quinta-feira, 25 de maio de 2023

Agulha Revista de Cultura # 230 | maio de 2023

  

∞ editorial | A enigmática luz de cada texto

 



01
 Lê texto, escreve texto, revisa texto, compartilha texto, mas quem já parou para pensar o que é um texto? Com certeza é muito mais do que um aglomerado de palavras ou sequência aleatória de frases, sob o ponto de vista linguístico, cognitivo ou discursivo. Mas o que caracteriza um texto? Gosto da visão do texto como um tecido, inclusive a palavra “texto” tem origem no latim como ‘algo que foi tecido’ ou ‘entrelaçamento’. Soma-se a visão de Barthes, em O Prazer do Texto, para quem: Texto quer dizer Tecido; [acentua] a ideia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura – o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolve ela mesma nas secreções construtivas de sua teia. Se gostássemos dos neologismos, poderíamos definir a teoria do texto como uma hifologia (hyphos é o tecido e a teia da aranha). Assim o texto pode ser entendido como um tecido, uma entidade significativa composta por uma rede de relações, uma entidade significativa e um artefato sócio-histórico.

Sim, o texto é uma reconstrução do mundo. Nesse aspecto, recordo novamente a Barthes, agora em A morte do autor: a verdade da escrita, o escritor não pode deixar de imitar um gesto sempre anterior, nunca original; o seu único poder é o de misturar as escritas, de as contrariar umas às outras, de modo a nunca se apoiar numa delas; se quisesse exprimir-se, pelo menos deveria saber que a coisa interior que tem a pretensão de traduzir não passa de um dicionário totalmente composto, cujas palavras só podem explicar-se através de outras palavra. Ou seja, um texto é composto por escritas múltiplas, uma diversidade que se transforma em unidade no seu destino, o leitor. De modo que podemos entender o texto como uma unidade de sentido que foi produzida por um autor, e é interpretada por um leitor. Uma dança onde o autor leva o leitor para dançar com ele.

Por falar em dança, cabe lembrar que o texto aqui é compreendido em sua acepção mais ampla, que engloba toda capacidade textual do seu humano, como poema, música, pintura, escultura, etc., assim que pode ser verbal ou não verbal. Entre os tantos teóricos que se debruçaram sobre o tema do texto, encontramos também outros critérios de divisão, como o artístico. Temos os textos tradicionalmente literários, como romances, poemas, crônicas e outros não literários, como artigos científicos, anúncios. Alguns poemas são dotados de um lirismo que nos contagia como uma música que brota dos versos e penetra no nosso íntimo. Porém como definir a beleza de um texto? O que torna um texto belo? Estou certa de que um texto poético é muito mais do que uma soma de versos, estrofes e figuras de estilo, mas deixo essa reflexão com vocês.

 Depois de divagar sobre o texto, encerro esse texto com o convite para a leitura dos textos que compõe esta edição da Agulha dedicada à “Arte no século XXI”. Temos muita poesia, música e reflexões diversas nas autorias de Carlos M. Luis, Carolina Zamudio, César Bisso, Gloria Lenardón, Jorge Vicente, Liliana Quinto Laguna, María Elena Pérez, Marosa di Giorgio, Susana Wlad, Thomas Albornoz Neves.

Boa leitura!

 

02 | Ao conversar com Floriano Martins, que cuidou da presença de Wedgwood Steventon (Inglaterra,
1955) como nosso artista convidado, o surrealista inglês lhe enviou algumas notas autobiográficas que aqui reproduzimos:

 1971 foi um ano importante. Folheando uma revista de vida selvagem, tive a ideia de me tornar um fotógrafo da vida selvagem. No ano seguinte, 1972, comprei um livro que mudou tudo. Primeiro da série Time Life sobre Fotografia, The camera. Ver trabalhos de pessoas como Imogen Cunningham, Paul Strand, Alfred Stieglitz e outros mudou minha perspectiva da imagem fotográfica.

De 1973 a 1981 trabalhei na indústria fotográfica enquanto fazia o meu trabalho pessoal. Iniciando os portfólios, The Dreaming, 1977-1989. Histórias pessoais

1990-1997. Silêncio e solidão 1989-2006.

Em 1994, enquanto participava de um workshop fotográfico no Photographers Place em Derbyshire, tive a sensação de que estava no lugar errado, indo na direção errada. Saí sabendo que minha vida e trabalho iriam para um lugar diferente.

Em abril de 1995 descobri o trabalho de Conroy Maddox. Ao conhecê-lo algumas semanas depois, ficamos amigos e ele me ensinou muito, a pintura e o trabalho de colagem se tornaram as forças dominantes. Fotografia usada apenas para fazer trabalhos de colagem de fotos. Os romances Collage, Aviary 2002-2005 e mais tarde Pictures from a Jade Palace, 2010-2015 surgiram nessa época.

Depois de deixar a profissão de fotógrafo em 1981, trabalhei na indústria de cerâmica de 1983 a 2007. Logo fui despedido. Perder meu emprego resultou na série Arcadia, Post Industrial Landscapes.

Os anos seguintes viram o surgimento das séries Tales from Laputa e A Walk in the Forest.

Então a fotografia voltou a ser forte. Um meio mais poderoso com sua capacidade de capturar o instante em que um pensamento entra em sua mente. Passing shots, surgiu depois de fotografar um Cavalo em um campo. O que ele estava pensando? Como foi o dia dele? Todos os animais e pássaros da série parecem perdidos e imersos em pensamentos. A sua fotografia dá-lhes uma voz, uma presença. Postcards from an Island é a minha viagem fotográfica pessoal através do meu tempo, da minha presença aqui. Menagerie, uma série de trabalhos de colagem de fotos. Não me lembro de onde eles vieram. Acho as imagens perturbadoras, pois os animais presentes têm medo e tristeza por eles. E os pássaros parecem majestosos e possuem poderes secretos. Todas as criaturas da obra são colocadas em um ambiente decrépito feito pelo homem. Uma vez o paraíso, agora um lugar infernal.

Spontaneous Combustion. Um corpo de trabalho recente usando filme instantâneo. Eu ainda tenho que descobrir onde isso está indo.


Um achado casual em uma livraria de um drop card do grupo surrealista Leeds, em 1996, me aproximou deles e, nos próximos anos, de outros grupos. Apesar de nunca ter sido membro de nenhum deles em particular, envolvi-me em exposições coletivas no Reino Unido, bem como na França, Espanha, Portugal, Holanda, República Tcheca, Colômbia, EUA e Canadá, incluindo exposições individuais. Além de contribuir para publicações e pesquisas surrealistas.

A criação de obras, sejam elas pinturas, colagens ou fotografias são todas manifestações e reações ao questionamento constante da realidade e a busca pela compreensão do cotidiano. O Mundo Natural é um tema chave em praticamente todos os meus trabalhos. Sempre, desde criança, questionei e lutei contra a aceitação das noções cotidianas da realidade. O mundo para mim nunca esteve em um verdadeiro estado de realidade. As maravilhas da natureza dilaceradas, remodeladas, para satisfazer as demandas de setores da raça humana. A constante busca por mais e mais de tudo. Uma falsidade completa. Dentro da esfera surrealista, o verdadeiro meio é questionar, contra-atacar e expor os absurdos daqueles que procuram dominar o uso.

Hoje e até ao fim o trabalho continua. 

Elys Regina Zils

 

 

∞ índice

 

CARLOS M. LUIS | Los surrealistas en la América

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2023/05/carlos-m-luis-los-surrealistas-en-la.html

 

CAROLINA ZAMUDIO | Tango, la poesía de la nostalgia

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2023/05/carolina-zamudio-tango-la-poesia-de-la.html

 

CÉSAR BISSO | Acerca del nuevo libro del poeta Alejandro Cesario

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2023/05/cesar-bisso-acerca-del-nuevo-libro-del.html

 

GLORIA LENARDÓN | Leer

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2023/05/gloria-lenardon-leer.html

 

JORGE VICENTE | Gladys Mendía, uma flor de barranco

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2023/05/jorge-vicente-gladys-mendia-uma-flor-de.html

 

LILIANA QUINTO LAGUNA | Arte, una embarcación en medio de turbulencias

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2023/05/liliana-quinto-laguna-el-arte-en-el.html

 

MARÍA ELENA PÉREZ | Hilda Riveros: un recuerdo imborrable tras una década

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2023/05/maria-elena-perez-hilda-riveros-un.html

 

MAROSA DI GIORGIO | Armonía Sommers, la que vivía en sus libros

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2023/05/marosa-di-giorgio-armonia-sommers-la.html

 

SUSANA WALD | Manifiesto obligado

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2023/05/il-est-urgent-de-proclamer-que-mystere.html

 

THOMAZ ALBORNOZ NEVES | Robert L. Haas, a frase no verso

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2023/05/thomaz-albornoz-neves-robert-l-haas.html


 



Wedgwood Steventon


 

Agulha Revista de Cultura

Número 230 | maio de 2023

Artista convidado: Wedgwood Steventon (Inglaterra, 1955)

editora | ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2023 

 


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