o surrealismo é o movimento que se encontra vivo, ou mais um movimento arquivado?

RP Arquivado e bem arquivado.

AG Que avaliação faz hoje, quanto à intervenção do movimento surrealista na cultura portuguesa?

RP Ele é patente nos artistas que agora têm formado pequenos grupos ou células de pensamento.

AG Um comentário à cultura portuguesa na atualidade?

RP Sinto que há menos cultura agora que naquele tempo, houve perda de dinamismo, de energia, hoje os artistas andam todos a fazer o possível para viver da escrita ou da pintura, por isso eles adaptam-se a todas as exigências que lhe são feitas.

AG Hoje faria as mesmas opções que fez?

RP Faria as mesmas.

AG Para terminar, qual a sua opinião e até possíveis conselhos para o projeto do Centro de Estudos do Surrealismo na Fundação Cupertino de Miranda – Vila Nova de Famalicão?

RP Considero um trabalho muito importante, porque se não for a ação de uma fundação, a obra surrealista dilui-se no tempo, vai-se dispersando, perdendo-se.
Perfecto E. Cuadrado (Espanha, 1949). Crítico de arte e ensaísta. Coordenador do Centro de Estudos do Surrealismo, da Fundação Cupertino de Miranda (Portugal). Os textos aqui presentes, artigo e entrevista, foram preparados em função da exposição “O regresso do gato que partiu à aventura”, de Risques Pereira, para a referida Fundação (2003). Contato: p.cuadrado@uib.es. Página ilustrada com obras do artista Risques Pereira (Portugal).

JAVIER RAMÍREZ | Roberto Rébora: pruebas de arte, pruebas de vida








Roberto Rébora
En esta entrevista, realizada en 2007 con motivo de la exposición titulada Taller, el artista mexicano Roberto Rébora recuerda su temprano acercamiento con las artes plásticas, su precoz desarrollo como dibujante, el deslumbramiento que le causó la obra de José Clemente Orozco y la serie de motivaciones que ha tenido durante su ya larga trayectoria, que se reflejan en diversas exposiciones y series de pinturas temáticas que lo ubican como uno de los mejores pintores de su generación. [JR]

JR Roberto Rébora (Guadalajara, 1963) Autodidacta.

RR De niño me gustaba copiar historietas: Pirulete, Chivita… Que tenía un personaje de forma muy atractica, la del Centavo Muciño. Chivita necesitaba comer alfalfa para poder meter gol. Si no la comía, no jugaba bien. El hilo narrativo de la historieta consistía en las peripecias por las que atravesaba para hacerse de su vicio.

JR Muy joven hiciste caricatura.

RR Trabajé para distintos periódicos: El Diario El Informador de Guadalajara. Más tarde, en El Universal de México, en donde los domingos hacía la caricatura de la plana editorial en mancuerna con Rogelio Naranjo. Yo tenía 16 años y lo mío era el dibujo; sin embargo, el texto de la caricatura, me excedía. Me presionaba pensar que debía ser humorístico. Ahora, visto con los años, aquel trabajo tuvo obviedades; críticas muy evidentes; era el bueno, pero también el malo; el imperialista y los subdesarrollados, etc.

JR Luego hiciste caricaturas llevadas al lienzo.

Roberto RéboraRR Sí. Contaba historias pintando; me guiaba la narrativa de la imagen, lo cual, de distintas formas, ha permanecido en mi trabajo.

JR Recuerdo que tú ibas al Cabañas a hacer copias de dibujos de Orozco.

RR De niño tuve una fuerte impresión con la pintura de Orozco, en el Hospicio Cabañas. Buena parte de mi trabajo ha sido marcado por ese encuentro. En un paseo del colegio -cuando yo tenía doce años,- visitamos el Hospicio donde, en aquel entonces, vivían niños huérfanos. Era aprensivo, y me impresionaba saber que ahí vivían niños sin padres. Recuerdo haber entrado a un espacio grande y frío parecido a una iglesia. Cuando me encontraba debajo de la cúpula de El hombre de fuego, sonó el timbre del orfanato llamando a recreo; el griterío y hormigueo de aquellos niños me asustó; miré hacia arriba y me quedé helado por los trazos rojo, negro y blanco de Orozco. Así conocí la pintura. Más tarde me volví asiduo del maestro y visité a menudo el Hospicio. La sensibilidad de Orozco está emparentada con el genio popular: el uso del siena y del negro que utilizaba en muchos de sus frescos, lo encontramos en la cerámica de Tonalá, y la fisonomía de sus figuras trompudas, uno las mira por donde quiera. Orozco reúne aquello que reconocemos como identidad cultural. Cuando los artistas del mundo entero se doblaron frente a la influencia de la cultura Picasso, Orozco, en Guadalajara, solitario, pintaba al hombre envuelto en llamas, una de las imágenes humanistas de más alto rango. Es evidente la admiración que siento por su obra y por su persona; y para aprender de él, debía enfrentarlo ¿qué otra?

JR Después de Orozco, ¿qué siguió?

RR Me fui a Italia. Allá pasé ocho años. Visité innumerables veces los Uffizi, y el Pitti en la ciudad de Florencia, entre muchos otros museos. En realidad, durante todo ese tiempo me detuve a mirar pintura, y así conocí su historia; descubrí su piel, el color de Venecia y de Florencia. Pasé mis noches de verano en las plazas bebiendo chianti de a lira, escuchando cantar a los napolitanos, divirtiéndome con los mimos, los acróbatas, con aquel viejo que hacía árboles con las manos, con los panameños que tocaban salsa; mis veinte años.
Roberto RéboraDesde allá vi de lejos a México, leí antropología. Me interesaron las culturas precolombinas, me alejé de la hegemonía que en esos años representó en México la pintura de Rufino Tamayo. En 1986, durante una de mis visitas a México, fui al Palacio de Bellas Artes para ver la exposiciónConfrontación, la cual agrupaba a los artistas denominados de ruptura. Fue así como conocí al gran arista ruso-mexicano Vladymir Kibalchic, Vlady, un pintor que hasta ese momento me era desconocido. Tres de sus cuadros retumbaron en mi interior como prueba irrefutable del pasado hecho modernidad: una mano contemporánea guiada por una técnica centenaria. Por ese tiempo, buena parte de mi generación, admiraba y atendía -con razón- aquello proveniente de Nueva York: Rosen-Quist, Motherwell, Dine, y muchos más. En cambio, a mí me tocó mirar hacia el lado equidistante y contrario: quise volver la mirada hacia atrás, ver la pintura de los grandes maestros europeos. Pinté obsesivamente y lleno de ansiedad buscando obtener con la técnica, la luz y la profundidad dentro de la penumbra… hasta lograrlo. Y hasta pinté imágenes de la Conquista a la manera veneciana, ¡qué coctail!

JR ¿Qué te llevó a decidirte ser pintor?

RR Desde mi juventud no he hecho otra cosa. Amo el dibujo, desde el pincel eremita del maestro zen, Kanzan, hasta al buril de Callot, el grafito de Watteau, el lápiz grasso de Daumier, de Hans Bellmer, de Klossowski. En fin, por mencionar los primeros que recuerdo, pero los artistas admirados son innumerables. Sencillamente me gusta dibujar y pintar. Quizá pude dedicarme a otra cosa, ¿cómo podría saberlo ahora?

JR Cuando regresaste de Italia, ¿dónde te instalaste?

RR En el Distrito Federal. Volví a México en busca de mi identidad cultural.
Posterior a los cuadros mexicanistas a la veneciana (risas), recién casado con Dominique Chapuy, y a mis treinta años, nada me cuadraba con respecto a mi trabajo pasado y reciente. Había que empezar de nuevo: economía de medios; siena y negro, Tonalá, la tradición… Después de meses de crisis artística, aparecieron los primeros dibujos eróticos de La Niña Precoz, y con ellos me siento renacer, vuelve el humor juvenil, el morbo y la ironía, y además, cierto reconocimiento. Entonces se publicaron mis dibujos en Alemania, en Brasil y en Italia, con notable éxito de crítica. Hice cientos a lo largo de tres años hasta que me agoté; todos me parecían iguales y terminé destruyendo buena parte de ellos. Me tocaba dar el siguiente paso. Intenté relacionar el dibujo con el gesto pictórico agregando color, de esa manera surge el ciclo de pinturas de las exposiciones: El medio inteligente Poetisa. Un año después, pinto Suite Cojín, una serie casi impresionista, la mirada del polizonte. Cuadros que nunca se han expuesto. Conocí la satisfacción de sentirme dueño de un mundo personal que paulatinamente se fue desarrollando: las pinturas -sin plan de por medio- de los niños erotizados y perversos, dejaron de serlo para convertirse en jóvenes y adultos. Mis figuras han crecido en edad de manera imprevista y natural. Ese universo donde la ligereza, el juego y la travesura eran esenciales, llegó igualmente a su fin: se había desgastado. Fue entonces cuando nació Taller Ditoria.

Roberto RéboraJR Cuéntame ahora de tu manejo del espacio.

RR El espacio se multiplica con las pinturas de Futura de 1998, donde, por primera vez abandono el salón familiar para moverme en espacios urbanos, impersonales, la plaza pública. Adopto colores primarios, contrastados, e integro la línea recta que anteriormente no había utilizado. El espacio se desdobla geométricamente. Futura fue una exposición bien vista y exitosa en cuanto a crítica, pero sin respuesta de venta. No fue fácil dado que había logrado internacionalizar mi trabajo precedente y el cambio efectuado sorprendió a propios y extraños. Sentí incomprensión generalizada. Sin embargo, gané independencia, y solitario, seguí mi curso. Dos años duró Futura hasta sentir que me repetía. La manera de construir el espacio devino en fórmula y se vació de contenido. Por lo que abandoné tal recurso.
Durante la época de Futura pinté un par de retratos que dieron el acento humanista a la serie, así que decidí seguir por ese camino hasta entonces inédito para mí. Duró poco más de un año; pinté cerca de nueve retratos que expuse en Monterrey. La exposición resultó prácticamente inadvertida. No obstante, tuve la certeza de ser, por aquel entonces, el único pintor de mi generación que realizó una exposición de esas características; lo que significó un secreto personal que protegió mi orgullo.

JR ¿Siguieron luego los cuadros de las multitudes?

RR Sí, pasé de la individualidad del sujeto frontal a la colectividad de la masa. La masa como sujeto. Y volví a la pintura velada, construida pacientemente. Casi en su mayoría fueron cuadros nocturnos, oprimentes; quise representar el olor de la colectividad y para ello utilicé colores ocres, azules profundos, la ambigüedad espacial de los violetas que sugerían la maza huidiza. Prácticamente todos los cuadros eran de pequeño formato. Más de dos años me dediqué a estas pinturas, en completa sensación de aislamiento artístico mientras que allá, a lo lejos, el fuego de artificio obtenido por el éxito de los artistas conceptuales, brillaba -no lo dudo- merecidamente. Me tocó, pues, asumir la decisión de quedarme sentado pintando cuadros que de novedad tenían muy poco o nada; y, sin embargo, había que registrar ese olor social que nos distingue como cultura.

JR ¿Qué siguió, qué cosas te fueron llevando al lugar donde estás?

RR A las multitudes siguieron cuadros del todo experimentales, surreales, de formas ambiguas. Me salgo del nivel social para intentar ciertos planos oníricos, figuras que se deforman y pierden su fisonomía, se derriten y multiplican, donde la articulación discursiva va libre, sin aparente sentido. Cuadros que me llevaron a la duda permanente. Es cuando decidimos mi familia y yo regresar a Guadalajara, después de vivir 15 años en la densidad defeña, y yo, en lo personal, 23 de no radicar en esta capital jalisciense. Los cuadros de la presente etapa, vuelven al inicio, al dibujo directo.

JR ¿No tuviste tentación por el conceptualismo?

RR Me interesa mucho lo que hacen algunos, los sigo, los leo. Es imposible no ceder en parte a la inteligencia y provocación revolucionaria de Duchamp. En su mayoría, son fríos. Aspiro a la configuración de un universo donde la libre articulación sensual y discursiva, se abra al juego más allá del objeto estético.
Roberto Rébora
JR ¿Cuál es tu cometido ahora?

RR Seguir los impulsos primarios que articulan el gesto: la pintura.
A mi entender, en la actualidad se dificulta observar pintura sin teoría de por medio.
Hay que creer para saber ver.
El arte contemporáneo devino del todo en apéndice literario. Se requieren teorías persuasivas que nos permitan entender el significado de los valores artísticos.
A pesar de todo, para mí, lo interesante de la reflexión es que antes de concluir cualquier idea sobre el arte, éste, previamente ha estado ahí.
Es primero el arte y luego el postulado.
Ahí está el cometido, en la pintura que sigue siendo para mí, el justo medio.
Javier Ramírez (México, 1953). Egresado de la Escuela de Artes Plásticas de la Universidad de Guadalajara, se ha desempeñado como crítico de arte, curador, investigador, periodista cultural y poeta. Contacto: jluxor53@yahoo.com. Página ilustrada con obras del artista Roberto Rébora (México).

MIGUEL ÁNGEL MUÑOZ | Rafael Moneo: arquitectura y espacios imprescindibles








Rafael Moneo
Rafael Moneo (Tudela, Navarra, 1937), es uno de los arquitectos españoles más importantes del mundo. Su actividad como arquitecto – entre sus obras cabe mencionar el Museo Nacional de Arte Romano de Mérida, los Museos de Arte Moderno y Arquitectura de Estocolmo, El Museo de Bellas de Houston, El Centro de Congresos y Auditorio Kursaal de San Sebastián y la Catedral de Los Ángeles en Estados Unidos -, ha ido siempre en paralelo con su labor como conferencista y crítico. Recientemente ha publicado el libroInquietud teórica y estrategia proyectual en la obra de ocho arquitectos contemporáneos. Académico de Bellas Artes desde 1997; ha recibido numerosas distinciones, entre otras el Premio Pritzker de Arquitectura en 1996, la Medalla de Oro del Royal Institute of British Architects en 2003, entre muchos otros. Recientemente, acaba de ampliar y crear un nuevo espacio para la Pinacoteca del Museo del Prado de Madrid.
Pero no todas las sorpresas están en el interior. La nueva Pinacoteca aporta una serie de episodios urbanos a una ciudad muy antigua y con una gran tradición cultural. Aunque la nueva fachada tiene un peso enorme, pues el nuevo nombre es la puerta Velázquez, el proyecto de Moneo equilibra el encuentro entre el visitante y el entorno, no los trata como entidades antagónicas, sino que dispone para ellos condiciones espaciales paralelas e integradas. “El peso de la pintura de Velázquez – dice Moneo- es abrumador para cualquier espacio. Velázquez quizá de los pocos pintores que no tiene obras prescindibles. Toda su obra tiene sentido estético, poético y lógico en su carrera, y no podría uno prescindir de ella. Es una obra que por sí sola impone, y por ello pense y estructuré muy bien el proyecto, para lograr un equilibrio casi perfecto…Invención, convención y construcción, fueron los motivos que me llevaron a realizar esta ampliación, que fue difícil, pero al mismo tiempo maravillosa. A mí me gusta pensarlo de esta forma”.
Desde este punto – un espacio público sorprendente – es posible apreciar cómo su autor ha entendido la misión de ampliar un museo con un peso histórico único en el mundo. Ahí, en la nueva cafetería, con la vista puesta en la puerta que creó la escultora Cristina Iglesias, y, caminando por los nuevos espacios del museo, conversamos con él. [MAM]

Rafael Moneo

MAM ¿Creo que la nueva ampliación del museo tiene un diálogo arquitectónico con el antiguo edificio?

RM En lo personal me hubiera gustado prolongar la vida del Prado o la vida de la arquitectura de Villanueva, de una manera más juiciosa. Pero bueno, el resultado ahí esta. Las buenas arquitecturas se protegen a sí mismasSobre el Museo del Prado se han hecho diversas intervenciones, y ha sido capaz de mantener a pesar de toda su identidad e integridad. Esta intervención me ha llevado a continuar esa conversación con todo lo existente y con todo lo que ya se había producido, y en cierto modo a mejorar las condiciones del edificio con la topografía.

MAM ¿Cuándo habla de una topografía se refiere a utilizar los otros espacios abiertos y cerrados qué son parte del Prado?

Rafael Moneo

RM Desde luego. La intención fue realizar no una topografía natural, sino de la nueva topografía que había construido la ciudad. No te olvides que la espalda del Prado era in terraplén no resuelto. La operación nueva establece una relación más afín entre las calles adyacentes y el edificio, que ahora tiene la posibilidad de ser entendido desde el envés.

MAM Al entrar al Museo lo hemos hecho por la nueva puerta de Velázquez, ¿ creo que rehabilitar este espacio le da otra visión al claustro?

RM El tránsito por la puerta de Velázquez al claustro, dará una nueva visión para que el público descubra la arquitectura de Villanueva. Es en este espacio donde se verá reflejada la ampliación. Desde luego, y lo recordaras, hubo una gran cantidad de críticas. Un cambio importante en el proyecto original, fue la cubierta del vestíbulo. Los críticos decían: ¿cómo vamos a ver este techo de cristal que ni tiene los atributos de seguridad que acompañan al Museo y están más próximos a lo que puede entenderse como un supermercado? La respuesta fue, colocar el jardín en la cubierta. ¿Es más bonita? Yo como arquitecto y ciudadano, creo que si lo es.

Rafael Moneo


MAM Se podría decir que es usted un privilegiado arquitecto, pues todas sus intervenciones recientes en el Paseo del Prado- La Castellana, son fundamentales para la reorganización de la ciudad, como es la estación de Atocha, ¿cómo observa todos estos cambios en un espacio clave de Madrid?

RM La ciudad de Madrid, como cualquier otra gran urbe, pero en especial Madrid es de un continuo cambio estructural y arquitectónico continuo. Además, hay una vida latente, que no se le puede escapar al arquitecto. Algunas veces he dicho que el trabajo  del arquitecto, tiene mucho que ver con la soledad: pensar en cómo van a funcionar los edificios, plazas, museos… que vas a dejar para las nuevas generaciones. Estas son el fondo las que te van a juzgar, ya que les darán continuidad. Mi trabajo de es y será respetar y dar continuidad a proyectos anteriores. Ese fue – como te decía – mi proyecto del Prado, respetar la arquitectura de Villanueva, y en el caso de La Castellana, revalorizar la arquitectura trazada en el Madrid del siglo XVIII y del XIX.

MAM ¿Cómo fue su relación con el espacio? Se lo pregunto, porque el Prado tiene un espacio visual “bello”, esa es la palabra exacta. Y siempre remodelar o construir corre el peligro de destruir ese espacio poético…

RM Sin duda esta noción está todavía presente en el proyecto arquitectónico, pero no del mismo modo: ha perdido su condición sustantiva, no es ya el punto de arranque del museo. La biblioteca de Seattle de Rem Koolhaas muestra que, hoy el espacio es resultado y no origen de la acción y el gesto proyectual. Aunque en términos fenomenológicos el espacio esté presente, nadie diría que el arquitecto ha elaborado su proyecto desde él. La importancia que la experiencia del espacio tiene en el mundo contemporáneo no debe, sin embargo, llevarnos a considerar que el espacio es uno de los aspectos sustanciales del pensamiento arquitectónico hoy día.

MAM ¿Cuál sería la diferencia entre la tradición arquitectónica moderna y la del pasado?

RM Una podría calificarse como los “materiales en tanto que alternativa le dan al lenguaje arquitectónico”. La arquitectura siempre se ha propuesto, como una sus metas fundamentales, la invención del lenguaje: La historia de la arquitectura entre el siglo XV y el XX ha estado dominada por los órdenes, con todo lo que éstos tienen de gramática, en los que pueden distinguirse todos los elementos y las figuras de la lingüística. La arquitectura de principios del siglo XX se olvidó de los órdenes, a los que consideraba el último vestigio de una arquitectura arbitraria y opuesta a la razón. Los arquitectos de las vanguardias se centraron así en la búsqueda e invención de nuevos lenguajes.

MAM ¿Cree que los arquitectos contemporáneos se preocupan demasiado por tener un lenguaje propio? Se lo pregunto, pues lo que vimos en la pasada Bienal de Venecia de arquitectura parecía todo lo contrario.

Rafael Moneo

RM Desde luego. Yo creo que los arquitectos de hoy no les interesa el lenguaje, no tiene entre sus metas un lenguaje universal y compartido como sí lo tuvo, en sus momentos heroicos, la modernidad clásica. Se ha sustituido la búsqueda de un lenguaje por el descubrimiento de los valores expresivos de un material. Así queda de manifiesto en la arquitectura de Herzog y Pierre de Meuron de la bodega Dominus, en Yountville, California. En estos momentos, el laboratorio arquitectónico de Herzog y de Meuron experimenta con los materiales que ofrece la industria: Vidrios, hormigones, chapas metálicas, pudiendo, por tanto, entender que la exploración de lo que ofrecen los materiales hoy, es la alternativa de inventar un nuevo lenguaje. Es simple, pero también complejo.


MAM ¿Considera que los arquitectos hoy día no están identificados con su país, su ciudad? es decir, con su propio entorno?

RM En mi caso, me imagino que muchos dirán que no soy un arquitecto de Madrid, sino como un arquitecto del mundo. Siempre construyendo fuera de mi ciudad, y de mi país. Y es supongo que inevitable, aunque no siempre placentero. Es una vida de mucho movimiento. En momentos, te encuentras tirado en un estado remoto de América y piensas, ¿qué hago yo aquí? La mía es al cabo una vida ajena a la cultura contemporánea, una cultura con la que no sé lo que hemos ganado, pero sí lo que hemos perdido: ahora es mucho más complicado que un arquitecto deje su marca en una ciudad
Por otra parte, tienes razón, hoy los arquitectos no están directamente conectados con su ciudad. Lo que nos llevaría de nuevo a la cuestión de los principios de la arquitectura. Si son comunes, como me gustaría pensar, en realidad no sería muy distinto trabajar en un lugar que en otro. Uno debe ser capaz y asumir para trabajar sus propios principios, y viajar con ellos a California, Nueva York, París o Londres.

MAM Usted es uno de los arquitectos más vinculados a las escuelas y a los jóvenes. Sobre todo su relación con Harvard es única, ¿cómo la vive la enseñanza y el debate cotidiano con los alumnos?

RM Creo que el debate y el cambio se dan en los tejidos urbanos, en la relación entre maestros y discípulos, y eso es algo que he experimentado bien en la vinculación con la enseñanza desde el inicio de mi carrera, primero en Madrid, después en Barcelona, y finalmente en Harvard. La arquitectura no existe sin algún tipo de conciencia acerca de lo que haces, e incluso en los tiempos actuales tan desideologizados habría que denunciar esa falsa espontaneidad que deja todo en manos de las fuerzas sociales y económicas, porque los nuevos y viejos arquitectos no pueden dominar su trabajo sin un marco teórico. Por ello, me interesa dialogar con los jóvenes, y enseñarles los valores de la arquitectura.
Miguel Angel Muñoz (México, 1972). Poeta, historiador y crítico de arte. Es autor de los libros de ensayo: La imaginación del instante: signos de José Luis Cuevas (2001), Materia y pintura: aproximaciones a la obra de Albert Ràfols-Casamada (2002), y Travesías (2004). Es director de la revista literaria Tinta SecaContacto: miguelamunozpalos@prodigy.net.mx. Página ilustrada con obras del artista Rafael Moneo (Espanha).

DANIELA BUNN | O atrativo e o nutritivo: a imagem do alimento na literatura para crianças








Daniela Bunn
1. O uso da metáfora alimentar | Vários dos sermões analisados no Brasil entre os séculos XVII e XVIII eram baseados fundamentalmente em metáforas alimentares. Em uma sociedade na qual a oralidade era a principal forma de difusão do conhecimento, tais metáforas eram muito recorrentes. Pe. Antônio Vieira, no Sermão de Nossa Senhora do Rosário, no ano de 1654, fundamenta seu sermão numa analogia do corpo - o corpo de Cristo que é alimento para alma - chamando a atenção para o ato de ruminar (ao modo de alguns animais): comer, remoer muito devagar o que comeram. A analogia entre o ato de comer e o ato de pregar remonta à tradição medieval que oferece a palavra do pregador como alimento espiritual para as almas necessitadas e famintas. São Bernardo (1090-1153), Abade de Claraval afirma que “um alimento indigesto, mal cozinhado, produz maus humores e, em vez de nutrir o corpo, corrompe-o, assim também pode dar-se o caso de o estômago da alma, que é a memória, ao ingerir muitos conhecimentos que não foram cozinhados pelo fogo do amor e nem passaram pelo aparelho digestivo da alma”.
Marina Massimi (2006) afirma que o uso dessas metáforas baseava-se em dois pilares fundamentais: Aristóteles e Platão. Desse modo, segundo a autora, os sermões constituíram-se numa modelagem dos comportamentos sociais e adquiriram grande significação em relação à história do uso de metáforas alimentares com função antropológica, pois comparam o processo de conhecer ao de ingerir alimentos. Neste sentido, essas metáforas ajudavam a fundamentar o ciclo pedagógico dos sermões. Na hierarquia da primeira Idade Moderna, a comida era destinada e classificada segundo o grau de nobreza do consumidor, pois se acreditava que cada um deveria consumir o alimento adequado à sua natureza. Assim, alimentos próximos da terra eram considerados inferiores e destinados às classes sociais mais pobres, em oposição aos alimentos elevados na direção do céu que eram considerados superiores. Os voláteis, por exemplo, eram considerados comida adequada para príncipes e reis - os nobres consumiam mais perdizes e carnes delicadas, pois acreditava-se que isso conferia mais inteligência e sensibilidade em comparação aos que comiam porco, por exemplo. [1]
Para Flandrin & Montanari, em História da alimentação (1996), a função religiosa da alimentação remonta ao terceiro milênio antes de Cristo na Mesopotâmia, onde a homenagem aos deuses era feita por meio de oferendas alimentares (carnes, pão, leite, cerveja e vinho). Segundo os autores, a função social do banquete, muito ressaltada no mundo grego e romano, girava em torno do convívio e da troca de cortesias ocasionando um importante elemento de distinção entre o homem civilizado, o bárbaro e os animais:

O homem civilizado come não somente (e menos) por fome, para satisfazer uma necessidade elementar do corpo, mas também (e sobretudo) para transformar esta ocasião em um ato de sociabilidade, em um ato carregado de forte conteúdo social e de grande poder de comunicação: nós não nos sentamos à mesa para comer – lemos em Plutarco – mas para comer juntos. Segundo certa etimologia, o termo cena deriva da idéia de 'comer em comum' ... O convivium é a própria imagem da vida em comum (cum vivere).

Nesse contexto, o Banquete (ou Simposium) de Platão, como lembra Massimi (2006), é caracterizado como expressão da função social e cultural do convívio à mesa. Alberto Magno, em De nutrimento et nutribili, enfatiza que a questão mais importante em relação à alimentação é a qualidadedo alimento, para tanto faz-se necessário conhecer o processo alimentar e seus efeitos. Se pensarmos na literatura não é muito diferente, somos este homem civilizado que come (ou lê) não somente por necessiade? Quando comemos pensamos sim na qualidade do alimento, mas a pergunta é: e quando damos de comer aos nossos alunos, somos também criteriosos?
No primeiro e segundo tomo de História da alimentação no Brasil, Câmara Cascudo expõe o percurso da sociologia do alimento no cardápio tradicional indígena, africano e português em relação à constituição do comum na comida nacional, porém refere-se sempre à alimentação e não à nutrição. Na Antologia da alimentação no Brasil, publicado em 1977, os textos recolhidos dão ênfase desde a higiene da mesa às iguarias regionais do Brasil e falam da digestibilidade dos alimentos, dos regimes alimentares mistos, dos condimentos, das cantigas entoadas na feitura da comida, das descrições de Frei Manuel de Santa Maria Itaparica (1704-1768) sobre os limões, melões, araçás e ananás, dos comentários de Debret, da “Viagem em redor do almoço”, de João Chagas (1863-1925).
Os trabalhos de Câmara Cascudo e de Flandrin e Montanari nos ajudaram a montar um panorama da história e da sociologia alimentar e servem como aporte teórico para adentrar no estudo da imagem do alimento na literatura e na sua relação com a infância. Para tanto, optamos por privilegiar textos curtos de autores brasileiros que não escreveram somente para crianças, mas que podem ser lidos por crianças. A metáfora do alimento parece-nos apropriada sendo que nos alimentamos também da leitura, devoramos livros quando estamos com fome, salivamos ao ler a descrição de uma cena, podemos até sentir o cheiro das gostosuras da Dona Benta. No emaranhado de emoções e lembranças de uma infância que não nos abandona é que se mistura o alimento como ingrediente de muitas histórias: a cesta levada à vovó por Chapeuzinho Vermelho, a casa comestível em João e Maria, o banquete servido pelo Rei ao sapo em Henrique de Ferro (mais conhecido como A princesa e o sapo), as ceias de Ano Novo, vistas pelas janelas pela Pequena vendedora de fósforos, dentre outras. Assim, a imagem do alimento permeia não só as antigas histórias da tradição oral – que segundo Cecília Meireles são os primeiros livros da criança - e os contos contemporâneos, como também a própria crítica literária.

Risques Pereira2. Os hábitos alimentares dos pequenos | Cecília Meireles, em Problemas da literatura infantil, livro que reúne três conferências proferidas em Belo Horizonte em 1949, usa-se de metáforas alimentares em suas considerações: “a literatura não é, como tantos supõem, um passatempo. É uma nutrição” (grifo da autora). Ao falar da literatura de tradição oral, Meireles afirma que era dela que “se nutria a criança, antes do livro, recebendo-a como um alimento natural nos primeiros anos da vida” (grifo nosso). [2] Usando termos como nutrição, receita e alimento a autora aproxima do leitor suas idéias, como os sermões tentavam se aproximar do quotidiano de seus expectadores. Como já apontava a escritora nos fins da década de quarenta, o problema não era (muito menos hoje) de carência e sim de abundância de livros (o que em nosso texto chamamos de atrativos). Títulos multiplicam-se nas prateleiras, mas a nossa preocupação é se eles chegam efetivamente à mesa do leitor e se tornam nutritivos por meio da leitura.
Werner Zotz em Livro que te quero livre escreve sobre a preferência do pequeno leitor, pois “tão importante quanto desenvolver e melhorar o paladar literário no jovem leitor é entregar-lhe um livro do qual goste” (2005, p. 25) e completa sobre o prazer da leitura: “não existe uma receita pronta, pelo menos eu não a conheço. O educador vai precisar usar toda sua sensibilidade, tendo em mente que cada situação e ocasião têm aspectos muito particulares” (p. 31). Bordini e Aguiar em Literatura: a formação do leitor (1988) trabalham os interesses do leitor na escolha do texto literário como ponto fundamental para a aquisição do gosto pela leitura. Além disso, é necessária a provocação de novos interesses, a fim de aguçar o senso crítico e a preservação do caráter lúdico do jogo literário. O lúdico é indispensável na relação entre leitor e obra literária, pois precede e facilita a “desconstrução do conhecimento”, estimula a percepção e atua nas descobertas, nas relações a serem estabelecidas e nas funções a serem conhecidas.
Benjamim lembra-nos, nos textos recolhidos em Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação (2004), que as crianças sabem jogar e brincar e atribui aos adultos (convencido sobre a pobreza da experiência) uma certa incapacidade de magia. O escritor ainda adverte sobre a polissemia do jogo, o duplo sentido, tanto jogo como brincadeira: “a essência do brincar não é um ‘fazer como se’, mas um ‘fazer sempre de novo’, transformação da experiência mais comovente em hábito”, assim “comer, dormir, vestir-se, lavar-se devem ser inculcados no pequeno irrequieto de maneira lúdica, com o acompanhamento do ritmo de versinhos”. Compactuando com essa idéia, Gianni Rodari, escritor italiano, discute sobre o jogo que se põe à mesa na hora das refeições e os personagens criados pelos pais - o que dá ao ato de comer um significado simbólico: “comer torna-se um ato estético”. Com os capítulos “Comer e brincar de comer” e “Histórias à mesa” do livro Gramática da Fantasia (1985), Rodari sugere o híbrido de fábulas que podem ser criadas à mesa, como a Madame colher e suas aventuras românticas com um garfo e sua terrível rival, a faca:

Nessa nova situação a fábula se duplica: de um lado sugere ou provoca os movimentos reais da colher-objeto; de outro, cria a ‘madame colher’ na qual o objeto é reduzido a um outro nome, apenas com uma virtude evocadora: Madame Colher era bem alta  e muito magra, e tinha uma cabeça tão grande e tão pesada que não parava em pé, ela achava mais cômodo andar de ponta–cabeça. Assim via todo mundo ao contrário e só tinha idéias do avesso...

Rodari, escritor que sofreu certo reducionismo no âmbito escolar por ser estudado apenas pelos seus textos de cunho pedagógico, assinala a fome como uma das grandes tragédias do século XX - fome tanto do corpo como da alma. O escritor afirma que ambos (corpo e alma) precisam ser nutridos - talvez por isso seus textos reflitam essa profunda ligação com o alimento. Rodari envolve o leitor no saboroso mundo da leitura por intermédio de uma escrita lúdica e surreal. Prosa e verso unem-se aos textos críticos e contribuem para tornar o ato da leitura uma degustação, nos termos do escritor, fantástica. O livro Fábulas por telefone, com uma edição brasileira em 2006, apresenta histórias curtas porque são contadas por um caixeiro viajante, pelo telefone, à sua filha antes de dormir. No livro temos a ocorrência de uma mansão de sorvete, uma cozinha espacial, oshomens de manteiga, a febre comilóide, a senhora Apolônia de geléiaa rua de chocolate, a história do reino da comilança, o caramelo instrutivo. No conto “Os homens de manteiga”, Rodari conta a história de um grande viajante que explorou um país no qual todos os homens eram de manteiga: “esses homens derretiam ao se expor ao sol, eram obrigados a viver sempre na sombra, e moravam numa cidade em que, no lugar de casa, havia um monte de geladeiras”. Em A mansão de sorvete, o teto era de chantili, a fumaça das chaminés de algodão-doce, as portas, as paredes e os móveis de sorvete: “Um menino bem pequenininho agarrou-se aos pés de uma mesa e lambeu um de cada vez, até que a mesa caiu em cima dele com todos os pratos.”
Risques PereiraFerreira Gullar no poema “A Jia e a Jibóia”, em Dr. Urubu e outras fábulas (2005), conta a história de um sapo (ou uma sapa) que se vendo a ponto de ser devorada pela jibóia, decide convencê-la do contrário:

[…] Responde a cobra: - Tolice!
Tou nem aí pra crendice!
Matar a fome é um direito
de todo e qualquer ser vivo.
Tudo o mais é preconceito.
Passar fome é que é afronta.
Eu de comer não me privo.
E você, que come inseto,
Acha que isto é correto? […]

Outra sugestão apetitosa é o livro de Jonas Ribeiro, Poesias de dar água na boca (com ilustrações de André Neves), que nos oferece um cardápio poético para a semana inteira, desde comida japonesa até uma sobremesa mineira, passando pela Vila da comilança e pela Escola Água na Boca. Pensando nas relações familiares temos o livro de Simone Schapira Wajman, intitulado O ovo e o vovô (2001), com ilustrações de André Neves, que compara o vovô à frágil vida de um ovo: “por fora, parecia duro, como a casca do ovo, mas por dentro era mole, mole, como a clara e a gema.”; o vovô brilhava como a gema, dava beijo estrelado como ovo.
Já no poema “Hortifrutigranjeiros”, Sérgio Capparelli (2007) lembra principalmente da alface:

Ajuntar alface com jaca
Dá pepino por aqui.
Não somos bananas
Ou conversamos abobrinha
E, se quiser saber, plantamos batata, sim,
mas pra quebrar um galho
ou descascar abacaxi.
Ajuntar alface com jaca
dá pepino por aqui.

Murilo Mendes em “Amostra da poesia local” (1994) também nos fala da alface:

Tenho duas rosas na face,
Nenhuma no coração.
No lado esquerdo da face
Costuma também dar alface,
No lado direito não.

Em outro poema, “A alface aérea”, Ricardo da Cunha Lima (2007, p. 37) narra um fato amalucado:

Este fato amalucado
Ocorreu no mês passado:
Uma alface bem verdinha,
Já lavada pra salada
E que estava repousada
Sobre a mesa da cozinha,
De repente se mexeu,
Suas folhas agitou
E a seguir se debateu,
Bateu folhas e voou.

Sabor de Sonho (1997), de Cláudio Feldman, conta a história de um sonho “que conto neste momento. Sonhei que estava na terra em que tudo era alimento”:

O chão […] com trechos de paçoquinha,
tinha buracos de queijo
e pedras de batatinha.
[…] Os sítios eram cercados
Por muros de pirulitos,
E os galos dos cata-ventos,
Que delícia, estavam fritos!

Risques Pereira
Em “Traças de regime”, poema de Sérgio Capparelli, do livro 111 poemas para crianças:

As traças gostam de suspense:
Lêem com cuidado
E de olhos fechados.

Se estão com pressa,
Comem sanduíches de escritores importantes,
Cecília Meireles, Lygia Bojunga,
Hesíodo e os deuses gregos.

Elas dão conselhos:
“as histórias lacrimejantes são melhores
Porque facilitam a digestão”.

E estamos conversados!

Traças iletradas são sem cerimônia:
Comem heróis, heroínas, enredos,
E no fim devoram o autor.

Ah, as traças, como evitá-las?
Comem Mario Quintana, devoram os dois
Verissimos (Pai e filho)
E, de sobremesa, encomendam escritores bem
Românticos.

Olha, lá vai uma arrotando Lobato.

A partir dessa pequena amostragem de textos que se relacionam com a questão alimentar, identificamos algumas categorias: o alimento como personagem que ganha vida, bate asas e voa, como no poema “A alface voadora”, de Ricardo da Cunha Lima; o alimento sendo comparado a um personagem, como no livro de Wajman, O vovô e o ovo ou no poema “Hortifrutigranjeiro” de Sérgio Capparelli, no qual o escritor usa-se dos jogos de linguagens e dos ditos populares para montar o poema; o alimento compondo objetos como em Sabor de Sonho de Cláudio Feldman que fala de um delicioso sonho num lugar em que tudo era comestível (assim como no conto “A mansão de sorvete” de Rodari); o alimento implícito no próprio ato de devoração animal, no ato de comer no poema de Ferreira Gullar. Podemos individuar ainda, pensando num prato bem nutritivo, personagens vegetarianos como em “Pequenos Assassinatos” de Affonso Romano de Sant’Anna; os gostos da terra, da batata e do mingau de cará em Eloí Bocheco; o almoço no Tchau de Lygia Bojunga; o pato na panela ou a “Feijoada à minha moda” de Vinicius de Moraes; a vontade da faminta princesa Tiana de comer pizza de maçã, no livro de Márcio Vassallo; as frutas do pomar de palavras de Werner Zotz; o prato de macarrão em Elias José; uma limonada em Ana Maria Machado ou ainda as saudades em Ruth Rocha que na aurora da vida “não gostava da comida, mas tinha que comer mais”. O ato de comer nessas histórias poderia ser dividido em dois momentos: personagens que comem e que são comidos (neste ponto cabe re-visitar os clássicos e também fazer tal distinção).
Pensando na relação nutritivo/atrativo, não podemos deixar de mencionar o papel do professor. Segundo Di Santo:

Falando em aprendizagem como alimentação, podemos traçar um paralelo com a famosa história da Branca de Neve e os sete anões, onde a maçã, embora com uma aparência apetitosa, estava envenenada e deixou a heroína num sono profundo, por muito tempo. Da mesma forma, se for oferecido ao aluno um conhecimento descontextualizado, que não desperte sua curiosidade e vontade de aprender, ele permanecerá desligado […]. No entanto, se a aprendizagem for como uma maçã realmente saborosa e sadia, o aluno a comerá com prazer e sua digestão será leve e rápida. Ele sempre se lembrará com satisfação desse momento prazeroso e procurará aplicar o que aprendeu em outras circunstâncias de sua vida. E isso tem a ver com a didática do professor. Se aprender é como se alimentar, tanto o educando quanto o educador se alimentam/aprendem.

O professor, segundo Di Santo, deve estimular o apetite do aluno, pois mesmo quando não estamos com fome sentimos vontade de comer ao vermos algo que nos estimula:

Realmente, para cada aluno que o professor ofertar o seu conhecimento/maçã, a forma de mastigar e engolir será diferente, única. […] Para um aluno, a maçã dará dor de barriga, para outros, provocará alguns quilos a mais, para alguns, a quantidade de maçã será pouca e para outros, suficiente. Há os que vão considerar a quantidade excessiva, não conseguindo engolir/absorver tudo. […] Os conhecimentos precisam ser mastigados, engolidos e digeridos.

Risques PereiraPerrone-Moisés lembra que a leitura exige tempo e esforço que não condizem com a vida cotidiana atual: “os novos escritores, afinados com os hábitos alimentares deste fim de século, publicam livros light, para serem consumidos rapidamente” e com isso muitos livros tornam-se meramente atrativos. Na relação do alimento com o ensino, Rubem Alves, em Conversas sobre Educação (2003), utiliza-se da cebola, do queijo, da pipoca para falar de escolas, alunos, pais e professores. Em “Sobre cebolas e escolas”, o escritor afirma ocupar a cebola um lugar de destaque no seu pensamento, tanto de forma científica, culinária (“entidades acidentalmente lacrimogêneas, de tamanhos variados, cheiro característico e gosto saboroso, que se prestam a ser usadas em molhos, saladas, conservas e sopas”) como poética - a cebola o faz pensar filosófica e pedagogicamente. Rubem Alves equipara a cebola ao pensamento de Piaget e seus ciclos de desenvolvimento, como os círculos das cebolas, as escolas e a sociedade que formam camadas sobrepostas que por vezes isolam o aluno. Para ele, a cebola é metáfora da aprendizagem: “aquele círculo mínimo central é o corpo do aluno. O corpo, a que Nietzsche dava o nome de grande razão, procura entender o mundo que o cerca a fim de poder apreendê-lo: o meio ambiente deve se tornar comida. Para que o corpo viva. O que não vira comida, o que não é vital para o corpo, não é aprendido”.
Bakhtin em “O banquete em Rabelais” afirma que o homem degusta o mundo, sente o gosto do mundo, o introduz no seu corpo, faz dele uma parte de si. O banquete, como já visto, não se trata do beber e comer quotidiano, mas sim da boa mesa, da abundância: “o papel das imagens de banquete no livro de Rabelais é enorme. Quase não há página onde essas imagens não figurem, pelo menos no estado de metáforas e de epítetos tomados do domínio do beber e do comer”. Ao falar do corpo grotesco, do qual as imagens dos banquetes estão estreitamente mescladas, Bakhtin caracteriza-o como um corpo aberto, inacabado, em interação com o mundo: “o corpo escapa às suas fronteiras , ele engole, devora, despedaça o mundo, fá-lo entrar dentro de si, enriquece-se e cresce às suas custas [...]. O homem degusta o mundo, sente o gosto do mundo, o introduz no seu corpo, faz dele uma parte de si”.
Benjamin usa uma imagem muito interessante que é da criança lambiscando, “pela fresta do guarda-comida entreaberto sua mão avança como um amante pela noite […] como o amante abraça a sua amada […] da mesma forma o tato tem um encontro preliminar com as guloseimas antes que a boca as saboreie”. Esse encontro entre a criança-leitora e o alimento, ou seja, o livro parece cada vez menos apaixonado com o passar dos anos escolares, é preciso, como dito antes, acordar os sentidos para a boa degustação: o tato ao pegar um livro, a visão ao apreciá-lo, a audição ao ouvir uma história, o paladar ao saborear um texto literário; é preciso lambiscar mais, devorar mais. Quem sabe dar voz ao livro pelas palavras de Quintana: decifra-me ou te devoro.

3. Conclusão | Entendemos ser o uso da imagem alimentar no texto literário um elemento que seduz (independente da faixa etária) e contribui para estimular o gosto pela leitura por ser algo que gera facilmente uma identificação do leitor com seus gostos ou desgostos alimentares. Estes gostos ou desgostos se re-significam no campo da experiência mesmo que com características surreais, alfaces que batem asas, sanduíches de escritores ou ruas de chocolate que despertam a imaginação ardente da criança e da criança em cada adulto. Embora tenhamos visto exemplos de narrativas contemporâneas cabe lembrar que tal imagem sempre percorreu as narrativas da tradição oral, mesmo que em um papel secundário.
Atualmente, os jogos de linguagens propostos pelos escritores atualizam cada vez mais a inserção do alimento no texto – é algo muito próximo da criança e do adulto, pois faz parte de nosso quotidiano. Procuramos assim, perante o livro infantil (atrativo) mostrar como seria nutritivo estimular o ato de ler, de saborear um texto que trabalhe com tais imagens. Enquanto na crítica literária ou educacional a imagem do alimento aparece como metáfora, nas narrativas ou nos poemas para crianças destacamos algumas categorias. O alimento serve como isca para o leitor. Podemos ainda falar de outra categoria de leitor, o adulto que não procura mais livros somente para a sala de aula ou somente para os filhos, mas que se deleita e consome da literatura por um bom tempo chamada de infantil. Para sua próxima leitura sem pretensões didáticas, uma boa degustação!

NOTAS
1. Lourenço Craveiro, da Companhia de Jesus, por volta de 1665, elencou seis pratos diferenciados oferecidos a diferentes consumidores, pratos que alimentavam o corpo e metaforicamente a alma. O primeiro prato sugerido destinava-se aos enfermos: trata-se da carne de galinha, tradicionalmente destinada aos doentes; o segundo prato sugerido é o de codorniz e perdiz, alimento este apropriado para os convalescentes; o terceiro prato proposto para a merenda espiritual era à base de carnes de cordeiro e de cabrito, destinado aos mimosos (pecadores arrependidos), por serem carnes tenras e nutritivas, boas para comer assadas; o quarto é o de vitela, para os sãos, os santos; o quinto prato, de carnes de cervo e veado, destinado aos esforçados, ou seja, aos dotados de estômago robusto; o sexto prato é a carne de águia, destinado aos entendidos. Desse modo, cada alimento e cada ingrediente eram relacionados à fé, à obediência, às crenças, aos castigos e as doenças (cf. MASSIMI, 2006).
2. Câmara Cascudo ao falar dos contos maravilhosos afirma ser “o primeiro leite intelectual”, documentos vivos, denunciando costumes, idéias e mentalidades. Para aprofundar Cf. BUNN, Daniela. Da história oral ao livro infantil. In: Revista Estação Literária, v.1, 2008. p. 50-57. Disponível on-line.
Daniela Bunn (Brasil, 1979). Ensaísta. Professora do Departamento de Metodologia do Ensino da UFSC. Contato: danibunn@yahoo.com.br. Página ilustrada com obras do artista Risques Pereira (Portugal).