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segunda-feira, 28 de agosto de 2017

AGULHA REVISTA DE CULTURA # 101 | Agosto de 2017 | Editorial


a persistência do mistério

A partir das 11 horas do dia 16 de setembro de 2017 o Centro Cultural Correios, em São Paulo, receberá a exposição Reflexões Plásticas, de Valdir Rocha, sob a curadoria de Jorge Anthonio e Silva. A exposição ficará em cartaz até 19 de novembro, com horário de visitação das 11 às 17 horas. O artista plástico Valdir Rocha apresentará mais de 100 obras, entre pinturas, esculturas, desenhos, aquarelas e fotografias. O vernissage inclui ainda lançamento dos seguintes livros: Valdir Rocha e a persistência do mistério, de Floriano Martins (Fortaleza: ARC Edições) e Reflexões plásticas de Valdir Rocha, de Jorge Anthonio e Silva (São Paulo: quaisquer), contando com a presença dos respectivos autores. 









Sobre a exposição, calham bem as palavras de Jorge Anthonio e Silva, seu curador: “Ao percorrer Reflexões Plásticas – em torno de núcleos que poderiam se classificar como Éden, Hades; Histórias mal contadas; Notas sobre anatomia; Espectros; Ego; Procurados e esquecidos; e Geografia –, dispostos aleatoriamente no espaço expositivo, o observador ficará surpreso com a plural habilidade de Valdir Rocha no refazer o mundo das descobertas em significantes brutos, suaves, ora macios, ora assustadores, ora indiferentes, ora épicos. É impossível o olhar imparcial a esse conjunto de obras, tal a força incômoda e mobilizadora delas imanente. Adentram a sensibilidade, indagadoramente, na medida da sequência de observação. As obras recentes e as que não produzidas na atualidade estabelecem uma retícula de relações internas na forma de intertextualidade dinâmica. Valdir Rocha é, também, um retratista. Se o retrato é uma representação da pessoa em qualquer das formas expressivas pela imagem, então sua obra traz essa característica desde o início de sua produção artística há cinquenta anos.”
Agulha Revista de Cultura reproduz, nesta sua edição # 101, um capítulo do livro Valdir Rocha e a persistência do mistério, reforçando o convite a todos aqueles amigos e apaixonados pela arte e o conhecimento, que estejam presentes no lançamento e que acompanhem, comentem e divulguem a grandeza humana da obra de Valdir Rocha.

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FLORIANO MARTINS | Entrada na matéria

20 de setembro de 2016. A caminho da fundição que cuida das esculturas de Valdir Rocha, conversamos detidamente sobre curiosidades da criação, as águas percorridas até chegar ali, à singularidade estética alcançada pelo artista. Ele então me disse que o mais provável é que, nele, a escultura tenha surgido como um desdobramento da pintura e do desenho, e que somente após o convívio com essa técnica é que começou a estabelecer certas relações de simpatia com outros artistas. E completou: O importante, para mim, é que a realização estabeleça diálogo entre as diversas técnicas. Minha escultura atual parece ter muito da pintura e do desenho. A propósito, o uso da pátina (ato final da escultura em bronze) é algo que não dispenso mais: funciona como uma pintura.
Isto me lembrou de imediato a observação de Carlos Soulié do Amaral, de que Valdir Rocha possui um poderoso domínio da ciência de gravar. [1] O que se percebe é a intensidade de uma reserva múltipla de técnicas que não se cansam de emprestar matizes, sutilezas, materiais, detalhes de toda ordem, umas às outras. Também se pode dizer que algumas de suas esculturas são provenientes de águas-tintas e águas-fortes.
Ao chegar à fundição, fomos recebidos por Marco Pedrassa, com quem conversei um pouco enquanto Valdir se organizava para darmos entrada na matéria, para esse mergulho entranhável na sala de parto da criação. Na medida em que fui apresentado a cada um dos mestres eles me passavam as mais preciosas informações a respeito de cada fase do trabalho. Pouco a pouco fui compreendendo o que o escultor queria dizer ao afirmar que a pátina funciona como uma pintura.
O primeiro estalo da criação vem com a percepção de uma forma e sua atuação. Um corpo. Definidos movimento e proporção, o artista entrega sua ideia, em forma descrita, fotografada ou desenhada, ao artesão, para que prepare a ossatura, um aramado que permitirá a aplicação da argila, dando assim uma primeira definição anatômica da obra.
Mas qual forma? De onde ela surge? Como configurar esse momento mágico de uma necessidade orgânica de criar? Caminhamos pela fundição enquanto ele comenta: Minha necessidade de busca criativa tem algumas explicações e também inexplicações: é um impulso irresistível que me leva a ela. Confesso que sinto certo prazer quando, durante um processo criativo, encontro algo que pode parecer um acréscimo. Naquela tarde tive a felicidade de ver o desdobramento de uma de suas esculturas, Ancião, passando pela formatação em cera, a sequência modelada em gesso e a colocação dos canais de alimentação, antes da imersão do bronze.
Durante o trajeto sempre me indaguei até que ponto a escultura em bronze é uma arte coletiva. Não é. O artista entrega um modelo esculpido, em matéria geralmente precária (como a argila, a madeira, a cera, o papier maché ou o plastiline),  à oficina de fundição, que trata de devolvê-lo fundido na dimensão estimada. O que ocorre, no caso de Valdir Rocha, é que lhe interessa participar ativamente de todo o processo de fundição. E em seu decorrer ouve os mestres artesãos, que chegam a lhe sugerir detalhes. Ao chegar à fase de aplicação da pátina, o artista não dispensa atuação, sendo justamente naquele instante que se define a singularidade estética de cada obra. A chama do maçarico, a aplicação dos ácidos de variadas cores e, às vezes, até um banho de água fria – eis o trio que acentua a personalidade da escultura de Valdir Rocha.
Uma tarde na fundição reforçou a estima que tenho por um artista destinado a criar a si mesmo e a recriar o mundo a partir não apenas de sua obra, mas antes e, sobretudo, a partir de sua atuação, da grandeza de ato generoso que dedica a compartilhar com todos à sua volta. No caminho de volta, voltamos a falar sobre uma clássica discussão em torno da criação, se ela corresponde a uma necessidade de comunicação ou de expressão.

Tenho necessidade de expressão, isso não nego. Quero expressar o quê? Por um lado, quero expressar a minha admiração imensa diante do mistério, do sublime e do desconhecido (mesmo que seja para revisar algumas dessas espécies), e,  por outro, o inconformismo com todas as formas de violência pelas quais passam todos – eu disse todos – os homens, diante de outros homens, seja porque merecedores ou não dessa mesma violência, racional ou irracionalmente aplicada. Refiro a violência psicológica, a física e até as naturais decorrentes das sortes e dos azares da vida, como as doenças.

A ideia de plantio e replantio constantes é algo que não pode alhear-se da dimensão da criação. Nem o passado como fuga conveniente, menos ainda o presente como habilitação irresponsável para o perpetuum mobile. Tempo e espaço possuem outras coordenadas quando tratamos de criação. A excentricidade imperativa da arte radica justamente em colapsar as cotas existenciais da espécie humana. Não se cria para atender a um fim. Criar é o princípio. A vida é uma decorrência da criação. Não importa onde vive um artista. Entre bombas, favelas, no seio de uma austera dinastia, na sétima fagulha da loucura… O artista não é um fenômeno sociológico. O artista não é um acidente religioso. Nenhum deus transgride ao ponto de livrar-se de si mesmo. Onde então o artista se distingue dos magos da ciência e da religião? No ponto em que ele se pega unicamente com seu instinto. Na esfera em que ele recusa a hierarquização e a decoração.
Recordo Francis Bacon ao dizer: Quando dou minha primeira pincelada na tela, não sei aonde vou. Enfim, na prática, o acaso conta muito. Adoro o acidental durante a formação da imagem. Então, aprendi a organizar o acaso. [2] Os traços definidores da criação são como um enxame do inesperado. Se a ideia de que uma arte completa corresponde à existência de um homem completo perdeu significado em nosso tempo, isto não quer dizer que haja um dilema a ser corrigido no ambiente da criação e sim da perspectiva humana.
A linguagem sempre foi anímica, espécie de código de identificação das essências. Se a ciência e a religião incorreram na ampliação de uma não significação do homem, caberia à arte construir a metáfora em defesa de sua faculdade. Porém a arte não é o artista. A arte é apenas a terça parte de um destino fácil da humanidade. Minha neta tocando tambor a meu lado enquanto escrevo essas notas. A arte se recusa a aceitá-la. Porém ela é parte do mundo, como qualquer outro acidente. Algo como Breton dizer que o homem precisava passar com armas e bagagens para o lado do homem. Não passou. Nem mesmo o defensor da placa. O homem é a negação do homem. O artista se viu abandonado em um paraíso natimorto. Aos poucos descobriu que a filosofia, como a estética, só leva à própria morte.
Acontece que essa figura que se dedica a testar todas as formas de acidente mal cabe em si quando a asfixia do sucesso obceca sua existência. A arte morre na praia mais sinistra da realidade. O inferno da arte é seu reconhecimento pela ciência ou a religião. Imagino que Francis Bacon acreditou que Picasso pôs em prova todos os desatinos da arte em seu tempo. Mas ambos foram bem sucedidos, sobretudo o espanhol. O escândalo maior da arte radica em sua incompreensão? Aquele que se dedica ao acaso pode ser condenado por haver sido bem-sucedido?
Fui amontoando essas frases enquanto pensava em minhas conversas com Valdir Rocha. O modo como identidade é reflexo da naturalidade, que não se pode forjar na arte um personagem que não seja o espelho do que se pretende afirmar com a própria vida. Isto nos diz que a arte não tem que ser agradável ou, sob quaisquer prismas, extraordinária. A arte é um estímulo à nossa aceitação do outro, uma perspectiva de alteridade. Um dia um romancista me disse que passou a conhecer muito mais gente quando compartilhou intimidades suas com seus personagens. A arte se reproduz como uma amizade.
A criação em essência é o reflexo do que buscamos em nossa vida. A fixação de Valdir Rocha pela cabeça humana, tem sido de uma fermentação crítica recorrente, em parte porque o óbvio se aplica a nublar a percepção.  Volto a referir-me ao crítico Carlos Soulié do Amaral, quando este considera que tal obsessão do artista propõe mais uma contemplação do que uma observação. [3] Assim é que nos contemplamos a nós mesmos em cada obra sua. Porém o mundo mal anota o registro de suas intempéries.

NOTAS
1. Carlos Soulié do Amaral. Valdir Rocha – Gravura em metal. Ob. Cit.
2. Franck Maubert. Conversas com Francis Bacon [tradução de André Telles]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2010.
3. Carlos Soulié do Amaral. Valdir Rocha – Gravura em metal. Ob. Cit.

Os Editores


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ÍNDICE


AARÓN ALMEIDA HOLMQUIST | Paisaje y exilio en David Cortés Cabán

ALFONSO PEÑA | Bob Danco y la historia del mono azul

ESTER FRIDMAN | Liberdades, prisões, ilusões

HAROLD ALVARADO TENORIO 1882-1915 El Modernismo en Colombia

HILDEBRANDO PÉREZ GRANDE | Cien años de soledad y moi

JOSÉ ÁNGEL LEYVA | Jordi Virallonga, el alma de los cinco sentidos

LEDA RITA CINTRA | Brasil ilustrado

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Cartas para quem? Leitura de Cartas a Sandra, de Vergílio Ferreira

OMAR CASTILLO | Mallarmeanas al timbal

SUSANA WALD | Reencuentro con Edouard Jaguer, impulsor del movimiento Phases


ARTISTA CONVIDADO | FRANCISCO MARINGELLI | Por ele mesmo






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Página ilustrada com obras de Francisco Maringelli (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.


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Agulha Revista de Cultura
Número 101 | Agosto de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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