CARL SAGAN VISITA O TÚMULO
DE EMILLY BRONTE
Os deuses são alegorias do humano
Os humanos caricaturas impotentes dos deuses
Haverá em outro século a consciência que nos
livrará deste senso comum sem espaço comum
das grandes cidades, dos deuses, do Deus
E se as ideias que criamos do amor
se revelarem insuficientes para amar a existência
?
Amantes tentarão em vão fugir do tempo
em que estão para dissolver os sonhos
no desejo invencível de uma realidade
onde será nítida a proximidade
entre o movimento da espuma e o das explosões
solares
entre as estrelas cadentes e os olhos fechados
durante o beijo
SOBRE O TEATRO E ALMA
Alma não é individual, nem dualista. É naturante
e imanente. Não é uma coisa. É um halo e está sempre nua por baixo das roupas dos
nomes
A alma é um fogo de água
azul escuro
em volta da morte
e de seu muro
Só existe uma alma
para tudo o que existe
e esta verdade
só aos raros acalma
A alma é a vontade
das coisas de serem
aquilo que são
através de outras coisas
A alma
não fala
quando
você fala
Ela se move
quando você
ouve
A Alma
não é a palavra
transcende o tempo
e os fatos
O teatro dança
em volta da alma
Ela é o ato
e por dentro da imagem
ela age.
PHOTOMATON OSSIP MANDELSTAN
Schubert sobre
as águas, Messiaen
nos pássaros
o assovio de
Goethe pela estrada
Hamlet e seu
olhar cauteloso
assistindo a
peça
A horda criando
coragem,
nela acreditando
O sussurro nascendo
antes dos lábios
a folha caindo
de nenhuma árvore
flutuando
a Graça de uma
casa
que é erguida
antes que a ideia
de construí-la seja esboçada.
DESSONHO
Bach está sentado na
cama ouvindo o vento, a luz atravessa a árvore e todas as possibilidades tentam
um símile do Real como no Poema sobre Dante de Hans Magnus Ezsenberger onde o céu
é ao mesmo tempo Dante e a árvore transformada em luz saindo dos dedos do negro
dormindo em pé no presídio, árvore transparente e imaterial preenchendo sua mente
até que ele desperte em outro não-lugar atemporal sem nome lendo as nuvens.
[SÓ EXISTE UMA ROSA]
só existe uma rosa formada
por todas as rosas
onde você tentou estar
a rosa negra
multiplicada pela matéria
escura
isto deveria se chamar
nascer
nascer ou se dizer
os três cérebros ofuscados
por usarmos apenas um
não posso com essa linearidade
dos massacres
ela, a vida fala agora
, a língua da extinção
Marcelo Ariel tem quatro
anos
e entra em qualquer
casa qualquer mulher é sua mãe
o mundo em sua infanceanoessencialidade
no sobrenatural: eis
onde realmente começamos
a vida é essa outra
vida
nenhuma palavra vai
entrar
nela
nenhuma divisão
nenhuma dicotomia
nenhum dualismo
O sono da linguagem
O lugar se chama Sete
anos, o asteroide se chama
O Agora e rege a aparição
dos postes batendo em nossa cabeça
A morte é o instante-já
congelado, o tempo é o instante-já derretendo
lentamente o Iceberg-Eternidade
as bombas de nêutrons
no mar de neutrinos
imune aos setes anos
O pólen negro descolando
da Flor do Eterno
no transe do vento para
os campos do interexterno
depois desenvolvi um
comportamento cênico
por desconfiança
do mundo
onde não há vida, apenas
sonho
estamos nele para que
ele conheça a vida eterna
memória gravada nas
coisas
desconfiança do mundo
criado pelas palavras
desconfiança do mundo
criado pelas máscaras
desconfiança do mundo
encoberto pelas capas
Assim jamais será possível
nascer ,
entre no paradoxo
do túnel fora do feminino
infinito
para sentir depois a
violenta saudade do feminino infinito
Myriam ou Eva são o
Angélico
Estão dentro, com o
Arcangélico, o Querubínico, o Daimônico
Enquanto aqui fora lentamente
me transformo em um vapor cênico
girando em torno do
inalcançável
empenhado em expor
sempre para si mesmo
uma esterilidade
facilmente adquirida
graças ao senso comum
caminho pelas ruas de
cabeça baixa
como a maioria dos moradores
de Cubatão
com uma fidelidade essencial
ao próprio obscurecimento
com uma camada enfraquecida
de autodefesa
por dentro do cinza
do ar
sou alguém que se descobre
infindavelmente negro
ou seja
que descobre sua singularidade
seu pacto com a matéria
escura
como uma matiz escura
da energia luminosa
e além desta destinação
tenho um outro acordo
interno
com a invisibilidade,
mas não com a nulidade
por isso este livro
a imunidade poética
RUBEM GRILO (Brasil, 1946). Gravador, desenhista, ilustrador. Em 1970, estuda xilogravura com José Altino (1946), na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, passa a frequentar a Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional e entra em contato com as gravuras de Oswaldo Goeldi (1895-1961), Lívio Abramo (1903-1992), Marcelo Grassmann (1925), entre outros. Nesse período, inicia curso de xilogravura na Escola de Belas Artes da UFRJ e é orientado por Adir Botelho (1932). Em visitas ao ateliê de Iberê Camargo (1914-1994), recebe lições de gravura em metal e, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage-EAV/Parque Lage, estuda litografia com Antonio Grosso (1935). No início da década de 1970, ilustra jornais como Opinião, Movimento, Versus, Pasquim, Jornal do Brasil. Na Folha de S. Paulo, cria ilustrações para os fascículos da coleção “Retrato do Brasil”. Em 1985, publica o livro Grilo: Xilogravuras, pela Circo Editorial. Em 1990, é premiado pela Xylon Internacional, na Suíça. Em 1998, participa, com sala especial, da 24ª Bienal Internacional de São Paulo e, no ano seguinte, é curador geral da Mostra Rio Gravura. Tem trabalhos publicados em revistas especializadas como Graphis e Who’s Who in Art Graphic (Suíça), Idea (Japão), e Print (Estados Unidos). Nossos agradecimentos a Jacob Klintowitz pela presença de Rubem Grilo como artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
Número 262 | setembro de 2025
Artista convidado: Rubem Grilo (Brasil, 1946)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/
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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com






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