terça-feira, 16 de setembro de 2025

MARCELO ARIEL (1968)



Marcelo Ariel (São Paulo, 1968). Poeta, ensaísta e teatrólogo. Atuou como ator-roteirista no filme Pássaro transparente, de Dellani Lima, e gravou o disco de spoken word: Scherzo rajada contra o nazismo psíquico (2012). Entre seus diversos livros, destacam-se: Ou o silêncio contínuo: poesia reunida 2007-2019 (2020), que conquistou o segundo lugar no prêmio Biblioteca Nacional, Nascer é um incêndio ao contrário (2020), Subir pelo inferno, descer pelo céu (2021), As três Marias no túmulo de Jan Van Eyck (2022), Escudos (2023), 22 clareiras e 1 abismo (2023) e Afastar-se para perto (2024). Ao prefaciar um de seus livros, Diamila Medeiros afirmou: A matéria poética de Ariel é composta por vários temas, mas há um destaque para a abordagem de acontecimentos e situações que são facilmente classificáveis como exemplos de barbárie, e não apenas no contexto brasileiro, mas em outros cenários históricos e culturais. É interessante olhar mais de perto para as maneiras através das quais Ariel ressignifica essa barbárie no tempo presente e apresenta junto a isso uma reflexão quanto a esse objeto em suas diferentes – ou semelhantes – modulações. Em uma entrevista, o poeta declarou: Na contramão de todos os sintomas sentidos nossa imaginação poderia continuar a ser usada como uma chave de sonho acordado para estados mais poéticos e usos mais alegres e caóticos da sensibilidade. Não foi o físico Einstein que disse uma vez que a imaginação era mais importante do que o conhecimento, o que ele queria dizer? Que se nossa imaginação for atrofiada, presa em uma narrativa que é contrária às diferenças nosso conhecimento não terá mais o sentido de um espanto, de uma descoberta, principalmente da exterioridade-mundo? Boa parte de nossa ruína como coletivo deriva da falta de imaginação. Ver algo pela primeira vez é um estado da imaginação poética ou monádica que caminha tanto na direção da coisa observada num sentido oposto ao do lugar em que está o observador que ele acaba por poeticamente se confundir com a coisa observada, como cantou Camões: confunde-se o amador com a coisa amada por virtude de muito imaginar.

 

 

CARL SAGAN VISITA O TÚMULO DE EMILLY BRONTE

 

Os deuses são alegorias do humano

Os humanos caricaturas impotentes dos deuses

 

Haverá em outro século a consciência que nos livrará deste senso comum sem espaço comum

das grandes cidades, dos deuses, do Deus

 

E se as ideias que criamos do amor

se revelarem insuficientes para amar a existência ?

 

Amantes tentarão em vão fugir do tempo

em que estão para dissolver os sonhos

no desejo invencível de uma realidade

 

onde será nítida a proximidade

entre o movimento da espuma e o das explosões solares

 

entre as estrelas cadentes e os olhos fechados

durante o beijo

 

 

SOBRE O TEATRO E ALMA

 

Alma não é individual, nem dualista. É naturante e imanente. Não é uma coisa. É um halo e está sempre nua por baixo das roupas dos nomes

A alma é um fogo de água

azul escuro

em volta da morte

e de seu muro

Só existe uma alma

para tudo o que existe

e esta verdade

só aos raros acalma

 

A alma é a vontade

das coisas de serem

aquilo que são

através de outras coisas

 

A alma

não fala

quando

você fala

Ela se move

quando você

ouve

 

A Alma

não é a palavra

transcende o tempo

e os fatos

O teatro dança

em volta da alma

Ela é o ato

e por dentro da imagem

ela age.

 

 

PHOTOMATON OSSIP MANDELSTAN

 

Schubert sobre as águas, Messiaen

nos pássaros

o assovio de Goethe pela estrada

Hamlet e seu olhar cauteloso

assistindo a peça

A horda criando coragem,

nela acreditando

O sussurro nascendo antes dos lábios

a folha caindo de nenhuma árvore

flutuando

a Graça de uma casa

que é erguida

antes que a ideia de construí-la seja esboçada.

 

 

DESSONHO

 

Bach está sentado na cama ouvindo o vento, a luz atravessa a árvore e todas as possibilidades tentam um símile do Real como no Poema sobre Dante de Hans Magnus Ezsenberger onde o céu é ao mesmo tempo Dante e a árvore transformada em luz saindo dos dedos do negro dormindo em pé no presídio, árvore transparente e imaterial preenchendo sua mente até que ele desperte em outro não-lugar atemporal sem nome lendo as nuvens.

 

 

[SÓ EXISTE UMA ROSA]

 

só existe uma rosa formada por todas as rosas

onde você tentou estar

a rosa negra

multiplicada pela matéria escura

isto deveria se chamar nascer

nascer ou se dizer

os três cérebros ofuscados por usarmos apenas um

não posso com essa linearidade dos massacres

ela, a vida fala agora , a língua da extinção

Marcelo Ariel tem quatro anos

e entra em qualquer casa qualquer mulher é sua mãe

o mundo em sua infanceanoessencialidade

no sobrenatural: eis onde realmente começamos

a vida é essa outra vida

nenhuma palavra vai entrar

nela

nenhuma divisão

nenhuma dicotomia

nenhum dualismo

O sono da linguagem

O lugar se chama Sete anos, o asteroide se chama

O Agora e rege a aparição dos postes batendo em nossa cabeça

A morte é o instante-já congelado, o tempo é o instante-já derretendo

lentamente o Iceberg-Eternidade

as bombas de nêutrons no mar de neutrinos

imune aos setes anos

O pólen negro descolando da Flor do Eterno

no transe do vento para os campos do interexterno

depois desenvolvi um comportamento cênico

por desconfiança

do mundo

onde não há vida, apenas sonho

estamos nele para que ele conheça a vida eterna

memória gravada nas coisas

desconfiança do mundo criado pelas palavras

desconfiança do mundo criado pelas máscaras

desconfiança do mundo encoberto pelas capas

Assim jamais será possível nascer ,

entre no paradoxo

do túnel fora do feminino infinito

para sentir depois a violenta saudade do feminino infinito

Myriam ou Eva são o Angélico

Estão dentro, com o Arcangélico, o Querubínico, o Daimônico

Enquanto aqui fora lentamente me transformo em um vapor cênico

girando em torno do inalcançável

empenhado em expor

sempre para si mesmo

uma esterilidade

facilmente adquirida

graças ao senso comum

caminho pelas ruas de cabeça baixa

como a maioria dos moradores de Cubatão

com uma fidelidade essencial

ao próprio obscurecimento

com uma camada enfraquecida de autodefesa

por dentro do cinza do ar

sou alguém que se descobre

infindavelmente negro ou seja

que descobre sua singularidade

seu pacto com a matéria escura

como uma matiz escura

da energia luminosa

e além desta destinação

tenho um outro acordo interno

com a invisibilidade, mas não com a nulidade

por isso este livro

a imunidade poética 




RUBEM GRILO (Brasil, 1946). Gravador, desenhista, ilustrador. Em 1970, estuda xilogravura com José Altino (1946), na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, passa a frequentar a Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional e entra em contato com as gravuras de Oswaldo Goeldi (1895-1961), Lívio Abramo (1903-1992), Marcelo Grassmann (1925), entre outros. Nesse período, inicia curso de xilogravura na Escola de Belas Artes da UFRJ e é orientado por Adir Botelho (1932). Em visitas ao ateliê de Iberê Camargo (1914-1994), recebe lições de gravura em metal e, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage-EAV/Parque Lage, estuda litografia com Antonio Grosso (1935). No início da década de 1970, ilustra jornais como Opinião, Movimento, Versus, Pasquim, Jornal do Brasil. Na Folha de S. Paulo, cria ilustrações para os fascículos da coleção “Retrato do Brasil”. Em 1985, publica o livro Grilo: Xilogravuras, pela Circo Editorial. Em 1990, é premiado pela Xylon Internacional, na Suíça. Em 1998, participa, com sala especial, da 24ª Bienal Internacional de São Paulo e, no ano seguinte, é curador geral da Mostra Rio Gravura. Tem trabalhos publicados em revistas especializadas como Graphis e Who’s Who in Art Graphic (Suíça), Idea (Japão), e Print (Estados Unidos). Nossos agradecimentos a Jacob Klintowitz pela presença de Rubem Grilo como artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 262 | setembro de 2025

Artista convidado: Rubem Grilo (Brasil, 1946)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

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