sábado, 30 de abril de 2016

S22 | PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009) | 08 DE 10


 

FLORIANO MARTINS | Arte e evidência: uma conversa com Juan Calzadilla

FLORIANO MARTINS | Heriberto Porto: as cartas musicais dentro e fora do baralho

FLORIANO MARTINS | Hermeto Pascoal: o choro que ninguém mais toca

FLORIANO MARTINS | Kizumba-mass, de Graco Sílvio Braz

FLORIANO MARTINS | Manuel António Pina: ares e esgares do silêncio

FLORIANO MARTINS | Marcel Schwob: os segredos da imaginação

FLORIANO MARTINS | Margaret Randall, la poesía y el corno emplumado

FLORIANO MARTINS | Sérgio Lucena: a bordo da pintura

FLORIANO MARTINS | Tom Waits: o otimismo de um cínico

FLORIANO MARTINS | Um encontro com Per Johns







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Organização a cargo de Floriano Martins © 2016 ARC Edições
Artista convidado | Sérgio Lucena
Agradecimentos a Isa Fonseca
Imagens © Acervo Resto do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

S1 | PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
S2 | VIAGENS DO SURREALISMO
S3 | O RIO DA MEMÓRIA

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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FLORIANO MARTINS | Tom Waits: o otimismo de um cínico



Uma bela definição acerca de Tom Waits vem de David Shoulberg, ao dizer que ouvi-lo é "como caminhar por uma cidade fantasma", onde "tudo é rangedor e arrepiado", ao mesmo tempo em que tomado por "uma estranha sensação de paz". Nascido em 1949, Waits acumulou algumas estranhezas que naturalmente se chocam com a linearidade de uma arte adocicada e precária como tem sido, em grande parte, a que nos é contemporânea. Da voz arenosa à inverossímil conjunção de instrumentos musicais, passando pelas personae insólitas de seus versos e a ambição teatral da concepção estética, tudo foi lhe dando um certo distanciamento em relação aos contemporâneos, a ponto de facilmente se esquecer o depurado compositor de canções que ele é.
Não se pode dizer que seu universo de canções limita-se a baladas e rock, vez por outra recolhendo simpatias por tangos, blues e rumbas. E não se pode dizê-lo pelo fato de que tal delimitação não mais interessa, algo menor ante o somatório de identificações que sua arte propicia. Basta atentar para o que ele próprio considera como favoritos, onde inclui o tenor irlandês John McCormick, o compositor argentino Astor Piazolla e cantoras como Edith Piaf, Yma Sumac e Dinah Washington. Somem-se as predileções por beatniks como Kerouac, Ginsberg e Gregory Corso, diversidade à qual não se limita.
Também não se restringe a uma operação insólita de recolhimento de instrumentos e arranjos inusitados, temperados pela colocação roufenha da voz. Visto assim, dá a impressão de que estão ali para uma dissidência natural, como pessoas fotografadas em um ponto de ônibus. Ao contrário, o que é aparente distorção caminha para um destino comum, idêntico àquele encontro de situações díspares recortado pelo Surrealismo, o sentido de revolta defendido por Breton e a ruptura que sugerira Magritte como um caminho para a liberdade. A consonância de todos esses artifícios resulta em uma eficácia lírica, recorrendo a um termo de José Pierre sobre Hans Arp.
Quanto aos versos, é interessante uma fala do próprio Tom Waits, ao dizer que "sempre quis viver dentro de canções e delas nunca voltar". É o que tem feito: vivido dentro das canções que lhe são favoritas, compondo outras tantas, desdobrando-as. Reproduzindo histórias que são fontes de uma existência, recriando cenas e falas que definem uma vida. Estão nas letras de The heart of Saturday night (1974), Nighthawks at the diner (1975),Blue valentine (1978). Em outra oportunidade, diria: "comecei escrevendo as conversas das pessoas ao meu redor". Não à toa a crítica situou seu Frank's wild years (1987) como uma "saga sonhadora de destino e ressurreição".
Eis alguns pontos que permitem entender a sensação teatral e o espírito indomável geralmente aludidos quando se fala em Tom Waits. Embora sua discografia já se encontre disponível no Brasil, é quando raro cultuado como uma figura estranha. Não há dúvida de que sua chegada até nós se deu através do ator que também é, bastando lembrar sua atuação destacada em filmes como Ironweed e Brincando nos campos do senhor (ambos de Hector Babenco) e Drácula de Bram Stocker(Francis Ford Copolla). Além disto, há uma incursão teatral, ao escrever letras e canções para trabalhos como Frank's wild years (1986), The black rider (1990) e Alice (1992), as duas últimas sob a direção de Bob Wilson.
Em disco, Tom Waits estava ausente há alguns anos. Ressurge com Mule variations (1999). O título indica a teimosia latente no caráter de todo grande artista. Em A little rain, de Bone machine (1992), encontramos os versos: "a mula do homem de gelo está / lá fora do bar / onde um homem com dedos perdidos / toca uma estranha guitarra / e o anão alemão / dança com o filho do açougueiro / e uma chuva miúda nunca feriu ninguém". Quem está de volta? Teimamos todos, personagens de uma mesma tragicomédia. As variações da mula estão por toda a parte: uma quase rumba em Get behind the mule, a balada dilacerante em House where nobody lives, a batida tradicional em Cold water.
Uma conversa de Waits com Gil Kaufman, este indagando como aquele mantém-se lúcido em sua relação com o mundo: "a maioria de nós é cética sobre certas coisas ou está esperando para ser convencida de outras". Segundo Waits, as canções são apenas recipientes para o que se é, para como se sente. "Algumas canções você canta uma vez e nunca mais voltará a fazê-lo". E há outras que você carrega consigo por toda a vida, repetindo-as, tentando entender. E outras se encontram tão entranhadas em si, que não há explicação para que se repitam tanto. Serão essas as variações da mula, as canções entranhadas em Tom Waits e que se repetem para onde ele se volte.




 Ao compor para cinema ou teatro, ao ser ele próprio ator e poeta, não faz senão compartilhar todas as vivências que lhe são conjuntivas e disjuntivas, um desfrutar a experiência humana em sua vertigem original, sem dicotomias, sem preconceitos. Basta pensar em Black market baby, uma canção que resume toda a poética de Waits. Há ali uma batida de maracatu mesclada a um arrastado de disco de um DJ, e versos como "não há oração como desejo / nem amnésia no beijo dela / ela é um cisne e uma pistola / e o seguirá pois você gosta disso" interrompidos por uma guitarra dilacerante como há muito não se escuta. Poucas notas, cruciais.
Waits insiste com a insistência de toda grande arte. Que Mule variations seja uma insistência depurada, não há dúvida. Que ali estejam somadas suas melhores leituras da canção, igualmente. Basta ouvir Picture in a frame, em uma de suas formações características: baixo, piano e sax (alto e barítono), cujas imagens poéticas são delicadas e abrangentes como um haicai, sem sê-lo. Há ainda uma gaita mesclada a um canto de galo, igualmente persistentes, em uma canção que ironiza o que fizeram com Jesus (Chocolate Jesus). E um violino destroçando as pequenas almas em torno de Georgia Lee. Preciosidades melódicas, percepção singular da função de cada instrumento, a trama cênica da voz. É o que temos.
Um poeta sob a chuva. Uma pequena chuva. Toda a sua vida filmada por uma garoa. Os personagens correndo sob a chuva. Atropelados pela chuva. Mesmo ali ele pensa nas demais estações. Estão todos indo de um ponto a outro, para algo ou nada. A chuva repercute todas as estações. O que compõe são hinos, são maneiras das pessoas se reconhecerem ouvindo coisas tão alheias e ao mesmo tempo tão íntimas. O que busca um artista é tocar a si mesmo. Somente aí toca a humanidade. O público não é senão o eco natural de um grande artista. Uma perversão comercial (desfalque existencial) inverteu todo um princípio. Diante dela Tom Waits não passa de um estranho, uma voz rasgada, irritante, que acaba de lançar mais um de seus discos insuportáveis.

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Agulha Revista de Cultura # 01. Agosto de 2000. Página ilustrada com obras de Sérgio Lucena (Brasil), artista convidado desta edição especial de ARC.



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Organização a cargo de Floriano Martins © 2016 ARC Edições
Artista convidado | Sérgio Lucena
Agradecimentos a Isa Fonseca
Imagens © Acervo Resto do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

S1 | PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
S2 | VIAGENS DO SURREALISMO
S3 | O RIO DA MEMÓRIA

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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FLORIANO MARTINS | Sérgio Lucena: a bordo da pintura


Meio-dia em pleno inverno paulista. Vou a São Paulo quase que especialmente para encontrar-me com o crítico de arte Jacob Klintowitz. Ali nos veríamos pela primeira vez, pessoalmente, após uma intensa correspondência que já nos definira o grau de afinidade, uma dessas fortes amizades que nascem já vigorosas e milenares como que por encanto. Jacob havia convidado o artista plástico Sérgio Lucena para almoçar conosco. Aquele primeiro abraço já trazia consigo toda a certeza de um valioso encontro. Do almoço saímos para seu atelier e a tarde estendeu-se infinito adentro entre cervejas pretas, charutos e aprazíveis conversas que mesclavam três afinadas visões de mundo, uma serenidade de alcance que tocava a intimidade de obras de nomes aparentemente díspares, unidos pela intensidade: artistas e músicos, sobretudo, de nosso país e de vários outros lugares e épocas. Ao início da noite os dois foram me deixar no hotel onde eu estava hospedado. Voltei para Fortaleza com uma dupla sensação de haver passado uma das tardes mais verdejantes de minha vida. Naturalmente este diálogo ali iniciado se desdobrou e seguiu viagem por muitos caminhos. Uma de suas afluências foi o convite que fiz ao Sérgio Lucena para integrar a galeria da Agulha Revista de Cultura como artista convidado, em uma edição em que se reproduz quase 60 obras suas. A pintura deste artista, nascido em 1963, está possuída por uma condição iluminadora: a de saber, como tão bem percebeu Jacob Klintowitz, trazer o primordial para o convívio do tempo presente. Mais ainda, desentranhá-lo aqui mesmo, sem limitá-lo a uma referência ancestral. E a lição mais bonita que se pode constatar é que o desentranha de si mesmo. Esta é sua forma visceral de contato com o mundo. O primordial como síntese da humanidade que habita seu íntimo. Não importa que o encontre na paisagem ou na figura. Que se enraíze por sua biografia ou expresse um vislumbre ou prenúncio de algo. Há toda uma evocação de tempos que se mesclam em nome de uma evidência: a percepção de que nada nos é estranho ou distante se indagamos de maneira certa como nos encontramos dentro do mundo. É o caminho que me parece apontar a pintura de Sérgio Lucena: a indagação perene acerca de nossa atuação no universo. Seus animais, que são como deuses com um apetite enorme de conhecimento, mergulham na paisagem intensa que evoca visões e antevisões, e ali não se demoram um instante que seja sem nos chamar. Porque não há mundo possível longe da intensidade, da cumplicidade, da completude.

FM Estava aqui pensando naquele navio cor de chumbo que em 1995 surge em teu horizonte estético trazendo a bordo as figuras que por algum momento haviam desaparecido dentro da paisagem de uma nova fase de tua pintura. É uma imagem muito bonita e que me faz pensar sobre a conexão entre a realidade e a criação, mundo exterior e mundo interior. Como se descortina em ti essa conexão entre dois mundos? São, de fato, dois mundos?

SL São sim dois mundos, porém complementares e indissociáveis. O que me faz pensar que os dois sejam em verdade um. Vejo a questão da conexão entre os dois mundos de forma particular. O elo é um terceiro elemento, me parece. Esta concepção em tríade sugere, ao fim, uma realidade complexa, o real com o qual lidamos na experiência cotidiana. Para mim, logo no inicio, foram estas as questões essenciais. Hoje sinto que a coisa é ainda mais complexa, sinto que há algo presente sobre o qual nada ou quase eu posso falar. Trata-se de um dado imponderável, algo que atua à revelia de minha consciência manipuladora, mas que efetivamente consubstancia, para mim, a realidade de significado. O que me parece mais próximo ao que eu estou tentando expressar é a concepção da ideia da Graça.
A pintura cumpre em mim esta função, elemento comunicante entre o dentro e o fora e além. Deste além fala a pintura só, em silêncio.

FM Graça compreendida não somente no sentido de dádiva, mas também de Beleza e Vontade, suponho. De outra forma, a reduziríamos apenas a um conceito teológico, que não interessa à Arte em isolado. Com esta tríade temos constituído o Mistério da Criação e sua indissociável relação com a realidade. Aplicando isto à tua pintura, adentramos assim o Maravilhoso, muito mais do que o Fantástico. Estás de acordo?

SL Absolutamente de acordo. A Graça a que me refiro diz respeito ao advento do imponderável e isto, embora espontâneo, só se dá sob determinadas condições. Minha experiência não se reporta a qualquer conceito teológico, embora veja certas analogias com a experiência dos místicos, o que afirmo é que, para mim, isto que se passa ao fazer pintura é a essência do que entendo por espiritual. Adorei a expressão “Maravilhoso” que usastes. O conceito do fantástico sempre me pareceu reducionista.

FM Há um depoimento teu em que suspeitas que "todas as nuanças da natureza humana podem ser trazidas à tona sob a lona de um circo ou palco de um teatro". Isto me parece definir que pensas na criação artística como representação.

SL À época desta declaração eu era ainda muito jovem, mas no essencial posso concordar com a ideia da criação como representação. Entretanto, tenho hoje uma concepção diferente daquilo que se busca representar. Quando vi Morandi ante meus olhos pela primeira vez, algo dentro de mim cristalizou-se. Levei anos para elaborar isto. (Vale salientar que já o vira inúmeras vezes antes em reproduções, o que mostra o poder da pintura em sua realidade material.) Na época, qual um bárbaro ignorante, achava que a pintura de natureza-morta era algo menor, meu olhar alcançava apenas a superfície, enxergava só o assunto representado. Um copo, uma garrafa, um prato com frutas, enfim, um tema prosaico demais para minha expectativa de artista determinado a mudar o mundo. Morandi me tirou das trevas. Foi quando finalmente acordei para a questão da pintura como linguagem e não como representação. Aqui pareço contradizer o que falei de inicio, mas não, a linguagem existe para formalizar algo. Esta é a questão com que me deparo desde então.
A linguagem como meio da criação artística, que produz o ainda não conceituado, o novo, aquilo que quando elaborado apresenta uma nova instância, um novo patamar de consciência para o artista.
Para mim isto corresponde a uma atitude histórica da espécie, desde os primórdios, que busca alcançar a representação do inconcebível, a fim de nos apoderarmos dele. Esta é a nossa vã pretensão, a qual é fadada ao fracasso. Parece-me ser esta a tensão essencial da condição humana, aquilo que nos impulsiona.

FM Esta tua ideia do fracasso acaso não traz consigo uma sensação de impotência? Isto me faz ironicamente pensar que não se deve dar crédito à consciência na criação.

SL Não há consciência na criação. A consciência ocorre a posteriori e não a priori. Este é um dado fundamental para mim. Uma nova consciência é possível a partir da realidade do objeto criado. O artista só dispõe da consciência do até então, este é o seu limite e também seu trampolim para o porvir.

FM Diria que o artista ao criar luta ao mesmo tempo contra a ordem e o acaso?

SL A ordem é o que foi estabelecido. Marcel Duchamp estabeleceu um novo paradigma. Hoje as questões levantadas por Duchamp estão estabelecidas e ocupam o espaço da ordem anterior. Daí que surge assim a nova academia, que é o que temos novamente como orientação conceitual totalitária. O artista quando luta contra a ordem, e vence, consegue apenas isto: gerar uma nova ordem. Eu vejo que este caminho não leva a outra coisa senão à repetição, à permanência na roda de Samsara. Pela mesma razão acho bobagem o artista lutar contra o acaso, não é uma atitude artística, ao contrario, é uma atitude puramente racional, e consequentemente menor, além de ser uma postura capaz de derivar para políticas de dominação e coisas do gênero. Eu não acredito no acaso, nem na arte nem na vida. Gosto de ver naquilo a que chamam de acaso mensagens do que em mim ainda não É, mas quer Ser. Se não as compreendo, aguardo. Esta é a relação tenho com a vida e com a pintura.

FM O que busca expressar a pintura através de Sérgio Lucena?

SL Não sei, e lhe digo isso com toda franqueza.

FM Eu sempre prefiro comentar a respeito de identificações que propriamente evocar o lugar-comum das influências. Não sei como convives com isto, mas gostaria também de saber quais os teus interlocutores alheio às dimensões de tempo e espaço. Mencionaste Morandi. Quem mais e por quais motivos?

SL São muitos e muitos o foram por determinado período, deixando em dado momento o posto de referência maior para outros, entretanto nunca saindo do panteão de divindades que cultuo. Vou citar alguns por ordem histórica na minha vida, a partir dos cinco anos, quando vi pela primeira vez uma reprodução de pintura. Os flamengos de uma maneira geral com ênfase, no primeiro momento, em Pieter Brueghel o velho e Hieronymus Bosch. Os expressionistas alemães, com ênfase em Otto Dix e Max Beckmann. O estranhamento deles em relação ao mundo em volta, creio, era o que os tornava próximos a mim. Este estranhamento aliado a uma referência espiritual, mais do que estética, em Van Gogh, e estética, mais do que espiritual, em Gauguin. O bom Manet que me mandou de volta aos clássicos, Velásquez, El Greco, Rubens, Ticiano, Tintoretto e o meu amado deus Rembrandt. Hoje encontro boas referências em pintores como Bacon – graças a Velásquez ­–, Gerhard Richter – graças aos flamengos –, e o escultor Anish Kapoor – graças a todos juntos.

FM Desde que momento e em que circunstância o menino Sérgio Lucena identifica como arte sua necessidade de anotação e/ou decifração simbólica do mundo?

SL Isso se deu muito cedo mesmo em minha vida, bem antes até de eu entender que, primeiro o desenho e depois a pintura, cumpriam esta função em mim. Foi algo instintivo, uma maneira natural de buscar uma realidade possível, uma realidade que fizesse sentido para mim. Não era isto o que eu percebia no mundo ao redor, portanto… Quando ainda bem criança sentia que o desenho era o meu mundo real e o sonho, já desde então, era o chão desta realidade. Quando me deitava para dormir, dizia para mim mesmo: agora vamos para a outra vida. Por anos tentei assistir a passagem, mas nisto nunca fui bem sucedido.
Hoje, assim como quando criança, considero como minha realidade o amor e a minha pintura. A arte e o Amor, as únicas coisas realmente sólidas, concretas e factíveis. O mais, para mim, é pura fantasia.

FM E não conflitantes entre si, assim espero, ou seja, as duas forças são uma a extensão da outra. Porém como ambas convivem com as ardilezas morais do cotidiano e seu plano de restrições bem palpáveis, o que em teu caso inclui também o ambíguo mercado das artes?

SL É sim, uma só força. Quanto ao mercado das artes, minha experiência permite que eu tenha uma noção da coisa. Trabalhei muito tempo da minha vida com comércio, estive atrás de um balcão o bastante para saber o que é mercado. Não é o que vejo no Brasil quando o assunto é arte. Tudo é ainda embrionário, uma possibilidade que efetivamente ainda não se concretizou. Acontecerá um dia, é certo, mas ainda estamos engatinhando. Isto certamente é uma dificuldade de grande impacto e que causa imenso prejuízo à produção artística no Brasil. Entretanto, isto não está dissociado da forma como no país são tratadas as demais questões essenciais, educação, saúde, estrutura, a logística enfim, não há ainda claro um projeto para o país, tudo se dá na base do improviso. Esta é a nossa realidade cultural e política.

FM Recorto palavras tuas: “revelar através da luz era a minha obsessão”, que me parecem bem atuais, considerando um plano espiritual acentuado que encontramos hoje em tua pintura. Esta exposição mais recente, por exemplo, com notável bestiário dialogando com uma paisagem que toca o sublime. Alcançaste o entendimento da luz na pintura? O que este conhecimento te revela?

SL Tu sabes, eu me sinto hoje como se tudo essencialmente ainda estivesse por ser feito, este momento que é o maior e o mais importante de toda a minha carreira, me diz que estou apenas no começo. É difícil falar deste sentimento paradoxal, é tão contraditório, entretanto, é assim mesmo e nunca foi diferente. Percebo que muito foi cristalizado, houve uma sedimentação de aspectos essenciais que me deram o chão que nunca antes sentira sob os meus pés, e é justo este leito rochoso que me traz de novo a vontade louca de saltar no abismo, como todas às vezes antes: “desta vez para sempre”.

FM Quero retornar à ideia de fracasso para concluir com uma provocação: costumas estabelecer o que é essencial e acessório em tuas obsessões? Quando realmente importa saber se na relação entre triunfo e fracasso por vezes os papéis não estão trocados?

SL Nada acessório convive com o que me obceca. Discernir sobre isto não é um problema para mim, mas é para aqueles próximos, e daí passa a ser um problema meu, pois eu os amo. O fato é que se for para escolher, fico com o que é essencial para mim. O único triunfo que vislumbro consiste em alcançar minha expressão de louvor à vida, meu testemunho do mistério. Abdicar deste propósito, em nome do que quer que seja, é o fracasso. Não tenho duvida que a minha loucura protegeu-me até aqui, agora que estou velho e que minhas forças diminuem, tenho na prece minha força e refúgio. Minha pintura é a minha oração.

FM Esquecemos algo?

SL Sim, eu gostaria de falar sobre o interlocutor e seu papel para o artista.

FM Uma importância posterior, da mesma ordem da consciência?

SL A importância é determinante. Não cabe aqui qualquer escala de valor em importância, pois o artista sequer existiria sem o interlocutor. Ele é o espelho, aquele que diz ao artista o que ele é a partir do que ele traz. O interlocutor é uma entidade que ao longo da vida do artista migra, a partir da natureza, as pedras, a água, o ar, as plantas, os animais, as pessoas, uma pessoa; que venha a representar a soma de toda consciência adquirida até então, e seja capaz de catalisar no artista a forma possível de atender à nova demanda de significados que se apresenta à época. A relação é naturalmente amorosa, implica em confiança e vontade férrea de romper com o limite, avançar em campo desconhecido, não é possível sem confiar no outro. O artista traz, o interlocutor reconhece e dimensiona o que foi trazido, o artista reconhece assim a si mesmo, adquire fôlego e mergulha outra vez. A ambos cabe o mesmo desafio: encarar o novo com consciência critica, mas também, sem pré-conceito.



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Agulha Revista de Cultura # 61. Janeiro de 2008. Página ilustrada com obras de Sérgio Lucena (Brasil), artista convidado desta edição especial de ARC.

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A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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FLORIANO MARTINS | Um encontro com Per Johns


O ficcionista Per Johns (1936), filho de migrantes dinamarqueses, tem conquistado com admirável eficácia uma ponte entre o duplo mundo que habita sua condição de bilíngue. Seus livros, publicados tanto no Brasil quanto na Dinamarca, refletem tal condição, ao mesmo tempo em que dimensionam uma voz poética vigorosa. Per Johns é autor de romances como A revolução de Deus (1977), As aves de Cassandra (1991) e Navegante de opereta (1998). Tem sido também um incansável tradutor de escritores dinamarqueses.

FM - Estimando tua condição de filho de imigrantes – esse ser ambíguo e privilegiado, ao mesmo tempo estrangeiro e nativo –, pode-se ligá-la à condição essencial do poeta, vivência a partir de um duplo exílio, em que a realidade será sempre observada sob dois enfoques: o dentro e o fora de cada evidência. Querer viver simultaneamente nos dois mundos, o factual e o onírico, esta seria a obsessão central de Per Johns?

PJ - É uma síntese adequada do sentido profundo de minha trilogia, uma duplicidade radical, de raiz. E chamar de obsessão esse duplo exílio não me parece fora de propósito. Ele se esgalha em múltiplos aspectos. Acoplada à duplicidade ou inerente a ela existe a estranheza de uma vida que se afasta de si mesma, que se observa e se manipula de fora para dentro. Nesse sentido, o mundo onírico é mais verdadeiro do que o factual, porque se reporta a raízes que o mundo factual – vale dizer, construído – perdeu de vista. A cisão dos personagens não é só dos personagens; é de nossa cultura coletiva. O que distingue os personagens ficcionais das pessoas reais é a consciência da cisão. O risco de ser chamado de louco.

FM - Umas curiosidades soltas: a verossimilhança é aspecto levado em conta? A intensidade se contrapõe à densidade? Há abordagens de maior ou menor significado? Quais os truques para se deslocar a fonte da confidência? Calma. A pergunta é outra. Até que ponto a dissecação de um texto pela crítica correspondente à inquietude criativa?

PJ - A dissecação de um texto corresponde à vivissecção de um o organismo. Passa-se a compreender como funciona o mecanismo, suas partes interligadas, mas mata-se o significado. Sacrifica-se a vida, que é um dentro inextrincável. Em outras palavras, a vida é sempre particular e inapreensível. Nesse sentido, para ater-me a um exemplo que me é caro, eu perguntaria: são verossímeis as aves de arribação? Explicam-se?

FM - Defende Milan Kundera que um romancista deve sistematicamente dessistematizar seu pensamento, dar um pontapé na barricada que ele mesmo ergueu em torno de suas ideias. O que pensas a respeito?

PJ - Um dos personagens nodais de Navegante de opereta, o professor Frater Taciturnus, é uma encarnação clara desse pensamento de Kundera. Ele está sempre dando pontapés nas barricadas que o defendem de si mesmo, pondo-se solto no ar, sem chão, fadado a recomeçar sempre. Como Sísifo. O narrador define o que ele quer dizer, assim: "Em suma, joga-se fora a escada com que se subiu pergunta acima". Tenho muitas afinidades com Kundera. Tangenciamo-nos. A propósito, fui um dos primeiros a mencioná-lo no Brasil, em artigo para o jornal O Globo, em 05/11/78.

FM - Ao conversarmos sobre uma menção a Stefan Zweig, em entrevista que fiz ao poeta Donizete Galvão, me disseste: o pior da guerra é que seus horrores são por assim dizer higienizados com a traição das palavras, justamente a ferramenta de trabalho de quem precisa se concentrar na poesia. Vivemos em uma sociedade em que as palavras são traídas constantemente. Ao serem esvaziadas de sentido, perdem por completo qualquer valor. Curiosamente esse esvaziamento de sentido é compactuado por algumas tendências estéticas – quer pensemos na poesia pura ou no Concretismo.Como restaurá-las?

PJ - Acredito que só seja possível com a restauração de um hábito que se vem perdendo, o da leitura. Mas não dinâmica ou quando o ler é meramente acessório. Ler, no sentido em que uso o termo, implica a redescoberta da multiplicidade de cada palavra, não meramente etimológica, mas existencial. Um reviver as palavras. Ocorre-me sempre como exemplo desta revivescência necessária – que é lenta, e antes se conquista do que se apreende – o nome dos lugares de um país como a Dinamarca. São os mesmos de priscas eras. Não foram modificados: estão na raiz da língua. Cada nome de lugar – até certo ponto incompreensível para um usuário do idioma atual – tem uma riqueza semântica que restaura o significado do ato de ler, vale dizer, é um mergulho em estratos, por assim dizer, paradoxalmente, indizíveis. Entendo que cada pessoa tem o seu próprio e intransferível horizonte de leitura. Mas como restaurá-lo, não saberia responder.

FM - Algo intrigante: Beckett buscava o que ele próprio chamava de desintegração completa, ou seja, nenhum eu, nenhum ter, nenhum ser. Já o João Cabral optou por uma poesia onde o eu não falasse diretamente, mas sim através das coisas. Quaisquer que sejam as técnicas empregadas, não acreditas que toda criação seja autobiográfica? Tais técnicas aparentemente insólitas não te parecem apenas variações de uma afirmação humanista, que surgem exatamente a contrapelo de uma banalização do ser humano?

PJ - Transferiria o que disse da leitura para a vida. Ao contrário de ter uma vida que é de todos, urge que as pessoas tenham uma vida que é sua. É claro que isso só é possível no nível onírico e não factual. Por trás das identidades factuais que o cotidiano impõe é preciso que cada um descubra seus veios oníricos diferenciados, e viva-os, aquém e além de todas as necessidades práticas. Abre-se aí uma riqueza de perspectivas que é o contrário da banalização e do tédio de estar-se a todo instante à procura de uma qualquer coisa exterior, desprezando o manancial de si mesmo. Pelos mesmos motivos, deve-se entender qualquer criação autêntica como necessariamente autobiográfica. A objetividade é fruto de uma escolha.

FM - Não escondo minha predileção, diante de tua obra, por Navegante de opereta (1998), por encontrar ali o melhor retorno à ficção, no sentido de uma unidade entre lírica e narrativa. Trata-se, portanto, de escrever não governado pelos ditames de um gênero literário, mas sim pela fascinação que lhe desperta sua visão de mundo através da escrita?

PJ - Acredito que toda minha obra se assenta em um tripé: a narrativa, a poesia e o ensaio. Estão misturados, não podem ser separados. Os três estão sempre juntos, embora haja predominância de um ou outro dependendo das circunstâncias. Por sua própria natureza e por sua posição dentro da trilogia, o Navegante de opereta é mais reflexivo e panorâmico. A característica do personagem dúplice radica em uma unificação que, nem bem se impõe, e já se estilhaça de novo em múltiplas imagens, onde se alternam veios ensaísticos, poéticos e ficcionais, mas o fio da meada da urdidura é a baba de aranha, como vem expresso na pequena quadra que sintetiza o personagem: De minha baba/Vou tecendo os fios/Da teia dura e diáfana/Que em mim me emaranha.

FM - A viagem interior rejeita toda cartografia prévia. Não se realiza na racionalização, mas antes na identificação. O curso seguido por uma persona dupla, na verdade uma conjunção entre protagonista e antagonista, no decorrer desta tua trilogia, não é senão uma afirmação da essencialidade da personalidade. Recorrendo a uma imagem tua, até que ponto a conquista de uma voz própria é filha de um fracasso luminoso?

PJ - A viagem interior é a única possível, no sentido de obedecer não só ao factual mas ao onírico. De um certo modo, a viagem interior que se dá do lado de fora na viagem que se locomove, corresponde àquela procura jamais saciada da paisagem própria e intransferível a que se referia Rilke, uma espécie de correlativo objetivo. Mas temos de contentar-nos com aproximações, rastros, vestígios. O quanto basta para manter viva e verdadeira a irrealidade do onírico diante da falsa realidade do factual. Em suma, uma procura que se mostra verdadeira mercê dos vestígios que semeia. E assim entenda-se que o fracasso é luminoso por ser ao mesmo tempo um fracasso no âmbito factual e um sucesso no âmbito onírico. Vem a ser a conquista da única voz possível, mas que corre um risco permanente de se perder em um balbucio.
 
FM - Observo com curiosidade a inclusão de um desenho de Paul Valéry na capa de teu Navegante de opereta, livro que traz em sua coda uma epígrafe de Clarice Lispector. Novamente a paixão pela contradição? René Magritte refere-se à precisão de Valéry lamentando que seja destituída de paixão. Ao contrário, a paixão de Lispector não raro carece de precisão.

PJ - A história de minhas capas é curiosa. As de Cemitérios marinhos às vezes são festivos e Navegante de opereta estão interligadas pelo contraditório elo de Paul Valéry, no primeiro caso mercê de uma foto que eu mesmo fiz em Sète, no magnífico cemitério marinho em que foi sepultado o poeta. E no segundo, graças a um desenho do próprio Valéry, em que retrata Zenon de costas para o mar e a vida. Mas não é uma ligação acidental. Tanto em Cemitérios marinhos às vezes são festivos como em Navegante de opereta insere-se como elemento absolutamente central o poema Le cimetière marin, que é provavelmente único na obra de Valéry, por ser não só autobiográfico como de certo modo passional. Ou por outra, por ser contra Valéry. Simbolicamente é como se o próprio Valéry, talvez involuntariamente, estivesse a ilustrar no desenho a veemência quase passional de um dos últimos versos do poema: Le vent se lève!… Il faut tenter de vivre! E assim, na visão do protagonista do Navegante de opereta, ensaiasse uma espécie de mea culpa. Toda a trilogia é um embate entre precisão e paixão, justificativa suficiente para a epígrafe aparentemente contraditória de Clarice Lispector, na coda.

FM - Recorto uma colocação tua: Acredito que só há possibilidade de organicidade na fragmentação. Refiro-me então ao Kundera uma vez mais: os trechos fracos de uma obra e sua essencialidade. Se pensamos em suspense, paixão, terror, imaginamos alguém apreensivo, embevecido, assustado. Mas nenhum romance é inteiramente isto ou aquilo. Seus trechos menores não viriam exatamente de uma falha de interpretação, incluindo aí o equívoco da catalogação genérica?

PJ - Para entender que fragmentação significa mais do que uma coleção de fragmentos, repetiria o que antes já disse. A ideia de que o romance abriga um universo em que entram o ensaio, o poema e a narrativa propriamente dita. Um espelho da vida. Nesse sentido, o fluxo de consciência, no Ulisses, de Joyce, é antes um agrupamento de estilhaços do que uma narrativa, espécie de instantaneísmo tradicional. E pois, se é que entendi a pergunta corretamente, não existem trechos menores e maiores. Existe um todo indestrutível, mas, se possível, vivo.

FM - Em grande parte a rejeição do Surrealismo a Jean Cocteau deu-se a partir do preconceito de Breton em relação à homossexualidade. E havia um caráter judicioso incontestável na palavra de Breton. Quando Cocteau diz que sem resistência não se pode fazer nada é o mesmo raciocínio de João Cabral ao defender a necessidade da rima por se tratar de um obstáculo. Lembrei-me de Cocteau por uma afirmação dele de que a arte é um sacerdócio terrível. Concordas?

PJ - Parece-me que a arte tem, de fato, algo do sacerdócio, no sentido de sua tentativa de chegar ao fundo do poço do humano. Ad astra per aspera. Chafurdo no desagradável ou naquilo que não é mencionado, para chegar à compreensão do agradável, do belo, do ordenado, ou, que nome se queira dar, ao desejável. É um obstáculo a ser superado, sem dúvida. E parece-me que é o que distingue a arte feita de sangue e entranhas da arte de ouropéis. Em um caso, o espectador ou leitor se esforça para participar, e é sempre desagradável esforçar-se, e no outro, flana sem surpresas sobre um mar de obviedades.

FM - Em entrevista concedida ao Ivan Junqueira, mencionas que alguns grandes escritores brasileiros são mais cultuados do que propriamente cultivados. Concordo contigo acerca da enorme vitalidade de nossa literatura. Está claro que somos nosso próprio e único problema. Em parte há o fato de que esta literatura deixou de ser vista de forma interligada. Contudo, a raiz dessa anulação de perspectiva me parece ser a instalação do que chamas de colônias privilegiadas. Na prosa, esta ação entre amigos fez com que fosse diluída a importância da obra de autores como Cornélio Pena, Lúcio Cardoso, Aníbal Machado, Campos de Carvalho. Já no verso, raramente percebemos a grandeza da obra de Emílio Moura, Dante Milano ou Dora Ferreira da Silva. Quais os focos dessas colônias?

PJ - Provavelmente não é um fenômeno só brasileiro. É humano, somos gregários por natureza e, um pouco, avestruzes. Juntar-se em colônias de donos da verdade é sempre mais confortador do que aventurar-se na incerta batalha da dúvida. Uma terra de ninguém. A tese certa de hoje desafia a nenhuma tese de sempre. Perceber o quanto há de demoníaco na chamada realidade e na sucessão de verdades, cronológicas e locais, é um convite ao desespero. E ao mesmo tempo, paradoxalmente, a única possibilidade de redenção. Ilustra-o de forma paradigmática uma obra-prima de todos os tempos: Medo e tremor, de Soeren Kierkegaard. É impossível sair de sua leitura como se era antes. Recomendo-a a todos aqueles que querem começar por salvar-se a si mesmos antes de salvar o próximo.



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Agulha Revista de Cultura # 01. Agosto de 2000. Página ilustrada com obras de Sérgio Lucena (Brasil), artista convidado desta edição especial de ARC.

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Organização a cargo de Floriano Martins © 2016 ARC Edições
Artista convidado | Sérgio Lucena
Agradecimentos a Isa Fonseca
Imagens © Acervo Resto do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

S1 | PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
S2 | VIAGENS DO SURREALISMO
S3 | O RIO DA MEMÓRIA

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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FLORIANO MARTINS | Margaret Randall, la poesía y El Corno Emplumado


Um de meus encontros mais valiosos nos últimos tempos foi com Margaret Randall, a poeta estadunidense que nos anos 1960, ao lado do mexicano Sergio Mondragón, fundou El Corno Emplumado. Em 2005, surgiram duas valiosas homenagens a esta lendária revista, a edição especial da revista Generación, dirigida por Carlos Martinez Rentería, e o documentário El Corno Emplumado - Una historia de los sesenta, realizado por Anne Mette Nielsen e Nicolenka Beltrán, respectivamente no México e nos Estados Unidos. Antes da entrevista, recolho aqui uma carta de Margaret, em que me fala de um livro inédito seu:

Floriano, te quiero hablar un poco de Kee Tseel: meditations on place. Creo que es el libro mío más logrado hasta ahora. Culmina toda una vida de trabajo. Me ha sido imposible publicarlo acá en Estados Unidos porque tiene, además de 220 páginas de texto (a renglón abierto) 30 fotografías mías a todo color. Tu sabes que reproducir fotos a color cuesta bastante, y hasta ahora no he encontrado una editorial dispuesta a hacerlo. Y yo, por mi parte, todavía no estoy dispuesta a prescindir de las fotos.
No sé si en Brasil hay editoriales que les interesa un libro así. Claro habría que traducir los textos al portugués. Pero a mí me encantaría. No hay nada mío en portugués desde hace muchos años, cuando mi libro sobre la mujer nicaragüense salió en portugués por la Editora Global.
Kee Tseel: meditations on place nació por una experiencia mía hace dos anos. Siempre había querido ir a una ruina Anasazi que existe en el extremo norte del estado de Arizona. Se llama Keet Seel. Para llegar hay que caminar 18 millas, con provisiones para comer y dormir. Tengo casi 70 años y además enfasima, y no me creía capaz de hacer una caminata así. Pero un amigo mío dijo que me ayudaría, y fuimos juntos. Llegué. Y para mí fue una experiencia super-importante. Lo especial de Keet Seel es que todavía hay algunas cosas allí -ollas, herramientas, hasta ¡comida!- desde el año 1286 cuando fue abandonado. Uno camina a solas (permiten solamente 20 personas ir al día, entre fines de mayo hasta principios de septiembre) pero entra a la ruina con un guía Navajo. Escuchando su pronunciamiento del nombre me parecía que decía Kee Tseel (quiere decir cerámica rota). Por eso uso esa manera de deletrear el nombre.
Mi experiencia en Kee Tseel me hizo meditar en todas las ruinas y lugares antiguos que he visitado: Machu Picchu, Chichen Itza, Petra, Jerash, Chaco, etc. etc. Y otros lugares y como han impactado mi vida, como me han formado por decirlo de alguna manera. Así surgió este libro.

FM | Son palabras tuyas: “Desde 1969, cuando murió El Corno, mi manera de escribir cambió, como hubiese cambiado la escritura de cualquiera: con las distintas experiencias vividas, con la madurez, y con la forma en que el mundo en sí iba cambiando durante esos años. Espero que ahora mi trabajo sea más maduro, más profundo y más profesional de lo que era entonces.” [1] ¿Qué pasa con tu poesía antes y después de El Corno? Hoy ¿qué piensas que ha logrado la poesía a través de la voz de Margaret Randall?

MR | Nací en 1936, así que estaba llegando a los treinta en la época del Corno. Viniendo de Estados Unidos, con todo lo que esto implicaba a nivel de influencias, corrientes poéticas y panoramas, los poetas y medios culturales latinoamericanos me dieron muchas cosas nuevas, cosas que poco a poco - y por veces más bruscamente- incorporé en mi propia voz poética. Después del Corno me fui a vivir a Cuba, y diez años después a Nicaragua. Continué escribiendo poesía, por supuesto, y cultivando relaciones con poetas de muchas partes de América latina y el mundo. Los paisajes y preocupaciones de la revolución irrumpieron en mis escritos. Tuve cuatro hijos: la maternidad fue también un elemento importante en mi obra. Los años pasaron, y pienso que, como para todos nosotros, los acontecimientos en mi vida me hicieron madurar de maneras distintas. El trabajo de alguien siempre es el reflejo de su lugar en el mundo, y de la perspectiva que cada quien tiene del mundo en el que vive.
Después de pasar cuatro años en Nicaragua Sandinista -un país donde la poesía florecía sin cesar, y los poetas estaban exaltados- regresé a Estados Unidos, y tuve que afrontar una batalla de cinco años para recuperar mi ciudadanía, y estar autorizada a permanecer en el país que me había visto nacer. Esta batalla también marcó mi poesía. Tal como la marcó el descubrimiento tardío de mi homosexualidad (!tenía casi cincuenta años!), y encontré a la compañera de mi vida, otra artista, alguien con quien sigo feliz después de veinte años de vida común. El regresar a los paisajes de mi infancia, al desierto de Nuevo México, con sus profundos cañones y vastos espacios y su luz inigualable, fue también muy importante para mi creación. Creo que al regresar a casa traje conmigo todos esos años en América latina, la parte latina de mi ser; así como también llegué a comprender plenamente de donde vengo, lo que soy, y la relación que tengo con mi tierra.
Éstos son algunos de los temas que se encuentran en mi poesía actualmente: la identidad y el lugar, una visión feminista del mundo, una vieja sed de justicia, la maternidad y el hecho de ser abuela, la sexualidad femenina, posiciones contra la violencia y contra la guerra, el hecho de envejecer, y un paisaje físico particular.

FM | Tus relaciones con los poetas Beat y con el grupo de Black Mountain, ¿de qué modo todo esto ha influido en tu poesía? Pienso en una afirmación tuya de que “en mi vida hay hechos que me han marcado más que la obra de otros poetas”. ¿De qué está hecha tu poesía y cómo la relacionas con la poesía de los demás, de tu generación?

MR | Bueno, los poetas de la Black Mountain me influenciaron mucho cuando empecé a escribir poesía en Nueva York a finales de los años cincuenta y principios de los años sesenta - incluso más allá de esa época. Estuve muy influenciada por William Carlos Williams, quien por supuesto fue un precursor de la Black Mountain.
También había conocido en la Universidad de Nuevo México a Robert Creeley, antes de irme de Albuquerque para Nueva York en 1957. La poesía de Creeley siempre fue una influencia, y él y yo fuimos amigos hasta su muerte súbita el año pasado. En América latina la gente me asocia seguido con los poetas de la Beat Generation, y es cierto que tenemos lazos de generación. Pero siempre me sentí más cerca de la poesía de la Black Mountain - aunque estos poetas eran todos un poco mayores que yo, y nunca pertenecí a este grupo. A medida que pasa el tiempo, mi voz poética ha sido impactada por mi identidad feminista, por las voces y las vidas de otras mujeres, de las grandes poetisas cuyos nombres cité anteriormente.  
Es difícil para mí determinar de qué está hecha mi poesía, sin referirme directamente a los poemas mismos. Espero que hablen por sí solos, así sabré que han funcionado.  En esta ocasión (como no sé cuál de mis poemas acompañará esta entrevista) puedo decir simplemente que mi poesía ha estado siempre informada por mi vida, por lo que veo y siento alrededor. Me gusta que el lector/auditor sienta, experimente el evento del poema, en vez de que le sea narrado, descrito. Siempre he odiado los versos descriptivos. Mi poesía refleja mi vida y la de mi generación - un lugar y un momento determinados en la historia. Su contenido es muy diverso: todo lo que va desde el amor y la nostalgia hasta el dolor y la frustración, todo, desde un río desierto hasta un evento político. Quiero que mis poemas sorprendan al lector, y creo que en los mejores casos lo logran. Lo que más me influenció en el trabajo de los poetas de la Black Mountain fue lo que me marcó en Williams: un lenguaje frugal y directo, una agudeza, un interés por las cosas más simples de la vida. Algo muy valioso que nos dejó la Black Mountain es esta convicción que nada es “no poético”, o inadecuado para crear un poema a partir de ello.
Cuando dije que en mi vida hubo cosas que me marcaron más que el trabajo de otros poetas, pensaba en algunos momentos históricos: el final de los cincuenta en Nueva York, especialmente los pintores del Expresionismo Abstracto con quienes compartí esos años, la guerra de Vietnam, la Revolución cubana, la victoria de los Sandinistas, el 68 y mis años en México, la vida de mis hijos, descubrirme lesbiana, mi compañera, mis nietos. Algunos sitios culturales antiguos me han estremecido profundamente, lugares como Machu Picchu, Kee Tseel, Petra, Chichen Itzá, Hovenweep. Estoy trabajando en este momento en un libro llamado Kee Tseel: meditations on place, que se refiere a la identidad y el lugar.
Y por supuesto esta la gente, las tantas personas extraordinarias que he tenido el privilegio de conocer en mi vida. Son demasiadas para nombrarlas acá. Pero voy a insistir sobre los amigos de la Black Mountain, particularmente en el padre de mi hijo, Joel Oppenheimer, quién formaba parte del grupo. Nunca estuvimos casados, y no tuvimos una verdadera relación, pero al ser el padre de mi hijo es evidente que la conexión entre nosotros era muy fuerte.

FM | En qué circunstancia surge El Corno Emplumado? Recordemos el ambiente mexicano y latino-americano en el cual apareció la revista.

MR | El Corno Emplumado surgió a principios de la década de los sesenta, en la Ciudad de México. Allí nos reuníamos un grupo de poetas - algunos norteamericanos y otros de América Latina. Nos leíamos los unos a los otros en el apartamento del poeta beat norteamericano Philip Lamantia. Allí estábamos Sergio Mondragón, Raquel Jodorowsky, Ernesto Cardenal, Juan Banuelos, Juan Martinez, Harvey Wollin, Howard Frankl y otros. Los norteamericanos hablábamos algo de español y los latinoamericanos algo de inglés, pero no lo suficiente para comprender con profundidad la obra de los demás. Y no era únicamente el idioma lo que nos separaba, sino que tampoco conocíamos a los poetas más importantes de cada cultura. Todo esto nos impulsó a crear un foro, un lugar donde podríamos conocernos mutuamente.
Así nació El Corno Emplumado/The Plumed Horn. Concebíamos de la revista como un matrimonio creativo de la cultura de ambos hemisferios: el corno por el instrumento musical del jazz norteamericano y las plumas por las culturas prehispánicas del sur.
Desde el principio buscamos la independencia. No queríamos ligarnos a ninguna academia. No queríamos publicar a las “vacas sagradas”. No queríamos permitir que nadie nos controlara. Queríamos dar cabida a las voces nuevas, la experimentación, la vanguardia. Sergio Mondragón, Harvey Wollin y yo tomamos en mano el proyecto. Después del primer número Wollin salió y Sergio y yo nos quedamos hasta los últimos números (1969) cuando Sergio también salió y lo reemplazó el poeta norteamericano Robert Cohen.
El Corno Emplumado vivió casi ocho anos. Regularmente, cada tres meses, sacamos un número de la revista, de 150 a 300 páginas. Algunos números se dedicaron a la poesía de un solo país: México, Argentina, Brasil, Colombia, Finlandia, Australia, India, Holanda, Cuba, Nicaragua, etc. etc. etc. El último número de cada año lo dedicamos a un solo poeta; era un libro bilingüe. Otras secciones de la revista también las tradujimos. Con los años también publicamos algunos libritos de poesía bajo el sello del Corno Emplumado… 20 en total.
La revista siempre fue una lucha. Casi siempre la hacíamos dos personas, a veces con un poquito de ayuda de otros compañeros. Pero fundamentalmente éramos Sergio y yo: leyendo manuscritos, respondiendo a cartas de todas partes, escogiendo la obra que publicaríamos, vendiendo anuncios, pidiendo ayuda financiera de distintas organizaciones, cuidando la impresión, y distribuyendo la revista terminada. Cuando salía un número, nos sentábamos en el piso de nuestra salita y hacíamos los paquetes de ejemplares para después enviarlos por el mundo.
Fue un proyecto muy grande, y muy bello. Se volvió una especie de “institución”. A través de los años El Corno Emplumado publicó a jóvenes quienes con el tiempo se hicieron famosos - en algunos casos sus primeros poemas publicados aparecieron en las páginas de nuestra revista.
La revista se distribuyó en todo el mundo. Mandamos 5 ejemplares acá, 15 allá, más a las grandes metrópolis. En cada país hubo un poeta joven quien se encargó de la distribución. Con el tiempo logramos formar una enorme red.

FM | ¿Qué relaciones pueden establecerse entre El Corno Emplumado y su antecedente más directo, la revista Poesía de América?

MR | Poesía de América , junto con otras revistas literarias de su tiempo le proporcionaron al Corno Emplumado un modelo, una inspiración, un ejemplo de revistas que podían ser hechas. Los grandes proyectos nunca surgen de la nada. El Corno, como todos esos proyectos similares, no hubiera podido ser posible sin esos antepasados.

FM | ¿De qué modo se reflejaba en la revista la situación política entre los Estados Unidos y México, ya que El Corno Emplumado fue creado por poetas de ambos países?

MR | El ambiente en México en aquellos años (1961-68), como en toda América Latina, fue ágil, apasionado, turbulento. Hubo mucha creatividad, mucho intercambio. Y mucho rechazo a los dogmas oficialistas y a los gobiernos represivos. Cuando en el año 1968 estalló en México el movimiento estudiantil, la revista tomó partido al lado de los estudiantes. Cesó todo el apoyo económico que teníamos. Luchamos por sobrevivir, pero finalmente tuvimos que cerrar. Cayó también una represión política sobre mi persona, y tuve que salir, con mi compañero y mis hijos, de México para Cuba.

FM | ¿Qué importancia tuvo en el Movimiento Nueva Solidaridad y cuál es tu recuerdo del 1º Encuentro Americano de Poetas?

MR | Mis recuerdos del Primer Encuentro de Poetas de 1964 son muy vívidos aún, pero estoy segura que los años los han atenuado de alguna manera. El ambiente era eléctrico. Recuerdo que todos estábamos muy entusiasmados, ¡creíamos que todo era posible, sólo con desearlo! Estábamos dispuestos a trabajar con ese fin, y lo hicimos: ferozmente. Recuerdo que hubo varias convenciones en la Ciudad de México en Febrero del 64 - creo que una de ellas era de psiquiatras, o cardiólogos, algo así. Pero nuestro encuentro figuraba en todas las portadas de los periódicos más importantes, lo que nos parecía totalmente lógico. Recuerdo las lecturas en el Bosque de Chapultepec, en un rincón del parque donde había estatuas de Don Quijote y Sancho Panza. Cuando vi, hace poco, el film “El Corno Emplumado: una historia de los sesenta”, pude ver que esa parte del parque es bastante pequeña, un simple círculo con algunas bancas. En el film, se puede ver a Sergio Mondragón mirando de manera melancólica a través de un portón cerrado. !Pero en mi memoria sigue siendo un lugar enorme, lleno de poetas de todas partes de América!
Otra cosa que caracterizó esa época era la generosidad de espíritu que dominaba todo lo que emprendíamos. Los poetas que vivíamos en la Ciudad de México abrimos nuestras casas y nuestros corazones; poetas de tantos países durmieron en el piso de nuestros cuartos, comieron en nuestra mesa, vivieron con nosotros durante toda esa semana gloriosa. Queríamos conocernos, e hicimos que todo eso ocurriera.

FM | ¿Hay alguna relación entre Surrealismo y Beat Generation? ¿De qué modo percibieron ustedes esta relación? Pregunto esto porque pienso que la configuración de las vanguardias en América latina en los años 60 posee una mezcla de estos dos movimientos.

MR | Nosotros éramos jóvenes, llenos de inconformidad, pasión y esperanza. Creíamos que la poesía podría cambiar el mundo. Con el tiempo, algunos de nosotros llegamos a tener una visión más política, de izquierda. Nos adherimos a los movimientos de lucha frontal del continente. Otros se volvieron místicos, estudiantes del budismo Zen, etc. etc.

FM | Pero ahora todo ya pasó y nosotros podemos mirar a la distancia con ojos críticos. Siempre pienso en la famosa antología de los poetas vivos de Aldo Pellegrini. [2] En su prólogo no se refiere a la gente de El Corno, no hay mención siquiera a la revista. ¿Uno puede pensar que se trata de un tipo de ortodoxia del surrealismo, encarnada por Pellegrini, de no aceptación de la Beat Generation? O hay otros motivos para tan significativa ausencia?

MR | Bueno, no conozco la antología de Pellegrini, no puedo realmente opinar sobre el hecho que El Corno no sea mencionado. Claro que la manera en que percibimos ciertos proyectos en un momento difiere de la manera en que los vemos retrospectivamente. Mientras estuvo El Corno, hubo muchos escritores a quienes les gustaba la revista, otros que pensaban que era demasiado política o demasiado ecléctica, otros que por el contrario pensaban que no era lo suficientemente política o ecléctica... ¿quién sabe?  Por veces esas críticas reflejan verdaderos problemas, por veces es simple envidia. En todo caso nunca vi al Corno como un simple reflejo de la Beat generation y de sus poetas. Publicamos algunos poetas Beats, por veces por la primera vez en español. Por otro lado la revista publicó muchas obras que no eran Beat, que representaban diversas escuelas y grupos e intenciones.

FM | Y seguimos mirando a la distancia… Sale por Alianza Editorial de Argentina, en 1999, un largo volumen dedicado a la comprensión de América Latina a través de sus revistas. Es un libro preparado por Saúl Sosnowski. [3] No se menciona allí una línea acerca de El Corno Emplumado. Hay más: excepto por la peruana Amaru y la argentina El Escarabajo de Oro, no se habla más nada de los años 60. Es una zona fantasma en la comprensión de la Historia que este libro evoca. Lo que pregunto es: ¿qué tipo de historia estamos escribiendo hoy, o sea, de qué manera estamos traicionando la historia de nuestras vidas?

MR | Estoy de acuerdo contigo. Esto ha ocurrido también en los Estados Unidos. No solamente en lo que se refiere a la poesía, las artes, pero en cuestiones de política, de valores. Muy seguido se evita tratar de los años 60, se esquiva o se deforma el tema de esta era, tal vez por ignorancia. O porque es demasiado peligroso. O muy complejo. Muy confuso. Y resulta más fácil aceptar la versión académica (terriblemente equivocada), pulida, o bien la que haya tenido más resonancia mediática. Por ejemplo, que los Sesentas fueron una década de drogas y comportamiento extravagante, falta de moral y locura generalizada. Por supuesto esto está muy lejos de la realidad. Pienso que los años sesenta, en Estados Unidos y otros lugares del mundo, fueron un período en el cual los jóvenes se unieron contra la mediocridad, la hipocresía, el conformismo. Algunos habíamos crecido bajo el Macartismo. Habíamos encontrado nuestra voz y la estábamos usando. Denunciamos la corrupción de Estado, la violencia inútil, la guerra injusta, el racismo, el sexismo, y tantas cosas más. Hablamos y cantamos y bailamos y gritamos estos rechazos. Y no era un simple rechazo: teníamos una visión de cambio. Tal vez en uno o dos siglos, si seguimos por acá, se pueda tener  una mejor percepción de la época.

FM | Lo que planteo ahora es un aspecto muy delicado. Entre los números de El Cuerno dedicados a la poesía un solo país, hay uno dedicado a Brasil. Pero en verdad, como dijo Sergio Mondragón, es “una antología de ‘poesía concreta’ en una presentación que hizo desde Brasil el poeta Haroldo de Campos”. [4] Bueno, esto no es representativo de la poesía brasileña de aquel momento, que pasaba por una efervescencia muy peculiar, mezclando los poetas de facción política, invencionistas, existencialistas, beatniks, surrealistas etc. Lo que pasa es que el Concretismo siempre ha sido un tipo muy particular de vanguardia académica, si es posible. Son antípodas de todo cuanto se creía entonces en términos de relación entre vida & creación artística. Lo que entiendo es que había un riesgo en abrir demasiado las puertas de la amistad poética internacional, pero un riesgo esencial. Mi pregunta es si ustedes tuvieron después información acerca de lo que trato aquí, y no solamente referente a Brasil.

MR | Me alegra que preguntes esto. Pero sería mejor dirigirse a Sergio Mondragón. Desafortunadamente, a medida que la revista avanzaba, Sergio se volvió responsable de la parte en español, y yo de la parte en inglés. Y a medida que empezamos a diferir en nuestras preferencias y opiniones políticas, El Corno se volvió casi dos revistas en una sola. No sé si Sergio creía que la Poesía Concreta era emblemática, o una simple manifestación de lo que ocurría en Brasil en la época, No sé ni siquiera si creía presentar una simple fase de la poesía brasileña, o una pequeña antología. Como dije, sería mejor dirigirse a él directamente. Debo decir también que El Corno, a final de cuentas, fue creado por dos seres humanos. Teníamos contactos en los diversos países, y solíamos aceptar lo que ellos nos propusieran como la verdad. No podríamos hacer de otra manera.

FM | Todo este valioso trabajo de ustedes, en el sentido de buscar otras voces en todo el continente, ¿de qué manera era recompensado? ¿Cómo las demás revistas publicadas en otros países latino-americanos reaccionaban a esto? ¿Cómo se divulgaba fuera de México la poesía de los directores de El Corno Emplumado?

MR | Mientras vivía, El Corno era una de muchas revistas y proyectos similares a lo largo del continente. Eco Contemporáneo en Buenos Aires, El Techo de la Ballena en Caracas, Los Tzántzicos en Quito, El Pájaro Cascabel también en Ciudad México, por nombrar unas pocas. Todos nos comunicamos, nos llegamos a conocer, intercambiamos ideas y obras.

FM | ¿De qué manera ha cambiado la actitud de los agentes de esas vanguardias de los años 60, sabiendo que todos estuvieron ligados a los comienzos de The Plumed Horn?

MR | Hoy en día, mirando hacia atrás, creo que todos los que estuvimos ligados al Corno Emplumado recordamos ese período con mucho amor, mucha gratitud, mucho cariño. Existe una película: El Corno Emplumado: Una Historia de los 60, que es una co-producción danesa y mexicana. Salió el año pasado. Es excelente, y en ella hablan varios poetas que publicaron en la revista. Todos coinciden en que esos años nos cambiaron nuestras vidas.

FM | El documental de Anne Mette Nielsen y Nicolenka Beltrán es fundamental. Pero me preocupa su difusión. La historia no está hecha por sus aspectos esenciales sino por su capacidad de difusión. Cuéntanos de la preparación de este DVD.

MR | Habría que preguntarles a las dos personas que hicieron el film. Como Sergio y yo en los sesentas, Anne Mette y Nicolenka trabaron con muy pocos medios financieros. Siguen teniendo muy poco apoyo económico, aún después de hacer una película que me parece muy buena. Espero que el DVD pueda viajar por todos lados, y espero que la gente y las instituciones de países diversos pidan copias, y le den la distribución que merece. Pero viendo los recursos tan limitados durante la producción del film, dudo que esto ocurra. Y es una lástima.
Recientemente fui a la Universidad de Arizona en Tucson por diversas razones, entre las cuales la presentación de la película, seguida de una pequeña discusión con los asistentes. Había mucha gente, pero la mayoría nunca había oído hablar del Corno, y sabían muy poco de los movimientos literarios o políticos en la América latina de los años sesenta.  Pero les encantó el film, y la discusión fue muy interesante. No sólo querían oír más de esa época, sino que también hicieron la relación con lo que ocurre actualmente. Fue muy excitante.

FM | ¿Cómo son tus relaciones con Thelma Nava y Claribel Alegría en un sentido de defensa de la presencia de la mujer en nuestras sociedades? ¿Qué otros nombres y aportes se pueden aquí referir?

MR | Thelma Nava y Claribel Alegría son grandes amigas mías, mujeres que considero como muy cercanas desde hace mucho tiempo. Sigo en contacto con ambas, y especialmente con Thelma comunicamos muy seguido. Admiro sus vidas y su trabajo, y las considero como luminarias de la poesía de su generación, no sólo entre las mujeres - aunque las dos sean, como afirmas, buenos ejemplos de la presencia de las mujeres en la creación poética. Quiero agregar los nombres de otras mujeres poetas que viven aún: Joy Harjo, Adrienne Rich, Gioconda Belli, Marilyn Bobes, Sandra Cisneros, Luci Tapahonso, Minnie Bruce Pratt, Daisy Zamora, Alice Walker, Idea Villariño, Cecilia Vicuña… Podría continuar a nombrar a muchas más. Y hay mujeres extraordinarias que hemos perdido recientemente: June Jordan, Pat Parker, Milagros González… Corro el riesgo de ofender a todas aquellas que no he mencionado, pero no importa pues pienso que uno nunca debe cansarse de hablar de nuestras grandes mujeres poetas, que deben trabajar mucho más que sus colegas hombres, para ser reconocidas, !e incluso para tener un tiempo para escribir!

FM | En una entrevista que hice a Pablo Antonio Cuadra, me dijo: “Nuestra revolución se pudo hacer porque iba adelante abriéndole camino una poesía y un canto. Luego la revolución fue desviada alevosamente: de tales desvíos anti-poéticos está llena la prosa de la historia. Por eso Hispanoamérica hace su historia dando bandazos entre la Utopía y el Exilio.” Hablaba naturalmente de la revolución en Nicaragua, concluyendo que “Todo esperábamos que se abriera una nueva época, pero solamente se cerró la anterior. Parece que las grandes épocas creadoras no son revolucionarias sino pre-revolucionarias.” En otra entrevista, Ernesto Cardenal lo contesta: “Mi primo hermano Pablo Antonio Cuadra, a quien yo admiré y quise mucho antes, aunque después nos separó la revolución, desgraciadamente tuvo una involución y adversó la revolución sandinista. Él no fue revolucionario sino pre-revolucionario, y por eso niega la creación de las revoluciones.” Pero D. Pablo no niega la creación de las revoluciones. Sus palabras son solo referentes a la revolución en su país, y no se trata de una negación sino de una constatación, una confirmación. Conoces de cerca la realidad cultural de Nicaragua, porque has vivido allí por muchos años. ¿Qué piensas a respecto?

MR | Mira, pienso que ambos, Ernesto Cardenal y Pablo Antonio Cuadra, tienen razón. Pero básicamente pienso que clasificar la poesía o la energía poética como pre-revolucionaria o revolucionaria es crear una falsa dicotomía, imponer dos caminos cuando en realidad hay muchas, muchas más posibilidades. La poesía pre-revolucionaria, cuando funciona, tiene un tipo de energía. La poesía revolucionaria, cuando funciona, tiene otro tipo de energía. Cada época tiene sus características, y la mejor poesía de una época refleja necesariamente esas características - ya sea al adoptarlas o rechazarlas (y en el ámbito poético, ambas opciones son importantes). No hablo solamente de Nicaragua: esto me parece cierto en todos lados. La buena poesía es buena por muchas razones, una de tantas siendo la creación, la visión, la energía. Así que pienso que es un poco banal afirmar que sólo una cierta época histórica produce la mejor poesía.

FM | Tuviste una larga residencia en Cuba, trabajando en el Instituto Cubano del Libro. En tu antología publicada en Hiparión, traducida por el cubano Víctor Rodríguez Núñez, en el prólogo, el traductor menciona una inquietud tuya: “nunca pude saber por qué no me permitían trabajar y al mismo tiempo me pagaban un salario”. En principios de los 70 ha surgido en los Estados Unidos la revista Alacrán Azul, en que aparecían nombres fundamentales de la literatura cubana, pero que vivían afuera de la isla. ¿Cómo era vivir adentro consciente - es tu caso - de los sucesos afuera?

MR | Los años que pasé en Cuba han sido una parte muy muy importante de mi vida. Durante once años trabajé allí, crié a mis cuatro hijos en una sociedad socialista, participé en la experiencia de una nación entera que sigue tratando de lograr importantes cambios sociales. Como dices, también fui privilegiada, al estar en contacto constante con el mundo exterior, un privilegio que no todos los Cubanos tienen. Sigo admirando la dignidad de esa gente, los esfuerzos heroicos que despliegan para lograr una cierta independencia, sus progresos reales en materias de salud, educación, servicios públicos, internacionalismo, y más. También hay cosas frente a las cuales sigo siendo crítica. Me gustaría ver un modelo menos autoritario, menos control sobre la diferencia individual, menos miedo hacia lo que se consideran como direcciones diversionarias,  más discusiones abiertas y la posibilidad de desacuerdo. En las artes, Cuba ha sido y sigue siendo un faro. Y en las últimas dos décadas, pienso que el desarrollo saludable de la poesía, ha sido una especie de puente entre los poetas que viven dentro de la isla y los de la diáspora.

FM | ¿Crees que el modelo de sociedad en el que vivimos actualmente favorezca el surgimiento de una rebelión tan intensa como en los años sesenta?
MR | La sociedad que padecemos hoy en día no es tan distinta a la que vivimos entonces, solo que es mucho más profundo el caos y más dramática la diferencia entre ricos y pobres, poderosos y semi-esclavos. La administración Bush trata de devorar al mundo. En algunos lugares tiene éxito. Por lo menos a corto plazo. Es terrible lo que está pasando con el clima, con la tierra, con el planeta. Pero yo sí creo que la posibilidad de rebelión sigue en pie... La gente no tolera su propia muerte programada. Solo que hoy habrá que buscar nuevos modelos de rebelión. Los viejos modelos se ve que ya no sirven.

FM | Tengo que rehacer la pregunta. No se trata de los gobiernos o de la gente. En medio siglo, ¿ha cambiado lo suficiente para que no haya más cambios? Lo que está pasando con el clima es un reflejo. Lo que pregunto es si el hombre es un fracaso remediable?

MR | Puedo ver que no respondí realmente a tu pregunta. Supongo que lo más honesto que puedo decir es que no sé. No sé si los seres humanos serán capaces de reparar todo el daño que ha sido hecho.  Por veces no sé si pensar si la gente no se da cuenta, o no le importa reparar estos daños, o siquiera si consideran que hay daños. El tiempo sólo lo dirá. La tierra está en un tal estado de crisis, que pienso que en dos o tres generaciones tiene que haber un cambio radical, o no quedará más nadie. El recalentamiento climático, con sus amenazas directas sobre la vida en el planeta, es el primer ejemplo de la crisis que vivimos. Pero no es el único. Está también esta Guerra horrenda entre fundamentalismos - viendo por ejemplo la histeria que cobra auge entre los islamistas, y los estragos dramáticos que causan Bush y compañía (tomando raíz en gran medida en un fundamentalismo cristiano). Las guerras religiosas como éstas han sido perpetradas a lo largo de la Historia de la humanidad, pero es evidente que ahora toman proporciones gigantescas, con ambos bandos tomando posiciones mesiánicas, sacrificando de esta manera a millones de seres humanos.  
Por veces, entre los artistas, veo rayos de esperanza. Por ejemplo en la actualidad de Estados Unidos. Este año casi todas las nominaciones al Oscar fueron para películas que defendían un cierto cambio social y justicia. Los Oscar representan la academia más oficial, pero es estimulante ver estos hechos. Soy por naturaleza una persona optimista, tal vez esté buscando señas para un cambio bajo las rocas. Pero soy también realista, y no me sorprendería si generaciones recientes han llevado las cosas tan lejos que no dejen futuro alguno para nuestro planeta. 

NOTAS
1. Entrevista a Rita Pomade. Arts of Mexico - The Series. www.mexconnect.com/mex_/travel/rpomade/rpartiofmexico0105.html.
2. Pellegrini, Aldo. Antología de la poesía viva latino-americana. Editorial Seix Barral. Barcelona. 1966.
3. Sosnowski, Saul. La cultura de un siglo (América latina en sus revistas). Alianza Editorial. Buenos Aires. 1999.
4. Mondragón, Sergio. “El Corno Emplumado”. Revista Generación # 61. México. 2005.



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Agulha Revista de Cultura # 50. Março de 2006. Página ilustrada com obras de Sérgio Lucena (Brasil), artista convidado desta edição especial de ARC.

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Organização a cargo de Floriano Martins © 2016 ARC Edições
Artista convidado | Sérgio Lucena
Agradecimentos a Isa Fonseca
Imagens © Acervo Resto do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

S1 | PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
S2 | VIAGENS DO SURREALISMO
S3 | O RIO DA MEMÓRIA

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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