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quarta-feira, 30 de agosto de 2017

FAUSTINO TEIXEIRA | Itinerários de Marco Lucchesi


Marco Lucchesi acaba de ser eleito para a cadeira de número 15 da Academia Brasileira de Letras (03/03/2011), que tem como patrono Gonçalves Dias. A cadeira vinha antes ocupada pelo padre jesuíta, Fernando Bastos de Ávila, falecido em 06 de novembro de 2010. A posse está marcada para o dia 20 de maio de 2011, na ABL. Marco Lucchesi nasceu no Rio de Janeiro, em 09 de dezembro de 1963. Como identificou sua amiga Nise da Silveira, o símbolo do sagitário expressa bem a personalidade desse carioca especial: “O Centauro, os pés encravados na Terra, com mãos firmes busca orientar a flecha em direção às estrelas”. Alguém animado pela “nostalgia do mais”, com o coração fincado na terra e o olhar habitado pelo horizonte maior. Um apaixonado pelas línguas, da terra e do céu. Filho único, nasceu sob o embalo bilíngue toscano-carioca. Herdou de sua mãe, Elena Dati, a paixão pelo piano e pelo canto, e nessa ternura filial foi tecendo os traços fundamentais de seu cotidiano. Relata em entrevista que a música foi fundamental para ele, e com ela “a poesia das coisas”.
Em seguida veio o interesse pela literatura e a filosofia, desdobrando-se no amor à poesia. Assinala que sua primeira tradução séria foi a do “Cântico Espiritual”, de João da Cruz, realizada aos dezesseis anos: “Deixei o piano visível (ou quase) pelo piano invisível da poesia…”. E Marco se revelará um tradutor de primeira grandeza. Vale lembrar a impressionante tradução de Baudolino, de Umberto Eco (Record, 2001), inspirada pelas paisagens de Itacoatiara, da Itália e do Irã. Revela que essa tradução foi pontuada pela leveza, mesmo assim, foram cerca de doze versões do primeiro capítulo. Identifica-se como um “tradutor dostoievskiano”, cujo trabalho não tem nada de solar, mas vem acompanhado por muito sofrimento e tortura. Busca sempre “a equivalência impossível. A palavra perdida”. São ilhas irredutíveis. A tradução é para ele “um processo físico tremendo”, fervido em insônias inesgotáveis. Daí ter decidido mudar de perspectiva, e diz: “Resolvi acabar com o tradutor que me habita, antes que ele acabasse comigo”. Mesmo assim, num trabalho realizado em comum, brindou-nos novamente com o seu dom, no livro “O canto da unidade: em torno da poética de Rûmî” (Fissus, 2007 – Prêmio Mario Barata, UBE 2008), com lindas traduções dos Rubayats de Rûmî. Marco traduziu ainda outros poemas de Rûmî (A sombra do amado: poemas de Rûmî, Rio de Janeiro: Fisus, 2000 – Prêmio Jabuti 2001). E também Giambatista Vico (Record, 2000), Primo Levi (Companhia das Letras,1997), Georg Trakl (Topbooks,1996 – Prêmio Paulo Rónai, 1996), Rilke ( Topbooks,1996) e Khliébnikov (Cromos,1993).
Como tão bem mostrou o saudoso Antônio Carlos Villaça, Marco Lucchesi é um poeta da sensibilidade. No centro da sua vida está a literatura. É mais do que um erudito tradicional, pois vem temperado pela poesia: “A sua intimidade com a poesia, com a melhor poesia, o salva de si mesmo e do eruditismo”. Os poemas de Lucchesi são magníficos, temperados com a seiva e o vigor da vida:

Um laço misterioso en
laça e desenlaça
umas às outras as palavras

atiça e des
atina
o silêncio
das florestas

move e dis
persa os pássaros in
visíveis que regem
o sentido das coisas

As imagens que captam o movimento lírico de sua imaginação são preciosas: as “praias esquecidas”, os “oceanos maravilhas”, a “metafísica das alturas”, os minaretes “ávidos de altura e infinito”, o “mar da divindade”, o “planetário de Deus” e o azul, o profundo e inacabado azul de Isfahan… A emoção nos avizinha quando nos deparamos com a beleza de seus Poemas Reunidos (Record, 2000), bem como de outros poemas recolhidos nos livros Sphera (Record, 2003) e Meridiano celeste & bestiário (Record, 2006). Nessa última obra tomamos contato com sua companheira, de olhar profundo, Constança, inspiradora de poemas, mas sobretudo da vida.
Há também o Marco ensaísta e buscador, que desvenda os desertos e as escarpas da alma. Em belos ensaios revela, com o calor de sua intimidade, encontros memoráveis, como os realizados com Nize da Silveira, Adélia Prado, Naguib Mahfuz, Roger Garaudy e tantos outros. Desce também, com dor, pelos “porões da humanidade” e nos possibilita ver o desolador “deserto da loucura”, dos “rostos desfigurados” e dos “corpos descobertos”; o silêncio doloroso e triste de Canudos: “o mais triste silêncio de minha vida”; e o “mundo esquálido e sombrio” dos refugiados palestinos de Sabra e Chatila, esse “horizonte sem horizonte. Tristeza difusa e sem lágrimas”. Do coração do poeta rasga-se o grito de raiva e compaixão… “A……………lla………………ah! O gemido é um dos nomes de Deus”. Dentre os livros de ensaios: Saudades do paraíso (Lacerda Editores, 1997), O sorriso do caos (Record, 1997), Os olhos do deserto (Record, 2000), Memória de Ulisses (Civilização Brasileira, 2006) e Ficções de um gabinete ocidental. Ensaios de história e literatura (Civilização Brasileira, 2009). Ultimamente, o Marco poeta e ensaísta mostra também o seu dom para o romance, com a obra O dom do crime. Rio de Janeiro/São Paulo, 2010.





 Marco Lucchesi guarda um carinho especial pelo diálogo das civilizações, e o encontro das religiões. Talvez seja um dos intelectuais brasileiros mais ativos em favor da salvaguarda do islã verdadeiro e de sua profundidade mística. É portador de um grande Jihâd, o da paz universal. Lança-se com coragem em favor de uma nova perspectiva, de um novo olhar sobre o outro, rompendo com a estreiteza e parcialidade que marca a tradicional mirada ocidental, sobretudo com respeito às culturas do Oriente.
Seus livros nos trazem a profundidade dos grandes místicos como Hallaj, Attar e Rûmî. Nos ajuda, com eles, a desvendar as melodias escondidas do Mistério sempre maior. Nada melhor do que estar à sombra do Amado. Como diz Rûmî, numa de suas cartas: “Se não posso compreender que árvore é essa, contudo sei que, depois que deitei meu olhar sobre ela, meu coração e minha alma se tornaram frescos e verdes. Vou me colocar a sua sombra”. Na obra de Lucchesi, como assinala Constança, “as fronteiras são desfeitas: culturas diversas se aproximam, inesperadas, num diapasão musical de novas tessituras”.
O deserto tem um lugar particular em sua vida: “O corpo do deserto me fere de modo irreversível. Sou habitado por uma paisagem de pedra e areia, pela qual sigo enamorado, e beijo seus lábios de vento e desabrigo”. O deserto e o islã o fascinam, e com eles a suave e áspera língua árabe, “de lâminas e espadas”, das línguas a mais bela, a que mais se aproxima do céu empíreo e do sorriso de Beatriz. Para Marco, “o árabe coagula e condensa, com a força do ferro e o brilho do cristal, a idéia que emerge do Sagrado”. O seu deserto “revela oásis inesperados, e deve ter sido a língua escolhida por Deus para falar aos homens. Um Deus infinito e áspero. Físico e Metafísico. Amante da Parte e do Todo…”. Contagia-se também com a beleza da estética do Islã, com seus minaretes que anunciam “impossíveis horizontes”. E também seus buscadores de diálogo, como Massignon e Paolo dall’Oglio.
O currículo de Marco impressiona. Formado em história pela UFF, é também mestre e doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ e pós-doutor em filosofia da Renascença na Universidade de Colônia (Alemanha). Leciona atualmente no departamento de letras da UFRJ e é pesquisador do CNPQ. Tem sob sua responsabilidade a edição de duas importantes revistas: Poesia Sempre (Fundação Biblioteca Nacional) e Tempo Brasileiro. Outra marca de sua formação é o fabuloso conhecimento e domínio de línguas estrangeiras. Um erudito, sem dúvida, mas sem perder jamais a ternura e a humildade, dois de seus mais preciosos valores. Aquela linda casa, na Rua dos Cravos, em Itacoatiara (Niterói) guarda um coração generoso e hospitaleiro. Ali bate forte o dom da música e da poesia, que facultam um “cerco de paz” e possibilitam a cidadania da alegria e da esperança.


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Organização a cargo de Floriano Martins © 2017 ARC Edições
Floriano Martins é poeta e ensaísta, editor da Agulha Revista de Cultura
Artista convidado desta edição: Akseli Gallen-Kallela (Finlândia, 1865-1931), genial ilustrador do Kalevala (épico nacional finlandês).
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

1 PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO SURREALISMO, I
3 O RIO DA MEMÓRIA, I
4 VANGUARDAS NO SÉCULO XX
5 VOZES POÉTICAS
6 PROJETO EDITORIAL BANDA HISPÂNICA
7 VIAGENS DO SURREALISMO, II
8 O RIO DA MEMÓRIA, II
9 ACAMPAMENTO MUSICAL

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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