∞ editorial | As luzes da criação, os traços da eternidade
01 | As luzes que estamos buscando estão
além de toda a física, de toda a paisagem, de todos os sonhos. As luzes que nos
encontram quando menos esperamos. Quando ouvimos tocar sua flauta Hermeto
Pascoal em um improviso que está acima das forças da natureza. Esta imensa
criança que trazemos dentro de nós. Não importa que tenha nascido em junho de
1936, canceriano, e que tenha morrido há poucos dias, em um 13 de setembro de
2025. Levou uma eternidade inteira nos dizendo que nunca deixaria de nascer. E
assim será: sua música nascerá eternamente a cada audição. Um dia dois poetas
escreveram um poema a quatro mãos que finaliza assim:
a música que tenho é
uma terra de reconhecimentos
sempre regresso a tudo
o que desconheço
sempre uma cadeira com
asas e este piano suas teclas como portas que não param de
abrir-se
e a linha de mil olhos
que vê o horizonte como se fosse seu mais incrível truque
e a sombra da árvore
que dança cada vez que escuto seu nome
vindo de regresso carregado do som que deixou para trás
a árvore-pássaro que
viaja e que dá frutos
e árvore-vento que é o
pássaro e o ninho
a folha e a pluma
a solidão e tu gritando aparições
deixando surdamente
o grito em que
terminas
Um
dia esses dois poetas – Floriano Martins e Manuel Iris – dedicaram todo um
livro à criação automática de uma música infinita que eles tinham em seu
íntimo, e naturalmente Hermeto este presente em todas os sons dessas páginas.
Hermeto, o bruxo que jamais deixará de nascer. A seu lado outra presença
entranhável, Ruben Grilo, gravador de imensidões, de quem já tisse George
Kornis, palavras essenciais: A xilogravura contemporânea brasileira recupera,
através de Grilo, sua dimensão maior na tradição instaurada pela obra de
Oswaldo Goeldi. Essa dimensão – a da obra magistral – tornada hoje uma
crescente evidência quando da apreciação do trabalho de Rubem Grilo, resulta de
um processo de criação no qual a intensidade produtiva logrou estabelecer o
difícil mas possível equilíbrio entre invenção e inteligibilidade. A criação,
na gravura de Rubem Grilo, é um tempo de construção/desconstrução imagística na
qual o contínuo compor/descompor/recompor do trabalho estabelece a premissa
básica da maestria: o eterno aprendizado. Fazer o trabalho para aprender com o
trabalho, diz Grilo, situando-se na perplexidade do eterno aprendiz diante do
mistério da criação. Essa perplexidade, longe de atenuar-se, só tende a
intensificar-se, na crescente complexidade de um trabalho que tem logrado, em
sua tensão específica, preservar o compromisso com a invenção sem cair no
hermetismo. Palavras verdadeiras, claras, que pedem companhia
ao que já disse o próprio artista acerca da criação: A
grande conquista da arte foi tomar consciência de suas questões intrínsecas, de
coisas que só dizem respeito a ela. Mas, por outro lado, é complicado reduzir
toda a arte a formas, cores, linhas. Porque, ao se expressar, certas pessoas
transmitem sua experiência de vida. Acho que passa por uma questão de
autenticidade, de ser verdadeiro consigo mesmo e se realizar de acordo com suas
necessidades particulares. Estou condicionado a um tipo de cultura e, ao mesmo
tempo, tento crescer dentro disso. O que tenho feito até hoje é responder a
esta questão. Ter um olhar altamente crítico sobre meu processo, mas, ao mesmo
tempo, saber que o caminho tem de ser por onde sinto meu chão. Rubem
Grilo (Brasil, 1946). Criador incansável dedicado à xilogravura, através de um
expressionismo singular, ele confere ao desenho a base de seu trabalho, e
graças a seu traço peculiar procura sempre ir além do plano visual da imagem,
buscando a perspectiva humana ou, como ele próprio afirma, espelhando a ideia
de que a obra se qualifica pelo grau de impregnação subjetiva
que se introduz na matéria.
Nossos agradecimentos a Jacob Klintowitz pela presença de Rubem Grilo
como artista convidado desta edição de Agulha
Revista de Cultura.
02 | Las luces que buscamos están más allá de toda física,
de todo paisaje, de todos los sueños. Las luces que nos encuentran cuando menos
lo esperamos. Cuando escuchamos a Hermeto Pascoal tocar su flauta en una
improvisación que trasciende las fuerzas de la naturaleza. Este niño inmenso
que llevamos dentro. No importa que naciera en junio de 1936, de Cáncer, y que
muriera hace apenas unos días, el 13 de septiembre de 2025. Pasó una eternidad
entera diciéndonos que nunca dejaría de nacer. Y así será: su música nacerá
eternamente con cada escucha. Un día, dos poetas escribieron un poema a cuatro
manos que termina así:
la música que tengo es una tierra de reconocimientos
siempre regreso a todo lo que desconozco
siempre una silla con alas y este
piano sus teclas como puertas que no
cesan de abrirse
y la línea de mil ojos que mira al horizonte como si fuera su más increíble
truco
y la sombra del árbol que baila cada vez que escucho su nombre
viniendo de regreso cargado del
sonido que ha dejado atrás
el árbol-pájaro que viaja y que da frutos
el árbol-viento que es el pájaro y el nido
la hoja y la pluma
la soledad y tú gritando apariciones
dejando sordamente
el grito en que terminas
03 | The lights we seek are beyond all physics, all
landscapes, all dreams. The lights that find us when we least expect it. When
we hear Hermeto Pascoal play his flute in an improvisation that transcends the
forces of nature. This immense child we carry within. It doesn’t matter that he
was born in June 1936, of Cancer, and that he died just a few days ago, on
September 13, 2025. He spent an eternity telling us he would never stop being
born. And so it will be: his music will be eternally born with each listen. One
day, two poets wrote a poem together that ends like this:
my music is a land of recognitions
I always come back to what I know not
forever a winged chair and
this piano its keys like doors that
keep stretching ajar
and the thousand-eye line that looks at the horizon as if it were its
most amazing trick
and the shadow of the tree dancing whenever I hear its name
back once again loaded with
the sound it left behind
the bird-tree that travels and brings forth fruit
the wind-tree is both bird and nest at once
the leaf and the feather
solitude and you screaming out
hauntings
soundlessly leaving
the scream where you come to an end
Los Editores
∞ índice
ANA
CAROLINA MEIRELES | Isabel Meyrelles: visitando o bestiário
poético no surrealismo português
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/ana-carolina-meireles-isabel-meyrelles.html
FLORIANO
MARTINS | A poesia de Thomaz Albornoz Neves + APAGANDO AS PISTAS |
Diálogo entre Floriano Martins & Thomaz Albornoz Neves sobre criação
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/floriano-martins-poesia-de-thomaz.html
FLORIANO
MARTINS | Pequenas luzes sobre a obra de
Hilda Mundy | Diálogo con Carmen Bedregal Villanueva y Juan Francisco
Bedregal Villanueva
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/floriano-martins-pequenas-luzes-sobre.html
FLORIANO
MARTINS | Las reflexiones de un artista
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/floriano-martins-las-reflexiones-de-un.html
GRACCHO BRAZ PEIXOTO | A
vertigem inesperada – A música de Floriano Martins
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/graccho-braz-peixoto-vertigem.html
HAROLD
ALVARADO TENORIO | El rosario de oro de
la poesía de Jorge de Lima
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/harold-alvarado-tenorio-el-rosario-de.html
JOSÉ ANTEQUERA ORTIZ | Luis García Morales y el río de
siempre que lo acompaña
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/jose-antequera-ortiz-luis-garcia.html
MARGARITA DRAGO |
La escritura: punto de fuga
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/margarita-drago-la-escritura-punto-de.html
PAULA WINKLER | Tres versiones
de Franz Kafka
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/paula-winkler-tres-versiones-de-franz.html
STYLIANÓS
KARAGIÁNNIS | Elogio griego a Juan Ramón Jiménez
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/stylianos-karagiannis-elogio-griego.html
Libreto
# 12
ADELTO GONÇALVES | Na Casa de Maria Azenha,
de Maria Estela Guedes
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/adelto-goncalves-maria-alzenha-uma.html
ANA ARZOUMANIAN | Una ética de lo sensible. Sobre Frikinosis, de Martín Palacio Gamboa
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/ana-arzoumanian-una-etica-de-lo.html
BERTA LUCÍA ESTRADA | Sunny intenta amansar una herida, de Juana M. Ramos
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/berta-lucia-estrada-sunny-intenta.html
DAVID CORTÉS CABÁN | Paisaje e interioridad en la poesía de Alessio Brandolini
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FLORIANO MARTINS | César Bisso y los pequeños puñales del miedo
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GLADYS MENDÍA | Cecília Meireles y Vaga
música (1942): entre la fugacidad y el absoluto
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LUIS BENITEZ | Eva en barricada, de Sandra Flores Ruminot
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DOCUMENTA Poesia
brasileira
ADÉLIA PRADO (1935) |
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ALICE SANT’ANNA (1988) | https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/alice-santanna-1988.html
MARCELO ARIEL (1968)
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MARIO QUINTANA (1906-1994)
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NÍSIA FLORESTA (1810-1885) | https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/nisia-floresta-1810-1885.html
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| Rubem Grilo |
Agulha Revista de Cultura
Número 262 | setembro de 2025
Artista convidado: Rubem Grilo (Brasil, 1946)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
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