∞ editorial | A última
página do ano
02 | A poeta brasileira Cecília Meirelles
terá este final de ano dois livros seus publicados no Chile. Aos cuidados da tradutora
e editora Gladys Mendía, a LP5 Editora lança os livros Viagem e Cânticos, ambos em
edição bilíngue. Sobre o primeiro deles reproduzimos aqui um fragmento de prólogo
assinado pelo poeta panamenho Javier Alvarado:
Sobre Cânticos, é a própria tradutora que observa:
O livro que nos convoca
nesta ocasião intitula-se Cânticos. Uma pequena coleção de poemas que inclui vinte
e seis textos que traduzi para o espanhol e que foram um achado fascinante. Caracterizados
pelo seu lirismo reflexivo e profundidade filosófica, apresentam uma meditação sobre
a existência, a identidade e a espiritualidade. Os versos sugerem uma busca pela
transcendência e uma dissolução das barreiras convencionais do eu e do tempo. Meireles
explora a futilidade das divisões impostas pelo homem, como a separação entre terra
e céu, ou a ideia de pertencer a uma pátria. Em vez disso, convida-nos a adoptar
uma perspectiva expansiva, ilimitada no tempo e no espaço, refletindo uma unidade
com tudo o que existe. Seus poemas são breves na forma, mas densos no significado,
usando repetição e variação para enfatizar suas meditações filosóficas. A poeta
dirige-se diretamente ao leitor, dissolvendo a quarta parede para criar uma conversa
íntima e reflexiva. O uso de imperativos (“Não quero ter Pátria”, “Não diga onde
termina o dia”) funciona como um guia ou comando espiritual, incentivando a libertação
das limitações físicas e materiais. Utiliza símbolos universais como dia, noite,
céu e terra para falar sobre conceitos intrínsecos à experiência humana. Por exemplo,
o dia e a noite não representam apenas o tempo, mas também os ciclos da vida, do
conhecimento e da ignorância, da visibilidade e da escuridão interior. A referência
ao mar e ao horizonte convida-nos a considerar a natureza infinita e mutável da
percepção.
A edição de Cânticos contém ainda um posfácio breve assinado
por Floriano Martins, aqui reproduzido na íntegra:
Os dois livros serão
lançados ao final do mês, e poderão ser encontrados aqui: https://lp5editora.blogspot.com/.
03 | Leila Ferraz (São
Paulo, 1944). Poeta, artista plástica, tradutora, nossa artista convidada da presente
edição da Agulha Revista de Cultura, edição
com a qual finalizamos o ano de 2023. Em uma entrevista que lhe fez Alfonso Peña,
destacamos aqui alguns fragmentos das respostas de Leila:
Alfonso,
meu trabalho reflete a mágica da vida e a percepção das coisas do cotidiano. O encantamento
em todos os seus aspectos. Acredito que jamais me prenderia a um único tema central.
E se o fizesse, estaria restringindo minha criação, que sempre correu livre e solta.
O circuito de formas ao qual você refere, são a ferramenta de minhas manifestações
que se expressam através de fotografias, pinturas, gravuras, desenhos ou colagens
e sempre através de poemas e textos. De certa forma, eu me pergunto: Por que me
restringir? Por que haveria de me prender a uma só forma de expressão?
[…]
Duas
paixões cresceram comigo desde a infância: a fotografia e a leitura. Eu passava
horas quieta e concentrada olhando e imaginando enquanto passava o dedo, como uma
carícia, em cada imagem dos álbuns de retrato de minha família. Essa, leitura sensual,
por assim dizer, me contava histórias. Um mundo próprio foi sendo construído em
minha imaginação. Essas viagens eram infinitas. Imaginava como cada pessoa atuava
nesse universo mágico e fascinante do tempo no espaço fotográfico. Imaginava como
cada pessoa fotografada enxergava a mesma história sob seu ponto de vista. E como
as histórias podiam ser diferentes para cada um. A mesma história!
Creio
que foi a partir daí que se deu o start do meu processo criativo e passei a desenhar
personagens inicialmente inspirados nos instantâneos, e depois transportei-os para
outros contextos, onde tomaram caminhos diversos. Saiam de suas molduras, de seus
espaços conformados, e ganhavam novos corpos, novos lugares, novas vidas e outros
sentimentos. Não havia limites para minha imaginação. Essas descobertas de criança
fizeram com que eu quisesse ser uma artista e poeta desde menina.
O
mesmo fascínio que as fotografias exerciam sobre mim surgiu com a leitura. Aprendi
a ler precocemente e devorei as obras completas de Julio Verne. Comecei e não parei
mais de ler. O meu universo era o imaginário. Uma explosão de intuições e uma conformação
racional, consciente e necessária para existir e sobreviver. Creio que assim respondo
a sua outra pergunta! E acrescento: Minhas imagens – abstratas ou não – andam em
conjunto. Entro e saio delas pelos poemas ou desenhos. Permaneço em outras pela
fotografia e saio delas com um poema.
Poderosos!
Capazes de me representarem como indivíduo e de me inserirem em um universo simbólico
e transcendental. Sem jamais me apartar de meu centro inicial. Tanto na poesia como
nas artes plásticas e na fotografia reflito um olhar feminino. Único e inserido
no conceito psicossocial e no maravilhoso! Não é de se estranhar que na tentativa
de dar um sentido e visibilidade às minhas criações, surgiram espaços perceptíveis
muitas vezes distanciados de uma continuidade ou tema central Como mulher, digo:
meu diálogo com a criação se dá em torno do olhar à procura do belo ou do desconhecido.
Nesse sentido, sou uma aprendiz contumaz, munida de estratégias femininas já conciliadas
na psicologia de minha alma, sem tentar me prender a mais nada que não seja mágico,
encantador ou arrebatador. Esses momentos estão presentes em minha obra poética!
O retrato do meu espanto, do meu deslumbramento, perdição, amor ou dor. Com o nascimento
do meu amor pelas palavras e pelas formas surgiu também uma certeza de liberdade
interior que jamais me abandonou. Portanto, criar e expressar minha criação através
de todos os meios possíveis foi tão natural como falar, correr, brincar, amar, dançar
ou aprender diversas técnicas de expressão artística.
Quanto
à sua segunda pergunta, para mim o mundo criativo é tão intenso, que simplesmente
brota. Meus poemas tratam de minha relação com emocional com as palavras e seus
significados. Todos os seus possíveis significados tomam forma concreta e as visualizo
em minha imaginação. Assim, ao escrever um poema ou texto, deixo que fluam pelo
som ou signâncias que elas possuem. As palavras estão de tal forma ligadas a mim
que fazem parte do meu corpo. Tomam todo o meu ser e assim fluem, vertem, desabrocham
e nascem num gesto de doação. As palavras são meus instrumentos afinados e articulados
às imagens. Um processo mneumônico e intuitivo que faz parte de minha personalidade,
de minha alma. De fato, trabalho em diversas linguagens e procurei sempre me aperfeiçoar
em cada uma delas. Curiosamente, não me lembro de eleger uma foto, por exemplo,
para leva-la aos poemas e vice-versa. Aliás, paradoxalmente, cada expressão artística
minha, seja um desenho, foto ou poema, valida meus desejos perante a arte. Estou
sempre perante um enigma! Às vezes utilizo um lápis ou pincel para desvendá-lo.
Outras, a máquina fotográfica para revelá-lo. Há vários anos utilizei-me da gravura
para vencê-lo pela dificuldade e me encantar com o resultado surpreendente que obtinha.
Mas sempre, sempre, respeito o mistério da descoberta, da revelação e da intuição.
Um processo alquímico e mágico cuja explicação está contida em sua libertação para
o mundo sensível e tangível. O prazer do retorno do meu olhar para a minha própria
obra é sempre cheio de mistérios. Há uma oscilação do olhar diferente para cada
forma de expressão artística e esse fato antes de seduzir o outro, seduz a mim mesma.
Minhas obras não têm uma filiação específica dentro do universo das artes plásticas,
da fotografia e da poesia. Elas se fundem umas nas outras no momento da criação.
O processo é um moto contínuo. Um gesto em movimento.
Em seu livro 120 noites de Eros – Mulheres surrealistas, Floriano Martins assim desenha
seu retrato:
Leila
Ferraz ainda bem jovem, aos 20 anos, descobre o Surrealismo e abraça a ousadia de,
ao lado de alguns amigos, montar uma exposição internacional do movimento em São
Paulo. Foi também coeditora da revista-catálogo da exposição, A Phala. Em suas páginas um ensaio de Leila – “Introdução ao pensamento mágico
surrealista” – imprime a força de sua identificação com os postulados do Surrealismo,
ao mesmo tempo em que começa a despertar para a misoginia que contaminava as ações
do grupo. Há pouco conversamos sobre a relatividade da liberdade, sobretudo em relação
à mulher, quando raspamos o verniz canônico do Surrealismo. Ela então me disse:
A mulher é, em si, uma força transgressiva a todo instante. Como um
astro na mecânica celeste. Sua transgressão é sua própria condição feminina e tudo
o que assim a caracteriza. Veja, hoje divulgaram pela primeira vez, a foto de um
buraco negro no universo. Ao vê-lo imediatamente o associei, mais ainda, enxerguei
o colo do útero feminino. São ambos transgressores em seus mistérios e transcendências.
Uma transgressão infinitamente mutável e paradoxalmente única. A essência de um cenário indiscutível. Algo
tão sagrado e violento. Algo que é côncavo e no limite desse entendimento, convexo.
Jamais objeto. E sim um mutatis mutandis entre a dor e o prazer. A conversa nos
permitiu tocar nos modos de reação da mulher, em especial a interdição ulterior.
A mulher não está vedada, mas ela veda a si mesma, como se guardasse, ao menos em
parte, a celebração de seus ofícios, para si mesma. Como se mantivesse sempre algo
oculto, jamais revelado, que é a parte revitalizante que traz em si. Em face disto
é que a mulher não cede aos truques da repetição, porque ela guarda em si um minério
que resplende luz perenemente a cada ato, que o faz parecer (e ser mesmo) outro,
sempre renovado, nela. E Leila alcançou a profundidade do minério dessa relação
justamente com o Surrealismo e seu revelador poço de contradições.
Hoje,
ao concluirmos 2023, a fotografia reveladora de Leila Ferraz aponta na direção de
uma vitalidade permanente em nossa cultura artística, mesmo em seu curso secretíssimo.
Que venha 2024 com a certeza de que estaremos sempre aqui.
Elys Regina Zils | Floriano Martins
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| ¿Por qué París?
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FLORIANO MARTINS
| La propiedad imaginaria y el collage deshecho
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INMACULADA GARCÍA HARO | Mujer, literatura y arte: origen
y recuperación de la desmemoria en los ámbitos académicos
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LUIS CARLOS MUÑOZ SARMIENTO | Condiciones materiales (2023),
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PAULA WINKLER | La pasión por no saber
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MIRANDA BRENES | La creación artística en tiempos de la crisis climática
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Agulha Revista de Cultura
Número 246 | dezembro de 2023
Artista convidada: Leila Ferraz (Brasil, 1944)
editora | ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
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