segunda-feira, 6 de agosto de 2018

ANTONIO OLINTO | Augusto Meyer, um mestre do ensaio



O movimento literário brasileiro de 1922 não foi, evidentemente, provocado só pela atração da moda. Não deixou, contudo, de criar a maior adesão a um novo modo de serem as palavras utilizadas na literatura do País. Há uma corrente de significados que um escritor tem necessidade inadiável de colocar em palavras, e ele compreende, num certo momento, que os formatos até então usados se gastaram de tal maneira que a força de um comunicado não consegue mais passar através deles.
O grito de 22, partido de São Paulo, despertou o resto do país. Cada região buscou as suas raízes e com elas produziu seus versos e sua prosa. No Rio Grande do Sul apareceu logo o nome de Augusto Meyer, que fez poesia com versos assim: "Teu corpo faz sonhar com frutos bravos: bucuparis, bromélias, guabijus". Ou com este verso eminentemente gaúcho: "A cabeça do alazão é uma chama esbelta".
Seria no ensaio, porém que ele deixaria sua mensagem principal, num entendimento completo do mistério literário, capaz de produzir tanto um Cervantes como um Proust. Uma análise completa do extraordinário talento de Meyer como ensaísta está no volume que Alberto da Costa e Silva selecionou e prefaciou, chamado "Ensaios escolhidos".
Como estamos no ano do centenário de morte de Machado de Assis, vale a pena lembrar que Augusto Meyer foi um dos grandes machadianos da Academia Brasileira de Letras. Seu ensaio "O enterro de Machado de Assis", que Alberto da Costa e Silva inclui em Ensaios escolhidos, fornece bons trechos sobre Machado de Assis que poderão ser usados nos muitos discursos e nas conferências programadas para este ano.
Boa ideia foi a lembrança do discurso de Alcindo Guanabara, pronunciado na Câmara dos Deputados. Dizia o orador: "Ninguém como ele", dizia o orador, "afirmou na obra literária a sua individualidade e a nossa nacionalidade. Antes dele, contemporaneamente com ele, Gonçalves Dias e José de Alencar falavam do Brasil, mas do Brasil que nós não conhecemos, de um Brasil pré-histórico, do Brasil dos selvagens romantizados e poetizados, que é, para nós outros, quase um Brasil de ficção.
Machado de Assis disse de sua gente, de seu tempo e de seu meio. O seu campo de atividade foi a sociedade em que vivemos. Não tinha imaginação ou não se servia dela; falava como filósofo, como anotador, como crítico. Ele era calmo, um retraído, um tímido, e, não obstante, foi considerável e intensa a sua influência sobre as classes cultas da sociedade... Tinha um estilo seu, próprio, singular, único na nossa e quiçá, em alheias línguas. Não sei se direi demais dizendo que tinha, ou que fizera, uma língua nova, que novo, ou pelo menos inconfundível era o português que tratava.
Era um irônico, de uma ironia que não era, nem se parecia, com l'esprit dos franceses nem o humour dos ingleses; uma ironia que superava a de Sterne ou de Xavier de Maistre e dir-se-ia filha da. de Anatole France, se não houvera precedido. Original e único, era um filósofo, um comentador, um crítico e um analista - analista das coisas e dos homens, das almas e dos costumes, dos indivíduos e do meio, das paixões e dos pequenos vícios. Não tinha o sarcasmo dissolvente, mas um doce e benévolo ceticismo".
Augusto Meyer reproduz ainda trecho de Olavo Bilac sobre a morte de Machado, um verdadeiro texto de poeta: "O féretro do Mestre amado foi para o cemitério arrastado numa onda de amor, oscilando sobre o vasto coração palpitante do Rio de Janeiro. À frente, as bandeiras das escolas, os pendões dos moços tremiam e arfavam como grandes asas luminosas; e o rumor que as rodas da carreta arrancavam das pedras das ruas era como o soluço da terra carioca".







Augusto Meyer volta a Machado em vários ensaios do livro de agora, chamando a atenção para este ou aquele pormenor. Acentua, por exemplo, alguns momentos de sensualidade, como os braços de uns braços, quando Conceição, magra embora, tinha "não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo". No caso de Maria Cora, assim a descreve: "quando ela falava, tinha um modo de umedecer os beiços, não sei se casual, mas gracioso e picante".
Os ensaios de Augusto Meyer mostram um mundo literário que é, ao mesmo tempo, nosso, e analisa uma série de assuntos da literatura universal, como o solilóquio de Hamlet, a obra de Pascal, Gobineau, Dostoievski, Garret, Fiodorov.
Ensaios escolhidos, de Augusto Meyer, é uma edição da José Olympio, com seleção e prefácio de Alberto da Costa e Silva. Capa: Interface Designers/ Sérgio Liuzzi, foto da capa do arquivo da família.


*****

Tribuna da Imprensa (RJ) 15/4/2008. Artista convidada | Rozi Demant (Nova Zelândia, 1983)

*****

Agulha Revista de Cultura
Número 116 | Agosto de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80




Nenhum comentário:

Postar um comentário