terça-feira, 16 de setembro de 2025

MARIO QUINTANA (1906-1994)



O poeta Mario Quintana nasceu em Alegrete em 30 de julho de 1906. Foi farmacêutico durante alguns anos da sua vida, mas logo obteve seu destaque em jornais, revistas e editoras como escritor. Autor de mais de 20 livros, entre eles: A Rua dos Cataventos e Velório sem Defunto, foi poeta, jornalista e tradutor, tendo trabalhado no antigo jornal O Estado do Rio Grande e no jornal Correio do Povo. Como tradutor, assinou títulos de Marcel Proust, Giovani Papini, Virginia Woolf, Voltaire e outros. Grande parte da sua vida ele viveu em Porto Alegre, durante os anos 1968 e 1980, no Hotel Majestic. Décadas depois, este hotel foi transformado na Casa de Cultura Mario Quintana, um local dedicado à arte, em homenagem ao poeta e a todos os grandes nomes da cultura do Estado do Rio Grande do Sul. Faleceu no dia 5 de maio de 1994 aos 87 anos. Disse: Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Em outra ocasião: Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu… Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros? Sobre sua poesia, certa vez lhe escreveu Paulo Mendes Campos: .Alguns dos teus poemas e muitos dos teus versos não precisam estar impressos em tinta e papel: eu os carrego de cores, às vezes, brotam espontaneamente de mim como se fossem meus. De certo modo, são meus, e hás de convir que a glória maior do poeta é conceder essas parcerias anônimas pelo mundo…

 

 

DEIXA-ME SEGUIR PARA O MAR

 

Tenta esquecer-me… Ser lembrado é como

evocar-se um fantasma… Deixa-me ser

o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo…

 

Em vão, em minhas margens cantarão as horas,

me recamarei de estrelas como um manto real,

me bordarei de nuvens e de asas,

às vezes virão em mim as crianças banhar-se…

 

Um espelho não guarda as coisas refletidas!

E o meu destino é seguir… é seguir para o Mar,

as imagens perdendo no caminho…

Deixa-me fluir, passar, cantar…

 

toda a tristeza dos rios é não poderem parar!

 

 

A RUA DOS CATAVENTOS

 

Da vez primeira em que me assassinaram,

Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.

Depois, a cada vez que me mataram,

Foram levando qualquer coisa minha.

 

Hoje, dos meus cadáveres eu sou

O mais desnudo, o que não tem mais nada.

Arde um toco de Vela amarelada,

Como único bem que me ficou.

 

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!

Pois dessa mão avaramente adunca

Não haverão de arrancar a luz sagrada!

 

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!

Que a luz trêmula e triste como um ai,

A luz de um morto não se apaga nunca!

 

 

RELÓGIO

 

O mais feroz dos animais domésticos

é o relógio de parede:

conheço um que já devorou

três gerações da minha família.

 

 

O MAPA

 

Olho o mapa da cidade

Como quem examinasse

A anatomia de um corpo…

 

(É nem que fosse o meu corpo!)

 

Sinto uma dor infinita

Das ruas de Porto Alegre

Onde jamais passarei…

 

Há tanta esquina esquisita,

Tanta nuança de paredes,

Há tanta moça bonita

Nas ruas que não andei

(E há uma rua encantada

Que nem em sonhos sonhei…)

 

Quando eu for, um dia desses,

Poeira ou folha levada

No vento da madrugada,

Serei um pouco do nada

Invisível, delicioso

 

Que faz com que o teu ar

Pareça mais um olhar,

Suave mistério amoroso,

Cidade de meu andar

(Deste já tão longo andar!)

 

E talvez de meu repouso…

 

 

OBSESSÃO DO MAR OCEANO

 

Vou andando feliz pelas ruas sem nome…

Que vento bom sopra do Mar Oceano!

Meu amor eu nem sei como se chama,

Nem sei se é muito longe o Mar Oceano…

Mas há vasos cobertos de conchinhas

Sobre as mesas… e moças na janela

Com brincos e pulseiras de coral…

Búzios calçando portas… caravelas

Sonhando imóveis sobre velhos pianos…

Nisto,

Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,

E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,

De su’alma perdida e vaga na neblina…

Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!

Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,

Uma caixa de música

Uma bússola

Um mapa figurado

Uns poemas cheios de beleza única

De estarem inconclusos…

Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!

E eu nem sei, eu nem sei como te chamas…

Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,

Quando eu também já não tiver mais nome.




RUBEM GRILO (Brasil, 1946). Gravador, desenhista, ilustrador. Em 1970, estuda xilogravura com José Altino (1946), na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, passa a frequentar a Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional e entra em contato com as gravuras de Oswaldo Goeldi (1895-1961), Lívio Abramo (1903-1992), Marcelo Grassmann (1925), entre outros. Nesse período, inicia curso de xilogravura na Escola de Belas Artes da UFRJ e é orientado por Adir Botelho (1932). Em visitas ao ateliê de Iberê Camargo (1914-1994), recebe lições de gravura em metal e, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage-EAV/Parque Lage, estuda litografia com Antonio Grosso (1935). No início da década de 1970, ilustra jornais como Opinião, Movimento, Versus, Pasquim, Jornal do Brasil. Na Folha de S. Paulo, cria ilustrações para os fascículos da coleção “Retrato do Brasil”. Em 1985, publica o livro Grilo: Xilogravuras, pela Circo Editorial. Em 1990, é premiado pela Xylon Internacional, na Suíça. Em 1998, participa, com sala especial, da 24ª Bienal Internacional de São Paulo e, no ano seguinte, é curador geral da Mostra Rio Gravura. Tem trabalhos publicados em revistas especializadas como Graphis e Who’s Who in Art Graphic (Suíça), Idea (Japão), e Print (Estados Unidos). Nossos agradecimentos a Jacob Klintowitz pela presença de Rubem Grilo como artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 262 | setembro de 2025

Artista convidado: Rubem Grilo (Brasil, 1946)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/

http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

 




 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário