sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

A GRANDE OBRA DA CARNE | As sombras suspensas [escrito a quatro mãos com Berta Lucía Estrada]

 


ATO 1

 

Palco escuro. É possível ouvir uma pequena peça de Edgar Varèse – Density 21.5 – tocada por um serrote com arco de violino e um xilofone de água. A luz vai aparecendo aos poucos, conforme a música vai sumindo, mostrando no centro do palco um cubo de acrílico hermeticamente fechado com uma base de 3 metros, suspenso do solo cerca de 30 cm. Dentro do cubo estão cinco criminosos condenados à morte que aguardam a data de sua execução. Todos eles usam a mesma roupa típica de prisioneiro.

 

VALENTÍN

Em uma sentença de prisão perpétua, contar os dias equivale a um desejo mórbido de saber quanto tempo dura a eternidade. Mas não vou viver para sempre. Nem a eternidade.

 

SANTIAGO

Posso programar um jogo da forca que vai invadir toda a rede reproduzindo o rosto de cada usuário na tela com a silhueta dos fragmentos de seu corpo se formando de acordo com os pensamentos maquiavélicos.

 

VALENTÍN

Mas aqui você não poderá fazer nada. Até o suicídio exigiria pelo menos o uso de uma corda.

 

ASTRID

É irônico que estejamos condenados à eternidade.

 

ABELARDO

A eternidade pode ser um milésimo de segundo infinitesimal, pode tomar a vida de três gerações, ou ter a duração fugaz de uma borboleta.

 

ASTRID

Olhando dessa forma, eu diria que a eternidade é uma igreja gótica ou o templo de Poseidon ou Machu Picchu. As pedras são eternas, mesmo quando se tornam pó elas se transformam e viram pedras novamente. Algo que não acontece conosco, embora acreditemos ser o centro do universo.

 

VALENTÍN

Pode ser, talvez a eternidade seja energia e nós somos energia. Isso não nos torna eternos?

 

SANTIAGO

Acredito que eternidade são sonhos, pelo menos quando consigo entrar naquele terreno ambíguo posso fugir deste cubo e sentir o vento. Às vezes ele fica violento e se disfarça de furacão e depois me derruba. Quando acordo ao ar livre já não existe, só vejo este cubo que me afoga, não só porque as suas paredes me impedem de escapar, mas porque estou com vocês, a minha verdadeira tortura.

 

CAYETANO

Nos meus sonhos arranho o tempo e sigo as pegadas dos elefantes ou tento me pendurar na cauda de um cometa ou passar pelo olho do furacão de Santiago. É assim que concebo a eternidade.

 

VALENTÍN

O dilema é que o duvidoso reluta em aceitar que é incerto. Mesmo quando ensinado sobre a grandeza da dúvida, persiste com seu ar de certeza pomposa.

 

ASTRID

Sem certeza sobre o destino da eternidade?

 

SANTIAGO

Nos momentos mais exatos, quando as dúvidas são sobre o epicentro de suas remissões no mundo, ele percorre outras trilhas insondáveis ​​de certezas circunstanciais. Talvez um trevo de quatro enigmas seja a melhor maneira de se dedicar à causa das lâmpadas irredutíveis. Lá ouviremos um grito pantanoso de arrependimento inútil quando o outono entrar no baile e reunir dúvidas antes da meia-noite.

 

VALENTÍN

Ainda acho que eu poderia contornar a previsão do tempo e reverter nossas convicções.

 

ASTRID

Como você pode pensar em contornar a vigília do tempo e anular nossas sentenças sem ter certeza do destino da eternidade? É como entrar na boca do lobo, ou pior, entrar no labirinto do Minotauro sem Teseu.

 

CAYETANO

Duvidar é o único exercício filosófico que me interessa. As verdades absolutas ou reveladas são aquele uivo pantanoso a que alude Santiago. No entanto, não acredito em arrependimento, nem acredito em perdão. Quem se arrepende e pede perdão já não é o mesmo que cometeu o crime pelo qual estamos condenados a viver neste cubo estreito e fedorento.

 

ASTRID

Você quer dizer que nossa verdadeira condenação não é estarmos trancados aqui e apoiar um ao outro neste espaço miserável, mas viver para sempre com o último minuto que mudou a liberdade pelo confinamento?

 

CAYETANO

Quer dizer, não é necessário espalhar a lágrima. A certeza às vezes parece estupidez, assim como uma lágrima parece vidro.

 

VALENTÍN

Além disso, acho que a eternidade é uma espécie de truque banal que nos arrasta por seu labirinto indecifrável.

 

CAYETANO

Isto é certo. Certas coisas duram mais que outras, talvez porque não saibam contar o tempo necessário para seu fim ou começo. Muitos outros se perdem na história das mãos e a todo o momento anunciam sua própria morte. Melhor desvendar a fábula e a crença de que Deus pode um dia ser útil, e quando nos falta a compreensão de ser qualquer um, ele pode vir nos dizer que um bom ladrão não rouba tempo nem espaço, mas sim a ilusão de que tudo tem seu preço.

 

VALENTÍN

Não sei se é certo falar em preço. Em todo caso, a minha experiência aponta para a ambiguidade do paradoxo, a forma como este mesmo cubo onde estamos pode ser a cópia de outra realidade que nos leva para dentro de seu espaço que sai aqui e ali e se encontra com outras tantas formas de olhar as coisas.

 

ASTRID

Como as bonecas russas?

 

VALENTÍN

Quando os policiais descobriram que eu tenho essa obsessão por embalsamar cadáveres de crianças, encontraram em minha casa uma coleção real de bonecas, as minhas meninas sagradas, e viram nisso uma obsessão sexual, uma versão que revela mais da hipocrisia da acusação do que da própria realidade criminal. Eu nunca poderia fazer sexo com elas. O que me interessou foi encontrar um ponto de esplendor de indiscutível beleza. As bonecas russas saem umas das outras, como representação de algo que não tem fim. No entanto, esse movimento nelas é finito. Minhas bonecas estão próximas umas das outras e podem atingir uma projeção infinita, como os volumes de uma biblioteca inesgotável ou os verbetes de uma enciclopédia cujo fim é desconhecido. Acho que é assim que entendo a eternidade, essa possibilidade de definir o infinito de acordo com a percepção de cada um.

 

SANTIAGO

De qualquer forma, tudo é relativo. Recentemente você alegou que poderia contornar o relógio do tempo e anular nossas convicções, e de certa forma concordo com você. Muitas vezes me pergunto: o que é o tempo? Isso realmente existe? É algo que imaginamos ou que nos é imposto? Refletimos sobre a eternidade porque estamos condenados à prisão perpétua e sabemos que a única saída deste cubo é quando nos levarem para a frente do pelotão. Este é o nosso único túnel de fuga – tudo o mais é ilusão ou pesadelo.

 

ASTRID

Às vezes, os pesadelos são melhores do que a realidade. Somente assim podemos escapar do confinamento deste cubo que nos afoga e que nos torna inimigos quando deveríamos abaixar nossas espadas. As bonecas russas são um artifício com o qual enganamos a realidade. Assim que dormem, elas desaparecem e ficamos apenas nós cinco, uns de frente para os outros. O que resta são os cadáveres embalsamados das meninas de Valentín.

 

CAYETANO

O confinamento nos transforma em bestas indomáveis. Não paramos de pensar em suicídio e, antes de terminarmos com nós mesmos, avaliamos mil maneiras diferentes de assassinar os demais. Pelo menos eu os mato a cada momento e de maneiras muito diferentes. Imagino banquetes em que cada um de vocês é servido em uma grande mesa, na qual eu sou o único comensal, o rei do banquete.

 

ABELARDO

Alguém acha que veremos o pelotão?

 

ASTRID

Por fim, Abelardo diz algo. Que dúvida você tem?

 

ABELARDO

Há quanto tempo estamos aqui? E como acabamos neste cubo maldito que não nos permite ver nada além deste espaço confinado? Sem luz ou cadeira. Nenhum ruído ou serviço de alimentação. Não te surpreende que não tenhamos sede ou fome aqui e que nossa aparência não tenha mudado?

 

CAYETANO

Em que está pensando, Abelardo?

 

ABELARDO

A passagem do tempo pelas dobradiças das portas geralmente não é tão intensa quanto o nado de certos peixes contra a corrente. Talvez o rio tenha outra medida das impurezas do tempo. Ou talvez a ferrugem tenha um segredo que mil portas não podem desvendar. Onde começa a passagem de um quebra-cabeças para outro é algo que portas e rios dificilmente explicam. Como a ferrugem escondida nos olhos dos peixes.

 

CAYETANO

Não sabemos quem somos ou que razão nos trouxe aqui, isso é verdade. Possivelmente cometemos um crime e também podemos ser acusados ​​de sermos inocentes. Se a eternidade nos testa, ela espera que admitamos a culpa ou a inocência?

 

ABELARDO

E existe realmente alguma lógica para tal julgamento? O certo é que, assim como afiar um lápis, removemos a ferrugem do tempo. O que acontece é que, enquanto o lápis se esgota rapidamente, o tempo é inesgotável.

 

SANTIAGO

Minha única certeza, se tal coisa existe, é que a eternidade nos prendeu neste cubo infame e, como Dorian Gray, não envelhecemos nem morremos… e que não há retratos de nós… nem mesmo espelhos onde possamos nos contemplar.

 

ASTRID

Nesse caso, nos banhamos a cada momento na fonte da eterna juventude que Juan Ponce de León tanto buscou? Maravilhosa descoberta… e não sabíamos? Muitas pessoas pagariam fortunas enormes para ter o privilégio que impede a passagem do tempo de arruinar nosso corpo e mente.

 

ABELARDO

Possivelmente sim. No entanto, não há privilégios sem condenações, e a nossa é o encerramento perene neste cubo que não tem túneis ou grades.

 

CAYETANO

Para mim, a pior condenação não é ficar preso para sempre, mas sim o isolamento total do mundo. Há quanto tempo não vimos mais ninguém? Nós nem sabemos há quanto tempo estamos aqui. São semanas, anos, séculos, milênios? As pessoas que conhecemos ainda estão vivas? Como está o mundo lá fora? Tudo continua igual? Poderíamos nos adaptar a essa realidade se fôssemos perdoados amanhã? Essas são as grandes e temíveis questões. Não acho que estou preparado para as respostas.

 

ABELARDO

[Rindo descaradamente, deixando todos boquiabertos.] E pensar que me acusavam de ser um sonhador…! Agora, Cayetano, a eternidade, como a realidade, nada mais é do que um efeito de suspensão. Nunca saberemos com certeza a extensão da ausência. Somos como espelhos cegos, assim como o mar parece um rio que perdeu uma de suas margens. Aceito que estamos condenados ao absurdo. E não haverá melhor onda de resistência do que simplesmente isolar o que lembramos do mundo exterior.

 

CAYETANO

Eu admito minha insanidade. Talvez sejamos limitados demais pela moldura, a silhueta desgasta tudo o que queremos e conquistamos.

 

ABELARDO

Dê uma boa olhada. Imagine uma imagem à nossa frente. Uma floresta por trás dessa pintura viveu esquecida por décadas até que a moldura foi quebrada. Uma natureza morta às vezes é apenas uma miragem que o olho evita. Tanto relemos a memória que temos pela frente que resistimos a aceitar a loucura de outras máscaras que devoram a paisagem e daquilo que insistimos em esquecer, talvez para que o mundo seja um remake menor da queda de sua moldura.

 

ASTRID

Acho que agora todas as certezas de Santiago se foram…

 

SANTIAGO

Talvez eu ainda tenha uma: a de que nunca iremos para o pelotão. Mas ao mesmo tempo me pergunto qual é o valor dessa certeza.

 

ASTRID

Sua única e última certeza me parece infernal. Não tenho medo do pelotão, a morte é meu único desejo. Não aspiro à eternidade nem quero beber da fonte da juventude eterna. Essas duas opções parecem ainda mais assustadoras para mim do que a condenação neste cubo.

 

SANTIAGO

[Com um gesto de impaciência e profundo desgosto.] Você não entendeu nada, Astrid! O pelotão somos nós mesmos, atiramos em nós mesmos vinte e quatro horas por dia. Isto se ainda pudermos levar em conta essa maldita medida temporária. Possivelmente estamos mortos há séculos e ainda não aceitamos isso. Jamais sairemos daqui nem escaparemos para nos olharmos naquele espelho terrível que são os olhos de cada um de nós, o único espelho que não é cego.

 

ASTRID

[Prestes a chorar enquanto balança o cabelo.] Quanta crueldade e ódio há nessa fala! Que necessidade há de me dizer que nem tenho o direito de pensar na morte? E o que é pior, como se atreve a me dizer que a foice nunca virá me derrubar? Você é um monstro!

 

SANTIAGO, ABELARDO, CAYETANO E VALENTÍN

[Em uníssono.] Monstros não existem, Astrid! Pare de pensar em contos de fadas, eles não têm lugar aqui!

 

SANTIAGO

Eu vou dizer algo. Nunca considere o tempo um problema. Imagine o quanto podemos ser sagazes ao enfrentar a avalanche de nossos mais diferentes sentimentos. Uma torneira aberta a noite toda pode inundar qualquer sonho. Sempre dei preferência aos trabalhos corporativos, pois apresentam um campo mais amplo de paradoxos. Ao lidar com um cliente individual, não podemos ir além da linha entre a verdade e a mentira. Ao contrário, se aceitarmos um pedido de uma multinacional, por exemplo, podemos trabalhar com um número infinito de linhas que confundem os conceitos. Certa vez, dois grandes bancos doaram milhões para um fundo de apoio a crianças carentes na África, realoquei valores de contas secretas, certamente tráfico de drogas, fazendo com que fossem primeiro transferidos para bancos estatais, de onde desviei o dinheiro para o cliente, incluídas as cifras de meu contrato. Em meio a esse engano, não se sabia mais o que era certo ou errado, mais ainda: ninguém mais estava interessado em saber.

 

ASTRID

Sempre afirmei que, se alguém vai viver de joelhos, é melhor morrer de pé, mas agora vejo que a realidade tornou ingênua a crença no livre-arbítrio. Todos nós temos vítimas e algozes em nossos corações, e nossas escolhas são como imagens desbotadas de velhos cenários, já quase completamente desacreditados.

 

ABELARDO

A filosofia é prejudicada pela falta de significado do mundo real. Identificar um modus operandi, em um assassinato em série, pode ser a tática engenhosa de uma gangue de meninos depravados dispostos a colorir o motivo da loucura.

 

SANTIAGO

Como se um de nós estivesse disposto a morder a pele do outro para provar a existência da matéria. Tangíveis ou não, aqui somos como cinco vacas pastando o absurdo.

 

CAYETANO

As vacas pastam de forma que os biscoitos se tornem comestíveis, pois se escondem na parte inferior do endereço da embalagem. Os aspiradores também conhecem as leis tangíveis do mundo comestível e promovem as melhores oficinas de mordidas, bem como festas de arrecadação de fundos no império da pasta de dente. A verdade é que mesmo a carne morta muda de cor após a primeira mordida, da mesma forma que as asas apenas se reconhecem com a sincronicidade desperta de seus voos.

 

ABELARDO

Gosto da ideia de Santiago. Nesse caso, somos atores eternos no teatro do absurdo. Mas o que não é assim? Onde está a lógica e onde a loucura? Qual a linha que as separa? Os pesadelos não são mais coerentes do que a lógica pura?

 

SANTIAGO

É por isso que falo a verdade e minto. Eles não se complementam? Existem verdades absolutas? Eu não acredito. Nem podemos viver em uma farsa eterna, pelo menos não permanentemente. A cada madrugada haverá sempre um fio que não estará muito tenso.

 

ASTRID

Em outras palavras, somos apenas fantoches movidos por uma força desconhecida? É por isso que nos falta livre arbítrio? A liberdade é uma utopia e por isso mesmo não importa se estamos presos ou nas ruas? Os transeuntes das grandes avenidas são prisioneiros de forças ocultas, por isso ignoram tudo? Ou são prisioneiros de si mesmos? Estou perguntando sobre o discurso de Santiago sobre as multinacionais. São elas que controlam os fios dos quais nos penduramos a cada momento? Sabemos no fundo que, se nos movermos muito, acabaremos pendurados? Em outras palavras, a única saída possível está em nossas mãos?

 

ABELARDO

Os conceitos são corporativos, sempre têm uma finalidade específica. A verdade é que não existe uma força desconhecida que governa nossas vidas. Não acredito em fatalismo. Até mesmo o acaso cria em um vazio sem perspectiva. Há uma acomodação sinistra, como a cobertura de seguro de vida, que dá grande apelo à morte.

 

SANTIAGO

Existe até mesmo essa falta de equilíbrio entre a eternidade e o momento. Um dreno marginal pelo qual nossa existência flui. Criamos metáforas para evitar que a essência das coisas nos escape. No entanto, acabamos usando essas mesmas metáforas para escapar de nós mesmos. Abandonamos alguns aforismos que deveriam guiar nossos seguidores. E nessa margem imaginária onde vamos pousar, certamente os fantasmas de tudo o que matamos em um instante nos aguardam. Acreditando que jamais sairemos deste cubo infernal, essa agora me parece a maior ilusão. Para isso, precisaríamos ser imortais, não criminosos fracassados ​​que se deixaram prender. A imortalidade é outro engano. [Abelardo interrompe a fala de Santiago com a mão levantada. Santiago se vira para ele.] Não concorda, Abelardo? [Quando Abelardo começa a dizer algo, toda a cena de repente fica em completa escuridão, encerrando assim o primeiro ato.]

 

 

ATO 2

 

Palco escuro. Agora ouvimos a mesma peça de Edgar Varèse tocada pelo mesmo serrote com arco de violino e um xilofone de água. A luz vai aparecendo aos poucos, à medida que a música vai sumindo, mostrando no centro do palco o mesmo cubo de acrílico, onde apenas quatro dos criminosos condenados à morte aguardam agora a data de sua execução. Abelardo se foi.

 

SANTIAGO

E Abelardo, o que aconteceu com ele?

 

VALENTÍN

O mesmo que acontecerá com todos nós. Falamos o tempo todo sobre a eternidade e pensamos que fazemos parte dela quando, na realidade, os únicos seres imortais são os cadáveres de minhas meninas embalsamadas. Elas ainda estarão lá em dois mil anos, como se fossem múmias egípcias. Existe o ponto crucial da imortalidade… tanta filosofia e ninguém percebe?

 

ASTRID

Rapaz, você é cínico! Parece que você é o único com os pés no chão!

 

SANTIAGO

Ainda não entendi nada! Como Abelardo poderia desaparecer? Ele, que sempre teve uma palavra ou explicação filosófica, simplesmente evaporou? Esse é o nosso destino? E isso já havíamos discutido sobre sua inexistência!

 

CAYETANO

E por que não poderia evaporar? Em última análise, esse é o nosso único destino.

 

VALENTÍN

Ouçam! Sem gritos ou tiros. Até o silêncio se recusa a explicar o paradeiro de Abelardo.

 

ASTRID

Chega, Valentín! Esse cinismo não resolve nada.

 

VALENTÍN

Não é mais cinismo, Astrid. Abelardo desapareceu do cubo e logo desaparecerá de nossa memória. Talvez a sua filosofia seja a causa, afinal nunca soubemos que crime ele cometeu. Estou começando a pensar que nada disso importa. Assim como as religiões são o resultado de uma mentira – os dogmas são impostos em retaliação à realidade –, os crimes são um truque das circunstâncias. A moral por trás deles nada mais é do que miragens no deserto dessas almas errantes que vagam pela terra em busca de proteção.

 

CAYETANO

As noites são contadas no prato. Quem dorme com fome não conhece a noite, mas apenas a escuridão voraz de um abismo que adia a consciência da morte em cada um. O que diabos você queria entender, Santiago? O que há para entender sobre suas bonecas de pelúcia?

 

VALENTÍN

As bonecas são minhas…

 

CAYETANO

Aqui dentro não importa mais quem de nós pertence a um crime ou outro. Eu sei que as bonecas são de Valentín, mas eu queria provocá-lo. Sua reação mostra que você ainda acredita na individualidade do ser. Valentín é nosso artista, satisfeito com a assinatura de sua obra. Você nunca poderia ser um criminoso simplesmente porque não acredita em plágio. Seus pulsos são a marca de sua passagem pela terra.

 

VALENTÍN

Quanto desprezo há em suas palavras, Cayetano! Você não faz jus ao seu nome. Não sei se gosto de plágio ou não, não importa. Seus crimes são comuns, mesmo que você não seja original. Você é como as minhas bonecas russas. Quanto mais eu lhe conheço, mais insignificante você é. Você poderia andar na areia lavada pelas ondas e mesmo assim seus pés não deixariam marcas. E não porque você seja etéreo – não tenha muitas esperanças –, apenas porque você é menor do que o meu polegar.

 

CAYETANO

Ha ha ha… !!!!!!!!! Você caiu na rede. Meu abismo é insondável e infinito, e pegou você! Você se deixa provocar neste espaço onde não há oxigênio para quatro, nem mesmo para dois. Aqui nos engolfamos, servimos uns aos outros… e hoje está servido o banquete e você é o único que não está comendo!

 

ASTRID

Mesmo neste cubo as tempestades são passageiras. Sonhamos em destruir um ao outro e um minuto depois choramos em seu ombro. A única certeza que tenho é que me tornarei o esquecimento, e não porque haja névoa ou abismo, mas porque a memória humana é muito frágil. Mesmo as religiões, bastiões de muitos, estão diluídas no ar.

 

SANTIAGO

O abismo controla as apostas nesse jogo de máscaras. Ainda não entendo muitas coisas. Talvez o cinismo de Cayetano encontre sinais de presunção em Astrid quando ela quer cair no esquecimento. Acredito que o esquecimento é uma espécie de dom secreto que não contempla a totalidade da humanidade. Alguns são vagamente lembrados, o que é uma forma de evitar chegar a uma etapa além daquela eternidade de que tanto falava Abelardo. Os grandes mundos estão esquecidos. A pequenez da vida nos persegue como fios de memória.

 

CAYETANO

Agora é a vez de Santiago mostrar as ondas sonoras de seus pensamentos. Não se esqueça que teremos que continuar neste viveiro de especulação. Não estamos transformando esta caixa de alucinação em uma sala de interrogatório. Ao menos aqui não devemos encontrar exatamente a harmonia, mas sim o lugar de adoção onde podemos ser qualquer coisa, sem imposições morais.

 

ASTRID

Nosso crime pode ser termos cometido uma forma legítima de violência. A sociedade até conspira contra a integridade do crime. Vivemos em um mundo de acólitos onde ninguém deveria ser autêntico. As pessoas que frequentei estavam perdendo a beleza porque só gaguejavam slogans. Fui traído por um amante que me considerava um espião em nosso íntimo, precisamente porque eu não cumpria integralmente as ordens da cúpula.

 

VALENTÍN

A política é um exercício de vassalagem.

 

CAYETANO

Isso é bom! Um romance de deuses e mártires excomungados. Uma evolução assustadora de assuntos. O rastreamento dramático de pessoas que não sabem sua verdadeira causa.

 

VALENTÍN

Ou talvez sejamos simplesmente vítimas das causas.

 

SANTIAGO

Todos nós somos vítimas de algo ou alguém. Não há ninguém que possa escapar desses projetos. Não porque sejam divinos, mas porque é a lei inelutável da vida e dos grupos gregários… e o ser humano é gregário por natureza.

 

VALENTÍN

O que o amante de Astrid não entendeu é que somos todos espiões e é por isso que nos traímos a cada segundo. Os slogans dos pequenos grupos radicais ou reacionários funcionam da mesma maneira. Eles são projetados para fazer uma lavagem cerebral e evitar que os acólitos pensem, reflitam, analisem e critiquem. Assim, na China ou na URSS e mesmo em Cuba, se realizavam autoexames onde aqueles que se consideravam traidores deviam de certa forma pedir perdão, e já discutimos outro dia que o perdão não existe. Quem se recusasse a fazê-lo estava em um expurgo do qual era bem possível que ele nunca mais voltasse.

 

ASTRID

Somos todos traidores? Portanto, a redenção não existe?

 

VALENTÍN

Que não me acusem de cinismo de novo, mas não esqueçamos que os rios também se afogam. A quantos metros reconhecemos as miragens? A política acabou com a eficácia da nossa forma de identificar e resolver evidências. A mecânica dos nacionalismos cortou e colou espelhos instruídos nas fronteiras para revelar graças que jamais poderiam ser alcançadas. Quem entre nós recusaria uma xícara de chá com o Chapeleiro Louco? [Cayetano mal conseguiu conter o riso com as declarações de Valentín.] Somos mais do que traidores, Astrid. Somos os falsos iniciados de uma realidade suspeita onde, é claro, a redenção é uma farsa. Não sem um invejável grau de lucidez, Robert Charroux previu que em uma sociedade futura os sentidos se tornarão cada vez mais atrofiados e substituídos por uma organização protetora criada pelo cérebro. Vivemos em uma linha de perversão que matou a subjetividade. Não nos reconhecemos. Somos a cópia daquele outro que por sua vez nos imita, ambos classificados como fantasmas de uma humanidade despovoada.

 

CAYETANO

Alguém ainda se preocupa com o elixir da imortalidade?

 

VALENTÍN

É por isso que o purgatório ou limbo deste cubo maldito não me engana. Não há pelotão esperando por nós. Não saberemos mais o que está acontecendo lá fora. Somos receptores de frequências canceladas. Nenhum sistema foi programado para garantir um novo código genético, por exemplo.

 

ASTRID

Sem possibilidade de reencarnação?

 

VALENTÍN

A transferência dessas luzes espirituais é algo que dá certo encanto ao impossível. Somos governados pela memória, mas isso faz parte do mecanismo do cérebro. A morte aniquila todo culto à personalidade. A eletricidade liberada certamente encontrará outro casulo, mas essa transmigração não envolve vidas sequenciadas. Os vasos comunicantes atuam apenas na consciência. Sem memória, o homem se livra da duração de seus dons.

 

CAYETANO

Parece que estou ouvindo Georges Orwell, o que você diz é o que ele escreveu em 1984… e em 1984 a realidade superou a ficção. Em que ano ou século estamos? Não sabemos. E, no entanto, Orwell ainda é tão atual quanto no final do século XX. O que confirmaria que os seres humanos pertencem apenas a um rebanho de ovelhas obedientes, talvez geneticamente selecionadas para evitar outros equívocos. De certa forma, foi isso que aconteceu conosco. Astrid é a prova convincente do que afirmo. Caso contrário, nem a traição de seu amante, nem a fúria da cúpula que a condenou a este inferno seriam explicadas

 

ASTRID

Vocês ainda não responderam à minha pergunta: não consideram isso importante e, ainda, pode-se dizer que somos a reencarnação de milhões de pedestres anônimos que vagam pelas ruas das cidades do horror que a subjetividade, a que alude Valentín, criou naquele século XX que Orwell tão bem descreveu. Se não fosse assim, já teríamos desaparecido há muito… e aqui continuamos discutindo a transmutação da alma e a armadilha do livre arbítrio.

 

VALENTÍN

Você finalmente diz algo coerente, Astrid! O culto da verdade é a face oculta da falácia a que estamos condenados.

 

SANTIAGO

Por que não estamos com fome? Que verdade se esconde por trás dessa ausência de sensação? Aposto que cada um de nós gostaria de ser seu próprio mestre de justiça. A humanidade trata a verdade como se fosse um pacote para aqueles que primeiro tocaram a face de Deus. A verdade é um prêmio. Esta é a conclusão aterrorizante de nossas ações. Os Manuscritos do Mar Morto trouxeram à luz outra versão da verdade bíblica. Prova exemplar de que Deus sempre foi imensamente fascinado por ameaças.

 

VALENTÍN

Vergonha para todos os corpos que dependem do espírito.

 

SANTIAGO

Exatamente isso. Aos olhos dessa doutrina, todos somos criminosos. O pecado é um monstro desprovido de humanidade. Deus é a explicação de todas as nossas mentiras.

 

VALENTÍN

Por isso sempre busquei a beleza e não a verdade.

 

SANTIAGO

Já pensamos em como nossas frases são distorcidas? Que crimes realmente cometemos?

 

ASTRID

A beleza é mais importante do que a verdade? De que beleza eles estão falando? Como a verdade, a beleza é um sopro cultural e até bastante subjetivo. Mesmo que você tente estabelecer modelos estéticos universais, eles sempre encontrarão armadilhas, como verdades absolutas e, claro, eles variam rapidamente.

 

VALENTÍN

O maior crime que cometemos todos os dias é continuar vivendo. Às vezes, acredito que o suicídio é a única forma de redimir penalidades. Não importa se são de natureza religiosa e, portanto, morais, ou se são castigos impostos pela sociedade, como parece ser o nosso caso.

 

SANTIAGO

E voltamos ao cerne da questão, do qual nunca podemos escapar. Quais são os nossos castigos? Que crimes hediondos cometemos que nem temos possibilidade de resgatar as sentenças e, portanto, permanecemos trancados neste balde fedorento, aparentemente por toda a eternidade?

 

CAYETANO

No entanto, não podemos tomar nenhuma decisão. Estamos sujeitos a essas reflexões em uma espiral contínua que nada resolve. O próprio tempo em que nos dedicamos a este jogo de sombras nada mais é do que uma fantasia de almas reveladas sem muita gravidade. Como um gerador de plasma esquecido em um sarcófago egípcio. Beleza, verdade, culpa, perdão, só podem ser reminiscências de um futuro simulado. A rigor, não passamos de um grande engano, uma corrente rochosa construída como fonte de aparências. A humanidade se tornou seu próprio trompe-l’oeil.

 

ASTRID

Como uma esfera delineada pelas características subjetivas do conteúdo projetado para não mostrar nenhuma reação. Este é o nosso verdadeiro castigo?

 

SANTIAGO

Estamos profundamente enterrados em nossos desejos. Talvez a própria ideia de punição seja uma farsa. Fomos simplesmente esquecidos aqui nesta caixa mortuária. Certamente iremos desaparecer um a um, como aconteceu com ... Como se chama?

 

VALENTÍN

Abelardo.

 

SANTIAGO

Pois bem. Existe uma armadilha relacionada ao mecanismo do tempo, que parece esquecimento. Na verdade, isso deve ser indiferença. A verdade é indiferença. Esquecer é beleza. E nós somos as estátuas de sal desse feitiço deplorável. O sal preserva os cadáveres da putrefação – como múmias egípcias –, à diferença de que antes fomos desventrados. Nenhum de nós pode intuir com certeza quando e como será sugado para o sarcófago que o espera há milênios… [Uma chuva de sal cai diretamente sobre Santiago e um buraco o suga sem que seus companheiros de cela percebam seu desaparecimento. A escuridão ilumina seus fogos negros e o silêncio envolve qualquer perspectiva da linguagem.]

 

 

ATO 3

 

Palco escuro. Mais uma vez a mesma peça de Edgar Varèse tocada por um serrote com arco de violino e um xilofone de água. A luz vai aparecendo aos poucos, à medida que a música vai sumindo, mostrando no centro do palco o mesmo cubo de acrílico, onde estão apenas três dos criminosos condenados à morte aguardando a data de sua execução. Abelardo e Santiago se foram. Astrid está deitada no chão. Cayetano está sentado em um lado do cubo. Valentine anda de um lado para o outro, inquieto.

 

VALENTÍN

Estou muito chateado com essa falta de fundamento que nos faz desaparecer. Não estou preocupado com o destino de Abelardo e Santiago, mas sim que sejamos eliminados sem nenhuma razão aparente ou poder de reação. Para o inferno com o destino. O que me irrita é este incrível milagre do castigo: bem-aventurados os que já não existem. É como uma seita religiosa, onde os pacotes de sacrifício são vendidos sem que os tolos fiéis tenham o direito de saber seus motivos. Eu teria a curiosidade de me lançar em uma realidade paralela. Talvez tenhamos sido sequestrados para outra aldeia alienígena. Ou o privilégio de uma metamorfose. Ah, como eu queria ser uma lontra! Mas não há nada disso. Uma lágrima se abre na seda do espaço e simplesmente deixamos de ser. Não é simplesmente estranho, mas desprezível, inaceitável.

 

CAYETANO

Neste cubo infernal, onde os problemas metafísicos não têm lugar e onde o destino saiu de cena, não interessa pensar em um personagem a mais ou a menos. Já se passou muito tempo desde que parei de me interessar pela vida ou pelo que Valentín chama de desaparecimento. Você não percebe que não há vida aqui? Quanto a mim, apenas vegeto. E vocês, incluindo Astrid La Pasionaria, existem apenas nos meus piores pesadelos.

 

ASTRID

[Ela dá um pulo e não esconde a indignação.] Seu problema, Cayetano, é justamente que você não honra o seu nome. Você raramente fala e quando o faz é para ferir quem quer que esteja à sua frente com o pior da fúria. Agora foi a minha vez. Não sei o crime pelo qual você foi lançado no abismo inelutável deste cubo ou, pelo menos, não tenho certeza se você nos disse a verdade. O que posso dizer é que meu crime, se assim se pode chamar, é a busca da verdade e a denúncia da desgraça. Sim, você pode rir o quanto quiser. Pelo menos à minha frente tenho barricadas que, embora invencíveis, são reais. As revoluções raramente funcionam e, quando o fazem, privilegiam apenas uma pequena parte da sociedade. No meu caso, acabei neste buraco negro onde vermes como você vegetam e fedem. Eu admito, sou uma perdedora, mas pelo menos tentei lutar um duelo contra o destino, algo que você nunca faria.

 

VALENTÍN

Também acredito nessa possibilidade, Cayetano, de sermos o pesadelo uns dos outros. Talvez estejamos cada um em seu próprio cubo, isolados de tudo, sofrendo os efeitos de alguma droga inoculada e controlados pelo olhar de uma equipe de bastardos malvados. Cada personagem delirante – este é um caso em que a criação é pura ilusão – representa um estágio no labirinto de nosso inconsciente. Aqueles que são eliminados devem expressar a impossibilidade de encontrar uma solução para nossos aspectos depressivos. Talvez isso explique o fato de que este cubo está completamente vazio por dentro. Nenhum lugar para sentar ou mesmo aquele buraco característico de resíduos de uma cela de prisão. Não há pia ou espelho. E até as paredes dão a impressão de que não há nada lá fora. Uma coisa é certa: eles nos observam. Não há outra explicação. Resta saber se somos cobaias de um sonho ou de um plano de vigília.

 

CAYETANO

Ah! Astrid, sou um sonhador. As palavras de Valentín me dão uma mistura de alegria e preocupação. Na verdade, elas me assustam. Porque sempre valorizei a integridade de meu cérebro. Planejo meus crimes com rigor poético. Eu nunca escolheria minhas vítimas ao acaso ou me permitiria algum tipo de falta de controle apaixonado que me levaria a matar alguém. Não sei como você vai me julgar, Astrid, porque reconheço a seriedade de sua causa, enquanto que eu me considero apenas um artista do crime. Certamente, o mundo nunca estará disposto a aceitar minha poesia. Gosto de chamar assim a minha inclinação para o perfeccionismo. Vivemos na terrível sombra da hipocrisia. Os valores humanos são tão circunstanciais que a mesma pessoa pode atuar sob diferentes prismas no mesmo dia. É por isso que as palavras de Valentín me assombram, isto porque, como entendo a situação que ele evoca, penso em vocês como meus outros eus, em uma constância de conflitos que podem eliminar esse meu sonho.

 

ASTRID

Não sei se devo valorizar suas palavras ou temê-las, mas, pelo menos você tem a coragem de abaixar a espada. O que eu realmente acredito é que você é muito presunçoso quando fala de seus crimes como atos poéticos. Se fossem assim, você não ficaria trancado aqui por não sei quanto tempo. Crimes poéticos, se tal coisa existe, são perfeitos, e você está condenado ao desaparecimento e ao esquecimento total. Tenho certeza de que nem mesmo se lembra dos assassinatos. E essa é a pior das condenações.

 

VALENTÍN

Astrid, todos têm a possibilidade de construir o próprio abismo, e Cayetano tem a profundidade do esquecimento. Para que lembrar? Nem sabemos se no próximo segundo seremos capazes de nos contemplar e nos machucar. Você gosta do voo dos abutres. É por isso que você planeja em círculos até descer e pegar a presa. Bela revolucionária!

 

CAYETANO

Certamente concordo com Valentín. E sempre pensei no esquecimento como uma dádiva. O esquecimento nos liberta do arrependimento e das astúcias do ego. Não são poucos poetas que não se lembram de seus poemas. E há um crime mais flagrante contra as letras do que contra o sangue. No entanto, não se sabe de um mau escritor que tenha sido detido pela má qualidade de sua obra. Os crimes também são uma expressão de fraude existencial. Em geral, condenamos o que nos incomoda. Quando uma obra arquitetônica entra em colapso, seu engenheiro calculista raramente é interrompido. Sem falar em crimes políticos, catástrofes ambientais e amores traídos. Eu defendo que uma sociedade deve revisar as lacunas criadas entre a lei e a justiça.

 

VALENTÍN

Mas de que adianta se insurgir contra alguma coisa agora? Você acha que algum dia vamos sair daqui?

 

CAYETANO

Não, não é isso. O que pensamos não deve se limitar a um universo pragmático. Nossas ideias nem sempre são passíveis de realização. Veja a utopia incondicional de Astrid. Eu mesmo planejei muitos crimes que não poderia cometer. E também há planos frustrados. Com tanto tratamento de subornos, nossas sociedades – se podemos chamá-las de nossa – são um ponto de apoio preciso do impossível. Claro que não vamos sair daqui, meu querido anão. Ou sairemos como Abelardo e Santiago já partiram. Seremos drenados por um dos bueiros da realidade. Na medida em que este cubo pode ser visto como uma realidade. Agora, eu gostaria de saber quantos projetos de embalsamamento para suas bonecas ficaram na gaveta, devido à impossibilidade de materialização.

 

ASTRID

A reflexão de Valentín é bastante aguda. Infelizmente vivemos em uma época em que fazemos do historicismo o foco de todas as nossas investigações, e ainda assim vivemos no esquecimento perene. A catástrofe de ontem é esquecida em face da que vivemos hoje e então... ad infinitum... Além disso, uma grande parte da população humana vive fora desse historicismo. Eles apenas se lembram de sua própria cosmogonia e isso é mais do que suficiente. Poetas ruins às vezes são mais lembrados do que bons. Estes nem circulam nas mãos dos leitores. E assim eu poderia continuar listando a impossibilidade do ser humano de deixar uma marca, sobretudo uma que seja válida para que quem vem atrás não se perca no caminho.

 

CAYETANO

Bem ... não acredito em tanto pessimismo. Penso, por exemplo, na Nona Sinfonia de Beethoven ou no Bolero de Ravel ou em Michelangelo ou em Shakespeare e percebo que nem tudo está perdido.

 

VALENTÍN

Mas não se trata de se perder ou não. O ponto central é que vivemos diante dessa impossibilidade: a perpetuidade do que somos. Somos levados a acreditar que essa perpetuidade é fruto da competição. E que existe um juiz supremo de nossas ideias e ações. Talvez, como uma forma secreta de resistência, e é daí que vem a dissensão entre ideia e ato. Claro, o risco de uma esquizofrenia generalizada era inevitável, o que acabou alimentando tanto o empório das religiões quanto o ganho de capital da indústria farmacêutica.

 

CAYETANO

Você não dá importância a todas as grandes obras artísticas da humanidade?

 

VALENTÍN

Como espectador delas, sim. No entanto, há duas coisas que não posso deixar de considerar: as grandes obras do passado apenas confirmam que estamos empobrecendo nosso espírito, ou então somos levados a uma nostalgia corrosiva, que não nos permite ver que as obras do presente são igualmente valiosas. Minhas bonecas, por exemplo, tenho a mesma consideração por todas elas. Não acho que uma seja melhor do que outra. Mas é claro que, para que essa perspectiva me sirva, devo manter meu senso crítico sempre renovado. Escolher as meninas que ficarão bem cheias, aprimorar sempre as técnicas utilizadas etc. Caso contrário, serei derrotado por uma falsa ambição de eternidade. [No final desta frase, Valentín continuou gesticulando e falando, incapaz de ouvir sua voz. Astrid e Cayetano olharam para ele espantados, indecisos sobre o que deveriam fazer. No entanto, tudo correu muito rápido. O corpo de Valentín se desintegrou, como se ele estivesse sendo levado para outro lugar. Logo desapareceu completamente e a escuridão tomou conta da cena.]

 

 

ATO 4

 

Palco escuro. A mesma peça de Edgar Varèse é tocada pelos mesmos serrote com arco de violino e xilofone de água. A luz vai aparecendo aos poucos, à medida que a música vai sumindo, mostrando no centro do palco o mesmo cubo de acrílico, onde estão apenas dois dos criminosos condenados à morte aguardando a data de sua execução. Nem Abelardo, nem Santiago, nem Valentín estão mais lá. Astrid e Cayetano estão sentados no chão, de costas para o público.

 

ASTRID

Agora sabemos que um de nós será o próximo a partir, e temo pela agonia solitária de quem for o último.

 

CAYETANO

Antes você disse que não tinha medo da morte ou do desaparecimento. E agora você começa a imaginar um fim carregado de solidão? Há quanto tempo vivemos aqui sem ele? Podemos ser gregários, podemos viver neste cubo com outra pessoa – como é o nosso caso –, e ainda assim a solidão está lá. No que me diz respeito, é a minha única companhia, não preciso de mais ninguém. O que eu preciso é de silêncio e você fala demais.

 

ASTRID

Nós vivemos aqui possivelmente por séculos e você ainda me culpa por minha existência? De certa forma, quem tem medo é você. Você é incapaz de suportar a presença de outro ser humano. Talvez porque seus crimes sejam tão hediondos que você prefere que ninguém olhe nos seus olhos. Ou você ainda acredita na redenção? Nesse caso, você é ainda mais ingênuo do que eu pensava. E a ingenuidade é algo pelo que se paga caro neste abismo em que vegetamos. [Um silêncio constrangedor toma conta daquele momento. Logo um arranhão circular aparece no chão, cujo conteúdo está manchado de preto. Astrid é a primeira a notar o que parece ser um buraco.] Olhe para isso. Então chegou a hora de um de nós?

 

CAYETANO

Não acredito. Deve haver outro motivo para este buraco. Na verdade, é realmente um buraco? [Cayetano entra no buraco e nada acontece.] É só uma farsa, um buraco falso.

 

ASTRID

Talvez este cubo também seja apenas uma aparência. Afinal, nenhum de nós tocou suas paredes. [Astrid, dizendo isso, toca uma das paredes do cubo.] É muito sólido, não é uma mentira. Estamos realmente presos aqui.

 

CAYETANO

Este buraco sem vida deve ser pura provocação.

 

ASTRID

Ou talvez algo que nos avise que devemos fazer melhor uso de nosso tempo. Talvez devêssemos posicionar melhor nossos medos. Você quer começar?

 

CAYETANO

Não sei por que você fala de medo. Pelo menos não faça no plural. A solidez das paredes deste cubo só existe em pesadelos e nossas vidas são apenas isto, pesadelos. É bem possível que você não exista e que seja apenas um monstro que eu mesmo engendrei nas longas noites sem dormir. Para que eu possa imaginar a cada momento o assédio e tortura que posso lhe infligir. Também me deleito com as várias maneiras de assassiná-lo. E, para dizer a verdade, elas são infinitas.

 

ASTRID

Bem… bem… bem… Passo a citar: – O sonho da razão produz monstros. Agora, quando você já está com um pé na outra dimensão, está se referindo a Goya? Nunca escondo que o medo faz parte de meu devir. Sem medo, eu não seria nada. O medo me mantém alerta. Talvez seja por isso que você nunca foi capaz de me torturar, muito menos me matar. Éramos cinco prisioneiros, quatro homens e eu, que sou mulher. É até possível que você desapareça antes de mim. Assim, pelo menos as estatísticas parecem confirmá-lo.

 

CAYETANO

Na verdade, nunca pensei em nenhum de nós como quatro homens e uma mulher. Assim que cheguei aqui percebi que talvez fôssemos parte de um contrato ou de uma estratégia para mudar a órbita da realidade. Talvez sejamos a mesma pessoa, desfigurados por transmutações de diferentes dimensões. De que outra forma podemos aceitar o esquecimento de como acabamos aqui? E enquanto nos eliminavam, um a um, que forças elétricas justificariam isso? Não sabemos se Abelardo e os outros dois, cujos nomes já não me lembro, foram assassinados ou não. Na verdade, nem sabemos se eles existiram.

 

ASTRID

Essas dúvidas também são válidas para nós. Alguém está traficando em nossas memórias ou somos apenas uma hipótese incompreensível de transmigração de almas? Agora que somos apenas nós dois, o que somos? Ou melhor: somos dois ou apenas um projetando sobre o outro uma expansão de suas angústias paralelas, que de outra forma não seria capaz de distingui-las? E o fato desta morada misteriosa que pensamos seja uma prisão estar hermeticamente fechada, de impossível comunicação entre o interior e o exterior, não lhe assusta? Entro em pânico, principalmente quando penso que a qualquer momento – e como os momentos são confusos nunca saberemos se é ontem ou amanhã – posso ficar aqui verdadeiramente sozinha.

 

CAYETANO

Esta é a sua condenação ou a minha? Ter que suportar seu medo deve ser como suportar minhas dúvidas. Em todo caso, a única certeza é que vivemos em uma enteléquia. Você não sabe se eu existo e para mim você só existe na medida em que eu a imagino. E já que às vezes eu nem penso em você, mesmo estando à minha frente, você simplesmente deixa de existir. Nisso, Platão permanece um filósofo necessário e contemporâneo.

 

ASTRID

Toda essa verborragia com a qual você quer parecer culto, refinado e profundo serve apenas para escondê-lo de seus próprios medos. A prova é que você mal falava antes. E agora, quando os outros companheiros desapareceram, você não para de tagarelar como um papagaio molhado. Você é patético! Que pena que você me dá!

 

CAYETANO

Agora finalmente entendo o que está acontecendo. Você está articulando uma distração no funcionamento desta maldita caixa, então sou o próximo a ser eliminado. Tanto é que, enquanto falo, já sinto que estou desbotando, mesmo na ausência de espelhos me vejo perdendo a forma. Você não terá proteção em sua solidão. Você não encontrará refúgio em seus sonhos porque não conseguirá dormir. Você não vai decifrar os enigmas de sua loucura porque não haverá mais simultaneidade de abismos. Você terá o final mais rude e nem vai perceber. Quando ele desaparecer completamente, você não existirá mais.

 

ASTRID

É por isso que você está saindo imediatamente, porque prefiro enfrentar o vazio do que ficar ao seu lado. Para o inferno com você! [A última frase foi gritada no escuro.]

 

 

ATO 5

 

Palco escuro. Ouvimos a mesma peça de Edgar Varèse, mas desta vez executada apenas pelo serrote com arco de violino. Quando a luz acende, encontramos o corpo nu de Astrid deitado no chão. A música para e ela se senta, cobrindo o rosto com as mãos.

 

ASTRID

Tenho medo de abrir os olhos e me encontrar cercada de fantasmas. Essas sombras silenciosas que se alimentam de nosso medo. A memória está cheia de fantasmas. As experiências insatisfatórias, as farsas oníricas, as frustrações da vigília. De repente, aparecem as silhuetas de mundos paralelos, a desfiguração de nossas ansiedades e conflitos. Procuro um padrão, o esboço de um roteiro desta existência que nos massacra. Não acho que a sequência de substituições dos infratores com os quais compartilhei este cubo foi o padrão que poderia apontar para uma lógica aceitável. Talvez as variações da música que regem cada ciclo. Talvez a maneira como minha memória se reduziu a quem eu sou e não tenho certeza de quem poderia ser. Se eu fosse deixada para ser a última, poderia ser a bandeira de um castigo previamente designado, ou um reflexo da anarquia que caracterizou minha vida, a ponto de a sociedade me considerar uma criminosa. Eu deveria rir agora. Lembro-me de outros cativeiros, compartilhados com cúmplices de viagens, que sempre foram muito sérios, enquanto eu argumentava que a anarquia não poderia existir sem uma intensa dose de humor. O mundo que pretendemos destronar, destruir sua prescrição de valores morais, seu cartão de renúncia, este mundo, antes mesmo de ser lamentável, é risível, e a mera necessidade de uma ruptura anarquista é um fato ridículo. E que eu seja – qualquer um pensaria – a pessoa certa para semear essa bagunça, é motivo para rir. [Aos poucos ela se levanta e se move de um lado para o outro, seus olhos perdidos e o medo apertando suas mãos.] O abismo é possivelmente a força mais poderosa que existe no universo. Ele é o criador e o destruidor. Por isso nos atrai como se fosse um imenso ímã que gravita no centro da Terra. Seus dedos, longos e calejados, movem os fios em que cada um de nós está pendurado. Sei que minha hora final está aqui, ao meu lado, bastará olhar nos meus olhos por um milésimo de segundo para que o ímã me absorva sem deixar vestígios. O que vai sobrar de mim? Nada, nem mesmo a memória de meu fracasso monumental. Já não há testemunhas, nem fotos, nem vídeos que deem conta da minha passagem pelo mundo ou por este cubo que absorveu a parte mais longa da minha efémera existência. O esquecimento é um rei que dá xeque-mate na rainha… e eu nem cheguei a ser um peão. Em todo caso, fica a questão de quanto tempo eu poderia ter ficado nesses vazios da existência em que nos perdemos. Este espaço, que supostamente habito, é um reflexo do absurdo, e talvez seja ele quem me habita, talvez eu seja a casa desse vazio. Uma forma estranha de estar no mundo. Eu olho para o meu corpo e tento me lembrar do meu rosto. Sempre pensei que os espelhos são uma espécie de contaminação da alma, um veneno que desfigura o íntimo. E agora preciso recorrer à memória ou à imaginação para revelar minhas feições. [Ela toca o rosto com as mãos.] Tenho medo de descobrir que não faz sentido saber quem eu sou. Até o significado de estar aqui, isolada de tudo, que bem me fará saber? Eu sou Narcisa e quando dei as costas para o meu próprio eco em meus punhos cresceram correntes infinitas que me impedem de seguir em frente. De certo modo são uma gruta cujo silêncio torna ainda mais infernal a solidão em que afundo inexoravelmente. E se não me lancei nas águas é porque neste inferno elas não existem e a minha memória é incapaz de as recordar na medida certa. A solidão me sufoca, impede-me de respirar, e quando penso que chegou o fim, a última hora, sai das entranhas da cavidade torácica um sopro que me impede de afundar no nada. Segundos depois, a tortura começa novamente. Vegeto na minha própria sujeira, rastejo como um réptil condenado a viver no pavor. [Ela continua a andar de um lado para o outro da caixa, quando de repente a luz começa a se apagar, como se fosse queimar.] O que é isso? É este o primeiro sinal da realidade, a existência de uma luz, embora só a tenha percebido em seus últimos momentos? Que morte nos espera, a minha ou a da luz? Mais cedo ou mais tarde, tudo parece estar voltado para o reverso. O olhar acidentado daquela lua decadente agora me lembra que essa ausência de tudo que eu encontrei um dia seria preenchida com algo, como alguém se virando e finalmente descobrindo coisas inimagináveis. Mas o que vou descobrir agora, quando é mais provável que ela já esteja morta? [A luz se apaga completamente e, em seguida, um fio de luz em movimento aparece acima da cabeça de Astrid, acompanhando-a onde quer que ela caminhe dentro do cubo.] Talvez eu esteja morta há décadas e nunca aceitei isso. Senão, como entender que neste cubo vegeto sem comer, sem beber, sem banheiro, sem banho? Como entender a presença fantasmagórica dos quatro condenados à morte com os quais compartilhei este espaço miserável e a quem estava unida pelo desespero e pela infâmia? Mesmo assim, devo admitir que esse legado deixa suas marcas e até lições. Embora o que aprendemos nem sempre seja o que sonhamos em nossa juventude. A realidade é um jogo de espelhos infinitos em que nos perdemos como se fosse um labirinto. Apenas neste caso não há Ariadnas para ajudar com fios ou Dédalos para construir asas para voar para longe. Não há nem sombra. Mesmo com aquela luz que desce de um teto imaginário, que me segue como um animal faminto. Não há sombra. Só posso imaginar a projeção de meu corpo no mundo. E como não vejo meus olhos, também não consigo ver o que está acontecendo dentro de mim. A verdadeira anarquia deve ser aquela confiança cega na imaginação. Sem parâmetros, bússola, história. A cada passo um novo abismo se forma e nós mergulhamos nele como se nada pudesse nos alcançar. A escuridão é uma obsessão que não conhece a anarquia. O caos é a caneta com a qual escrevemos nossas vidas. A anarquia, por outro lado, é a verdadeira fonte do inesperado, do indecifrável. É inútil saber o nome das coisas. A origem de cada ser é uma ilusão atribuída à nossa fragilidade emocional. [Enquanto Astrid fala, o fio de luz é reduzido a quase nada, até que desapareça completamente, deixando a cena completamente escura. Em silêncio por um momento. Ouve-se um grito de júbilo.] Ah, essa luz já não me cega. Esse abismo já não me engole. Só entrei no túnel que não tem caminho de volta, a luz conduz meus passos até o fundo de sua boca, não caminho, não salto, não danço. E, no entanto, me movo com grande facilidade, como se tivesse asas nos tornozelos. Talvez seja Dédalo que os colocou sem que eu percebesse. [Um segundo de silêncio.] A escuridão não me domina mais. Não preciso de fantasmas ou utopias. Estou preenchida nessa ausência absoluta de tudo. Viva? Morta? Não importa. Um dia, todos nós aprenderemos a ser exatamente isso. Nada. [O palco permanece escuro, as cortinas estão fechadas. Fim do quinto e último ato.]



 


BERTA LUCÍA ESTRADA (Colômbia, 1955). Poeta, dramaturga, crítica literária e de arte, autora do blog El Hilo de Ariadna do jornal El Espectador (Colômbia). Membro do PEN Internacional/Colômbia. Ela é uma livre-pensadora, feminista, ateia e defensora da alteridade. Publicou treze livros, entre eles La route du miroir (poesía, 2012), Náufraga Perpetua (ensaio poético, 2012), Trilogía de la agonía (comprende las siguientes obras: El museo del VisionarioNaufragios del Tiempo y Las sombras suspensas –escritas a quatro mãos com Floriano Martins, 2021).

 

 



A GRANDE OBRA DA CARNE

A poesia de Floriano Martins

  

1991 Cinzas do sol 

1991 Sábias areias 

1994 Tumultúmulos 

1998 A outra ponta do homem 

1998 Autorretrato 

1998 Os miseráveis tormentos da linguagem e as seduções do inferno nos instantes trágicos do amor de Barbus & Lozna 

2003-2017 Floração de centelhas [com Beatriz Bajo]

2004 Antes da queda 

2004 Lusbet & o olho do abismo abundante 

2004 Prodígio das tintas 

2004 Rastros de um caracol 

2004 Sombras raptadas [Coroa] 

2004 Sombras raptadas [Cara] 

2004-2015 Estudos de pele 

2004-2017 Mecânica do abismo 

2005 A queda 

2005 Extravio de noites 

2006 A noite em tua pele impressa 

2006 Duas mentiras 

2006-2007 Autobiografia de um truque 

2007 Teatro impossível  

2008 Sobras de Deus

2008 Blacktown Hospital Bed 23 

2009-2010 Efígies suspeitas 

2010 Joias do abismo 

2010-2011 Antes que a árvore se feche 

2012 O livro invisível de William Burroughs

2012-2014 Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]

2013 Anatomia suspeita da realidade 

2013 My favorite things [com Manuel Iris]

2013 O piano andou bebendo 

2013 Sonho de uma última paixão 

2013-2015 Breviário dos animais fabulosos fugidos da memória 

2014 Mobília de disfarces 

2014 O sol e as sombras 

2014-2015 Reflexões sobre o inverossímil 

2015 Enigmas circulares 

2015 Improviso para dois pianos [com Farah Hallal]

2016 Cine Azteka [com Zuca Sardan]

2016 Circo Cyclame [com Zuca Sardan]

2016 Trem Carthago [com Zuca Sardan]

2016 A mais antiga das noites 

2016 A vida acidental de Aurora Leonardos 

2016 Altares do caos 

2016 Breve história da magia 

2016-2017 Convulsiva taça dos desejos [com Leila Ferraz]

2016-2017 Obra prima da confusão entre dois mundos 

2017 O livro desmedido de William Blake

2017 Antigas formas do abandono 

2017 Labirintos clandestinos 

2017 Manuscrito das obsessões inexatas  

2017 O mais antigo dos dias 

2017-2020 A volta da baleia Beluxa [com Zuca Sardan]

2017-2022 Nenhuma voz caba no silêncio de outra

2018 Atlas revirado 

2018 Tabula rasa 

2018 Vestígios deleitosos do azar 

2021 Las mujeres desaparecidas

2021 Museu do visionário [com Berta Lucía Estrada]

2021 Naufrágios do tempo [com Berta Lucía Estrada]

2022 As sombras suspensas [com Berta Lucía Estrada]

2022 Las resurrecciones íntimas [com Berta Lucía Estrada]

2023 A casa de Lenilde Fablas

2023 Caligrafias do espírito

2023 Huesos de los presságios [con Fernando Cuartas Acosta]

2023 Inventário da pintura de uma época

2023 Letras del fuego [con Susana Wald]

2023 Representação consentida

2023 Primeiro verão longe de casa 


 

 

1991-2023 Mesa crítica [Prefácios, posfácios, orelhas]

2013-2017 Manuscritos


 

 

Poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, dramaturgo, FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957) é conhecido por haver criado, em 1999, a Agulha Revista de Cultura, veículo pioneiro de circulação pela Internet e dedicado à difusão de estudos críticos sobre arte e cultura. Ao longo de 23 anos de ininterrupta atividade editorial, a revista ampliou seu espectro, assimilando uma editora, a ARC Edições e alguns projetos paralelos, de que são exemplo “Conexão Hispânica” e “Atlas Lírico da América Hispânica”, este último uma parceria com a revista brasileira Acrobata. O trabalho de Floriano também se estende pela pesquisa, em especial o estudo da tradição lírica hispano-americana e o Surrealismo, temas sobre os quais tem alguns livros publicados. Como artista plástico, desde a descoberta da colagem vem desenvolvendo, com singular maestria, experiências que mesclam a fotografia digital, o vídeo, a colagem, a ensamblagem e outros recursos. Como ele próprio afirma, o magma de toda essa efervescência criativa se localiza na poesia, na escritura de poemas, na experiência com o verso, inclusive a prosa poética, da qual é um dos grandes cultores. A grande obra da carne – título emprestado de um de seus livros, é uma biblioteca desenvolvida como espaço paralelo dentro da Agulha Revista de Cultura, a partir de uma ideia do próprio Floriano Martins, de modo a propiciar acesso gratuito a toda a sua produção poética.


 

 

OBRA POÉTICA PUBLICADA

 

Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994.

Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994.

Alma em chamasFortaleza: Letra & Música, 1998.

Cenizas del sol [con Edgar Zúñiga]. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001.

Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001.

Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.

Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006.

La noche impresa en tu pielTrad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006.

Duas mentiras. São Paulo: Edições Projeto Dulcinéia Catadora, 2008.

Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008.

Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008.

A alma desfeita em corpoLisboa: Apenas Livros, 2009.

Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría, Colección Palabra Ibérica, 2009.

Autobiografia de um truque. São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2010.

Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010.

Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

Lembrança de homens que não existiam [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2013.

Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.

Overnight medley [com Manuel Iris]. Trad. ao espanhol (Juan Cameron) e ao inglês (Allan Vidigal). Fortaleza: ARC Edições, 2014.

O sol e as sombras [com Valdir Rocha]. São Paulo: Pantemporâneo, 2014.

A vida inesperada. Fortaleza: ARC Edições, 2015.

Circo Cyclame [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

O iluminismo é uma baleia [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Espelho náufrago. Lisboa: Apenas Livros, 2017.

A grande obra da carne. Fortaleza: ARC Edições, 2017.

Tabula rasa [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Antes que a árvore se feche (poesia reunida). Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Tríptico da agonia [com Berta Lucía Estrada]. Fortaleza: ARC Edições, 2021.

Las mujeres desaparecidas. Santiago, Chile: LP5 Editora, 2021.

Un día fui Aurora Leonardos. Quito: Línea Imaginaria Ediciones, 2022.

El frutero de los sueñosWilmington, USA: Generis Publishing, 2023.

Sombras no jardim. Fortaleza: ARC Edições, 2023.


 

 

Agulha Revista de Cultura

Criada por Floriano Martins

Dirigida por Elys Regina Zils

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

1999-2024 

 


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