sábado, 15 de junho de 2024

Agulha Revista de Cultura # 252 | Junho de 2024

 

∞ editorial | As metáforas migratórias da existência

 


01 | Este é o mês de apresentação a público do catálogo inicial de um novo projeto editorial. La Colección Libros Imposibles: https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/05/coleccion-libros-imposibles.html  es creación de dos poetas, Floriano Martins (Brasil) y Juana M. Ramos (El Salvador). Lo que hace que un libro sea considerado imposible no es sólo su condición de irrealizable, en este caso en términos editoriales, sino su carácter increíble, un objeto extraordinario. La colección busca abordar ambos aspectos: libros que por algún motivo no encontraron editorial, junto con aquellos que, a pesar de su importancia, no recibieron la difusión que merecían, además de algunas antologías que se reunieron para esta ocasión. Hay libros de distintos géneros: poemas, prosa, novelas, ensayos, entrevistas, incluso una particularidad: la inclusión de libros escritos al alimón. También consideramos la diversidad de idiomas, ya que la colección incluye libros escritos en portugués, español, inglés y francés. Finalmente, considerando la complicidad explícita de sus creadores, quienes también son editores, respectivamente, de Agulha Revista de Cultura (Brasil) y EntreTmas Revista Digital (Estados Unidos), se decidió que el catálogo de la colección nunca debería venderse, por lo que todos los libros publicados tendrán acceso gratuito para cualquier lector. Compartir ideales, conocimientos, acervos, éste es uno de los roles primordiales de los poetas en cualquier momento o lugar de la historia de la humanidad.

Visite el catálogo:

EL CORAZÓN INCONTENIBLE DE LAS NOCHES Juana M. Ramos & Floriano Martins

LETRAS DEL FUEGO Susana Wald & Floriano Martins

MEMORIAL DE LOS ABISMOS César Bisso & Floriano Martins

HUESOS DE LOS PRESAGIOS Luis Fernando Cuartas & Floriano Martins

LE MUSEE DU VISIONNAIRE Berta Lucía Estrada & Floriano Martins

ENDECHAS DEL ÚLTIMO FUNÁMBULO Berta Lucía Estrada

 

02 | 2024 é o ano em que se comemora a publicação do Primeiro Manifesto do Surrealismo. Boa oportunidade para recordar muitas coisas, a começar por algo que até hoje nos aflige e André Breton chamava a atenção em seu texto: a ordem artificial das ideias. O que talvez em 1924 fosse apenas o prenúncio de perigosa configuração social, antevista por Breton, acabou se tornando o abrigo sinistro do poder em todas as suas ramificações. Ele nos adverte que havia um imperativo a ser seguido, o de remontar às fontes de imaginação poética, como essencial defesa para se evitar o risco de uma tragédia maior. O Surrealismo adentrou todas as cavernas, mesmo considerando poucas ressalvas em relação a algumas delas, em especial o ambiente político, mas de algum modo a imaginação poética não floresceu o suficiente para ir além de simples diagnóstico da barbárie. É verdade que o verbo nos chega de muitas vertentes, e que ainda hoje repercute na vidraça daqueles mais atentos a imagem que tanto impacto provocou em Breton, a de um homem cortado em dois pela janela. Graças a ela é que se manteve resistindo aos estados debilitados da realidade a linguagem poética e seus incessantes afluentes.

O Surrealismo atravessou a linha demarcatória da geografia e da história, percorreu os mais intrigantes recantos do tempo e do espaço. Até onde Breton, a princípio, não esperava, ou mesmo permitia, que fosse, o movimento se tornou inesperado e mesmo avantajado, vencendo resistências estéticas, ideológicas, morais. Esteve na Austrália, em uma cultura atomizada por certo comedimento, onde causa polêmica a entrada em cena de Max Harris que, em 1941, cria a revista Angry Penguins, de capital importância para a entrada do país na modernidade e consequente difusão do Surrealismo na Oceania. Antes disto esteve em Praga, primeiramente através de Josef Šima, quando este, em 1921, teria passado a morar em Paris, seis anos depois conhecendo alguns surrealistas, em especial René Daumal, no momento em que se afastam do grupo em torno de André Breton envolvidos em uma polêmica que daria por fruto a criação de Le Grand Jeu, disposto a manter vivo o Surrealismo o mais longe possível da sombra do dogma que eles acreditavam ter sido estimulado por Breton. E esteve também em terras chilenas, através do surgimento do grupo Mandrágora, que manteve firme diálogo com as origens do movimento, e defendia a preeminência do Sonho sobre a realidade e a transcendente realidade do Sonho. A rigor, hoje se pode montar um atlas surrealista, acompanhando historicamente seus deslocamentos por todo o planeta, desde que não nos limitemos ao balbucio daqueles que se empenharam em engessar o movimento em algum bem travado escaninho do tempo.

Ao comentar, no Primeiro Manifesto do Surrealismo, acerca de sua primeira impressão lendo os manuscritos de Os vasos comunicantes, essa experiência do que Breton designou como pensamento falado, ele nos revela uma prioridade intensa que o texto sanciona, a de dar lugar a tudo que há de admissível, de legítimo no mundo: a divulgação de certo número de propriedades e de fatos não menos objetivos, em suma, que os outros. As perspectivas de um mundo marcado pelos excessos racionalistas naturalmente levaram a muitas recusas do que os surrealistas apresentavam em relação ao sonho, à liberdade total na criação, as experiências com hipnose, o amor incondicional etc. Em 100 anos o planeta enfrentou as mais graves crises, sem perder a obsessão pelas guerras, até a ameaça de extinção provocada pelos danos climáticos. Tudo, no entanto, de modo muito lento, por mais que a mídia, com seu circo de horrores, tenha se esmerado em dar mais velocidade ao tempo. A tecnologia também acrescentou sua dose impecável, ao mesmo tempo que ambígua, de celeridade. O pensamento, no entanto, este foi freado, travado, de modo criminal, ao contrário do que tanto almejava Breton, e a Robert Desnos se referia, encantado, como alguém que lê em si como em livro aberto, e nada faz para reter as folhas que se desvanecem no vento de sua vida.

Eu recordo Paul McCartney contando a gênese de sua canção Yesterday, escrita em sonho. Ao acordar ele foi ao piano, e logo lhe veio a dúvida se aquela melodia era mesmo sua. Mostrou a muitos, na expectativa de que alguém a identificasse, até dizer a si mesmo: Então é minha, sem nenhuma interferência do pensamento, eu pensei que isto não fosse possível. A escrita automática nada mais é do que a criação em seu mais alto grau de espontaneidade, o que os tempos sombrios ou acentuadamente mecânicos – quando a alma se deixa aprisionar por um dogma, seja de ordem religioso, ideológico, estético – impedem sua fluidez natural. Como bem recorda Breton, em outra passagem de seu Manifesto, o surrealismo poético dedicou-se até agora a restabelecer o diálogo em sua verdade absoluta, isentando os dois interlocutores das obrigações de cortesia. Era preciso, no entanto, dar esse escoamento mágico a toda a realidade, que os homens aprendessem a libertar o espírito até a mais íntima expressão de uma verdade que nos deveria irmanar a todos.


Até hoje o Surrealismo ainda se vê diante do mesmo dilema, desafio, obstáculo. O homem teima em não aprender nada consigo, não importa quantas vezes toque o fundo imaginário de um abismo, de onde, em um impulso, poderia emergir e toda a superfície de outro mistério. Temos dificuldade de oferecer uma simples palavra de ânimo, de abrir o lacre de nossas mentes e deixar pairar no vazio uma imagem: os rostos soprados pelo vento desaguam uma maré inesperada. Uma imagem que seja, livre de tudo, é o que pedimos ao mundo. Que cada um de nós tenha coragem de penetrar a aldeia lúgubre de seu próprio coração. É um dote natural, o modo como descobrimos a fonte de nossa presença no mundo. Não viemos para as guerras. Não viemos para a possessão ou para os estados depressivos da alma. Este centenário deveria ser a data clarificante, estimulante, de um novo estado de coisas. Que os próprios surrealistas, em muitos casos dispersos pelo mundo, alguns até absurdamente intrigados entre si, compreendam a máxima com que Breton conclui seu Primeiro Manifesto: Viver e deixar de viver é que são soluções imaginárias. A existência está em outro lugar. E aqui estamos, neste outro lugar que cabe a nós firmar, definir e anunciar ao mundo.

 

03 | Ilca Barcellos (Brasil, 1955) | Artista Visual, Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestre em Biologia Vegetal pela Université Pierre et Marie Curie – Paris VI, por muitos anos foi professora de biologia no Colégio de Aplicação da UFSC onde já recorria aos desenhos e às formas orgânicas tridimensionais de seres vivos – representando organelas, sistemas e organismos, em massa de modelagem – como recurso didático. Em 2006, ingressou no campo artístico por meio da cerâmica, participando de exposições coletivas nacionais e internacionais. Ampliando sua produção artística, explora atualmente outros materiais – tecidos, espuma expansiva de poliuretano, EVA, madeira, metal – e diversas linguagens – instalação, pintura, desenho, fotografia, vídeo. Em seu processo investiga as possibilidades conceituais que tangem um duplo percurso: científico e artístico; e busca indagar através de sua produção a poética do pulsar, do devir. Participa de salões nacionais e internacionais desde 2007. Em 2008 através do Salão dos Jovens Artistas de Santa Catarina ganhou o Prêmio Aquisição do Museu de Arte de Santa Catarina – MASC e em 2016 ganhou terceiro lugar do 1º Salão de Artes Visuais de Navegantes, SC. Participou de residências artísticas no Canadá e Cuba.

A intensa relação entre a criação artística e a biologia vegetal tem sido a expressão estética levada por Ilca Barcellos a uma relevante perspectiva de novos modos de percepção do objeto e da própria vida. Ao escrever sobre duas de suas séries a própria artista nos deixa pistas suficientes para viajarmos com ela: 1. LUDO TRANSGENIA Busca estabelecer uma primeira ponte entre a arte e a ciência. Trata de apropriar-se de forma lúdica do conceito de transgenia: mostra uma miríade de seres imaginários – cerâmicas escultóricas resultantes da permuta de genes entre espécies diferentes. Estes seres híbridos foram nomeados ludicamente de acordo com os preceitos da nomenclatura científica. Cada indivíduo foi, portanto, classificado pelo binômio relativo ao gênero e à espécie, escritos em latim. Por exemplo, Hippocampus saurus, Felix crotallium, Papillyonida arboreum são os nomes científicos para: cavalo marinho-lagarto, gato-cobra e mariposa-árvore, respectivamente. 2. ECOS DA PELE Propõe explorar o conceito de pele como metáfora da criação que emerge da epiderme dos seres. Os trabalhos reunidos nesta série exploram, portanto, a ideia de que da pele de um ser matricial – superfície da argila –, ecoam e brotam embriões. Entre fissuras, ranhuras e circunvoluções, vislumbram-se novos seres. Evoca-se, no fazer-se, desfazer-se e refazer-se, o processo dinâmico do ciclo da vida. A pele surge como lócus de possibilidades que muda continuamente a sua plasticidade.

Os Editores 

 


∞ índice

 

ADELTO GONÇALVES | C. R. Boxer, um historiador como poucos

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/06/adelto-goncalves-c-r-boxer-um.html

 

ADRIANO CORRALES ARIAS | Poesía y humanismo

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CLAUDIO WILLER Por onde passamos é Brasil o que se mostra, III

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/06/claudio-willer-por-onde-passamos-e.html

 

ELYS REGINA ZILS & FLORIANO MARTINS | No palco nu, com Antônio Cunha

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FLORIANO MARTINS | Muy breve conversación con Julia Otxoa

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IRENE ANDRÉS- SUÁREZ | Esperpento redivivo en la obra de Julia Otxoa

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LUIS CARLOS MUÑOZ SARMIENTO | La Fábrica de Sueños: Los siete samurais (1954), de Akira Kurosawa

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MARIA LÚCIA DAL FARRA | Uma via feminina: Florbela, Judith, Ada Negri e Marie Bashkirtseff

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/06/maria-lucia-dal-farra-uma-via-feminina.html

 

MÓNICA ZEPEDA | Sobre la desesperación de Rilke

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/06/monica-zepeda-sobre-la-desesperacion-de.html

 

YULEISY CRUZ LEZCANO | Tito Balestra, un poeta que donó pequeñas y perfectas flores poéticas

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/06/yuleisy-cruz-lezcano-tito-balestra-un.html

 

AS RESENHAS DA AGULHA | Libreto # 3

CLAUDIA VILA | Comentario crítico al libro Barajar la poesía, de Alfonso Peña

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/06/claudia-vila-comentario-critico-al.html

MÓNICA ZEPEDA | Susi Bentzulul. Cada vez estamos más cerca de ese día

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/06/monica-zepeda-susi-bentzulul-cada-vez.html

ALEJANDRA NANDAYAPA | Apuntes sobre Al amor también lo devoró la luz, de César Trujillo

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/06/alejandra-nandayapa-apuntes-sobre-al.html

ADELTO GONÇALVES | Floriano Martins: a prosa poética à flor da pele

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/06/adelto-goncalves-floriano-martins-prosa.html

LIZETTE ESPINOSA | Ejercicios de escritura, de Harold Alva. Un acto de fe

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Ilca Barcellos


Agulha Revista de Cultura

Número 252 | junho de 2024

Artista convidada: Ilca Barcellos (Brasil, 1955)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2024


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