terça-feira, 25 de abril de 2023

A GRANDE OBRA DA CARNE | A mais antiga das noites

 

 

Eu sou todo mundo que morreu antes de mim.

WATTABAKINAI

 

Os verbos se escondem na noite.

Eu não estou em parte alguma.

FM

 

  

COM QUANTOS ANAGRAMAS TE DESPEDES DE MIM?

 

As sobras se alimentam de excessos esquecidos,

excrementos dourados, lentilhas castigadas pela seca

e um auditório de palavras superadas pelas ruas.

Queimadas apreendem o segredo das ventanias.

Maldições foram dizimadas por falsos alimentos,

enquanto expelíamos superstições as mais familiares.

Um candeeiro novo para cada noite em teus braços.

Em teus seios pratico a melhor arte culinária e assim

começa o livro que me persegue como um prodígio.

Seus personagens decidiam quem os representariam,

enquanto eu trocava o número à porta dos camarins.

As sobras são o primeiro capítulo, a cera e o pavio

de toda arte refeita como uma cobiçada destilaria.

Desde cedo separamos as ilusões falsas e verdadeiras.

Com quais delas devemos ir à capela buscar farinha?

 

UMA ÚNICA EXPLICAÇÃO

 

O teu corpo me traz para o centro da aldeia,

a mistura de húmus e suor em tua pintura,

os pés na terra solta, as pérolas de teus seios,

um mundo de sinônimos se abre com intensa familiaridade,

a tal ponto que me julgo sempre insolúvel em tuas mãos.

As folhas sugestivas de teus lábios traduzem meu desejo.

Sombras implacáveis com cabeças humanas retratam

a região em que te moves, o interrogatório de cinzas,

a metade condenada de nossas deficiências na terra.

Quando os relevos tomam forma o teu corpo salta em bandos

por entre escombros, entulhos, estradas vazias e falsos juízos.

Ilustro os teus fogos e surpreendo as cuias cerimoniais

com o próprio sumo. A tua bunda celebra minha visita

ao vilarejo, o deserto tece seus lençóis de puro ocre,

eu encarno a sétima geração de demônios ao cruzar fronteiras

invisíveis da súplica. Confio em ti que não me reveles nunca.

Por mais que eu me afeiçoe aos tesouros de tuas coxas,

ao risco de teus dentes, à densa narrativa de teus pentelhos,

nunca me digas meu nome, embora me empunhes

como alguém que planeje regressar ao quintal esquecido

em seus sonhos. Nunca. Nunca me deixes saber quem sou.

 

SOBRAS DE UM LITÍGIO

 

Preparamos um sermão de vasilhas para receber as chuvas.

Tropeçaste da escada em meio a livros enraizados no chão.

Segui teus passos enquanto a escada ofertava um fogo novo.

Cavalgar-te é como soletrar arbustos por toda a paisagem.

Nunca me disseste por que preferias as paredes manchadas.

Eu jogava cartas com a tua nudez e descascavas a noite.

Jamais me preocupou a que deus furtar os primeiros frutos.

Abençoo teus pelos e a minha saliva te conduz a outra oração.

Despe o canto, o baile e os ossos de tantos ídolos à nossa volta.

Uma carta anônima é tudo quanto o homem requer para saldar

dívidas com o Eclesiastes e os compêndios de história natural.

 

ANJO ANÔNIMO

 

Não me ponhas dentro de teus pergaminhos,

eu não somaria as tuas coincidências às minhas.

Não me ilustres ou me aterres em meus lábios,

eu não falaria a mesma língua tua, posso jurar.

Que me evoques a relojoaria de teus defeitos,

não reconheço por que estás a passar do mito.

Quando me preenches com tua escolta astuta

de demônios, devo expelir-te ou conjurar-te?

Não me faças redigir o novo papel dos santos.

Não me peças para que conjugue a tua noite

ou descarne os lábios em que me fizeste teu.

Não quero tropeçar em mosaico ou céu algum.

Os milagres devem estar cientes da incorreção

de suas bulas atordoadas, reclames e cotas,

uma obra apócrifa da mais disputada autoria.

Não me ponhas em tua boca antes que a dor

soletre quanto te deseja dentro ou fora de mim.

Discordes ou não, aqui eu não retornarei jamais.

Brindo as cores que inventamos em nosso gozo.

Porém me desfaço de ti antes que me graves

em tua pele como um pecado a ser repetido.

 

DIANTE DE CASA OS DESERTOS SÃO VORAZES

 

Meu deus está dedicado à pesca de teus milagres.

Ao sair de casa eu lhe disse: evite pensar em retorno.

Há muitos mundos que não sabem a que sobreviver.

Como desativar uma bomba ou descrer uma injúria.

Tréguas se comunicam entre si com gestos maçônicos.

Poucos sabemos as condições de uma volta ao lar.

Vimos tantos filmes assim, que a realidade se desfez.

Sofrida ou alterada, a realidade não retorna jamais.

Crer em um deus é como acreditar em si mesmo.

Não muda jamais o fato de que as negações se dão.

O milagre pode não passar de um fulgor contratado.

A descrença nem sempre é o melhor plano de fuga.

 

UMA BLASFÊMIA SENSUAL

 

Eu tenho a nudez sempre pronta

para o encontro com o impossível,

lugar onde se escreve

a rota imprecisa do desejo.

Eu tenho a nudez como um traje sagrado

que me faz adentrar

o confessionário do acaso,

onde te encontro como uma árvore

repleta de assíduas estações.

As luzes esquecem de contar

os segredos mais distantes,

desde quando os desertos se foram

com a roupa do corpo

e as ideias desfeitas em miragens.

Nem sempre a nudez requer

um estímulo da penumbra

para desatar a seda de suas sombras.

O mais comum é que me abras

a sala verdejante de teu olhar.

Então de um salto me verás

aclimatar a desordem de teus dias.

 

ROTA DE INFORTÚNIOS

 

Os olhos debruçados na alma longe de casa

refletem um abismo que custa a crer em si,

lábios ressecados como tochas que rejeitam a luz,

cascalhos deixados para trás na roca do tempo.

A neblina cisma com a permanência do fogo.

Quanto mais se adensa, maior a resistência.

Visões se expandem como espelhos vazados,

voragem manifesta por toda a pauta de sacrifícios.

Os olhos guardam um labirinto descompassado.

Perderam o som, a cor, o traço, a lenda seminal.

Os olhos giram deglutidos pela palavra ilegível,

são como um livro atormentado ou um mundo

recomeçado em vida alheia, a desordem dos vãos

ou uma eternidade ao lado de quem não se ama.

Meus olhos são a miniatura de um tempo perdido.

Viagem gasta, sem domicílio de riscos ou a decisão

de jamais regressar ao lugar comum da história.

Meus olhos se foram, antes que toda a cena ruísse.

 

A LINHA ESBELTA DA IMUNDÍCIE HUMANA

 

Somando dívidas e vítimas não sabemos o que fazer conosco. Os corpos nus ressaltam o entusiasmo das culpas. O Cristo deitado no mofo de uma parede mal dormida. Estátuas sangrentas, postais carnudos, remessas de dinheiro para lugar nenhum. O homem faz circular o mistério como um brinquedo eletrônico. A desilusão prospera como vísceras leiloadas. Velhos idealistas admitem que se foram todos os reflexos. O ciclo heroico das máximas profundas se converteu em folder de campanha. Giovanni Papini predisse que o século XX seria o trono da egolatria. Sua voz sincera jamais previu como nos livraríamos do excesso de nós mesmos. A tempestade dá aos ossos uma simetria impensável. As nossas decepções são pueris, sequer fazem as estátuas retornarem ao lar. Somos uma trapaça descarnada sob várias hipóteses. Sobram fragmentos em toda forma de vida que remontamos. Cada vez que consultamos um espelho parecemos mortos. Como se faltasse estilo ao mecanismo obrigado a promover a própria existência. Desativamos o formigueiro das vertigens graças a uma festa de ventríloquos e novas regras no comércio de crianças. O fim não toma conta de si. Repete-se um mesmo assalto de princípios. Eu estou na casa de dentro da natureza humana. Aqui apenas o lixo se perpetua. Sejamos ao menos pontuais. Não deixemos o lixo de hoje se confundir com a próxima coleta.

 

TRANSFIGURAÇÕES DO PROFANO

 

Eu vou aparar os teus olhos nos meus, para que saltes melhor de um pincel a outro. Espalharei por toda a carne picotes de papéis com anotações que remetam de uma prateleira a outra de nossos precipícios. Eu vou alimentar o caos até que ele aprenda a ler o mundo. Quantas vezes não nos dissemos bom dia simplesmente porque não havia modo do acaso raiar. As tuas espátulas reinavam sedutoras em minhas páginas lambidas por imagens inimagináveis. Eu te ensinei tudo o que precisavas dizer à tua imaginação. Nadei em teu céu. Bebi o sêmen de tuas alegorias. Cavei abismos na parede das fotos de teus ancestrais. Pintei o teu corpo inteiro. O que não entendo é que tenhas transfigurado as minhas curvas abissais em ângulos retos tão primários. Visitei o piano de tuas tintas pouco antes de tua morte e me vi como uma composição sem título. O tempo é a mais tísica de todas as ilusões. Eu jamais quis ganhar cores formas sons em teus braços. Lamento que me tenhas tornado uma cena errática de tua memória. Os teus pincéis me reconheceram além de todo o tempo e sua precária consumição.

 

ESCRITURA AUTOMÁTICA DE UM AMOR IMPOSSÍVEL

 

Antes que a luz desperte

rabisco em tua perna um cravo,

sem que saibas qual sentido lhe dar.

 

Antes que a palavra procure por si,

borro um pouco a sua marca,

talvez apenas para criar um mistério.

 

Já estaremos distantes do que fomos

no momento em que percebas

o rascunho na pele e sua intenção.

 

Jamais fomos a parte alguma

decidirás buscando apagar a mancha,

enquanto o enigma se disfarça.

 

A cada esforço por dissipá-lo,

diabólico se revela novo signo

que a leva a preferir recordar-me.

 

Não irei, no entanto, a lugar algum

antes que entendas que jamais estive

fora de mim quando o delírio era teu.

 

Nada no mundo importa pelo fato em si,

porém pela marca do cotidiano, visível

ou não, pela maneira como o suportamos.

 

Não há verdade alguma a ser defendida.

O mundo com seu urro dentro de cada um,

não passa de um oco que jamais abrigamos.

 

ESTRITAMENTE PRIVADO

 

Quando a noite borrou a última tocha

deu-me a incerteza de um desejo novo.

Vasculhei a casa vazia, nada ali restara.

Nem mesmo ilusão ou esquecimento.

Sequer um demônio preso no espelho

ou uma risca de sal na soleira principal.

Jamais uma morada tão ausente de si.

Um lugar para ervas morrerem à míngua.

Nem mesmo uma placa de vende-se

ou um parente ressuscitado pelo acaso.

Nada estava ali, negro ou branco, nada.

Pétala inquieta, sem vento ou fogão.

Nem mesmo a requisição de um abraço

ou o milagre dos laços perdidos, nada.

A casa não sabia a que sítio retornar.

Pela primeira vez dentro dela me perdi.

Talvez seja preciso dar nome ao abismo

ou esquecer de vez a fortuna imprevista.

Há muito, por mais que se procure a sós,

se foi a suspeita de que nada morre em si.

Viver nos pesa tanto quanto nos ilumina.

 

AUSÊNCIAS RASTREADAS ATÉ A ÚLTIMA VERTIGEM

 

Simulas tua queda dentro de mim, com seu orgasmo de tintas e livros gastos, escombros de vértebras e chaves cegas. Preparas um último verso em meu desmaio. Há muito não sonho com teus fantasmas azuis e, no entanto, em palavras mesquinhas teu enxame de cadáveres se apropria da miséria de meus dias. Já não sei como lidar com a eloquência de teus espelhos. Até onde esgotar o sangue dissimulado com que regas teus campos. Descarrilas em tuas pernas todo o ritmo de quimeras que rege a existência. Moscas regurgitam o útero aceso de tuas máquinas. Ciclos vorazes da soberba. Lábios metálicos consumindo frascos de metáforas anômalas. O mundo aos teus pés, as pás do silêncio, o pó das surpresas. Há muito não há mais cura ou motivo para estar aqui. Teimamos porque a noite não se vai, porque persiste um labirinto profundo e delicioso ou simplesmente porque não sabemos como apagar esta lâmpada aflita do desespero. O mundo não obedece a mais ordem alguma e quando um de nós toca seu fundo já não há mais princípio ou fim, nada que reconheça o mito da ressurreição. Tuas lágrimas são fulgores vãos. A indignação uma paisagem transtornada e exposta a um reflexo risível de sua comiseração. Antes que fôssemos essas ruínas azuis eu tanto sonhei contigo ao ponto de me confundir com tuas sobras. Caminhamos pelas cidades, rimos de tudo, nos sentimos alheios à indigência humana. Nada é conosco e até nos orgulhamos de nossa descendência suicida. Por que ainda insistes nisto? Eu nunca estive aqui.

 

CEDO OU TARDE O MUNDO PASSA POR AQUI

 

Deixei ir uma letra do poema até o limite de tuas ancas.

Uns versos ao subir pelas pernas já intuíam o paradeiro.

A tua pele rosna como uma salamandra cheia de ideias.

Espelhos cobram pedágio de uma nesga a outra do quanto

que percorremos sem saber onde chegar em teu corpo.

Eu desacredito do mundo quando estamos em silêncio.

Sorvemos as nuvens ao alcance das mãos, dos lábios,

como flores de um ímã que revelamos entre orgasmos.

Não soletres outra fauna em meus lábios senão a que me fia

em um calendário de pedras lunares, bilhetes e taças.

Selo teu destino em minha língua, vinho que regressa

à cena em que esmago uvas em teus seios espantados.

Todos retornamos ao palco de nossos gozos mais sagrados.

Quando me acendes a luz de tuas coxas, vejo que o poema

ainda não ultrapassou a casa do primeiro verso, um dom

que reprisa como o ofertório de seus abismos esquecidos.

 

IMPRESSÕES DESGASTADAS

 

O teu corpo não se despe de si mesmo.

Guarda consigo uma nudez que não se mostra.

Ilegível catálogo de abismos que meu olhar jamais frequentará.

O teu corpo sabe como me evitar.

Não importa quantas roupas eu lhe ponha ou tire.

Eu já te vi nascer de uma pedra ou de um tecido volátil.

O teu corpo sabe onde ficar em mim.

Posso rasgar, esculpir, mascar, rascunhar a tua sombra.

Ela repousa acima dos sonhos, das visões, até mesmo

de nossos encontros mais furtivos.

A tua sombra é uma incógnita que nos recria.

Eu sou a tua aberração posta à prova.

Quem acreditaria em mim?

Teu corpo atua em silêncio, tal um faquir que ama a si mesmo.

Eu desço as escadas de um porão que não se revela jamais.

 

POR VEZES A MORTE NÃO SABE ONDE SE ENFIAR

 

Eu tenho uma carta marcada dentro de ti,

que não se recompõe dos bastidores etéreos.

Um valete destinado a ser rei [pensa de mim].

Talvez não passe de um súdito ou impostor.

Móveis buscam pela casa a referência ancestral.

Não me encontrarás em parte alguma, nesga

ou vulto assistido por tua ansiedade. Não vim

para que me confundas com um fantasma.

Nem trago comigo herança ou celeste aconchego.

Eu vim te buscar para que te ocupes de mim.

Queres uma névoa, uma câmera de tortura,

crepúsculo ou filme baseado em fatos reais?

Não rezes por mim, não haverá outra chance.

Pensa rápido [o que queres]. Apenas estar aqui,

e deixar-se marcar pelo rigor da incompreensão?

 

SALA DE OCORRÊNCIA

 

Há tempos convivo com a relutância de teus pecados,

desabrigados orgulhosos da corrosão de seus minérios.

Eu jamais seria um tutor de descalabros, que saibam

os que me batem à porta buscando títulos para obras.

As línguas são heréticas ou meticulosas, fazem fama

graças à forma com que se multiplicam no assombro.

Comemos e bebemos por toda a cidade, festejando

os dias mais soberbos de nossa perene representação.

Somos um exemplo óbvio da ruína de todos os deuses.

Talvez eu ainda acredite na restauração de pigmentos

de mosaicos, sombras e vultos encardidos na memória.

Observo como os esboços perderam sandálias e asas.

A ausência de movimento é uma anunciação da morte.

Quando os pecados se veem sozinhos em uma sala,

sem a tridimensionalidade teológica que ali os colocou,

quase desesperadamente se entreolham, sem nada

no olhar que não seja uma mortalha de seus palpites.

 

DE VOLTA AO INTERIOR ONDE ME PERDI

 

Eu li o teu corpo quando ele ainda escorria de minhas mãos.

Celebrei suas dobras como extensão equatorial de um sonho.

A energia do instinto se multiplica como uma coleção de ímãs.

Quando a alma se ausenta eu conto os cadáveres precários,

o modo como o tempo se prolonga alheio a todas as falhas.

Arroz para núpcias, batata para guerra, farinha para degredo.

O homem encarcera a si mesmo como uma esperança faminta.

Atravesso a rua e uma deidade putrefata permanece na pele.

O que sentimos um pelo outro jamais moveu estrela alguma.

Nos exilamos de nós mesmos no transcurso de tantos gozos.

Algo no horizonte nos iludia, um desvio talvez de perspectiva

ou a combustão de nossos corpos nus em inúmeras camas.

Reconhecidos por uns fantasmas, éramos mais do que vítimas.

Estávamos ali antecipando uma expiação do que não seríamos.

Uma guerra difícil de se travar com a sombra que imaginamos

como um monumento que nos estraçalha em praça pública.

 

AQUÁRIO DE UM AMOR DESFEITO

 

Meus olhos estão voltados para o que ainda não pudemos ser. Os corpos se substituem a todo instante em nossa memória. Há muito enterrei a tua imagem que não podia estar aqui comigo. No entanto, surgem outras a povoar algumas encruzilhadas. Nossos espíritos se envolvem em matanças pelo ouro sagrado. Qualquer luz relata uma escuridão musgosa que lhe antecede. Releio tuas palavras, espalhadas pelo tabuleiro de meus ossos, não correspondo a teus desmaios, não quero que me afogues. Quero estar aqui em segundos, quando despertes de um orgasmo. As noites jamais estiveram conosco, quando a terra se lamenta do porvir. Corpo algum remete a si mesmo em sua intimidade. Meus olhos estão voltados para o que jamais contamos em nós.

 

A IDEIA DE UMA TRADIÇÃO UNIVERSAL

 

As minhas terras anotam as tensões de teu olhar.

Eu quero que me banhes como uma flor na primavera.

Um sonho descamado que se reproduz em mil

declarações de que o céu ainda existe. Eu quero

as tuas assinaturas entrando por todas as páginas.

Não se trata de descrer ou descrever, o que vivemos

está além da memória ou da coragem de uma renúncia.

As minhas termas anotam o calor de tuas entranhas.

Eu quero o teatro completo de teus dons. As estações

celebram suas escadas como um rito se despindo.

As noites ainda existem em sua beleza demoníaca.

Guardo as minhas anotações fora do tempo, chove

sobre as letras com que reproduzo teu exato nome.

Insisto. Não se trata do quanto me encontras transcrito.

Se tens que chorar, que o faças em mim. Graças à fúria

de tua natureza proscrita. Graças ao símbolo, graças

ao estrondo silencioso de nossas asas em pleno voo.

Eu te amo, não vês? Não terás que me matar tão cedo.

 

A CADA UM SUA ÚLTIMA APOSTA

 

Redigi as tuas últimas súplicas e ainda nem havias chegado.

Intuí que estavas te desfazendo como um mercado de ícones.

Qualquer noite transborda, não importa o plano declarado.

Tudo em nós tende ao excesso, e por vezes o prazo expira.

Repeti teu nome mil vezes por onde passei, nenhum espanto.

Atraquei em poças instigado por teu chamado, louça suja

denunciando na cozinha os dias que nos separam do prazer.

Sempre fomos o açougue de nossos males, a carne expiada

de nossos símbolos de resistência. Em que leito me queres?

Sempre quando dou por mim ainda estás por vir. Devo ser

a lontra apaixonada por um ventilador com a pilha gasta.

Diz o teu nome aqui baixinho. Prometo ser forte o suficiente

para aceitar a ideia de que jamais tenhas pensado em mim.

Quantos somos em uma barcaça que desconhece seu rumo?

De um modo ou de outro, não vamos nunca a parte alguma.

Descobrimos um jeito de ser a impossibilidade do movimento.

 

INVERSÕES MÍSTICAS NA CASA DA DESTRUIÇÃO

 

Se a virtude reconhece perigo em tudo, onde se escondem

as representações? Onde os princípios temem a coincidência

com os fins? Onde a pá do mistério se guarda à espera

do símbolo que a resgate de seus tormentos descuidados?

Escavo a silhueta do mal como uma dissonância desperta

enquanto a noite se disfarça em trevas e corredores frios.

Eu te escuto em minha medula, tocas em meus elementos.

Sou patético e furioso quando não correspondes à luz

dominante que consagro aos nossos encontros, diáfana,

quando me sugas as genitais e não mudo de cor ou tribo,

os meus signos possuem todas as joias e não me verás nunca

sob os hieroglíficos de tua alquimia fortuita. Vem cavar

comigo um crepúsculo que nos represente, a crisálida

fugidia em um copo destinado ao despenhadeiro da alma.

A virtude é uma destruição ambígua. A tapera sagrada

onde deixar o amor para que perca a noção de si mesmo.

Somos devorados pela virtude, até que não reste mais nada.

 

CARTAS DE UM DEVANEIO OCIOSO

 

Trouxe comigo as duas versões de teus pés.

Uma delas era a discreta figura de um totem

fingindo bailar em uma noite repleta de magos.

A outra se recusou a despir qualquer sigilo

antes de provar uma iguaria de imagens fortuitas.

Teus pés relutam em revelar a duração da vida.

Concentrado em sensual astúcia um deles ilude

com talentos ocultos e uma prudência maculada.

Beijo o polegar do outro lhe evocando a ambição.

Se fecho os olhos suas gravuras se harmonizam.

Do contrário, não me tomam em consideração.

Os teus pés insistem em percorrer um mundo

alheio às trilhas que cavouquei para sua palma.

E quando eles falam comigo eu ainda não existo.

Se o futuro aduba sua obsessão por nós dois

leio que um dia por aqui passamos as páginas

de uma previsão ociosa. De tanto beijar teus pés

os magos consideraram uma arte esquecer o tempo

dos verbos que pisaste com uma versão ou outra.

As melhores riquezas são frutos da desobediência.

Eu beijo os teus pés, sem indagar para onde vão.

 

RETRATO CÉLEBRE DO OCULTO

 

Os pombos relutam. As estrelas perdem a fé.

Amontoei retratos na pedra. Fato ilegível.

Faz tempo que não te vejo em meus sonhos.

As praças redistribuem seus livros. Chove.

Há muito sou um ramo de tua instabilidade.

Desapareces de mim aos poucos. Um proveito

de páginas que ninguém saberia explicar.

Cortinas são uma contaminação de imagens.

A luz não revela mais do que a escuridão.

Cada uma encoraja seus pormenores,

como fatalidade pecaminosa ou fraude.

Há muito meus olhos aprenderam a não ver.

Antes mesmo que as estrelas perdessem a fé.

Os pombos sonham com deuses menores.

Retratos são a última fonte de legibilidade.

Não faço a menor ideia se habito teu desejo.

Mas estou aqui. Chove. As praças somos nós.

 

BORRÕES DA MEMÓRIA

 

Li em tua mão uma data imprevista para não nos revermos. Não demorou muito para que teu pulso depusesse o prazo. Cercados de presságios, coçávamo-nos até que germinasse a mais rústica semente da ociosidade. O teu polegar suspenso imitava a enganosa concordância de um lagarto na parede. Nenhum de nós ficaria preso à própria existência, decorrida ou não. Pequenas sombras móveis ajudam a premonição a se disfarçar em arcanos egípcios e outras clarividências rejeitadas. A ciência passeia por nosso corpo como um peregrino arruinado. Cartas levitam diante de nós formando o espinhaço do assombro. Guardo em mim as tuas dúvidas até que se dissipe a névoa. A tua mão ainda corresponde ao desassossego de meu ser. Não importa o motivo, jamais voltaremos àquele velho abrigo.

 

O INFERNO SOMOS NÓS MESMOS

 

Meus verbos se escangotam em teus precipícios, velas gastas

que em ti aprendem a iluminar a intimidade de seus males.

Os teus reflexos são a instância máxima de meus delírios.

Aprendi a não cobrar do mundo senão suas penas capitais.

Como um trampolim dos hábitos possessivos da linguagem,

eu te deixo sonhar com sementes cegas e uma alma podre.

Dias e sílabas desconhecem ao lado de quem despertam.

Buscamos a fadiga ideal onde fulminar nossos pecados.

Falas dentro de mim e me deixo atropelar por tua sede.

Graças à essência da ilusão, nos encrespamos frente a névoa

dos mais harmoniosos resumos de nossa existência.

As noites trasladam delírios de um tijolo a outro da mesma

cidade erguida apenas para tornar aceitável nosso amor.

Até quando serei teu anjo? Até quando o massacre

fortuito de tuas janelas e a vibração de tanta melancolia?

Meus verbos acabam por inocentar as tuas culpas prescritas.

Não validamos a noite. A corte se contorce, igrejas soluçam,

a palidez retribui seus sapatos impregnados de dúvida.

Apenas o descalabro articula sua farsa de resignação.

Nenhum de nós sabe a que ponto chegamos. E seguimos.

 

NOITES SE LAMBEM COMO GATOS

 

Os diabos contam por dentro um rumor que define nossa pele.

Uma febre por vezes encardida, por outras muito mal lembradas.

Cada cor vai mudando sua púrpura, metal de latência, hóstia,

ao ponto em que a mesma história se iluda contada a rodo.

Quantas vezes dizemos o que somos sem estar em parte alguma?

Os diabos sabem à noite como recortar a melhor paisagem.

Quando estou com eles me sinto um portador de relâmpagos.

Porém não se demoram muito e levam consigo o que sonhamos.

Eu te esperei uma treva inteira do outro lado da ponte. Não,

não estavas, não estivestes nunca ali, até que eu me cansasse

de crer em mim como uma resposta ao amor incondicional.

Os diabos coletam a inocência como garis de uma rua gasta.

As noites iludem a febre com suas lâmpadas frias. Recordo

teu olhar disfarçado, porém nada em ti me vê como antes.

 

À NOITE NÃO LHE RESTA SENÃO ILUDIR

 

A noite quebrada se estende toda. Busco artérias onde lhe recuperar o vazamento. A escuridão adentra as ideias de uma vida solitária. Sonhos entrelaçados de modo que nunca se explicam. Eu sinto a presença de teu nome enevoado. Umas letras me juram que são teu corpo chegando até mim. Tudo é meio escuro e parece que te quero mesmo assim. Nuvem retorcida como um animal perdendo uma pata. As imagens perdendo ideia do que são. Quantas vezes apelamos à noite para que nos revele? Sua relutância entende que não estamos em parte alguma. Decerto a ausência revela tanto quanto a sombra de um cajueiro. Mas há um instante em que as coisas não são apenas o seu contrário. É quando a noite se livra de seus fantasmas. Quando o dia deixa de procurar por si. Ainda estás aí, meu amor? Estarei sozinho agora? O que é feito do mundo senão arrependimento, remendo e esperança? A obsessão é a afirmação de uma fragilidade. Os deuses são a hipótese mais falaciosa de nossa mudez.

 

EXTENUANTE TRIBUNAL DA PERSPECTIVA

 

Eu dei ao acaso uma noite à espera de teu nome.

Deixamos alguns símbolos alheios ao arbítrio,

guardados como um adversário impulsivo.

Apenas o universo das máscaras era tolerável.

Ainda que afetados, improvisamos as notas

que nos levariam de uma transfiguração a outra.

As tuas coxas, vistas de qualquer ângulo, erram

como um monólogo desesperado, e vejo daqui

os símbolos em que sofismam sua existência.

Hierarquizamos a falácia para que nada nos separe.

Eu corro lento para dentro de ti, e não me alcanças

quase nunca graças à velocidade de tua preguiça.

Do que devo te chamar então, decantado infinito?

Decerto de alguém que não imagine quem somos.

 

VENTOS CONVULSOS

 

As tuas luzes dão início a um velho truque de fogos.

Eu trago de volta para as cadeias mais obscuras os planos

em que os signos se despiam em roupeiros invisíveis.

Escuto os rumores da sombra estancada do mistério.

Era assim como eu regava teu ventre receoso de luzes menos viscosas,

o agouro de suspiros que se escondiam por trás dos móveis,

águas com línguas semelhantes a punhais que se desprendiam de tua pele.

A noite inteira eu rascunhei no tronco das árvores o musgo de tua alma insaciável.

Para que sejas em mim a mulher que sempre masquei em vislumbres.

A moeda faminta pela paisagem do próximo encantamento.

A exaltação ilusória do que tateamos na pele [por dentro] como um caramanchão de renúncias impossíveis.

Antes. Bem antes de abordar a convulsão de teu olhar.

Eu vi os teus bairros elucidando profecias, o teu sangue educando o vento, as noites aprendendo a ir e vir,

enquanto me tens aqui e te olho e acendo tuas luzes em meu íntimo

como um velho truque de fogos que nos livram da asfixia.

 

ÚLTIMO TRAGO COM A INSATISFAÇÃO

 

As noites se espatifam dentro de si sem darem por conta de seus reflexos. O instante é tudo menos imaculado. Meus motivos jamais tiveram em conta seus pecados. Tua nudez dedilhando o vidro da memória de nossos dias comuns rasgam a garganta do tempo entre espantos desesperados e um enigma retraído que ninguém ousa explicar. O teu corpo sobe e desce, perambula, se desanca, como se fosse a última canção. Quem buscaria um álibi para uma noite assim? Usa os teus créditos na adega planetária. Os enganos não se cansam de frequentar o baile de efemérides. Dá-me teu nome, não importa qual seja. Beija bem aqui. Não deixe a tua sinceridade acabar conosco. Não me deixes fora de teus versos. Meus reflexos são teus.

 

TRIÂNGULO DE ESPELHOS

 

A sombra da noite é um caminho tomado pela navegação,

fúria e glória do que pomos a dormir enquanto avançamos.

A memória passeia pela proa carregada de medos e ilusões.

As noites se confundem como uma lembrança enfurecida.

Ninguém lembra quem foi. Todos querem apenas vir a ser.

A história é uma fábula envolvida com outros fantasmas.

Uma inundação de imagens que não correspondem ao asilo

imperativo de nossos joelhos inconfessáveis, agulhas nuas,

sopa inundada de ervas que nos deram a cada perda um ás.

O mundo não sobrevive a uma simulação, reinado inquieto

ante febres, vermes, gastos excedentes, tristeza sem olhos.

Algo em nós faz uma última chamada antes de desaparecer.

Não sei o caminho que me leva para longe de ti, um lagarto,

a imagem ensopada de um deserto onde não te reconheço.

Erguemos uma estalagem para abordar todas as miragens.

O incêndio é uma cobiça. A fraude é uma fábula rústica.

Jamais sabemos ao certo do que estamos nos desfazendo.

 

A CORTE MAL DISFARÇA SUA APREENSÃO

 

As noites se comportam como um confessionário piedoso.

Os dias são encarcerados até que provoquem um sentido

de liberdade cuja oferta seja unânime e descarne a ilusão.

Qualquer um que interprete as leis humanas depreende

sua impossibilidade de curso. Vivemos de encomendas

e impulsos, comércio de interpretações que faz do homem

de hoje um exemplo para que não haja controvérsia na lei.

Não importa que fiquemos cegos de tanto amar, ou que

fracionemos o convívio para melhor atender ao mistério.

Entendemos tudo errado. A natureza ou a imaginação

não se protegem de si mesmas ou da projeção da ansiedade.

Eu não estou aqui em nome do que me desconhece.

Todos nossos sentidos estão postos na persistência do ser.

Não vejo redenção para teu simulacro que não seja a nuvem

que não reconheces na palma de teu cajado ou no sacrílego

limite desafiado por teu olhar esta manhã. Eu espero.

Não importa o que escrevas: empório do mundo desfeito,

elevação do inepto em uma saga decaída, a mais falsa

ideia de que a fração do ser é parte condenável de tudo.

O que torna o homem o mais perigoso de todos os animais

é que ele é o protocolador da representação de si mesmo.

 

FÁBULA DO DEFINITIVO ININTERRUPTO

 

Quantas luzes escurecem o que veem? Um tropel de imagens

parece salvaguardar a cena de seus perigos mais insondáveis.

Como livrar-se do tempo ao qual preferimos nos incorporar?

As contradições se debatem em silêncio. A solidão e a vingança

adotam os mesmos métodos, como um espírito sem trégua.

Moral falida, ludíbrio religioso, trapaça política, o que somos?

Ninguém faz a menor ideia física do labirinto que cavamos.

A maior ameaça ao que somos é o que permanecemos sendo.

Nenhuma linguagem tem problemas consigo mesma, até que

uma paródia revele os privilégios de seu lúdico assentamento.

Não é uma filosofia do torpor ou um horror modificado amiúde,

um atentado contra o humano ou a putrefação de valores.

Eu estou exausto, diz o homem ao recriar-se uma última vez.

Quem pode nos identificar a partir daí? Quantas luzes nascem

naquele ponto indistinto em que a escuridão se desfez de si?

 

NÃO SOMOS AS TESTEMUNHAS MAIS CONFIÁVEIS

 

Quantas noites guardamos para que em outro momento

nos contem sua versão do que se passou em nosso íntimo?

Não por ser melhor adiar a compreensão do que somos,

mas talvez porque amanhã não tenhamos noites iguais.

A história não sabe tirar proveito de si tanto quanto a arte.

Profanações de túmulos jamais alcançarão o mesmo êxito

que os enigmas infiltrados na pele de quem amamos.

Os mortos nem sempre estão dispostos a contar a verdade.

Os vivos se recusam a passar as páginas da imaginação.

A intimação é uma sujeira da alma, repetem uns. Há sempre

alguém que ama a imundície de suas metáforas, dizem outros.

Quantas vezes evitamos aceitar o que houve entre nós?

Esvaziamos a casa para que se sintam alheios os fantasmas.

Mal preservamos uma cópia esmaecida de tantos planos.

Ortografia indecifrável do desejo, lírica doutrina do temor.

Não sairemos daqui melhores do que na noite escrita

em que fomos extraviados como personagens irreconhecíveis.

O estereótipo é uma graça súbita, jamais um plano moral.

 

TRIUNFO DOS ARCOS

 

O teu corpo oculta palavras que ninguém ousa reconhecer.

Pequenos cofres que amanhecem com a chave dentro de si.

Sigilos de um mecanismo de janelas representadas por uma escrita invisível.

Mapa de símbolos invertidos.

Os teus casebres úmidos se preparam para receber novas magias.

Um de nós claramente soletra contrastes e paradoxos,

enquanto o outro celebra as peças colocadas em um ninho de hábitos.

Assim vamos revelando o incognoscível de nossas carícias.

Tu me procuras em elementos semelhantes.

Eu apuro a prata de teu êxtase.

Deitamos no mesmo altar de sacrifícios a espiral dupla e o relógio de areia com que nomeamos a vertigem de nossos seres.

Galopas em minha pele com teus dentes, eu regurgito tuas flechas tão logo cumpram seu destino.

Sinto a febre elétrica de tuas acrobacias em meu ventre.

Os meus seios cometem perjúrio em tua boca.

As portas que não ousem chegar fora de hora.

A reconciliação é uma superstição desesperada.

Ninguém entra. Ninguém sai. Pelo menos até a compreensão de que é impossível dissolver-se em si mesmo.

 

SOCIEDADES SECRETAS DO SILÊNCIO

 

Deixei à mão carvão suficiente para que me reformes

a alma putrefata, a semelhança viciada e essa dor

que trago no joelho como se engolira uma espada.

Se demoras muito a descobrir a cabana certamente

não haverá mais roupas limpas ou água aparada.

O mundo continua a vagar por tempo insuficiente.

Não desonres os obstáculos ou te orgulhes do fogo

restado na língua alcoviteira de um carvão majestoso.

As virtudes lavam a roupa no riacho mais próximo.

Só a fênix insiste em ficar em casa, com seus trapos.

Há muito planejo uma viagem com toda a família.

Porém o dia se desfaz de suas roupagens e salta

de um acaso a outro, como quem perdera o mote.

Eu espero que encontres sob as mantas alinhadas

umas linhas que não pude evitar: um dia estive aqui

e imaginei que pudesse te amar sem nada poupar.

Ainda creio que seja possível alcançar-te em vida,

não importa qual ou onde, a realidade não tem fim.

Por mais que a simulemos, ela se mantém indecisa.

 

LÁBIOS RASGADOS DA MEDITAÇÃO

 

As sombras se parecem as mesmas sentenciadas sob a luz,

um estranho modo de garantir a repetição a todo custo.

Tanto que sonhamos com um mundo de sombras desiguais,

jardim de formas selvagens jamais circunscritas à realidade.

No entanto viemos dar em naufrágio de reflexos viciados.

Os beijos que ainda nos damos, as cicatrizes que não fecham,

veículos castigados pela mesmíssima rota dos desencantos.

Minha fantasia é recolher-te no varal das noites mais remotas.

Sempre sonhamos com a quimera, volte ou não a viagem.

Meu corpo toma o teu com uma admiração quase infinita.

Não deverias beijar-me a boca senão como um guizo abissal.

Devemos aprender a inexistir em nossas paisagens ulteriores.

As tuas cavidades se multiplicam em meu celeiro extasiado.

Cruzo a tua carne como um fantasma refazendo as trevas.

Não deixes o tédio, a virtude ou a esperança vestir tua nudez.

Vem comigo antes que eu recrie a tua eternidade em mim.

 

RESERVAS BARROCAS DE UM ATO HERÓICO

 

Os sonhos rabiscam em tua pele repleta de noites.

Alguns milagres despertam um pouco antes da hora

e zombam do destino que se pôs ali à sua espera.

Uma revoada de planos acoberta a dor dos pesadelos.

Ninguém procure acalmar a ira obsoleta das visões.

Será sempre uma falácia defender a eficácia da arte.

As intenções correspondem à resignação do vazio.

É falso afirmar que uma vocação nos trouxe até aqui.

A abundância dos disfarces dilacera todo espetáculo.

Olho o que julgo ser meu reflexo e ali não me encontro.

Não é preciso ser tudo ou mesmo decifrar os crimes

de amor e linguagem. As noites sepultam a origem

das mediações vorazes, do catálogo de perdas

e da mais gentil obsessão por não voltar jamais aqui.

Sequer o sonho morrerá duas vezes em teus braços.

 

LAPSOS DE SOMBRAS

 

As noites morrem melhor na casa ao lado. Eu criei um verbo para estar sempre aqui. Tocando a árvore, mascando a terra, coçando o enigma da memória quietinha que buscava sempre ser outra. Uma pedra roubada antes que a noite desse por conta, sob a veste das nódoas do que aceitamos como atributo religioso. Não posso dizer que nenhum de nós foi prisioneiro de suas paixões. Nós deslacramos os significados. A urna sagrada das razões de ser. Toda imagem que o mundo nos revela é incerta, esta é a sua trêmula convicção. Deus escorre por um lábio e outro de tudo quanto admitimos. Nosso verdadeiro nome é deslize. E a fanática ideia de perfeição se gasta como um bordão que não consegue refrear-se. Todos os nossos méritos são contraditórios. A linguagem é um clichê, um sintoma, a lição de uma consequência inevitável. Não posso ir além do que fui. Talvez possa ser menos. Mas quem evitaria em mim tudo o que ambicionei? O enigma que sou, jamais esperei que alguém o resolvesse.

 

CRENÇA QUE DESAPRENDEMOS A SER

 

Quantas vezes uma utopia suporta ser refeita?

Em seu rosto lemos a gratuidade da própria falência

de humores e exaltações. Como redigir em tua carne

uma teoria da indiferença? O que do amor se aplica

ao meu trabalho prático em nome da reconciliação?

Enumero meus gastos todos e perdas e descréditos,

como se houvesse uma saída ao arrendar o fracasso.

Quantos mundos recriamos com a mesma arte gasta?

Quantas vezes meu amor sobe até aqui e não me vê?

Sejamos bem objetivos sobre as reminiscências:

a dor é uma imprecisão e a verdade uma nebulosa.

A ideia de revolução é uma moral em ruínas,

um pergaminho que se desgastou durante a jornada.

Não somos senão um símbolo com uma pata faltando.

Mesmo as esculturas se tornaram estáticas e o gesto

mais solidário que alcançamos é um lamento afásico.

 

ESCANDALOSA ROUPA DA NOITE

 

O céu quer ir embora daqui.

Digam ao céu que a sua insubordinação é solitária.

O céu será reinventado. Não saberá tocar o corpo de ninguém.

A ausência do céu pode vir a ser suportável, posto que ninguém dera por sua presença.

Qualquer um de nós que ame o céu deve compreender que sua razão de existir está além do véu, do centro, do corpo, do sonho.

O céu simplesmente não pode ir embora daqui.

O homem elegeu por rival uma impossibilidade.

A casa cobra pedágio. A ressurreição se finge de morta.

Cada um acaba por descobrir como apagar os segredo de seu amor.

O céu não dá voz a ninguém. Com que vozes cantas para mim?

Já não restarão muitos de nós quando andares buscando galhos virgens na grande árvore dos sonhos.

Não são as noites que inventariam o inferno.

Um mercado de signos sempre protegeu a fraude.

Quantos renascem? Quantos desertam?

Quantos deles são a apólice do próprio naufrágio?

Os espelhos detestam visitantes inesperados.

 

RETÁBULO DOS ÚLTIMOS INSTANTES VIVIDOS EM TI

 

Procuro os rostos nos quais devo me despedir de tua astúcia.

A memória não pode ser uma nódoa derivada do infortúnio.

Renomeio hereges que saibam dar cabo do que jamais fomos.

A história ultrajada em tantos livros com páginas desfeitas.

Pastores de um verbo que semeia desprezo pelo mundo.

As torres são têmperas inconclusas na madeira insuficiente.

A noite continua a crescer por mais abominada que seja a voz.

Como palavras descascadas até a raiz profunda do assombro.

Eu te deixo guiando os meus abismos como uma harpista cega.

Um círculo decaído despido de seus prodígios mais intensos.

Profecia repetindo-se até o desgaste de crença ou milagre.

Queimo os pés espalhando pelo mundo um reflexo de cinzas.

Mosaico de quedas, unidade violentada, peregrinos bastardos.

Os réus são os mesmos viciados em toda forma de tormento.

Escreveste até que a palavra não me tivesse mais nada a dizer.

 

MONTANHAS GASTAS EM UM SERMÃO

 

Quais as crenças que me levaram a descarnar teus contrastes,

as razões negras e belas das transfigurações de um livro santo,

as pedras secularizadas em meu ventre como indecifráveis?

Envolvo teus seios como um pecado confiante em si mesmo.

A tua pele é um álbum de nádegas, uma teologia de orgasmos.

Eu não volto senão para despir os afrescos de tua memória.

As tuas mulheres são as minhas, os teus homens são os meus.

Não pode haver um contexto histórico sem a flor pecaminosa

dos erros, desvarios, inconstâncias, esmalte de pedras soltas,

ardilosa súmula de não encontrar jamais um passado sincero.

Os pelinhos nascendo em volta da obra prima de tua doutrina.

Tudo em teu corpo e alma se prepara para voltar a meu cais.

Não indago meu nome a nenhum símbolo ou tento decifrar

as razões de minha letra relatar certas mortes enigmáticas.

De algum modo, não há como o mundo arrepender-se de nós

ou como voltar a ser o que jamais seríamos de outro ângulo.

 

SÁTIRO ESCOLHIDO POR TEU CORAÇÃO

 

Sofre dentro de mim um gênio arrependido, um entulho de almas. Templos despedaçados escavam em pesadelos um futuro repleto de áreas penadas, arquitetura circundante em cujas vértebras se alojam cabeças humanas. A semelhança se enche de culpa e rejeita exorcismos e sessões de análise comportamental. Qualquer um de nós se eleva a uma altura onde não encosta o focinho da dúvida. Tuas sombras dão a volta no bairro em busca de um bordel adequado. Talvez alguém já tenha indagado como vamos sair desse juízo final. Quais são mesmo os últimos fantasmas a abandonar as caves do Inferno em chamas? Não vamos. Não vamos. O esqueleto gira como um sátiro. Vestimos e despimos as modelos, ofertando ao erotismo um lugar privilegiado. Há um espaço intraduzível entre a figura e o vulto que nos fornece a gravura preciosa que dedicamos ao mundo das fábulas mais excitantes como a última substância possível para que não soframos mais. Mesmo assim sofreremos. Porque as tuas nádegas são o milagre de minha existência. Porque o céu é a maior obscenidade que nossa vista pode conceber. Porque o riso é a prova de que o mundo é inesgotável. Condena-me à tua representação e não haverá nada que seja suficiente.

 

NATUREZA PERDIDA

 

O céu por noites não sabe onde dormir.

Eu me atropelo em suas cicatrizes astrais.

Por vezes suspeito da âncora de teu ser.

Quantos dias estando contigo renasço?

Uma brecha, que ninguém possa alcançar,

celeuma onírica, um expurgo, ninguém.

A memória se reparte: um asilo por vez.

A primeira tarefa será definir o revés,

o que deixa de estar em tudo que penso.

De quantos mundos um dia eu abdico

a ponto de tornar-me um ser destrutivo.

A quem importa, eu já não sou ninguém.

Como me refaço do que não pude ser?

Quem mais divide comigo esta angústia?

 

DOIS ASTRONAUTAS SIMULAM UMA ETERNIDADE IMPROVÁVEL

 

Deixei o crepúsculo cultuar o meu olhar,

como se eu pudesse ser a sua obsessão de retorno ao lar.

Escadas secretas indagam sempre quando as visões deixarão de flutuar no espaço

e alcançarão um poço onde viver.

Eu disse o teu nome com muito cuidado

para não assustar as visões,

porém o teu nome era um corvo que repetia insistentemente a paisagem.

Desde a janela que escavamos em direção à eternidade nossos corpos se tocam confundindo o que vemos.

Talvez assim não cheguemos a lugar algum.

No entanto, com o que vemos dentro de nós, quem iria querer outro pouso?

Nós somos uma noite fincada na tormenta da existência humana.

O que fazemos com ela é mantê-la à distância,

quanto mais deciframos os hieroglíficos de nossa tempestade amorosa.

 

A MAIS ANTIGA DAS NOITES

 

Eu deixei o teu corpo passar pelo casario das metáforas.

Decoramos o universo com a beleza crepitando no ventre,

olhos reconhecendo a atração de cada pele arfante,

gemidos aproveitando-se da confusão de dois corpos.

O meu inferno te abraça antes que durmas, a tua festa

salpica as vértebras e tropeços de suas palavras inaudíveis.

Eu te quero dentro de mim como um verbo sentado na pedra.

Não falo contigo até que decifre a ousadia de teus seios.

Quanto vale uma vida ao perder a noção dos desafios?

Do que foges, se já não significamos nada um para o outro?

As letras estão submersas à espera de um novo alfabeto.

Eu me ausento de ti para que saibas se deves retornar.

Nenhum de nós é a prova convicta da existência do outro.

As noites queimam um cenário a cada piscar de luzes.

Os rastros sentem saudade do que foram, porém dormem

como aquela testemunha piedosa que nega o improvável.

Meu nome está escrito com as mesmas letras que o teu.

 

 



 

 



A GRANDE OBRA DA CARNE

A poesia de Floriano Martins

  

1991 Cinzas do sol 

1991 Sábias areias 

1994 Tumultúmulos 

1998 A outra ponta do homem 

1998 Autorretrato 

1998 Os miseráveis tormentos da linguagem e as seduções do inferno nos instantes trágicos do amor de Barbus & Lozna 

2003-2017 Floração de centelhas [com Beatriz Bajo]

2004 Antes da queda 

2004 Lusbet & o olho do abismo abundante 

2004 Prodígio das tintas 

2004 Rastros de um caracol 

2004 Sombras raptadas [Coroa] 

2004 Sombras raptadas [Cara] 

2004-2015 Estudos de pele 

2004-2017 Mecânica do abismo 

2005 A queda 

2005 Extravio de noites 

2006 A noite em tua pele impressa 

2006 Duas mentiras 

2006-2007 Autobiografia de um truque 

2007 Teatro impossível  

2008 Sobras de Deus

2008 Blacktown Hospital Bed 23 

2009-2010 Efígies suspeitas 

2010 Joias do abismo 

2010-2011 Antes que a árvore se feche 

2012 O livro invisível de William Burroughs

2012-2014 Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]

2013 Anatomia suspeita da realidade 

2013 My favorite things [com Manuel Iris]

2013 O piano andou bebendo 

2013 Sonho de uma última paixão 

2013-2015 Breviário dos animais fabulosos fugidos da memória 

2014 Mobília de disfarces 

2014 O sol e as sombras 

2014-2015 Reflexões sobre o inverossímil 

2015 Enigmas circulares 

2015 Improviso para dois pianos [com Farah Hallal]

2016 Cine Azteka [com Zuca Sardan]

2016 Circo Cyclame [com Zuca Sardan]

2016 Trem Carthago [com Zuca Sardan]

2016 A mais antiga das noites 

2016 A vida acidental de Aurora Leonardos 

2016 Altares do caos 

2016 Breve história da magia 

2016-2017 Convulsiva taça dos desejos [com Leila Ferraz]

2016-2017 Obra prima da confusão entre dois mundos 

2017 O livro desmedido de William Blake

2017 Antigas formas do abandono 

2017 Labirintos clandestinos 

2017 Manuscrito das obsessões inexatas  

2017 O mais antigo dos dias 

2017-2020 A volta da baleia Beluxa [com Zuca Sardan]

2017-2022 Nenhuma voz cabe no silêncio de outra 

2018 Atlas revirado 

2018 Tabula rasa 

2018 Vestígios deleitosos do azar 

2021 Las mujeres desaparecidas

2021 Museu do visionário [com Berta Lucía Estrada]

2021 Naufrágios do tempo [com Berta Lucía Estrada]

2022 As sombras suspensas [com Berta Lucía Estrada]

2022 Las resurrecciones íntimas [com Berta Lucía Estrada]

2023 A casa de Lenilde Fablas

2023 Caligrafias do espírito

2023 Huesos de los presságios [con Fernando Cuartas Acosta]

2023 Inventário da pintura de uma época

2023 Letras del fuego [con Susana Wald]

2023 Representação consentida

2023 Primeiro verão longe de casa 


 

 

1991-2023 Mesa crítica [Prefácios, posfácios, orelhas]

2013-2017 Manuscritos


 

 

Poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, dramaturgo, FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957) é conhecido por haver criado, em 1999, a Agulha Revista de Cultura, veículo pioneiro de circulação pela Internet e dedicado à difusão de estudos críticos sobre arte e cultura. Ao longo de 23 anos de ininterrupta atividade editorial, a revista ampliou seu espectro, assimilando uma editora, a ARC Edições e alguns projetos paralelos, de que são exemplo “Conexão Hispânica” e “Atlas Lírico da América Hispânica”, este último uma parceria com a revista brasileira Acrobata. O trabalho de Floriano também se estende pela pesquisa, em especial o estudo da tradição lírica hispano-americana e o Surrealismo, temas sobre os quais tem alguns livros publicados. Como artista plástico, desde a descoberta da colagem vem desenvolvendo, com singular maestria, experiências que mesclam a fotografia digital, o vídeo, a colagem, a ensamblagem e outros recursos. Como ele próprio afirma, o magma de toda essa efervescência criativa se localiza na poesia, na escritura de poemas, na experiência com o verso, inclusive a prosa poética, da qual é um dos grandes cultores. A grande obra da carne – título emprestado de um de seus livros, é uma biblioteca desenvolvida como espaço paralelo dentro da Agulha Revista de Cultura, a partir de uma ideia do próprio Floriano Martins, de modo a propiciar acesso gratuito a toda a sua produção poética.


 

 

OBRA POÉTICA PUBLICADA

 

Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994.

Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994.

Alma em chamasFortaleza: Letra & Música, 1998.

Cenizas del sol [con Edgar Zúñiga]. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001.

Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001.

Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.

Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006.

La noche impresa en tu pielTrad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006.

Duas mentiras. São Paulo: Edições Projeto Dulcinéia Catadora, 2008.

Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008.

Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008.

A alma desfeita em corpoLisboa: Apenas Livros, 2009.

Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría, Colección Palabra Ibérica, 2009.

Autobiografia de um truque. São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2010.

Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010.

Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

Lembrança de homens que não existiam [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2013.

Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.

Overnight medley [com Manuel Iris]. Trad. ao espanhol (Juan Cameron) e ao inglês (Allan Vidigal). Fortaleza: ARC Edições, 2014.

O sol e as sombras [com Valdir Rocha]. São Paulo: Pantemporâneo, 2014.

A vida inesperada. Fortaleza: ARC Edições, 2015.

Circo Cyclame [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

O iluminismo é uma baleia [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Espelho náufrago. Lisboa: Apenas Livros, 2017.

A grande obra da carne. Fortaleza: ARC Edições, 2017.

Tabula rasa [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Antes que a árvore se feche (poesia reunida). Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Tríptico da agonia [com Berta Lucía Estrada]. Fortaleza: ARC Edições, 2021.

Las mujeres desaparecidas. Santiago, Chile: LP5 Editora, 2021.

Un día fui Aurora Leonardos. Quito: Línea Imaginaria Ediciones, 2022.

El frutero de los sueñosWilmington, USA: Generis Publishing, 2023.

Sombras no jardim. Fortaleza: ARC Edições, 2023.


 

 

Agulha Revista de Cultura

Criada por Floriano Martins

Dirigida por Elys Regina Zils

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

1999-2024 

 


 

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