Marcos Coelho Benjamim é um estranho tipo de inventor de objetos de beleza
extrema cuja metodologia de trabalho e abordagem é a reinvenção permanente a partir
da mais evidente banalidade. O percurso é sempre do comum ao sublime, sem estágios
intermediários. Acrescente-se que este percurso é realizado em um abençoado silêncio.
Enfim, alguém que inventa objetos de arte e acredita que eles falem por si mesmo,
tenham a sua especificidade de linguagem. Um raro espécime.
Marcos Coelho
Benjamim é um observador de objetos comuns que não reconhece como utilitários e
vulgares. Suspeitamos de que olha o objeto,
convive com ele, e fica imerso na singularidade do detalhe, perde a respiração com
o ritmo aglutinado e frenético das cerdas de uma escova, tem taquicardia com as
relações próximas e sequenciais dos ressaltos num ralador indígena: para Marcos
Coelho Benjamim o ralador também rala mandioca, mas principalmente expressa a cosmologia
divina de estrelas muito próximas, segundo o seu olhar, num espaço cósmico que não
tem fim. A sua intuição das formas contidas numa forma já invisível pela proximidade
do uso talvez o deixe sem fôlego.
E é isto que
também pode nos acontecer, pois é possível ficarmos espantados com este inventor
que desinventa a utilidade que tem milênios de uso e convívio e reinventa um continuun
visual de inesperada beleza que levou frações de segundo para ser concebido, ainda
que a confecção possa demandar tempo, esforço e engenho.
Publicamente Marcos Coelho Benjamim surgiu como cartunista quando o cartum era peça fundamental de comunicação no espaço público. As mentes mais lúcidas se insurgiam contra o arbítrio e a pauta estreita de uma impositiva moral imaginada como ortodoxa e defensora dos bons costumes, seja lá o que isto for. O cartum era uma arma contundente e extremamente rápida. O paradigma no Brasil era composto por individualidades excepcionais: Millôr Fernandes, Ziraldo, Jaguar, Fortuna, Miran, Edgar Vasques, Zélio, Henfil, Redi, Borjalo, Claudius, Juarez Machado, Miguel Paiva, Chico Caruso, Paulo Caruso, Caulos. Marcos Coelho Benjamim conquistou prêmios e o interesse por seu trabalho de extrema habilidade e com uma atmosfera obsessiva, com a tendência de preencher totalmente o espaço.
Como artista
plástico, o seu definitivo território de atuação, Benjamim ainda trabalha com o
acúmulo. E o espaço inteiramente preenchido. Objetos e formas inteiriças. Olhar
o seu trabalho é olhar para sempre, de maneira definitiva. Aceitar ou rejeitar também
se dá no espaço de um olhar, É possível determinar o tempo de um olhar, mesmo que
seja de esguelha. Mas nem vale a pena para quem não é cientista. É tão instantâneo
este olhar, tão espontâneo, na verdade, que podemos considerar um quase nada. O
tempo é zero. Neste caso, o amor é sempre ao primeiro olhar.
Benjamim trouxe
uma visão singular para a arte brasileira, pois nos revelou a visualidade dos detalhes
e dos pequenos objetos. Poucos, como ele, conseguiram tanta plasticidade, ser tão
visual a partir do banal, simples, cotidiano. Uma esponja, alguns fios, um ralador,
tornam-se memoráveis esculturas nos dias de hoje, aquilo que chamaríamos de objeto,
em tempos passados, quando a terminologia das coisas era importante. A solução do
impasse parece ser o termo tridimensional.
Não tem a mesma
ênfase e o mesmo espírito. Mas, de qualquer maneira, se considerarmos o deslocamento
do objeto de sua utilidade para a tridimensionalidade independente, é mais interessante
o ralador de Marcos C. Benjamin do que um garfo ou uma faca de Claes Oldenburg.
E menos monótono. Permite o convívio continuado, o que é impossível em Oldenburg.
O ralador benjaminiano é mais atraente.
A frieza de Oldemburg
talvez seja mais critica, ainda que não saibamos o que ela critica. O que se percebe
é que a sua escultura é mais distante, objetiva e demonstrativa.
Em Marcos Coelho
Benjamim temos a emoção. O objeto parece a sua própria alma.
Saturação. Ele
trabalha com a saturação da retina e da emoção, com a captura do olhar, com a fixidez
da percepção.
Benjamim reaproveita
o que existe, o popular, o industrial, o objeto gasto ou obsoleto jogado no monturo.
Recicla os restos.
Tem ligação com
a arte popular. E com a arte indígena.
Na sua reciclagem
a matéria volta ao social.
Como cartunista
foi um meteoro, um astro brilhante. Como artista plástico trouxe uma particular
estética: o detalhe ampliado, a rugosidade da matéria, o caráter táctil da visualidade.
O olhar seduzido
que se arrasta pela superfície das coisas.
O olho, o olhar,
a vida da superfície secreta que vive e revive, de repente e para sempre, para o
nosso prazer visual.
***
JACOB KLINTOWITZ (Brasil, 1941). Crítico de artes. É possivelmente
o mais consistente e destacado nessa matéria. Recentemente dedicamos a ele uma de
nossas séries especiais: http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/08/s50-o-rio-da-memoria-jacob-klintowitz.html. Página ilustrada com obras de Marcos Coelho
Benjamin (Brasil).
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ÍNDICE
# 102
EDITORIAL
| O amor pelas palavras
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/09/agulha-revista-de-cultura-102-setembro.html
ALFONSO PEÑA | Cali Rivera & el arte para ser libres
HAROLD ALVARADO TENORIO | Los Nuevos y León de Greiff
JACOB KLINTOWITZ | Click – a arte da inclusão
JACOB KLINTOWITZ | Marcos Coelho Benjamim
JOSÉ ÁNGEL LEYVA | Eduardo García Aguilar, extranjero y
sin banderas, el mundo es la raíz
MANUEL MORA SERRANO | Tres
fabulillas
MARIA
LÚCIA DAL FARRA | Da bike ao helicóptero: Vergílio Ferreira e Herberto Helder
MARIA LÚCIA DAL FARRA |
Vergílio Ferreira e a nostalgia da aura
RAFAEL RUILOBA | Rogelio Sinán
y sus voces mágicas
ARTISTA CONVIDADO |
WOLFGANG PAALEN, por Aldo Pellegrini
***
Agulha Revista de Cultura
Número 102 | Setembro de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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os artigos assinados não refletem necessariamente
o pensamento da revista
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todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80
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