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terça-feira, 12 de setembro de 2017

JACOB KLINTOWITZ | Marcos Coelho Benjamim, o desinventor


Marcos Coelho Benjamim é um estranho tipo de inventor de objetos de beleza extrema cuja metodologia de trabalho e abordagem é a reinvenção permanente a partir da mais evidente banalidade. O percurso é sempre do comum ao sublime, sem estágios intermediários. Acrescente-se que este percurso é realizado em um abençoado silêncio. Enfim, alguém que inventa objetos de arte e acredita que eles falem por si mesmo, tenham a sua especificidade de linguagem. Um raro espécime.
Marcos Coelho Benjamim é um observador de objetos comuns que não reconhece como utilitários e vulgares.  Suspeitamos de que olha o objeto, convive com ele, e fica imerso na singularidade do detalhe, perde a respiração com o ritmo aglutinado e frenético das cerdas de uma escova, tem taquicardia com as relações próximas e sequenciais dos ressaltos num ralador indígena: para Marcos Coelho Benjamim o ralador também rala mandioca, mas principalmente expressa a cosmologia divina de estrelas muito próximas, segundo o seu olhar, num espaço cósmico que não tem fim. A sua intuição das formas contidas numa forma já invisível pela proximidade do uso talvez o deixe sem fôlego.
E é isto que também pode nos acontecer, pois é possível ficarmos espantados com este inventor que desinventa a utilidade que tem milênios de uso e convívio e reinventa um continuun visual de inesperada beleza que levou frações de segundo para ser concebido, ainda que a confecção possa demandar tempo, esforço e engenho.






Publicamente Marcos Coelho Benjamim surgiu como cartunista quando o cartum era peça fundamental de comunicação no espaço público. As mentes mais lúcidas se insurgiam contra o arbítrio e a pauta estreita de uma impositiva moral imaginada como ortodoxa e defensora dos bons costumes, seja lá o que isto for. O cartum era uma arma contundente e extremamente rápida. O paradigma no Brasil era composto por individualidades excepcionais: Millôr Fernandes, Ziraldo, Jaguar, Fortuna, Miran, Edgar Vasques, Zélio, Henfil, Redi, Borjalo, Claudius, Juarez Machado, Miguel Paiva, Chico Caruso, Paulo Caruso, Caulos. Marcos Coelho Benjamim conquistou prêmios e o interesse por seu trabalho de extrema habilidade e com uma atmosfera obsessiva, com a tendência de preencher totalmente o espaço.
Como artista plástico, o seu definitivo território de atuação, Benjamim ainda trabalha com o acúmulo. E o espaço inteiramente preenchido. Objetos e formas inteiriças. Olhar o seu trabalho é olhar para sempre, de maneira definitiva. Aceitar ou rejeitar também se dá no espaço de um olhar, É possível determinar o tempo de um olhar, mesmo que seja de esguelha. Mas nem vale a pena para quem não é cientista. É tão instantâneo este olhar, tão espontâneo, na verdade, que podemos considerar um quase nada. O tempo é zero. Neste caso, o amor é sempre ao primeiro olhar.
Benjamim trouxe uma visão singular para a arte brasileira, pois nos revelou a visualidade dos detalhes e dos pequenos objetos. Poucos, como ele, conseguiram tanta plasticidade, ser tão visual a partir do banal, simples, cotidiano. Uma esponja, alguns fios, um ralador, tornam-se memoráveis esculturas nos dias de hoje, aquilo que chamaríamos de objeto, em tempos passados, quando a terminologia das coisas era importante. A solução do impasse parece ser o termo tridimensional.
É um trabalho pop? À semelhança de Claes Oldenburg?
Não tem a mesma ênfase e o mesmo espírito. Mas, de qualquer maneira, se considerarmos o deslocamento do objeto de sua utilidade para a tridimensionalidade independente, é mais interessante o ralador de Marcos C. Benjamin do que um garfo ou uma faca de Claes Oldenburg. E menos monótono. Permite o convívio continuado, o que é impossível em Oldenburg. O ralador benjaminiano é mais atraente.
A frieza de Oldemburg talvez seja mais critica, ainda que não saibamos o que ela critica. O que se percebe é que a sua escultura é mais distante, objetiva e demonstrativa.
Em Marcos Coelho Benjamim temos a emoção. O objeto parece a sua própria alma.
Saturação. Ele trabalha com a saturação da retina e da emoção, com a captura do olhar, com a fixidez da percepção.
Benjamim reaproveita o que existe, o popular, o industrial, o objeto gasto ou obsoleto jogado no monturo. Recicla os restos.
Tem ligação com a arte popular. E com a arte indígena.
Na sua reciclagem a matéria volta ao social.
Como cartunista foi um meteoro, um astro brilhante. Como artista plástico trouxe uma particular estética: o detalhe ampliado, a rugosidade da matéria, o caráter táctil da visualidade.
O olhar seduzido que se arrasta pela superfície das coisas.
O olho, o olhar, a vida da superfície secreta que vive e revive, de repente e para sempre, para o nosso prazer visual.


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JACOB KLINTOWITZ (Brasil, 1941). Crítico de artes. É possivelmente o mais consistente e destacado nessa matéria. Recentemente dedicamos a ele uma de nossas séries especiais: http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/08/s50-o-rio-da-memoria-jacob-klintowitz.html. Página ilustrada com obras de Marcos Coelho Benjamin (Brasil).

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ÍNDICE # 102

EDITORIAL | O amor pelas palavras

ALFONSO PEÑA | Cali Rivera & el arte para ser libres

HAROLD ALVARADO TENORIO | Los Nuevos y León de Greiff

JACOB KLINTOWITZ | Click – a arte da inclusão

JACOB KLINTOWITZ | Marcos Coelho Benjamim

JOSÉ ÁNGEL LEYVA | Eduardo García Aguilar, extranjero y sin banderas, el mundo es la raíz

MANUEL MORA SERRANO | Tres fabulillas

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Da bike ao helicóptero: Vergílio Ferreira e Herberto Helder

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Vergílio Ferreira e a nostalgia da aura

RAFAEL RUILOBA | Rogelio Sinán y sus voces mágicas

RICARDO ECHÁVARRI | México en la poesía surrealista

ARTISTA CONVIDADO | WOLFGANG PAALEN, por Aldo Pellegrini

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Agulha Revista de Cultura
Número 102 | Setembro de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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