Trata-se
de textos curtos, porém reflexivos, opinativos e detalhados, sobre os temas
tratados em poemas da autora, ainda que sem a pretensão de esgotá-los,
explorando-os de forma pessoal e crítica, além de oferecer novas perspectivas
ao leitor. Enfim, são ensaios que convidam o leitor a uma reflexão crítica
sobre temas específicos, indo além da superfície e explorando suas diversas
facetas.
No
primeiro ensaio, “Em trânsito de signos”, em que se refere a onze obras da
autora, Maria Estela ressalta que a poeta faz uma viagem iniciática no mais
místico dos terrenos literários de Portugal, “quer relembrando acontecimentos
notáveis, batalhas, reis, navegadores, heróis e poetas, em mais de uma centena
de textos, quer deixando-se possuir pelo ritmo e cadências de alguns poemas dos
autores invocados”.
Como
observa a ensaísta, neste caso, o título não se refere a dom Manuel II
(1889-1932), o monarca imediatamente antecessor da República Portuguesa, deposto
em 1910, mas ao rei que haverá de vir, segundo a lenda que remonta a dom
Sebastião (1554-1578), o “Desejado”, que foi rei de Portugal a partir de 1557 e
desapareceu na Batalha de Alcácer-Quibir, o que deu origem ao mito do
sebastianismo, ou seja, a crença de que ele, como um pretenso Messias,
retornaria, um dia, para salvar Portugal.
Para
a ensaísta, a poeta sempre esteve muito atenta à iminência de uma catástrofe
mundial, “ao movimento cívico, à guerra, aos resultados desta, em especial em
migrações forçadas que são pretexto para genocídio”. Ela observa que talvez por
isso, por sua experiência da desgraça ser grande, o fazer poético de Maria
Azenha tende para o messianismo, “o que na mística portuguesa corresponde à
crença na vinda de um rei salvador, D. Sebastião”. Também por isso, entende a
ensaísta, o tema do Mal, em modalidades variadas, entre elas a do Holocausto, e
as migrações forçadas que se vê na Europa e no Oriente Médio ocorrem
regularmente nos livros de Maria Azenha.
Ainda
nesse ensaio de abertura, Maria Estela ressalta a oralidade presente na lírica
de Maria Azenha, que se manifesta no interior dos textos. E, entre outros
exemplos, a título de ilustração, observa como a autora reescreve à sua maneira
o poema “O Mostrengo”, de Fernando Pessoa (1888-1935), e a passagem de Os
Lusíadas, de Luís de Camões (c.152-c.1580) sobre o gigante Adamastor, citando
o poema intitulado “O Cabo das Tormentas”, cujo final é o que segue: Rodou o
Mostrengo, então. Rodou três vezes. / Três vezes mais rodou além de estremo; /
E Deus, da velha Nau, daqueles revezes, / Tornou-se Português. Com Bojador ao
leme.
No
ensaio “O tenebrismo d’A casa de ler no escuro”,
a ensaísta volta a constatar que, nesta obra, composta por 33 rápidos poemas, a
autora reafirma “a situação apocalíptica em que se encontram países e nações e
uma Europa que posa desnuda e morta”, com versos que “apelam para a maior
desgraça humanitária da Europa de nossos dias, fulcro de conflitos
internacionais”. E cita breves versos do poema “Migração”: “Limparam nossos
lábios com a poeira do deserto. / Cada um que sai leva as últimas palavras”.
Mais adiante, ainda no mesmo ensaio, Maria Estela
define “A casa de ler no escuro” como “retrato tenebrista do mundo e da Europa
num século XXI que se esperava civilizado de grandes progressos humanitários e
espirituais e não apenas progresso tecnológico”. E conclui que a obra “é a
câmara escura em que a autora vai decifrando os sinais do presente que anunciam
um futuro francamente tenebroso”. Isso, porém, adverte, não significa que não
haja esperança nos poemas de Maria Azenha. E cita o poema “Lesbos” em que “a
esperança que nele rebrilha é a única arma capaz de vencer a catástrofe da
família, do desgoverno, da violência, da guerra e da pobreza: o amor, a
compaixão dos que praticam a misericórdia”. É o que se vê nos versos finais
daquele poema: “Nos confins da terra, / passos / recomeçam, / sem balanço
nem piedade, / a marcha da esperança”.
III Em outro
ensaio, ao analisar “Xeque-mate” (2018), Maria Estela diz que este livro de
guerra não se assemelha a nenhum outro dela, definindo Maria Azenha como” uma
escritora de alta imaginação e com grande capacidade para se renovar a si mesma”,
sem deixar de destacar que nele permanecem de obras anteriores “a notação de flashes
do quotidiano, a metaforização de tonalidade surrealista, que, ao deslocar
atributos de um objeto para outro de forma radical, pode também provocar o
riso”.
No ensaio que encerra o livro, intitulado “No lugar
do outro”, Maria Estela destaca a capacidade da poeta de assumir os dramas das
pessoas que a cercam, ao “deixar-se possuir pela alma alheia”. E conta, com a
devida autorização da autora, que Maria Azenha em seu mais recente trabalho, “A
Casa da Memória” (2024), de certo modo, repete alguns casos já tratados
pontualmente em obras anteriores, que foram inspirados na própria atividade da
autora como atendente de uma linha telefônica de ajuda e apoio emocional a
pessoas emocionalmente fragilizadas, ou seja, um trabalho de prevenção ao
suicídio. E lembra que Maria Azenha, como adepta do movimento filosófico e
esotérico Rosa-Cruz, “vem de há muito ajudando pessoas em situações difíceis”.
Daí também a presença da Alquimia em várias obras da autora.
A ensaísta cita ainda o poema “A torre do silêncio”
que, ao contrário da maior parte dos outros, inspirados por conversas, faz uma
homenagem ao silêncio, “como se existissem dois mundos, um exterior, regido
pelas armas, e outro de tormento interior, o do silêncio”: “Não ouve os
tiros da noite / nem aqueles que mais amou. / Ficou na Torre do Silêncio / no
quarto sagrado da Morte, onde mais ninguém entrou”.
Do livro em homenagem a Maria Azenha, consta ainda
entrevista que a autora fez com a poeta em que esta diz que a poesia é o seu
“modo de respirar através de um espaço estético, de um espaço de liberdade: um
espaço de reinvenção”.
IV Maria
Azenha (1945), nascida em Coimbra, licenciou-se em Ciências Matemáticas pela
Universidade de Coimbra. Exerceu funções docentes nas Universidades de Coimbra,
Évora e Lisboa. Desempenhou atividade docente no Quadro de Nomeação Definitiva
na Escola de Ensino Artístico António Arroio. É membro da Associação Portuguesa
de Escritores e membro de honra do Núcleo Acadêmico de Letras e Artes de
Lisboa. Frequentou o Conservatório Nacional de Música em Coimbra e tem
participado de vários recitais.
É autora de mais de duas dezenas de obras de poesia.
Estreou em 1987 com Folha móvel (Lisboa, Edições Átrio). Entre os
seus últimos livros, estão: A Casa da Memória (2024),
O Livro do Absurdo (2023), A loucura das
facas (2021), Bosque branco (2020), A mamã por
cima dos telhados e o meu amor
(2019), Xeque-mate (2018), As mãos no fogo
(2017) e A casa de ler no escuro
(2016), todos publicados pela Editora Urutau, de São Paulo, e distribuídos
também na Galiza (Espanha) e em Portugal, além da obra De amor ardem
os bosques (Rio de Janeiro, Editora Jaguatirica, 2018).
Maria Azenha ilustra com poemas as pinturas de Ellys
no seu livro "De Camões a Pessoa - a viagem iniciática", e é autora
ainda de De Camões a Pessoa: a viagem
iniciática (Lisboa, Sete Caminhos, 2006), em que explora com poemas
ilustrativos a influência de Luís Vaz de Camões na obra de Fernando Pessoa.
Nesta obra, sugere uma jornada de aprendizado e transformação em que Pessoa,
como herdeiro da tradição literária portuguesa, busca superar e reinterpretar a
obra de Camões.
Tem poemas publicados em mais de 25 antologias. Seus
versos já foram traduzidos para os idiomas italiano, espanhol e inglês. De
destaque é também o seu trabalho nas artes plásticas, já que, além de pintora
com participação em várias exposições, é autora de textos publicados em livros
de pintores, como Symbolos (2000), de Valdemar Ribeiro. É ainda autora de
O mar atinge-nos (2009), CD em que declama seus
poemas com acompanhamento à guitarra portuguesa.
V Maria Estela Guedes (1947), licenciada em Literatura pela Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa em 1978, é membro da Associação Portuguesa de Críticos Literários, da
Associação Portuguesa de Escritores, da Associação InComunidade, da
Sociedade Portuguesa de Autores e do Instituto São Tomás de Aquino. É editora da
plataforma Triplov (www.triplov.pt), um dos mais significativos sites de divulgação das literaturas
de expressão portuguesa, onde pode ser consultada a maior parte de seu trabalho.
Nasceu em Lamego,
onde mora hoje, mas viveu na Guiné Bissau de 1956 a 1966, ao tempo do
colonialismo que coincidiu também com o de sua formação pessoal. Reuniu seus
poemas evocativos dessa época e de uma Guiné-Bissau que já não existe no livro Chão
de papel (Lisboa, Apenas Livros, 2009).
Tem vastíssima obra publicada de livros de e sobre
poesia, crítica literária, História e Filosofia das Ciências, em que se
destacam: Herberto Helder, poeta
obscuro (Lisboa, Moraes Editores, 1979), SO2 (Lisboa, Guimarães
Editores, 1980), Eco, pedras rolantes (Lisboa, Ler Editora, 1983), Mário
de Sá Carneiro (Lisboa, Editorial Presença, 1985), À sombra de Orpheu (Lisboa,
Guimarães Editores, 1990), a_maar_gato (Lisboa, Editorial Minerva,
2005), Lápis de carvão (Lisboa, Apenas Livros, 2005), Ofício
das trevas, teatro (Lisboa, Apenas Livros, 2006), A boba –
monólogo em três insónias e um despertador (Lisboa, Apenas Livros, 2006), À
la Carbonara, em co-autoria com J. C. Cabanel e Sílvio Luís Benítez Lopes
(Lisboa, Apenas Livros, 2007), Poesia na Óptica da Óptica (Lisboa,
Apenas Livros, 2008); A obra ao rubro de Herberto Helder (São
Paulo, Escrituras, 2010); Clitóris Clítoris (Cotia SP, Editora Urutau,
2019); Esta noite dormimos em Tânger
(Cotia-SP, Editora Urutau, 2020); Númeras letras (ARC Edições,
2021); Conversas com Federico
García Lorca (Editora Urutau, 2022), Corpus Corpus –
José Emílio-Nelson & Herberto Helder (Edições Esgotadas, 2024) entre
outros. É autora também de Glu-Glu-Glu, antologia de
poemas editada pela Tesseractum (São Paulo, 2024, e-book).
Está traduzida em romeno por Maria Manuel Chacán, na
obra Dracula draco (Editora Academiei Internationale
Orient-Occident, Curtea de Arges, 2017). Clitóris Clítoris foi
traduzido para espanhol por Berta Lucia Estrada. Dois trabalhos seus foram
levados à cena, O lagarto do âmbar (Fundação
Calouste Gulbenkian, 1987), com direção de Alberto Lopes, e A boba
(Teatro Experimental de Cascais, 2008), com direção de Carlos Avilez. Considera
suas obras de referência Herberto Helder, poeta obscuro
e A obra ao rubro de Herberto Helder.
ADELTO GONÇALVES. Jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d’El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015) e Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, LetraSelvagem, 2015), O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. Escreveu prefácio para o livro Kenneth Maxwell on Global Trends (Londres, Robbin Laird, editor, 2024), lançado na Inglaterra.
RUBEM GRILO (Brasil, 1946). Gravador, desenhista, ilustrador. Em 1970, estuda xilogravura com José Altino (1946), na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, passa a frequentar a Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional e entra em contato com as gravuras de Oswaldo Goeldi (1895-1961), Lívio Abramo (1903-1992), Marcelo Grassmann (1925), entre outros. Nesse período, inicia curso de xilogravura na Escola de Belas Artes da UFRJ e é orientado por Adir Botelho (1932). Em visitas ao ateliê de Iberê Camargo (1914-1994), recebe lições de gravura em metal e, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage-EAV/Parque Lage, estuda litografia com Antonio Grosso (1935). No início da década de 1970, ilustra jornais como Opinião, Movimento, Versus, Pasquim, Jornal do Brasil. Na Folha de S. Paulo, cria ilustrações para os fascículos da coleção “Retrato do Brasil”. Em 1985, publica o livro Grilo: Xilogravuras, pela Circo Editorial. Em 1990, é premiado pela Xylon Internacional, na Suíça. Em 1998, participa, com sala especial, da 24ª Bienal Internacional de São Paulo e, no ano seguinte, é curador geral da Mostra Rio Gravura. Tem trabalhos publicados em revistas especializadas como Graphis e Who’s Who in Art Graphic (Suíça), Idea (Japão), e Print (Estados Unidos). Nossos agradecimentos a Jacob Klintowitz pela presença de Rubem Grilo como artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
Número 262 | setembro de 2025
Artista convidado: Rubem Grilo (Brasil, 1946)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com








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