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segunda-feira, 28 de agosto de 2017

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Cartas para quem? Leitura de Cartas a Sandra, de Vergílio Ferreira


Sabemos, por Derrida, que o destino de uma carta é nunca acabar de chegar. Malgrado as presumíveis correção e competência dos correios, a carta padece, por assim dizer, dos efeitos da indireção. Ou seja: ela se encontra sujeita ao jugo dos desvios, já que o pretenso fluxo contínuo, que lhe diz respeito, pode sofrer interrupções e fazê-la aportar debaixo das vistas de qualquer receptor que não o subscritado, submetendo-se ela à ótica avaliadora daquele que calhar, daquele que vai se tornar, então, o seu destinatário da vez.
Por isso mesmo, diz-se de uma carta que ela é um texto “em instância”, já que se acha sempre na iminência de, por acaso ou de propósito, ser recepcionado por outrem que não o seu destinatário de origem. Trata-se, então, de uma mensagem que, aguardando o seu recebedor, se põe, no entanto, à mercê de quem a surpreenda no transcurso até o seu endereço. Por isso se fala que ela se encontra en souffrance, passando por “padecimentos”, visto que a missiva se situa, nessa ciranda por imperscrutáveis crivagens, sob a ameaça de ser interceptada, de se tornar refém de uma instância, prisioneira da posta-restante da hora. E, em tal posto, ela se acha exposta ao sabor de um princípio de seleção, de uma economia de triagem que afetará indelevelmente o seu significado. De maneira que a mudança da sua destinação implica uma alteração do seu significado, e é nessa acepção que a carta é concebida como uma escritura em deriva. [1]
Na análise empreendida por Lacan do conto de Edgar Allan Poe, “A Carta Roubada”, ele não se esquiva de apontar que as missivas são, afinal, letras de câmbio em branco a espera de serem preenchidas. Porque, assevera ele, “se pudéssemos dizer que uma carta cumpriu seu destino após ter preenchido sua função, a cerimônia de devolver as cartas seria menos admitida para servir de encerramento quando da extinção dos fogos das festas do amor”. [2]
Ora, tais veladas e internas condutas da carta, tais vieses e impulsos oblíquos que os correios parecem abafar, estão, no entanto, absolutamente escancarados (e de maneira primorosa!) no derradeiro romance de Vergílio Ferreira.  Em Cartas a Sandra, o escritor (que aqui e agora homenageamos) não só encena esses movimentos de indefinição das missivas, como atualiza a seu modo tais derivas, pontuando-as com focos instigantes da história da sua produção pessoal e de sua respectiva crítica. [3]
Reparo, por exemplo, que Sandra, a destinatária das ditas Cartas, não comparece na obra sequer para receber ou para abrir os subscritos que, em princípio, lhe seriam endereçados – Sandra se encontra morta desde o início do livro. Reparo também que seu destinador sequer pode enviar as missivas a quem de direito: a escrita das cartas é interrompida pela morte de Paulo, seu dito remetente. Como proverbialmente conclui Isabel Cristina Rodrigues acerca deste romance, estas são “cartas que só podem ser escritas quando já não podem ser lidas”. [4] Ou, no entendimento de José Rodrigues de Paiva, tais escritos são antes peças “destinadas ao logro da comunicação”. [5]
Assim, nem Paulo nem Sandra cumprem necessariamente a função de expedidor ou de receptor, cabendo tais poderes a outra personagem que, por sinal, escapa à precisa zona esboçada pelo circuito dessa correspondência, pois que sendo a esta estranha, é, todavia, a ela ligada por laços de efetivo parentesco. Trata-se de Alexandra, que tanto quanto Paulo e Sandra, é personagem de um romance anterior de Vergílio Ferreira, o intitulado Para Sempre, publicado em 1983, obra na qual ela comparecia como a única filha desse casal. Cartas a Sandra vem à luz treze anos depois desse volume, em março de 1996, aliás, dias após a morte real de seu real autor. Vergílio Ferreira falece a 1 de março de 1996 sob as mesmas circunstâncias (mero e puro acaso?) que o seu sósia-escritor Paulo, interrompendo para sempre a sua correspondência, a sua escrita.
Mas, para o caso deste texto que dirijo as senhores, enfocar Alexandra que, em Cartas a Sandra assume a autoria da “Apresentação” do livro como “Xana”, é, afinal, tentar cogitar acerca das assinaturas desses papéis. Segundo se assegura ali, foram estes produzidos pelo seu pai e destinados a sua mãe, personagens (sublinho) egressas daquele romance anterior, ao final do qual, no entanto, ambos já se encontravam mortos. Ou nem bem isso: em Para Sempre, Sandra morria no discurso de Paulo, enquanto este acabava por representar, na sua escrita, várias versões do seu próprio funeral. De modo que o Paulo de Cartas a Sandra se diz ser, desde o “seu” romance Para Sempre, póstumo a si mesmo, e há mesmo um pórtico que assegura isso. Paulo declara: “Cheguei. Vou ser póstumo a tudo o que já fui” (PS). [6] É, pois, desse modo que ele se identifica ao retornar à casa de infância onde se alojará para produzir suas memórias, contando uma história que, segundo Fernanda Irene Fonseca, repete “obsessivamente o gesto, sempre interrompido, de tentar contá-la”. [7] E é nesse mesmo local que o encontraremos escrevendo à mulher morta, morada onde falece sobre a “tábua que ele assentava sobre os braços do sofá” para redigir as suas cartas (CS).
Também faz espécie observar que esse devaneio sobre a mulher morta, que aqui é o sublinhado foco de Cartas a Sandra, já comparecia no primeiro romance de Vergílio. De acordo com Helder Godinho e Serafim Ferreira, as personagens femininas no nosso romancista são, em geral, “fraturadas”, espécies de “hipóstases de uma presença ausente”. E, em O Caminho fica longe (1943), já se apreende esse procedimento, exposto aqui, de “transposição para uma personagem ausente de uma relação incapaz de se fixar numa mulher que se torne uma presença plena e seja mais que a hipótese de uma ausência”. [8]
Da minha parte, pois, pensar Xana é dar voz ao entorno, à entourage desta “epistolografia”, é buscar escarafunchar aquilo que, depositado nas margens da escrita destas Cartas supõe uma falta, um limite mal delineado, uma indefinição que, no entanto, as contamina, muito embora tais índices não se ocultem e se entremostrem esbatidamente, situando-se inapreensíveis de propósito. Estou às voltas, portanto, com aquilo que Derrida chama de “parergon”, e que concerne diretamente, pelo menos, à dita “Apresentação” destas “Cartas” por Xana. [9]
E assim me introduzo ficcionalmente nessa última obra de Vergílio Ferreira, no meu lugar provisório de destinatária da vez, tentando, a posteriori, dar nome àquilo que tais missivas, e de forma oracular, pressagiam e encenam. Porque, volto a dizer, enquanto este volume se encontrava no prelo, Vergílio falecia sobre o seu ato de escrita, como que “imitando” a própria situação ficcional de Paulo que, na altura, fazia as vezes de autor desses dos dois ditos volumes: Para Sempre e Cartas a Sandra. Eduardo Lourenço reflete que “Vergílio Ferreira termina a sua obra com uma espécie de mensagem para um tempo que é efectivamente um tempo eterno”, mensagem que constitui um “duplo testamento”, uma “Carta para um passado eterno”. [10]
Tal assertiva parece coroar, na altura, uma discussão interna à obra de Vergílio, explicitada por Lourenço desde muito cedo, acerca do lugar do romancista na chamada “geração da utopia”. Segundo Lourenço, no contexto do Neo-Realismo português, a obra de Vergílio é “a única em que se respira a atmosfera de um combate espiritual” jamais vencido, de “uma inquietação profunda” sempre reiterada, o que provoca uma discussão acerca do “caráter polêmico e inquieto” da sua atitude ideológica. Segundo Nobre Júlio, a ação verdadeira de Vergílio, a sua práxis política “foi de outra ordem”, da “atenção e da reflexão permanentes, de denúncia pela escrita, de defesa dos valores do humanismo.” [11]
Lourenço pontua, nesse “labor literário partilhado por igual entre criação e reflexão crítica e estética”, “um pathos bem português que por vezes obscurece ou distrai a meditação” do nosso autor. Trata-se de um “patetismo” que é, ao mesmo tempo, “afetivo”, “mental”, “temático e estilístico” e que exala “apelos, questões e problemas vindos de horizontes irredutíveis ou de muito difícil harmonização”, em que a “mitologia da Arte”, engendrada por Vergílio, funcionaria antes como “uma espécie de refúgio”. De resto, há na obra do seu amigo um “inegável sincretismo”, que cumpriria a função de “uma síntese ausente, acaso impossível”. [12]
De outra parte, a divisa simultânea de “espanto” (como fonte de todo o conhecer) e de “absurdo” (como seu correlato discursivo), que Seabra Pereira surpreende em Vergílio enquanto atualização do Húmus [13] – parece concernir a essa região então desbastada por Eduardo Lourenço. Tal hipótese, levantada por Jacinto do Prado Coelho, que supunha ter Vergílio trazido “dimensões originais à fecunda experiência de Raul Brandão”, [14] demonstra, da parte do nosso homenageado, o esforço de reconhecimento do absurdo da condição humana num tempo de “contentamento espiritual fácil” e de “empirismo social sem transcendência e sem autêntica dialética”, como arremata Eduardo Lourenço. [15]
Pois bem. Nessa espécie de prefácio às cartas do pai, Xana revolve, a meu ver, uma indisposição enraizada em Para Sempre quando, pela mão de Paulo, Vergílio Ferreira punha em pauta, graças às interpostas pessoas de pai e filha, uma delicada questão que o preocupara desde os primórdios da sua inserção no contexto literário português. Sobretudo porque tal desconforto se movia nas zonas de atrito entre sua posição de escritor-pensador e as reservas que vinha acumulando quanto ao Neo-Realismo.
De maneira que a insolência sempre bem disposta de Xana encampava, assim, uma certa crítica de época à obra de Vergílio, que atribuía-lhe um vezo passadista ou mesmo alienante, mercê do seu pendor especial pela “memória”.  Para o caso, tal pecha não concernia apenas ao seu apego em relembrar, recriar, reter, perpetuar, sempre retroativamente e a partir de uma preferência pelo ponto de vista de primeira pessoa, aquilo que se passou e que é passível de ser esquecido ou ignorado, mesmo quando, no dizer de Lourenço, esses “romances de memória” se faziam, na verdade, “dos buracos dela”. [16]  Ou mesmo quando, como contribui Luci Ruas, o lembrar, na obra de Vergílio, é antes a presentificação do “que ficou no passado como legenda, recurso para adiar a morte, para dar à vida ainda por vir o sentido que praticamente se exaure, num futuro que quase não há”. [17] O fato é que esse topos de relembranças também remetia ao pendor vergiliano em tornar ativas as “memórias de origem”, lugar-comum estético-literário de suas obras, pelo menos a partir de Manhã Submersa.
Neste romance de 1954, o rompimento com o Neo-Realismo ganha corpo e encarna inaugurais diretrizes, sem contar que é nessa mesma década de cinqüenta que Vergílio escreve uma outra Carta, em busca dessa mesma “origem”, missiva endereçada, desde então, ao Futuro (Carta ao Futuro é de 1958), enquanto numa outra buscava as raízes desse, digamos, “Passado Absoluto”, aquele Do seu Mundo Original (Do Mundo Original data de 1957).
Sabemos fartamente que, debaixo dessa menção das “memórias de origem”, pulsam (sempre em estado de impasse) a situação inarredável do estar-no-mundo e os anseios de absoluto, do milagre, da revelação, da aparição, do alarme - maneiras de conhecimento, reconhecimento e de recuperação da “aura” perdida dos bens do mundo e da existência. Ambas as ditas “memórias” vergilianas implicam provável e respectivamente noções bergsonianas de “memória voluntária” e “involuntária”, bem como uma distinção entre “vivência” e “experiência”, conceitos benjaminianos que, julgo, nos auxiliam a apreender melhor a natureza de tais práticas romanescas do nosso homenageado. [18]
Mas o fato é que a escolha de Paulo como bibliotecário e escritor do romance Para Sempre permitia, naquela altura do início da década de oitenta, a virulência jocosa e a chacota dos ataques de Xana, que se dizia pertencer a outro universo cultural, mental e temporal que não o do pai. Para já, no seu, há pressa, muita pressa; no de Paulo, via Xana, excessivo vagar. E, deveras. Só que a preponderância desse exercício moroso em Vergílio Ferreira dá-se, esclareço desde já, como mola para as verrumações estéticas e humanistas que caracterizam o teor pessoal e único do seu romance lírico-problemático. Como diz Luís Mourão, se há alguma “velocidade” em toda a obra do nosso homenageado, esta se deve àquilo que ele denomina a “metafísica dos meios de transporte” que, no caso de Para Sempre, encontra na “bicicleta”,  a “emblemática do andamento silencioso e despojado”, que, em Para Sempre, funciona como o seu modo específico de conhecimento das coisas e do mundo. [19]
Para Xana (diferentemente da Marilyn Monroe de Herberto Helder), [20] a bike do pai é quase um carro-de-bois. Ela se crê, ao contrário, representante de um mundo “revolucionário”, o do presente e do agora, que exibe como garantia da realidade o “gravador” e aquilo que este relata e comprova, em lugar do testemunho dado pela memória meritória que o perpetua. Assim, enquanto Paulo deplora intimamente em Xana um ar “fadista” de desleixo e displicência, assumido por ela no agito de trabalhar, como jornalista, em algum inquérito ou reportagem, ela o acusa caricata e risivelmente de “múmia”, de recender “a mofo”, de ter a alma em “in-fólio”, de expor uma “vida trabalhada a traça e a bafio”. E isso porque ela acredita que a escrita do pai nasça do hermetismo dum gabinete tumular, rodeado de quadros e de livros, de estantes que não passam de cadáveres “em jazigo”, onde ele, sequer, pode se dar conta do que ocorre lá fora.
O tempo do livro, ao qual o pai se dedica, escrevendo ou trabalhando, é, para ela, “o tempo da morte”, do “candeeiro de petróleo”, “do óleo de fígado de bacalhau”, “dos botins, das cuias, dos palitos”, das “perucas, das lamparinas e dos penicos”.  Todavia, os “modernos”, que é como Xana se crê, estão “vivos e cheios de coisas a fazer. O tempo do livro é o da imaginação trabalhosa e nós estamos cheios de realidade. (...) O tempo do livro é o do carro de bois”.
Como se constata, do ponto de vista de Alexandra, o que Paulo produz não passa de uma atividade ultrapassada, emanada do domínio do arcaico, do que saiu de circulação e que não mais interessa, pois que caducou – inútil demodé. O pai representa o que a sociedade refutou, o que se situa no estágio antigo do artesanato relegado às traças, ao tempo dos vagares, e está em definitivo sepultado no magnífico monumento-mausoléu que o representa: a Biblioteca. Em compensação, para Xana (e ela se ufana disso), escrever

É diferente. Escreve-se um artigo como se toma um café. As pessoas lêem e deitam fora. Se alguém o apanha, é para uma necessidade de momento. Para embrulhar castanhas. Para utilizar na retrete, quando não há papel.

Ela se dedica a uma necessidade instantânea, fortuita, logo substituída por outra, índice do sinal progressivo da modernidade. De maneira que não é nem um pouco pejorativo, para Xana, que o uso do jornal, mesmo quando reduzido apenas a papel, se encontre no patamar da latrina. Tudo nela se reduz ao “momento”, ao que se usa e se joga fora – ao consumo. A sua geração é a “contemporânea”, visto que se move pela agilidade do pensamento, em ritmo de pressa para acompanhar o compasso dos tempos que seguem, em que a palavra nada guarda do sagrado que um dia a prodigalizou.
Ora. São estes os andaimes, pelos vistos periclitantes, que subjazem à assinatura da “Apresentação” dessas Cartas, em “15 de Dezembro de 1995”, mercê dos dados remissivos, do background migrado de Para Sempre para este derradeiro romance de Vergílio. E, convenhamos! Nada pior e mais inadequado que escolher como introdutor e divulgador dos seus escritos um tipo tão contrário e avesso à índole da literatura que ali se pratica... Por isso mesmo, suponho que esta seja, talvez, a Outra carta, a carta oculta, a da manga, a carta “roubada”, a verdadeira “Purloined Letter” escrita por Vergílio para nós. [21]
Porque tudo neste prefácio coloca em crivo as dez peças que se seguem, embora não o faça de maneira acintosa. Embora uma Xana um pouco mais idosa esboce ou declare ali os critérios que a levaram à publicação e à escolha destas e não daquelas cartas encontradas, uma desconfiança, provinda do romance anterior, paira sobre ela e contamina seu arrazoado, impregnando o que afirma. Diante desse lastro ficcional que contagia suas palavras, desconhecemos se Paulo estaria ou não de acordo com os critérios adotados pela filha – mas a crer no seu juízo sobre ela em Para Sempre, temos certeza que não. De maneira que é inevitável concluir que tudo o que ela assegura sobre estas Cartas deve ser lido com reservas, sob suspeita, levando-se em conta o caráter polêmico desta senhora. Sua personalidade seletiva peneira os fatos, procede a uma filtragem específica, por meio de uma ótica radical e abalizadora que nos vem montada e apontada desde o romance anterior. De resto, assinar a “Apresentação” das cartas (ritualísticas?) do pai morto à mãe morta com uma alcunha, já diz bastante sobre ela.
Identificando-se aqui como jornalista, tal como é descrita em Para Sempre (aliás, o capítulo XIV, assim como o XXXIV são consagrados inteiramente a ela), Xana é salientada por um temperamento turrão, “rebelde”, “implicativo”, criatura que sempre calcula o “grau de interesse” posto nas ordens, “para reagir paralelamente e ao contrário”, segundo os depoimentos do pai. A crer nessa Xana, à qual Cartas a Sandra nos remete de imediato e inarredavelmente, insisto, não há como acatar a dita “fidelidade” do olhar dela sobre os papéis de que ora se ocupa. As afirmações, as interpretações, os julgamentos, as considerações, os questionamentos, os testemunhos presentes nesse prefácio têm o dom de situar em estado de oscilação de sentido, em arrepio, em abalo, as dez missivas que se seguem. Ao mesmo tempo, os dados que, en passant, ela nos fornece acerca dos seus hábitos de agora e dos seus procedimentos como mãe e amante, em nada desabonam as informações anteriores prestadas pelo pai e não lhe confirmam nenhum crédito para além do que ela já contava em Para Sempre
Ao mesmo tempo, pelo que circula na “Apresentação”, podemos concluir que, literariamente, ela é um verdadeiro atraso de vida. O seu alcance artístico não ultrapassa a invocação do “imaginário” como a região em que as cartas do pai se dão, se alimentam e se produzem, e esse “imaginário” é, aliás, tão recorrente, que o leitor mal sabe o que fazer com ele. E, no entanto, essa é a palavra de passe posta em uso por ela para supor ou justificar qualquer gesto de escrita ou quaisquer enigmas na apreensão do que está criado ali pelo seu pai.
Alexandra também nos oferece detalhes sobre a personalidade dele e, claro, nem todos beneméritos. Ela o censura discretamente de ser “distraído” nas relações com os outros, sem falar na de ambos; insinua, da parte dele, um complexo de “inferioridade” e de “rejeição” profundos, diante de Sandra; e põe em pauta uma noção de “autismo” que atribui ao pai como escritor. No mesmo diapasão, ela se prima pelo atrevimento de criticar a “escassez vocabular” dos textos de Paulo, que ela bota na conta da estreiteza de parâmetros que a paixão oferece, pífio argumento diante do que ele mesmo cogita a respeito. Também perpassa a sua exposição uma anotação quanto às “inexatidões” de Paulo, sobretudo em relação a ela.
Mas sua ousadia não para por aí. Ela especula diferentes versões para certas perplexidades de Paulo, sempre na busca de fornecer um desvio na interpretação dele, em que dá como garantia a sua “natural parcialidade” de filha, de maneira a elogiá-lo apenas naquilo que não diz propriamente respeito às escolhas do pai.  Por exemplo, Xana exalta o “inacabamento” das Cartas, fato que figura, certamente, como um dos tops no seu breviário pessoal de modernosa. E a comparação com Robert Musil, no que tange às “breves indicações do que o autor pretendia levar a cabo”, assim como a suposta “aposta” do pai com Pessoa, para demonstrar a existência de cartas de amor que não “ridículas” – não se sabe se são indevidas ou se privilegiam deveras o pai.
Na verdade, por suas palavras ela demonstra ignorar, quase por completo, a intimidade de Paulo, apesar da proximidade que o liga a ele, de herdeira, de depositária do seu sangue na terra. Desconhecimento do outro, impossibilidade de comunicação: duas das tópicas as mais proeminentes nos romances e ensaios de Vergílio Ferreira. O narrador de Estrela Polar bem que as explicita: “no que se passa em mim estou só eu”. [22] Ou, como pontua Rosa Maria Goulart, a questão “da linguagem como instrumento de comunicação”, que tanto “é fonte de (des)entendimento entre os homens como limitação para dizer situações-limite” – atravessa toda a obra do nosso autor. [23]
Para além disso, a prepotência e o espírito de contradição de Xana barram, no texto, a contribuição de um antigo amigo do pai, que demonstrara o maior interesse em participar da empreitada, fosse através do prefácio, fosse por seus testemunhos. Mas Alexandra não nos permite conhecer sequer a leitura da obra ou os comentários que este poderia tecer-lhe, contrariando, digamos assim, as prerrogativas da sua própria profissão de jornalista – as de tomada de consciência dos pareceres alheios e dos testemunhos diversos ou contrários na aferição de uma suposta verdade.
 Refiro-me a Rodrigo Xavier, companheiro de tuna de Paulo em Coimbra, e, na ocasião, juiz aposentado. Em nada resultaram seus esforços junto a Xana de estar capacitado a revelar outras “achegas” a essas Cartas, ou a deitar nova luz aos episódios de Para Sempre. O fato é que ela nos surrupia os testemunhos de Xavier sobre a mãe (que, segundo este, era uma mistura de Danielle Darrieux e Viven Leigh) e sobre o pai, impedindo-nos de conhecer outros pontos-de-vista que não os seus, visto que no relato que nos faculta, ela mesma se incumbe de suspendê-los abruptamente, num súbito golpe de improvável… pudor.
Ou seja: ela se permite fartas interpolações, mas não ao amigo do pai, cuja fala corta autoritariamente, evitando tomar conhecimento, ela mesma, de aonde poderiam desembocar seus pareceres. Não quero dizer com isso que Xavier seria ou não mais digno de confiança que Xana, mas apenas que se esboça aí uma disputa pela assinatura, o que põe em risco a escrita das cartas, situando-as em deriva.
De modo que, para além da circulação derrapante, da oscilação constitutiva do gênero epistolar e do fator de perturbação aí implícito, contamos aqui com desvios ainda mais fragorosos, postos em vigor por um entorno suspeito e duvidoso, que produz um entrechoque de discursos, ressonâncias, autenticações e falsificações. Assim, a natureza intersubjetiva da carta que, em Vergílio, atinge a introspecção, remete de fato, já agora, a uma escrita-lápide, a um nada falante, a um silêncio da escrita, a um princípio de vazio, a uma transbordante expressão ungida pela carência de voz que metaforiza o próprio status do remetente: o de se encontrar em trânsito para a morte, para o país do não-ser, para o silêncio completo anterior à escrita. Para essa zona embaciada do que não se sabe dizer, mas que, malgrado tudo, se quer escrever.
A crer naquilo que move o impulso de escrita em Paulo, esta se perfaz como a simbólica de dar túmulo condigno à mulher, maneira pessoal (e retórico-estilística) de erigir-lhe a tumba. Mas, como se verá, não só a dela.
Na escatologia da morte, o sepultamento, as libações, as oferendas, enfim, os rituais relativos à criatura desaparecida, promovem a distância entre esta e os vivos, proporcionando àquela tornar-se intermediária entre os vivos e as entidades ctônicas, no intuito de restabelecer a ordem cósmica rompida. A tumba é, nesse sentido, um monumento com os olhos postos na eternidade, porque, espelhando para o futuro a memória e a história dos feitos do falecido, busca erigir para ele uma reintegração com o processo natural da existência, uma perenidade incorruptível.
 A escrita de Paulo tem por fito, todavia, palmilhar um território que, ao contrário do pleito devido ao morto, em vez de aumentar a distância entre os que ficam e os que se vão, busca, ao contrário, diminuí-la. Para ele é necessário transpor, de início, o imenso espaço entre “a sacralidade dela” e a sua “condição terrestre”, como atesta. Esse grande intervalo que fica abrandado no princípio das Cartas pelo retorno de Sandra para ao pé dele, pelo seu pouso esporádico e intermitente na escrita do marido, vai, no transcorrer das missivas, se alterando em esforço contrário. Porque, a partir de um momento, Sandra escasseia a sua presença a ponto de
forçar Paulo a se pôr no encalço dela e a partir, ou seja, a seguir com ela na empreitada da travessia do Lethe – rio de igual teor para ambos, “pequeno ribeiro que descia da encosta”, de onde beberão ambos, por fim, a “água fresca” de “pureza natural”. Daí que tal passagem final e definitiva se dê num diapasão sexual, de puro êxtase, de comunhão com as origens, numa apoteose e epifania de luz que remete ao incesto primordial, perpetrado simbolicamente no ápice do infinito – na alta montanha, sob um “vento genesíaco”. De maneira que ambos se transportam para a ordem das esferas e das constelações.
Pra já, como insiste Paulo, o amor e a morte inserem-se um no outro, e não é à toa que a relação entre morte, sexualidade e agricultura seja tão estreita e compatível. Perséfone, não nos esqueçamos, é uma divindade dupla, uma divindade ctônico-vegetal.  E é sentado à sombra da grande figueira, na casa de infância, na aldeia de origem, que Paulo escreve a Sandra devaneando, enquanto assiste à renovação dos campos e, particularmente, ao espetáculo de uma lavoura de milho maduro e pronto para a colheita.
Digamos, portanto, que no princípio das Cartas, os ritos funerários concernentes à Sandra não alcançam o seu efeito: Sandra ainda se encontra insepulta e, como os athaphói, vaga pelas cercanias de Paulo, entremostrando-se, dando de tempos em tempos o ar da sua aparição, numa ronda que é, na verdade, um rito de despojamento do que era e do que foi, um perambular que é antes uma cerimônia de depuração. Porque, segundo constata Paulo, aquilo que foi Sandra vai perdendo, pouco a pouco, toda a realidade, e ele pode surpreendê-la então apenas no “vaporoso doce” da sua “essencialidade”. Só isso explica que na sua escrita seja possível a Paulo romper o interdito, dizer-lhe tudo, sem nenhum constrangimento, desafiando a Lei e a Censura que nela se estatizavam quando viva. [24] Não há mais quizílias, rispidez, silêncios agressivos. É lícito tocar agora nas questões mais íntimas, nos profundos vexames e humilhações, confessar, abordar o proibido, os medos não pronunciados, os segredos jamais comungados, as obscenidades, os baixos instintos de destruição, opressão e violação, o egoísmo. Esta purgação é, ao mesmo tempo, uma estratégia de Paulo para si mesmo, a sua preparação pessoal para o desaparecimento, seu íntimo arranjo para desembocar no nada.
Se, antes, na romanesca vergiliana, poder-se-ia afirmar, com Eunice Cabral, que “o amor, sendo uma transposição entre o si e o outro (e vice-versa), torna-se impossível”, aqui, a fusão de um e outro num mesmo gesto cósmico-dionisíaco, nascida da purificação absoluta do casal, os faz penetrar definitivamente numa espécie de inauguração de origens, numa perpetuação do sempre. [25] E, a meu ver, é nesse sentido que as Cartas atingem a almejada escrita do silêncio que buscam, prescindindo de quaisquer assinaturas, seja a de Xana, de Xavier ou de Paulo. Porque aqui se redige o que está nos primórdios da escrita, no princípio do Verbo, o “que ninguém fala, murmúrio do incessante e do interminável a que é preciso impor silêncio, se se quiser, enfim, que se faça ouvir.” [26]

NOTAS
1. DERRIDA, Jacques – “O carteiro da verdade”. O cartão-postal. De Sócrates a Freud e além. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, trad. Ana Valéria Lessa e Simone Perelson.
2. LACAN, Jacques - “O seminário sobre A Carta Roubada”. Escritos. São Paulo: Perspectiva, 1966, trad. de Inês Osaki-Depré. “Si l’on pouvait dire qu’une lettre a comblé son destin après avoir rempli sa fonction, la cérémonie de rendre les lettres serait moins admise à servir de clôture à l’extinction des feux des fêtes de l’amour.”
3. FERREIRA, Vergílio – Cartas a Sandra. Lisboa: Bertrand Editora, março de 1996. Sempre que for o caso, indico (por esta edição) as respectivas páginas entre parênteses e em seguida à citação em pauta. O mesmo se passando no que concerne às outras obras de Vergílio Ferreira. E, quando for necessário, para não confundir o leitor, abrevio o título de ambos os romances com suas letras iniciais.
4. RODRIGUES, Isabel Cristina – “Cartas a Sandra de VF: a encenação do diálogo epistolar”. A vocação do lume. Coimbra: Angelus Novus, 2009.
5. PAIVA, José Rodrigues de – “A epistolografia ensaísta e ficcional em VF”. In memoriam de Vergílio Ferreira (org. Maria Joaquina Nobre Júlio). Lisboa: Bertrand Editora, 2003.
6. FERREIRA, Vergílio – Para Sempre. Lisboa: DIFEL, 1983.
7. FONSECA, Fernanda Irene – “Para Sempre: ritmo e eternidade”. Vergílio Ferreira: A celebração da palavra. Coimbra: Almedina, 1992.
8. GODINHO, Helder e FERREIRA, Serafim - “Apresentação”. Vergílio Ferreira. Fotobiografia (org. de Helder Godinho e Serafim Ferreira). Lisboa: Bertrand Editora.
9. DERRIDA, Jacques – “Parergon”. La verité en peiture. Paris: Camps-Flammarion, 1978.
10. LOURENÇO, Eduardo – “Vergílio Ferreira: Carta para um passado eterno”. In memoriam de Vergílio Ferreira. Opus Cit. Texto lido na sessão “Pensar com Vergílio Ferreira”, na UNI, em 10 de julho de 1996.
11. JÚLIO, Maria Joaquina Nobre – “Finitude e culpabilidade em alguns textos de VF”. In memoriam de Vergílio Ferreira. Opus Cit.
12. LOURENÇO, Eduardo – “VF e a geração da utopia”. Estudos sobre Vergílio Ferreira (org. Helder Godinho). Lisboa: INCM, 1982.
13. PEREIRA, José Seabra – “O literário como real absoluto”, Jornal de Letras. Lisboa, 27 de março de 1996.
14. COELHO, Jacinto do Prado – “Vergílio Ferreira: um estilo de narrativa à beira do intemporal”. Estudos sobre Vergílio Ferreira (org. Helder Godinho). Lisboa: INCM, 1982.
15. LOURENÇO, Eduardo – “VF e a geração da utopia”. Estudos sobre Vergílio Ferreira. Opus Cit.
16. LOURENÇO, Eduardo - “Mito e obsessão na obra de Vergílio Ferreira”. Estudos sobre Vergílio FerreiraOpus Cit.
17. PEREIRA, Luci Ruas – “Um amor quase perfeito”. In memoriam de Vergílio Ferreira. Opus Cit.
18. Com o título “A nostalgia da aura”, busquei cogitar tais questões, num estudo mais minucioso e detido. Cf. In Memoriam de Vergílio Ferreira. Opus Cit. e publicado também em Convergência Lusíada 14. Rio de Janeiro,k 1997. Cf. também a propósito de Vergílio Ferreira, O narrador ensimesmado. O foco narrativo em Vergílio Ferreira. São Paulo, Editora Ática, 1978; “Manhã Submersa: um narrador nas jazidas do tempo”. Revista Letras 45. História e Identidade na Narrativa Ficcional Portuguesa. Homenagem a Maria Luiza Ritzel Remédios. Santa Maria: PPGL da Universidade Federal de Santa Maria, 2012; e também “A tensão entre as duas faces do mythos em Vergílio Ferreira”. Estudos sobre Vergílio Ferreira. Opus Cit., antes publicado em Colóquio/Letras 21. Lisboa: FCG, 1974.
19. MOURÃO, Luís – Vergílio Ferreira: excesso, escassez, resto. Coimbra: Angelus Novos.
20. É curioso anotar que num texto publicado na revista Nova 1, no Inverno de 1975-1976, Herberto Helder escrevia: “Declaram que a melhor maneira de contemplar a natureza é de cima de uma bicicleta (Marilyn Monroe dixit)”.
21. Leda Verdiani Tfouni, Anderson Carvalho Pereira e Dionéia Motta Monte-Serrat, em “A carta roubada ou a estrutura do inconsciente”, cogitam que “ Lacan faz alusão a essa determinação [que o sujeito não é dono do seu dizer] referindo-se ao título em inglês do conto “The Purloined Letter”, cuja etimologia remete a um complexo arranjo de significantes de origens diversas – o prefixo pur: que supõe um “detrás, antes do qual ele se aplica”, para dar-lhe garantia; e loigner, “verbo do atributo de lugar au loing”, que significa “ao longo de”, mettre à gauche, dissimular (LACAN [1955]1998) -; e também à polissemia do título em francês “La lettre volée”, que tem pelo menos dois significados - carta roubada ou “voada” – o que remete a um desvio possível do sentido (a deriva) - relacionado ao valor político da carta -; e a um acontecimento anterior - experiência vivida entre Dupin e o ministro”. Cf. http://www.portal.anchieta.br/revistas-e-livros/interseccoes/pdf/rev_inter_a_carta_roubada.pdf
22. FERREIRA, Vergílio – Estrela Polar. Lisboa: Portugália Editora, 1967, 2ª. ed.
23. GOULART, Rosa Maria. Romance lírico: o percurso de Vergílio Ferreira. Venda Nova: Bertrand, 1990.  
24. LOPES, Silvina Rodrigues – “Na margem do desaparecimento”. Literatura, defesa do atrito. Lisboa: Edições Vendaval, 2003. É a propósito das Cartas a meu pai, de Kafka, que Silvina Rodrigues Lopes constata reações deste tipo, muito semelhantes às de Paulo diante de Sandra morta.
25. CABRAL, Eunice – “A perdição da vida ou o amor impossível em Estrela Polar (1962) de Vergílio Ferreira”. Vergílio Ferreira: da ficção à filosofia (org. José Antunes de Souza e Carlos Marujão). Lisboa: Universidade Católica Editora/CEFi, 2015.
26. BLANCHOT, Maurice – “A solidão essencial”. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, trad. Álvaro Cabral.


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MARIA LÚCIA DAL FARRA (Brasil, 1944). Poeta e ensaísta Autora de A Alquimia da Linguagem. Leitura da Cosmogonia Poética de Herberto Helder. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986. Texto apresentado no Congresso Internacional Vergílio Ferreira, em Évora, de 29 de fevereiro a 2 de março de 2016. Página ilustrada com obras de Francisco Maringelli (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.

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ÍNDICE # 101

EDITORIAL | A persistência do mistério

AARÓN ALMEIDA HOLMQUIST | Paisaje y exilio en David Cortés Cabán

ALFONSO PEÑA | Bob Danco y la historia del mono azul

ESTER FRIDMAN | Liberdades, prisões, ilusões

HAROLD ALVARADO TENORIO 1882-1915 El Modernismo en Colombia

HILDEBRANDO PÉREZ GRANDE | Cien años de soledad y moi

JOSÉ ÁNGEL LEYVA | Jordi Virallonga, el alma de los cinco sentidos

LEDA RITA CINTRA | Brasil ilustrado

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Cartas para quem? Leitura de Cartas a Sandra, de Vergílio Ferreira

OMAR CASTILLO | Mallarmeanas al timbal

SUSANA WALD | Reencuentro con Edouard Jaguer, impulsor del movimiento Phases
  
ARTISTA CONVIDADO FRANCISCO MARINGELLI | Por ele mesmo

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Agulha Revista de Cultura
Número 101 | Agosto de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
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