sábado, 16 de dezembro de 2023

A GRANDE OBRA DA CARNE | O livro invisível de William Burroughs

 

 

(Noite fria de 11 de agosto de 1999. Teatro da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. Em continuidade ao Ciclo de Palestras “Os limites da literatura: autores rebeldes, excêntricos, marginais, malditos”, tem lugar a leitura dramática de O livro invisível de William Burroughs, uma colagem de textos de William Burroughs e Floriano Martins, realizada por este último. Os atores que participam são Graça Berman (Burroughs 1), Pascoal da Conceição (Burroughs 2), Claudio Willer (Burroughs 3) e Floriano Martins (Conferencista). Palco às escuras. No canto direito acende-se a luz de uma luminária sobre uma mesa tomada de papéis, garrafa de vinho, copo, cinzeiro. Nela se encontra sentado o Conferencista a remexer nos papéis. Acende um cigarro, põe vinho no copo, bebe. Enquanto isto vão entrando Burroughs 2 e Burroughs 3, pegando duas cadeiras espalhadas e sentando na outra extremidade do palco. Conferencista segue arrumando seus papéis, como se nada estivesse acontecendo ao redor. De um ponto à esquerda da plateia ouve-se a voz de Burroughs 1, compassadamente. Durante todas as cenas, sua voz será ouvida de distintos lugares da plateia.)

 

BURROUGHS 1 – Não há nenhum outro lugar para se ir

O teatro está fechado

Cortem linhas de música

Não há nenhum outro lugar para se ir

O teatro está fechado

Cortem linhas de palavra

Esmaguem as imagens de controle

Esmaguem a máquina de controle

 

(Burroughs 2 inicia um diálogo com Burroughs 1. Conferencista permanece arrumando seus papéis.)

 

BURROUGHS 2 – Sim, a vida é um corte. Toda vez que você caminha rua abaixo, ou mesmo olha pela janela, sua consciência é continuamente cortada por fatores fortuitos. Tento tornar isto explícito cortando palavras. Esta é a minha teoria sobre arte. A arte está alertando o homem sobre si mesmo, ressaltando os fatos atuais da percepção.

 

BURROUGHS 1 – Mas diga-me, meu caro Burroughs, acaso a capacidade de ver o que temos à frente é uma forma de escapar da imagem-prisão que nos rodeia?

 

BURROUGHS 2 – Decididamente, sim. Porém muito pouca gente tem esta capacidade, e cada vez serão menos, conforme passe o tempo.

 

BURROUGHS 1 – Por que?

 

BURROUGHS 2 – Por uma razão: a absoluta barreira de imagens a que estamos submetidos acabará por nos embotar a todos. Recorde, em comparação, que há cem anos havia poucas imagens. As pessoas viviam em um cenário mais simples, em um meio ambiente camponês, tropeçavam em poucas imagens, e essas poucas eram vistas com bastante clareza. Porém se alguém é bombardeado, sem descanso, com a propaganda inscrita nos caminhões ou táxis que passam…

 

BURROUGHS 1 – …com as imagens da televisão e dos jornais…

 

BURROUGHS 2 – …sim, com as imagens da televisão e dos jornais, esse alguém acaba embotado. Forma-se uma névoa permanente diante dos olhos e já não se vê nada.

 

BURROUGHS 1 – E o que se deveria ver?

 

BURROUGHS 2 – Que não há nada interposto entre uma pessoa e a imagem. Um granjeiro vê suas vacas de verdade: vê o que tem diante de si e o vê bem claro. Não é um problema de hábito: o problema é que algo se coloque entre alguém e a imagem, de tal forma que o impeça de vê-la. Não quero dizer que o granjeiro tenha nenhum tipo de identificação mística com a vaca, mas sim que sabe quando a vaca não está bem. Ele sabe tudo o que se refere à vaca, a forma com que a vaca lhe é útil e como se encaixa em seu meio ambiente.

 

BURROUGHS 1 – Todo esse desejo de clareza não entra em conflito com as infinitas possibilidades exploratórias de teu método de criação?

 

BURROUGHS 2 – Quando a gente fala de clareza na escritura, de uma forma comum, refere-se à trama, à continuidade, à apresentação, ao nó e ao desenlace, à adesão a uma ordem lógica. Porém as coisas não ocorrem por acomodação a uma ordem lógica. Nenhum escritor que pretenda aproximar-se do que verdadeiramente ocorre na mente humana e no corpo de seus personagens pode restringir-se a uma estrutura tão arbitrária como a ordem lógica. Joyce foi acusado de ser ininteligível, e note que se limitava a apresentar apenas um nível de fatos mentais: o monólogo consciente sub-oral. Penso que é possível criar acontecimentos polinivelados e personagens que o leitor possa compreender comprometendo seu ser orgânico.

 

(O diálogo é interrompido pela voz de Burroughs 3, à direita.)

 

BURROUGHS 3 – A estrada é tortuosa e improvável. A passagem hoje fácil é a ratoeira de amanhã. O caminho óbvio, a maior parte das vezes, é o caminho dos tolos. E cuidado com os caminhos do meio, os da moderação, do bom senso e do cauteloso planejamento. Contudo, isso não quer dizer que não haja sempre tempo para a moderação, o bom senso e o planejamento. Pode-se afirmar que qualquer plano de imortalidade que não dependa do prolongamento da vida do corpo físico, do seu remendo e conserto, como se faz com carros antigos, é a pior forma de planejamento que existe. É como apostar em um favorito e dobrar a aposta quando ele perde. Em vez de uma pessoa se separar do corpo, a pessoa passa o tempo a afundar em seu próprio corpo, tornando-se assim cada vez mais dependente dele: dependente de cada respiração roubada aos pulmões transplantados, de cada ejaculação do renovado falo, de cada excreção dos intestinos novos. Só que o caminho das transplantações atrai idiotas que se fartam. Assim é que são muito poucos os peregrinos que chegam vivos à cidade da Última Oportunidade. Preguiça, indulgência, álcool, vícios de toda ordem, velhice, estupidez, tudo isso são obstáculos. Mas a falta de uma coragem especial é a principal barreira, a única que é insuperável: a coragem de enfrentar o opositor, o inimigo final. Sem tal coragem, nunca se chega à Última Oportunidade. Nem se consegue voltar ao princípio. E para se sair da Última Oportunidade é necessário ser o vencedor de um duelo travado até à morte.

 

BURROUGHS 1 – Quem fala?

 

BURROUGHS 2 – O que diabos importa?

 

BURROUGHS 1 – Quantos de vocês estão aqui?

 

BURROUGHS 2 – O que diabos importa?

 

BURROUGHS 1 – Quantos?

 

BURROUGHS 2 – Nem se consegue voltar ao princípio.

 

BURROUGHS 3 – Nós, poetas e escritores, somos muito arrumadinhos. Desaparecemos nas noites de vaga-lumes, um passeio e um apito de trem ao longe. Vivemos dentro da empregada que descasca um ovo cozido para alguém convalescente há muito curado. Vivemos no último e no maior dos sonhos da humanidade.

 

BURROUGHS 2 – O que diabos importa?

 

BURROUGHS 1 – Quem fala?

 

BURROUGHS 3 – Eu vivia em um quarto no bairro nativo de Tânger. Não tomava banho havia um ano, nem trocava minhas roupas ou as tirava do corpo, exceto para espetar uma agulha de hora em hora na carne de madeira fibrosa e cinzenta do vício terminal. Nunca limpei ou espanei o quarto. Caixas de ampolas vazias e lixo se empilhavam até o teto. Luz e água tinham sido cortadas havia tempo por falta de pagamento. Eu não fazia absolutamente nada. Conseguia olhar para a ponta dos meus sapatos por oito horas seguidas. Só me movia quando terminava a provisão de droga. Se um amigo ia me visitar, eu ficava sentado, sem me importar que ele tivesse entrado no meu campo visual, ou que saísse dele. Se morresse ali, na minha frente, eu ficaria a olhar para o meu sapato, à espera de poder revistar seus bolsos. Você não? Pois eu nunca tinha droga suficiente. Ninguém jamais tem.

 

BURROUGHS 2 – Eu estava simplesmente pronto para me acabar.

 

BURROUGHS 1 – Alguém raramente aparecia?

 

BURROUGHS 2 – Tolo.

 

BURROUGHS 3 – O que restava para ser visitado?

 

BURROUGHS 2 – O que diabos realmente importa?

 

(Apagam-se as luzes sobre as duas cadeiras, enquanto no centro do palco, mais ao fundo, um filete de luz incide sobre um caixote no qual se encontra um boneco de ventríloquo. Ouve-se então a voz de WB, em off, lendo “T’ ‘ain’t no sin”. Enquanto isto Burroughs 3 perambula por todos os lados do palco, imitando com deboche o jeito de WB ler. Ao final do poema, ouve-se sua própria voz, relendo o poema de maneira bastante caricatural. Ao concluir a leitura, retorna a seu lugar.)

 

 

(T’ ‘AIN’T NO SIN)

 

When you hear sweet syncopation

And the music softly moans

T’ ‘ain’t no sin to take off your skin

And dance around in your bones

When it gets too hot for comfort

And you can’t get an ice cream cone

T’ ‘ain’t no sin to take off your skin

And dance around in your bones

Just like those bamboo babies

Down in the South Sea tropic zone

T’ ‘ain’t no sin to take off your skin

And dance around in your bones

 

 

(NÃO É PECADO)

 

Quando você escutar tão doce síncope

E a música lamentar-se suavemente

Não é pecado arrancar sua pele

E dançar ao redor de seus ossos

Quando ficar muito quente e desconfortável

E você não conseguir um sorvete de casquinha

Não é pecado arrancar sua pele

E dançar ao redor de seus ossos

Assim como aqueles agitados garotos

Na área tropical dos mares do sul

Não é pecado arrancar sua pele

E dançar ao redor de seus ossos

 

(Apaga-se a luz, permanecendo acesa apenas a luminária sobre a mesa. Tem início a primeira parte da conferência. Quando da leitura dos trechos entre parênteses, Burroughs 2 se movimenta em seu lugar como se fosse ele que estivesse falando. Durante toda a conferência será projetado um vídeo com uma montagem de alguém escrevendo, recortando, colando textos e imagens, exceto durante os trechos entre parênteses quando o foco do projeto é coberto por uma mão.)

 

CONFERENCISTA – O que se passa em sua mente? Nada comparável a isso. As ideias distintas que podemos ter acerca do mesmo símbolo. Duas ou mais noções da origem de um mesmo objeto. Descartes havia chamado a atenção para as ideias do sol que podemos ter em nossa mente, ou seja, as ideias acidentais e as ideias conceituais, criadas a partir de algumas noções que trazemos inatas em nós.

 

(Descobri que quando estou preparando uma página de meu álbum de recortes, quase invariavelmente sonho à noite com alguma coisa relacionada a essa justaposição de palavra e imagem. Na verdade, o sonho não passa de certa justaposição de palavra e imagem. Em outras palavras, tenho me interessado precisamente pela movimentação de palavra e imagem em linhas de associação muito, muito complexas. Faço uma porção de exercícios naquilo que chamo de viagem no tempo, tomando coordenadas, tal como o que fotografei no trem, o que eu estava pensando naquele momento, o que estava lendo e o que escrevi. Tudo isso para ver o quanto eu consigo me lançar de volta, completamente, naquele determinado ponto do tempo.)

 

Segundo a astronomia, não existe matéria nova no universo, estando todas as formas constituídas dos mesmos elementos já conhecidos por todos nós. O que vale para classificar as estrelas talvez possa ser igualmente útil para entender a mente humana.

 

(Os álbuns de recortes e a viagem no tempo são exercícios para expandir a consciência, para me ensinar a pensar em blocos de associação mais do que em palavras. Recentemente passei um tempo estudando sistemas hieroglíficos, o egípcio e o maia. Todo um bloco de associações… bum!… assim! As palavras – pelo menos do jeito que as usamos – podem ser obstáculos ao que chamo de experiência incorpórea. Já é tempo de pensarmos em deixar o corpo para trás.)

 

Se eu retorno a distantes ambientações de minha memória, percebo formas idênticas à que concebo hoje, vibrando em um mesmo ritmo, o que certamente me permite especular sobre as formas que um dia conceberei como aparentemente novas.

 

(O que quero fazer é aprender a ver mais o que está lá fora, a olhar para fora, atingir tanto quanto possível uma completa percepção do que nos cerca. A maioria das pessoas não vê o que está acontecendo à sua volta. Esta é a minha principal mensagem para os escritores: pelo amor de Deus, mantenham seus olhos abertos. Percebam o que está acontecendo à sua volta.)

 

A criação artística alcança um estágio além do pessoal, porque depende de um processo de ordenação que é principalmente inconsciente e, portanto, não desejado deliberadamente pelo artista. O fato da criação artística ser um produto do cérebro, isto não significa que deva ser voluntária. O cérebro opera de uma maneira misteriosa que não está sob o controle voluntário. Às vezes devemos deixá-lo em paz para que funcione ao máximo.

 

(Se Nova Express é um cut-up de muitos escritores? Joyce está lá. Shakespeare, Rimbaud, alguns escritores de quem as pessoas não ouviram falar, alguém chamado Jack Stern. Há Kerouac. Não sei, quando você começa a fazer essas dobraduras (fold-in) e recortes (cut-up), você perde a conta. Genet, claro, é alguém que admiro muito. Mas o que ele está fazendo é prosa clássica francesa. Ele não é um inovador verbal. Também Kafka, Eliot; e um dos meus favoritos é Joseph Conrad. E Richard Hughes. Quem mais? Espere um minuto, vou checar os meus livros de coordenadas para ver se há alguém que esqueci.)

 

Haveria então uma lei da causalidade, o que fundamentaria a noção de unidade orgânica do universo. O recorte de um cérebro ou de uma estrela não se distinguiria pela substância de que é feito, mas sim pelo movimento que proporcionaria a tudo que estivesse à sua volta.

 

(Esse não é o modo como ocorrem as coisas. Sinto que a construção aristotélica é uma das grandes algemas da civilização ocidental. Os cut-ups são um movimento em direção à derrubada disso.)

 

Os arquétipos que o poeta concebe durante seus sonhos ou estados de possessão provêm de seu próprio inconsciente, e tornam-se conscientes ao perceber, escrever ou recordá-los.

 

(As pessoas me dizem, “Ah, é tudo muito bom, mas você o conseguiu por cut-up”. Digo que isso não tem nada a ver, como eu consegui. O que é qualquer texto senão um cut-up? Alguém tem que programar a máquina, alguém tem que fazer o cut-up? Lembre-se de que primeiro fiz uma seleção. De centenas de sentenças possíveis que poderia ter usado, escolhi uma.)

 

Como arrancar de cada coisa o julgamento que lhe afirma um sentido único, uma espécie de dimensão funcional? A suspensão do juízo seria uma maneira pertinente de ver uma coisa sem perceber outra, ou seja, de igualar visão e percepção. No entanto, o homem optou por sobrecarregar cada coisa de um sem número de sentidos, uma espécie de acumulação obsessiva de sentidos. O que pode ser visto como um novo desafio para a imaginação: restaurar o sentido original de cada coisa, soterrado sob demãos e demãos de ideias acidentais e conceituais.

 

BURROUGHS 1 – Em tudo o que tenho ouvido, há momentos em que percebo a presença de Burroughs. Mas em outros…

 

(No telão as imagens em movimento são substituídas por uma fotografia deformada de WB.)

 

CONFERENCISTA – Não se trata apenas de uma mudança deliberada de estilo. Estamos tendo sempre que rastrear todos os casos em que se perdeu o contato com o autor. Mas quem é de fato o autor? Com que profusão sangra sobre um texto o espírito do autor? Com que intermitência? Eu lhes digo, rapazes, já ouvi muito papo furado, mas ninguém pode se aproximar de um autor iludido pelo conhecimento de sua obra? Diante da abundância da vida, não se pode mais considerar as noções de roubo e autoria. Em certa ocasião nos disse John Cage: “muitas coisas, onde quer que se esteja, o que quer que se faça, acontecem ao mesmo tempo. Elas estão no ar. Pertencem a todos nós.” E em outra oportunidade, disse ainda: “nossa poesia agora é a consciência de que não possuímos nada”. Então alguém indagaria: o que teria Burroughs com Cage, tão distantes, segundo se pensa. Mas que ligação possuía ou queria possuir Burroughs com os beatniks? Acaso seu desconstrucionismo não o identificaria mais com o poeta e compositor John Cage? Ou seria um absurdo ver em ambos uma confluência? O próprio Burroughs chegou a considerar a experimentação musical de Cage a mais radical utilização do cut-up dentro daquela linguagem. Em outro momento disse não haver afinidade estética entre sua obra e os integrantes da Beat Generation. Mesmo que The soft machine seja, no dizer de Burroughs, uma expansão de suas experiências sul-americanas, com prolongamentos surrealistas. Mesmo assim. Montado e remontado obsessivamente, este romance deixava claro que Burroughs não se interessava pelo espontaneísmo isolado que cultivava Kerouac. O autor de On the road rejeitava o uso da técnica, considerando apenas a emoção. Defendia que a única coisa que ele e sua arte tinham a oferecer era a verdadeira história daquilo que viu, e como viu. Kerouac não achava que Burroughs houvesse produzido algo de atraente, exceto por The naked lunch, embora este livro o colocasse na condição de o maior escritor satírico desde Jonathan Swift. Para ele, Burroughs abusava da fragmentação. Dizia que o cut-up não passava de um velho truque Dadá, um tipo de colagem literária. Dizia Kerouac: "Apesar disso, ele consegue bons resultados. Gosto dele quando é elegante e lógico, e por isso não gosto do cut-up, que tenta nos ensinar que a mente é fragmentada." Sim, e também considerava Junkie um clássico. Segundo ele, melhor do que Hemingway. Junkie não era bem um livro, dizia Burroughs, que via como insatisfatórios os resultados de sua escrita. A Burroughs interessava, tanto quanto a Cage, a introdução de elementos ao acaso, desde que ensaiados à exaustão. Pensavam igual no que diz respeito à necessidade de se sugerir um certo desmazelo. É o que se verifica nos escritos de Cage ou na música de Frank Zappa, por exemplo. Um desmazelo elegante e lógico, se me permitem. E não haveria também um desmazelo elegante e lógico nos improvisos inseridos nas partituras de Duke Ellington? Uma mescla de ritmos periódico e aperiódico, desde que observado que este pode incluir aquele e nunca o contrário. Era o que defendia Cage, ressaltando que o que importa não é desligar o relógio, mas sim eliminar a forma como o usamos. Não há, portanto, cerebralismo excessivo em Cage em relação a Burroughs. Todos os espaços preenchidos com sua arte são consequências de um método semelhante. Anotações sobre ritmos, proporções, sonhos, simetrias, percepções. Corte, montagem, edição rigorosa dos elementos constitutivos. Arte combinatória. A virulência poética de Zappa tem a mesma origem, basta ver como combina música erudita, jazz, fragmentos do teatro do absurdo. Segundo Zappa, a arte afirma-se na citação, na referência, na maneira de abordar realidades preexistentes. Em todos eles, verifica-se uma mescla eficaz de invenção e provocação.

 

(O projetor é desligado.)

 

BURROUGHS 1 – E os beats?

 

CONFERENCISTA – (Não me associo com eles. Trata-se de uma simples justaposição, mais do que de uma verdadeira conjunção de estilos literários ou de objetivos gerais. Kerouac, Ginsberg e Corso são três bons amigos meus, há muitos anos, porém não fazemos a mesma literatura nem compartilhamos os mesmos pontos de vista. Eu diria que a importância literária do movimento beatnik não é talvez tão determinante como sua importância sociológica, que certamente mudou o mundo e o povoou de beatniks. Derrubou todo tipo de barreiras sociais e se converteu em um fenômeno mundial de terrível importância.)

 

BURROUGHS 3 – Ouçam as batidas de meu coração.

 

CONFERENCISTA – Evidente que Burroughs não queria que sua obra fosse confundida com uma estética beat ou surrealista. Sentia a necessidade de individualizá-la, destacando-a entre a de seus pares. Também não participava do idealismo messiânico de Allen Ginsberg, ao qual opunha um corrosivo niilismo. De qualquer maneira, não se mostrava interessado nessa polêmica entre escritores. Ao contrário, recriminava que Breton tivesse dedicado parte de sua vida às cartas de insulto a outros escritores, considerando perda de tempo as discussões literárias, polêmicas, manifestos etc. O mesmo em relação ao que Kerouac havia chamado de abuso da fragmentação. Burroughs estava consciente de seus riscos e acreditava manter controle absoluto da situação. Recorria ao exemplo do Finnegans Wake, de Joyce, quando queria abordar a armadilha em que pode cair a literatura experimental quando se converte em puramente experimental. Tal observação é válida, sobretudo, para aqueles que pensam que toda a obra de Burroughs, a partir de The naked lunch, se encontra definida unicamente pelo cut-up, ou seja, que tenha recorrido tão-somente a essa técnica. Burroughs soube mesclar a costura aleatória de imagens à narrativa linear convencional, aplicando vários métodos e técnicas, em um processo experimental consistente.

 

BURROUGHS 3 – Vamos, ouçam. Ouçam as batidas de meu coração.

 

BURROUGHS 2 – Se vamos demasiado longe em uma direção, o que ocorre é que não se pode voltar e então ficamos ali em perfeito isolamento, como aquele antropólogo que desperdiçou os últimos 20 anos de sua vida na controvérsia sobre as batatas, que consistia em saber se as batatas eram originárias do Novo Mundo ou se haviam chegado da Indonésia flutuando. Isto durou 20 anos, durante os quais escreveu cartas mordazes a várias publicações antropológicas especializadas atacando aqueles que se opunham ao seu ponto de vista em tal controvérsia. Enquanto isto, todos acabamos esquecendo qual era mesmo a sua tese sobre as malditas batatas.

 

BURROUGHS 3 – Nunca refutar ou dar resposta às afirmações da crítica, por mais absurdo que seja o que se escreveu nela. Nunca dar ao crítico azo a ensinar-nos a nós, vigários, o padre-nosso. Ou, como se diz em gíria tauromáquica, não deixar a crítica ensinar ao matador como se faz uso da muleta. Em circunstância nenhuma se deverá investir contra o casaco da crítica, mesmo que ele tenha sido tecido com o fio das distorções desmoralizadoras e das falsidades. A arte de escrever críticas desmoralizadoras é um exercício de magia negra aplicada. Quem as escreve pode perfeitamente provocar à toa associações desagradáveis que comprometam o livro, ao insinuar que ele não é importante, mas sem dizer exatamente porquê. E, ao fazê-lo, evitar muito cuidadosamente a evocação no leitor de quaisquer imagens ou ideias claras e distintas que possam, elas sim, captar toda a sua atenção.

 

CONFERENCISTA – São truques em trânsito, recorrentes, esgueirando-se para dentro da percepção atrofiada do leitor. Não constituem um exercício crítico, mas antes um equívoco construído.

 

BURROUGHS 3 – A lei de Poetzel diz que o imaginário onírico exclui a percepção consciente enquanto favorece a percepção pré-consciente. A hipótese freudiana de que o caráter neutro da percepção pré-consciente a permite disfarçar material que, em condições normais, não escaparia à atenção do organismo censor dos sonhos leva a que os afetos desagradáveis sejam atraídos pela percepção pré-consciente. Há de fato uma correlação entre evocação pré-consciente e cume do desagradável. Charles Fischer afirma que os sonhos têm tendência para escolher os pormenores insignificantes do estado de vigília.

 

BURROUGHS 1 – Entendida a criação artística como um sonho involuntário, não haveria aí um risco de tornar interessante todo e qualquer sonho, toda e qualquer escolha de pormenores insignificantes à luz da vigília? O que seria arte? E o que não seria?

 

CONFERENCISTA – Mas não se trata de definição. Pode-se até dizer que a arte é a concentração das dissimilitudes conceituais do que seja insignificante à luz do sonho e da vigília. Porque a arte é irredutível a uma maneira pela qual o mundo é percebido. Ela é a soma de todas as percepções.

 

BURROUGHS 3 – Completamente perdida está a noção de tempo.

 

CONFERENCISTA – Não importa que esteja completamente perdida a noção de tempo.

 

BURROUGHS 3 – Completamente.

 

BURROUGHS 1 – Não importa que o homem tenha sido quebrado em sua maneira de ver, ler, enfim, de perceber o que está à sua volta?

 

CONFERENCISTA – Não no sentido de uma temeridade de encarar o que se tem pela frente. O homem é também o porteiro do Inferno que idealizou. Na verdade, um inferninho de subúrbio.

 

BURROUGHS 3 – É óbvio que o porteiro, irlandês da gema, fica ressentido com a insinuação de que alguém possa sequer admitir que ele tenha deixado entrar no prédio um cão sem licença. Afinal, ele é o porteiro.

 

BURROUGHS 1 – Não entendi. O que isto tem a ver?

 

CONFERENCISTA – O que?

 

BURROUGHS 1 – Pode repetir?

 

BURROUGHS 2 – Não sei para onde a ficção normalmente se dirige, mas estou me dirigindo deliberadamente para toda aquela área do que chamamos sonho. O que é um sonho precisamente? Certa justaposição de palavra e imagem. Leio em um jornal alguma coisa que me lembra ou que tem relação com alguma coisa que escrevi. Então recorto a fotografia ou o artigo e colo em um álbum de recortes. Em certo sentido, o uso especial de palavras e imagens pode conduzir ao silêncio. O que quero fazer é aprender a ver mais o que está lá fora, olhar para fora, atingir tanto quanto possível uma completa percepção do que nos cerca. Samuel Beckett quer ir para dentro. Antes ele estava em uma garrafa e agora está na lama. Eu aponto na outra direção: para fora.

 

CONFERENCISTA – Eis o que busca deliberadamente Burroughs: a percepção do que nos cerca.

 

BURROUGHS 3 – O escritor só pode escrever sobre uma coisa: o que está diante de seus sentidos no momento em que ele escreve. Sou um aparelho de gravação. Não pretendo impor história, enredo, continuidade a ninguém. Na medida em que obtiver sucesso nesta gravação direta de certas áreas do processo psíquico, poderei ter uma função limitada. Não pretendo entreter ninguém.

 

BURROUGHS 1 – Quando você já tem a mescla ou montagem, o que faz? Segue as sugestões que lhe oferece o texto ou o ajusta ao que quer dizer?

 

BURROUGHS 3 – Ele.

 

(Burroughs 3 aponta para Burroughs 2.)

 

BURROUGHS 1 – Sem dúvida. Ele.

 

BURROUGHS 3 – Psiu.

 

BURROUGHS 2 – Diria que sigo as sugestões que me oferece o novo arranjo do texto. Esta é a função mais importante do cut-up. Às vezes pego uma página, fragmento-a e consigo uma ideia totalmente nova para uma narração linear, prescindindo do material fragmentado, ou pode ser que apenas aproveite uma ou duas frases.

 

BURROUGHS 1 – Inconscientemente?

 

BURROUGHS 2 – Não tem nada de inconsciente; é uma operação muito precisa. O sistema mais simples é pegar uma página, cortá-la vertical e horizontalmente pela metade e depois recompor as quatro partes. Agora, é uma forma de cut-up bastante ingênua e simples, que serve apenas para obter alguma ideia de recomposição das palavras da página em questão. Tudo é consciente, não há escritura automática nem procedimentos inconscientes. Não se sabe o que vai sair, simplesmente pelas limitações da mente humana, da mesma forma que um indivíduo médio em uma partida de xadrez é incapaz de prever cinco movimentos. Cabe supor que uma pessoa com boa memória fotográfica seja capaz de ver uma página e desmontar mentalmente o conteúdo, ou seja, mudar a posição das palavras… Há pouco escrevi um roteiro cinematográfico sobre a vida de Dutch Schultz. Agora tem uma forma totalmente linear, mas, no entanto, o desmontei página a página e subitamente me vinham novas linhas que logo fui incorporando à estrutura do relato. O resultado é um tratamento cinematográfico perfeitamente normal, de todo inteligível para o leitor médio, que não é, em absoluto, escritura experimental.

 

BURROUGHS 3 – É um homem metódico e de memória fotográfica.

 

BURROUGHS 2 – Claro que, pensando bem, The waste land foi a primeira grande colagem cut-up, e Tristan Tzara também tinha feito alguma coisa nesse sentido. John dos Passos usou a mesma ideia nas sequências de The camera eye. A construção aristotélica é uma das grandes algemas da civilização ocidental. Os cut-ups são um movimento em direção à derrubada disso.

 

BURROUGHS 1 – Não seria uma obsessão sua por fundar alguma coisa? Uma obsessão pela inovação verbal?

 

BURROUGHS 3 – Quanto tempo leva um homem até aprender que não pode nem quer desejar o que quer? É preciso estar no inferno para se poder ver o céu. Vislumbres, clarões de alegria serena e intemporal, uma alegria tão velha como o sofrimento e o desespero. O velho escritor já não conseguia escrever porque tinha chegado ao fim das palavras, ao fim daquilo que pode ser feito com palavras. E depois?

 

BURROUGHS 1 – E depois?

 

BURROUGHS 3 – E depois, Burroughs?

 

(Apagam-se as luzes sobre as cadeiras. Burroughs 2 dirige-se a um caixote sobre o qual se encontra uma máquina de escrever. Pega uma cadeira jogada em um canto do palco, ao fundo, senta-se e começa a martelar a máquina. Enquanto isto, Burroughs 1 sobe ao palco e acende algumas velas espalhadas por várias partes. Ao falar, segue se movimentando de um canto a outro. Apaga-se a luminária sobre a mesa. Logo os quatro Burroughs iniciam um rápido diálogo.)

 

CONFERENCISTA – Acaso as palavras não são objetos secretos e intocáveis?

 

BURROUGHS 1 – A linguagem é essencialmente mistificação.

 

BURROUGHS 2 – Serei um polvo?

 

BURROUGHS 3 – As palavras não são sagradas.

 

CONFERENCISTA – O que fazer com tudo isso?

 

BURROUGHS 1 – As palavras são necessárias.

 

BURROUGHS 2 – Eu sou o que sou / O que sou eu sou.

 

BURROUGHS 3 – Tudo depende do resultado.

 

CONFERENCISTA – Eu sou o artista

 

BURROUGHS 1 – Por que estamos aqui?

 

BURROUGHS 2 – Serei um polvo?

 

BURROUGHS 3 – Eu sou a palavra apagada.

 

CONFERENCISTA – Tu não és senão um livro que foge de si mesmo.

 

BURROUGHS 1 – A barata de Kafka fugiu apavorada.

 

BURROUGHS 2 – Sinto que vou dar à luz um horrível inseto.

 

BURROUGHS 3 – Tudo depende do resultado.

 

CONFERENCISTA – Tu és o livro invisível.

 

BURROUGHS 1 – Eu sou tua alma.

 

BURROUGHS 2 – Eu sou o que sou / O que sou eu sou.

 

BURROUGHS 3 – Tudo depende do resultado.

 

(Uma trilha de rangidos se mescla ao barulho das teclas da máquina de escrever. O telão apresenta sequência de recortes, jogo de palavras, sobreposição de textos. Logo Burroughs 2 tira uma folha de papel da máquina. Novo diálogo entre eles.)

 

BURROUGHS 1 – O que estamos fazendo aqui? Qual a continuidade disso?

 

BURROUGHS 2 – Que merda é essa?

 

BURROUGHS 3 – Possessão é como isso é chamado. Algumas vezes, uma entidade salta dentro do corpo. Os contornos estremecem em uma geleia amarelo-alaranjada, e mãos se movem para estripar a prostituta que passa ou estrangular a criança do vizinho, na esperança de amenizar uma crise habitacional crônica. Como se eu estivesse normalmente aqui, mas sujeito a sumir uma que outra vez. Mentira! Eu nunca estou aqui!

 

BURROUGHS 1 – Vocês nunca estão em parte alguma…

 

BURROUGHS 3 – Escritores mencionam o doce-doente cheiro da morte, enquanto qualquer viciado poderá dizer que a morte não tem cheiro. Ao mesmo tempo, um cheiro que corta a respiração e detém a circulação do sangue. Incolor não-cheiro de morte. Ninguém pode respirá-lo e cheirá-lo através de róseas circunvoluções e filtros de sangue negro. O cheiro da morte é, definitivamente, um cheiro, e a completa ausência de cheiro… A ausência de cheiro fere o olfato em primeiro lugar, porque toda a vida orgânica tem cheiro. Sente-se a suspensão do cheiro como os olhos sentem a escuridão, os ouvidos, o silêncio, o sentido de equilíbrio e de orientação, o cansaço e a falta de peso.

 

BURROUGHS 2 – Que merda é essa?

 

BURROUGHS 3 – Eu cuspo em cima do Deus dos Cristãos. Quando o Deus Branco chegou à América, trazido pelos espanhóis, os índios acorreram com oferendas de fruta e bolos de milho e chocolate. Em retribuição, o Deus Branco decepou-lhes as mãos. Não foi Ele o responsável pelas ações dos conquistadores cristãos? É claro que foi! Todo o Deus que se preza é responsável por aquilo que fazem seus adoradores e fiéis.

 

(Acende-se a luz da luminária. Enquanto Conferencista lê essa primeira fala, Burroughs 1 segue apagando todas as velas. Em seguida, retorna a seu lugar indefinido na plateia. Durante essa primeira fala, Burroughs 3 se agita em sua cadeira, como se fosse ele que estivesse falando.)

 

CONFERENCISTA – (Afinal foi descoberto que Deus não queria que nós fôssemos todos iguais. | Estas foram más notícias para os governos do mundo que pareciam em oposição à doutrina da servidão separada e controlada. A humanidade deveria ser feita mais uniformemente. Se o futuro funcionasse. | Vários caminhos foram procurados para que ficássemos todos ao mesmo nível. Mas infelizmente a igualdade não foi conseguida. | Foi por esta altura que alguém veio com a ideia da criminalização total, baseada no princípio de que se todos nós éramos delinquentes poderíamos finalmente ficar iguais, até certo grau, aos olhos da lei. | Os nossos legisladores calcularam sagazmente que a maioria das pessoas era demasiado preguiçosa para praticar um verdadeiro crime. Por isso, novas leis foram feitas para tornar possível a qualquer um violá-las a qualquer hora do dia ou da noite, e uma vez desrespeitadas as leis nós seríamos todos do mesmo grande e feliz clube, ali mesmo, junto ao presidente, os mais glorificados industriais e as grandes cabeças do clero de todas as vossas religiões preferidas. | Criminalidade total foi o maior ideal do seu tempo e foi grandemente popular, exceto para aquelas pessoas que não quiseram ser delinquentes ou criminosas. | Por isso, naturalmente tinham de ser todos levados a isso por truques… O que é uma das razões pela qual a arte foi finalmente declarada ilegal.)

 

(Todas as velas já se encontram apagadas. Tem início a segunda parte da conferência. Surge no telão, apenas durante esta primeira fala, outra foto deformada de WB.)

 

CONFERENCISTA – Burroughs defendia não haver uma descrição acurada de um livro. Sempre há maneiras diferentes de olhar a mesma coisa, justificava. Uma prova disto é que as críticas feitas a The naked lunch, de que se trata de uma escritura pornográfica, jamais se aplicariam à obra de Hieronimus Bosch, embora o próprio Burroughs considere íntima a similitude entre o que descreve em seu livro e o que pinta Bosch. Além disso, não julgava demasiado importante o tema ou as condições em que se escreve. Ou se tem êxito ou não se tem. O produto artístico, como dizia, sustenta-se ou não tão-somente por aquilo que é. Escrever sob o efeito de drogas não deve ser motivo de julgamento acerca do valor de uma obra. O mesmo em relação ao assunto de que trata. Certa vez declarou que jamais escreveria em função do leitor, e que continuaria a escrever mesmo diante da absoluta certeza de não haver leitor. Continuaria a escrever por companhia, por estar criando um mundo imaginário – sempre imaginário – no qual gostaria de viver.

 

(Breve silêncio. Burroughs 2 se levanta, e se dirige ao Conferencista, pondo-lhe seu chapéu na cabeça e postando-se de pé, às suas costas. Um gemido distorcido da guitarra acompanha esse movimento. Ao cessar, Conferencista retoma sua fala, sempre antecedido de um grito de Burroughs 1, vindo de várias partes do palco.)

 

BURROUGHS 1 – 1953: Junky.

 

CONFERENCISTA – Viciados adoram ver televisão. Billie Holiday disse que sabia que estava largando as drogas quando deixou de gostar de ver TV. Ou então eles se sentam e lêem um jornal ou uma revista e, por Deus, o lêem de ponta a ponta. Conheci um velho drogado em Nova York que costumava sair e comprar um monte de jornais e revistas, alguns doces e vários maços de cigarro. Daí ele se sentava em seu quarto e lia todos aqueles jornais e revistas de uma só vez. Indiscriminadamente. Cada palavra.

 

BURROUGHS 1 – 1959: The Naked Lunch.

 

CONFERENCISTA – Na verdade, ele foi escrito principalmente em Tânger, depois de eu haver me curado com o Dr. Dent, em Londres, em 1957. Voltei a Tânger e comecei a trabalhar sobre um monte de anotações que tinha feito em um período de anos. A maior parte do livro foi escrita nessa época. O submundo marginal foi exatamente o que pretendi criar. Um tipo de folclore bunda, de botequim, de cidade pequena, do meio-oeste, muito a minha própria formação. Esse mundo era uma parte integral da América e não existia em nenhum outro lugar, pelo menos não da mesma forma.

 

BURROUGHS 1 – 1960: Minutes to go.

 

CONFERENCISTA – Minutes to go, que incorporou pela primeira vez os experimentos de cut-ups, converteu-se em um livro profético. É evidente que há algo de errado com o próprio conceito de dinheiro. Cada vez custa mais comprar menos. O dinheiro é como a droga. A dose que basta para a terça-feira não será suficiente na quarta. Uma vez, o herdeiro de uma conhecida estirpe de banqueiros me contou um segredo de família. Quando um jovem banqueiro alcança certo estado de responsabilidade e conhecimento, é conduzido a um quarto tomado de retratos familiares em cujo centro há um banheiro dourado. Terá que ir ali todos os dias para defecar até que se dê conta de que o dinheiro é merda. E o que come a máquina monetária para transformá-lo em merda? Come a espontaneidade, a vida, a juventude, a beleza, e, sobretudo, come a capacidade de criar. Come qualidade e caga quantidade. Houve um tempo em que a máquina comia com moderação de uma despensa bem surtida, e o que comia era substituído. Agora a máquina devora mais depressa, e muito mais depressa do que se pode substituir o que come. Esta é a razão porque o dinheiro, por sua própria natureza, vale menos cada dia. Chegará um dia em que o dinheiro não será nada, porque não restará nada para que o dinheiro compre. O dinheiro eliminará a si mesmo.

 

BURROUGHS 1 – 1961: The Soft Machine.

 

CONFERENCISTA – O corpo humano, na realidade, tem duas metades. As duas metades não são iguais. O lado esquerdo e o direito não são iguais, não somente porque a maioria das pessoas utilize mais a mão direita. O lado direito do cérebro, se a pessoa é destra, está praticamente em desuso. Os personagens partidos ao meio e combinados para formar duas novas pessoas não compreendem nenhum simbolismo especial. É uma mera possibilidade que, imagino, com o tempo estará ao alcance da ciência médica. Também em The soft machine eu propus que os sexos deveriam se separar, que todos os meninos fossem educados por homens, e todas as meninas por mulheres. Quanto menos tenha que ver um sexo com o outro, tanto melhor, penso eu.

 

(Burroughs 2 toma seu chapéu da cabeça do Conferencista e retorna a seu lugar. Um gemido distorcido da guitarra acompanha esse movimento. Ao cessar, Burroughs 1 irrompe com uma pergunta.)

 

BURROUGHS 1 – O que sente pelas mulheres?

 

BURROUGHS 3 – Um personagem de Joseph Conrad as definiu melhor do que ninguém. Diz ele que as mulheres são uma perfeita calamidade. Creio que foram um erro básico e que todo o universo dualista nasceu a partir desse erro. As mulheres já não são necessárias para a reprodução.

 

BURROUGHS 1 – Não foi Artaud quem disse que a sexualidade é uma barreira que impede a aproximação do homem e da mulher?

 

BURROUGHS 3 – Não me interessa essa aproximação. Não a vejo como barreira. Creio que toda a orientação anti-sexual de nossa sociedade está basicamente manipulada por interesses femininos. Porque manter submersa a sexualidade faz parte de seus interesses. São os interesses das mulheres que são anti-sexuais.

 

CONFERENCISTA – The naked lunch chegou a ser considerado por Norman Mailer como um trabalho alucinatório escrito por um gênio. Por sua vez, Burroughs admite que jamais o teria escrito sem haver passado por aquele incidente da morte de sua mulher. Certa vez declarou sentir-se forçado à conclusão apavorante de que nunca teria se tornado um escritor sem a morte de Joan. Disse então: "Vivo sob a ameaça constante de possessão, uma necessidade constante de escapar da possessão, do controle. De maneira que a morte de Joan me pôs em contato com o invasor, com o espírito feio, que me manobra em uma luta vitalícia na qual não tenho a escolha de não participar."

 

BURROUGHS 2 – Bill, você se interessa por insetos?

 

BURROUGHS 3 – O velho escritor vivia em um vagão reconvertido ao pé do rio, em um depósito de lixo. O lixo na realidade era um ferro-velho pertencente a uma companhia para a qual ele trabalhava na condição de guarda. Comandante de um depósito de ferro-velho. Por vezes punha um boné de velejador. O escritor já não escrevia. Tinha um bloqueio mental. Acontece.

 

(Durante toda a fala que segue o telão reproduz uma foto-biografia de WB.)

 

CONFERENCISTA – 11 de agosto de 1997. Poucos minutos atrás ouvi as notícias sobre a morte de William Burroughs. Nascido em fevereiro de 1914, Burroughs cresceu em St. Louis, dotado de uma fascinação por armas e crime, além de uma inclinação natural por romper todas as regras surgidas à sua frente. Não se ajustando à sociedade burguesa, embora concluindo um curso em Harvard, Burroughs abandonou tudo e experimentou inúmeros e intrigantes estilos de vida, sempre com o apoio financeiro de seus pais. Logo no início dos anos 30 viajou para Nova York, decidido a procurar por sua liberdade junto a um mundo de criminosos e viciados. Tornou-se então viciado em heroína. Ao conhecer Lucien Carr este logo lhe apresentou a uma multidão de jovens loucos e inconformados, estudantes na Universidade Columbia, entre os quais Allen Ginsberg, Jack Kerouac e Joan Volmer, com quem se casaria. Embora fosse bem mais velho que os demais, causou grande impressão por sua inteligência e um acurado cinismo mundano. Além disto, despertava atenção sua convivência com criminosos. Burroughs, entretanto, não havia ainda começado a escrever. Foi uma época de grandes experimentações, drogas, homossexualismo, transgressões de toda ordem. Em seguida ele viajaria para o Texas, onde tentaria a vida como fazendeiro, plantando laranja, algodão e maconha. A visita que lhe fez Kerouac e outros amigos encontra-se descrita em On the road, em cenas inesquecíveis. Perseguido pela polícia, em função das drogas, Burroughs levou Joan e as crianças para o México, onde acabaria se dando o absurdo fato que mudaria sua vida. Ao exibir para amigos uma arma, anunciou seu ato a Guilherme Tell, pondo um vidro na cabeça de Joan e a matando com um único tiro. Após o incidente, as crianças foram morar com os avós e Burroughs vagou por vários lugares na América do Sul, logo indo parar em Tânger. Vivia ali enquanto seus amigos mais próximos, Kerouac, Ginsberg e Gregory Corso, agitavam Nova York com a Beat Generation. Após um período de grande agitação e repercussão, Ginsberg e Kerouac foram encontrar-se com Burroughs em Tânger, e então o ajudaram a organizar a pilha de histórias sujas que vinha escrevendo, inteiramente à toa. O título acabou sendo sugerido por Kerouac. Assim nascia The naked lunch, O lanche nu, livro que tornaria Burroughs uma celebridade. Logo em seguida, através de um método que ficaria conhecido por cut-up, Burroughs iria compor uma série de romances a partir de retalhos de vários textos e anotações de viagem. Embora não sendo considerado originalmente um beatnik, seu nome encontrou-se sempre vinculado, de uma forma ou de outra, a essa geração. Era uma figura extremamente polêmica, irritantemente provocadora, sendo odiado, em particular, pelas mulheres, pois sobre elas publicou inúmeras e sórdidas generalizações. Sua escritura crua e o humor corrosivo, com uma instigante ênfase dada à liberdade pessoal, incluindo-se aí as abordagens homossexuais e do mundo das drogas, tornaram-no tanto atraente quanto repulsivo. Muito admirado no mundo da música pop, com parcerias surpreendentes com Laurie Anderson e Tom Waits, entre outros, chegou a gravar um disco juntamente com Kurt Cobain, vocalista do Nirvana. Seus textos sobre mídia colocaram-no em um centro de atenções compartilhado por personalidades como Timothy Leary, Marshal McLuhan e Andy Warhol. No dia 2 passado, aos 83 anos de idade, morreu Burroughs, de uma parada cardíaca. Sua vida foi constantemente confundida com um sórdido sentido de obscenidade, tendo sido tachado de paranóico e moralista. Muitos defendem que sua desconcertante atuação marca um momento, juntamente com toda a geração Beat, de grande importância para a cultura estadunidense, não por suas realizações, mas antes como exemplo lastimável de sua degeneração. Crítico feroz do way of life, Burroughs escreveu romances e contos em que o realismo exasperado se mescla a experiências estilísticas que o aproximam de James Joyce. Seus temas mais constantes são a burocracia estatal, a guerra, o homossexualismo, as drogas, os vícios, a tirania psiquiátrica, tudo visto sob uma ótica sombria. Ele mesmo sintetizou sua obra…

 

BURROUGHS 3 – O velho escritor disse.

 

CONFERENCISTA – Como disse?

 

BURROUGHS 2 – Toda a minha obra é dirigida contra aqueles que estão determinados, por estupidez ou por desígnio, a fazer explodir o planeta ou torná-lo inabitável.

 

CONFERENCISTA – Como o pessoal da publicidade…

 

BURROUGHS 2 – Como o pessoal da publicidade… estou interessado na precisa manipulação da palavra e da imagem para criar uma ação, não a de sair para comprar uma coca-cola, mas a de provocar uma mudança na consciência do leitor.

 

BURROUGHS 3 – Eu trabalho para o buraco negro

Onde nenhuma lei é válida.

 

BURROUGHS 2 – Os velhos romancistas, como Walter Scoth, passavam o tempo a escrever para se livrarem das dívidas… louvável… em um escritor a tenacidade é atributo precioso. Por isso que Bill desata a escrever para se livrar da morte.

 

BURROUGHS 1 – Da morte?

 

BURROUGHS 2 – A morte, segundo ele, equivale a uma declaração de falência espiritual… Tem de se ter o cuidado de evitar esse crime que é o encobrimento de fundos e rendimentos… Um inventário suficientemente detalhado mostra muitas vezes que os fundos, os rendimentos e os valores colaterais são consideráveis e que a declaração de falência afinal não se justifica. Um escritor tem sempre de ser meticuloso e escrupuloso no que respeita às suas dívidas.

 

BURROUGHS 1 – E qual tem sido seu trabalho?

 

BURROUGHS 3 – Eu trabalho para o buraco negro

Onde nenhuma lei é válida.

Trabalhando para o buraco

Eu faço uma mula parir

Sou espião não convidado

Alma errante sem dado

Irrompo aqui

Irrompo ali

Não tenho meta humana

Sou singular

Não tenho eu humano

Humano algum paga meus impostos

Ou liberta meu eu

Sou fechadura sem chave

Uma singularidade

Eu trabalho para o buraco negro

Onde nenhuma lei é válida.

 

BURROUGHS 1 – Em que consiste tal singularidade?

 

BURROUGHS 3 – Há trinta anos Burroughs escreveu um livro intitulado O rapaz que esculpia animais de madeira. A história dizia respeito a um rapaz aleijado que esculpia animais de madeira e lhes dava vida através de certos rituais masturbatórios. Quando as criaturas voltaram a ser de madeira, então conseguiu dar-lhes uma vida final através de sua própria morte. Os animais fugiram e espalharam-se. O livro o tornou famoso. Foi cruelmente atacado e extravagantemente elogiado. Burroughs nunca mais escreveu.

 

BURROUGHS 1 – Nunca mais?

 

BURROUGHS 3 – O velho escritor já não conseguia escrever porque tinha chegado ao fim das palavras, ao fim daquilo que pode ser feito com palavras.

 

BURROUGHS 2 – Nunca se possui verdadeira coragem antes de se perder a coragem. Mas perder de modo abjeto, completo… desatado a fugir, rastejar. E não há alteração que se compare à da coragem reconquistada. E por isso é que é quase sempre fatal.

 

BURROUGHS 1 – E como se transcende?

 

CONFERENCISTA – E se não há mais nada para se transcender, por que então perambular por aí, à espera do quê?

 

BURROUGHS 1 – Como?

 

CONFERENCISTA – É o que diz precisamente um trecho de seu romance As terras do poente

 

BURROUGHS 3 – Psiu…

 

BURROUGHS 2 – Nunca se luta frontalmente contra o terror. Essa de termos de nos dominar é uma grande merda. Quanto mais nos dominamos, piores as coisas se tornam. Deixem o medo entrar e observem-no: de que cor é? Que forma possui? Que nos encharque e se despeje. Dar um passo atrás, isso sim. Fingir que não o vemos. Agir normalmente, como se fosse banal.

 

CONFERENCISTA – Não resta dúvida de que o terror agudo e o aborrecimento mortal são duas coisas incompatíveis.

 

BURROUGHS 2 – [virando-se para Burroughs 3] Quer fazer esse merda se calar.

 

BURROUGHS 3 – [virando-se para Conferencista, põe um dedo na boca, pedindo silêncio.]

 

BURROUGHS 2 – Há imensas maneiras de nos distanciarmos do medo. O melhor é ficar calado e deixar o medo falar. A morte não gosta de ser vista de tão perto. A morte tem sempre de extrair reconhecimento surpresa: “Tu?!” É a última pessoa que se esperava ver e, simultaneamente, quem mais poderia ser?

 

BURROUGHS 3 – A morte…

 

BURROUGHS 1 – Quem é?

 

BURROUGHS 2 – Quem mais poderia ser?

 

(Apagam-se as luzes sobre as cadeiras, acende-se o filete de luz sobre o boneco de ventríloquo. Ouve-se então, em off, a voz de Burroughs lendo “That’s the way”.)

 

 

(THAT’S THE WAY)

 

That’s the way the stomach rumbles

That’s the way the bee bumbles

That’s the way the needle pricks

That’s the way the glue sticks

That’s the way the potato mashes

That’s the way the pan flashes

That’s the way the market crashes

That’s the way the whip lashes

That’s the way the teeth gnashes

That’s the way the gravy stains

That’s the way the moon wanes

 

CONFERENCISTA – É assim que a lua míngua

É assim que o molho mancha

É assim que os dentes rangem

É assim que o chicote açoita

É assim que o mercado quebra

É assim que a frigideira chia

É assim que a batata amassa

É assim que a cola gruda

É assim que a agulha pica

É assim que a abelha zumbe

É assim que a barriga ronca

 

(Apaga-se a luz, permanecendo acesa apenas a luminária sobre a mesa. Luz sobre as duas cadeiras, uma de cada vez, na medida em que os atores retomam a fala. Ouve-se a voz de Burroughs 1, de distintos lugares da plateia.)

 

BURROUGHS 1 – Isso é um cut-up!

 

BURROUGHS 3 – Por que esta imbecil fica pulando de um galho para outro da escuridão?

 

BURROUGHS 1 – Fala, Burroughs, o que é um cut-up?

 

BURROUGHS 2 – É a droga de uma técnica como outra qualquer. Pode ser útil em alguns casos e em outros, não. Depende do que você está fazendo. Agora, se você está querendo retratar uma consciência urbana confusa, então é uma técnica muito útil.

 

BURROUGHS 3 – É uma máquina de perturbação da ordem semântica.

 

BURROUGHS 1 – E de onde tiraste essa ideia de que a escritura leva 50 anos de atraso em relação à pintura?

 

BURROUGHS 2 – O pintor pode tocar e manipular seus materiais, coisa que o escritor não pode. O escritor não sabe o que são as palavras. Opera com abstrações surgidas das palavras. As possibilidades do pintor para tocar e manipular seus materiais lhe conduziram às técnicas de montagem há 60 anos. É de se esperar que a divulgação das técnicas cut-ups tornem viáveis experimentos verbais mais terminantes, encurtando esta desfase e dando à escritura toda uma nova dimensão. Essas técnicas podem ensinar ao escritor o que são as palavras pondo-o em comunicação tátil com seus materiais e possibilitando o acesso a uma ciência exata das palavras que demonstrará como combinações concretas de palavras produzem efeitos concretos sobre o sistema nervoso humano.

 

BURROUGHS 1 – Por que você escreve?

 

BURROUGHS 2 – Porque é o meu negócio. Escrever é o meu sustento. Eu sei fazer isto. Você pode perguntar o mesmo a um advogado ou a um policial, a resposta será a mesma. Isso é o que eles sabem fazer. O que eles fazem profissionalmente.

 

BURROUGHS 1 – Para onde estamos indo?

 

BURROUGHS 2 – No momento, sinto que não estamos indo para lugar nenhum. Quanto ao que tenho escrito, já disse: estou me dirigindo deliberadamente para toda aquela área do que chamamos sonho. 70% do que escrevo eu obtenho de meus sonhos.

 

BURROUGHS 3 – Mas que diabos de pergunta…

 

BURROUGHS 1 – Para onde?

 

BURROUGHS 2 – Os sonhos são uma coisa necessária, são uma necessidade biográfica. Os deuses são uma necessidade biológica. São parte integral do homem. Vejamos o caso dos faraós. A presença deles era divina. Desempenhavam tarefas notáveis de força e destreza. Conseguiam ler a mente e os corações dos súditos, prever o futuro. Tornaram-se deuses. Ser deus significa por vezes ter de aplicar sanções terríveis: cortar a mão de um ladrão ou os lábios a um perjuro.

 

BURROUGHS 1 – Escritores são deuses?

 

BURROUGHS 2 – Um trapaceiro é mais um diretor de cinema do que um escritor.

 

BURROUGHS 3 – Agora, imaginemos que um acadêmico, intelectual e mau católico, humanista, chegue um dia a tornar-se… deus. Não consegue, pura e simplesmente, infligir sofrimento de qualquer espécie. O que acontece? Nada. Não há acidentes horríveis… Nem sequer uma velhinha morta no incêndio, em seu quarto alugado. Não há furacões, nem ciclones. Não há oposição, nem dor, nem decadência. Nem mesmo morte.

 

BURROUGHS 2 – [dirigindo-se a Burroughs 1 na plateia] Ei, você que fica pulando de um ponto a outro de seu horrível desempenho. O homem perdeu de vez a véspera de sua destruição.

 

BURROUGHS 3 – Muitos sujeitos são vulneráveis à humilhação sexual. Nudez, estímulo com afrodisíacos e supervisão constante para embaraçá-lo e impedir o alívio da masturbação. O barato de hipnotizar um padre e dizer que ele está consumando uma união hipostática com o Cordeiro – e em seguida enfiar-lhe no cu uma ovelha velha e dissoluta.

 

BURROUGHS 2 – Um escritor pode obter algo de onde outra pessoa nada consegue. Por mais desagradáveis que sejam as experiências. Minha experiência como um viciado foi muito útil para o que sou como escritor. Me deu muito material. A verdade é que o vício nos põe em contato com alguns fundamentos. Nos dá uma sensação de realidade que talvez você não teria sem isso.

 

BURROUGHS 3 – Já lhe contei a respeito de um homem que ensinou o cu dele a falar? A barriga inteira mexia para cima e para baixo, entende?, peidando as palavras. Era algo diferente de tudo o que já ouvi. Esse papo do cu tinha uma espécie de frequência visceral. Batia direto lá embaixo, com uma espécie de soco. Sabe quando o velho cólon dá uma cutucada e você sente um friozinho por dentro, e sabe que tudo o que tem a fazer é se afrouxar? Bem, esse papo batia exato ali embaixo, um som embolhado grosso estagnante, um som que você podia cheirar. Esse cara trabalhava em um circo, entende?, e para começar era uma novidade como ventríloquo. Realmente engraçado, no começo. Ele fazia um número chamado “O melhor buraco” que era uma doideira, juro mesmo. Eu me esqueço da maior parte, mas era muito inteligente. Algo como: “Oh, você ainda está aí embaixo, coisa velha?” / “Não! tive que ir me aliviar.” Depois de algum tempo, o cu começou a falar por conta própria. Ele entrava em cena sem nada preparado, e o cu improvisava, respondia às piadas com outras o tempo todo. Aí, o cu desenvolveu uma espécie de ganchinhos curvados e ásperos, à maneira de dentes, e começou a comer. Ele achou isso engraçadinho, e bolou um número em função da coisa, mas o cu abria caminho pelas calças e começou a falar na rua, berrando que queria igualdade de direitos. Tomava porres e tinha crises e choro do tipo ninguém me ama. Queria ser beijado como qualquer boca. No final, o negócio falava o tempo todo, dia e noite, você podia ouvi-lo por quarteirões berrando ao cu que se calasse e batendo nele com o punho, enfiando velas nele. Mas coisa nenhuma adiantava, e o cu disse para ele: “É você que vai se calar no fim. Não eu. Porque nós não precisamos mais de você por aí. Posso falar e comer e cagar.”

 

(Apagam-se as luzes sobre as cadeiras, acende-se a luminária sobre a mesa. Tem início a terceira parte da conferência.)

 

CONFERENCISTA – Os negócios do sexo são de grande atração em todo o mundo. Os negócios do sexo. Os negócios das drogas. Há uma ideologia insidiosa desvirtuando o desejo, valorizando as ilusões. Uma grande loja de distúrbios. Este é o alcance político que nos une a todos, a verdadeira dimensão ontológica da existência humana: o negócio das ilusões. Não há prestígio maior que o da extrema ausência de valores humanistas. Não há autoritarismo ou repressão sexual como um fim em si. Não mais. O acumulador de orgônios de Reich foi adaptado para acumular desilusões. A energia mais valiosa onde quer que pulse a besta do coração humano. Não há desregramento que convença a máquina a parar de funcionar. Há um olho cínico em sua tez metálica que pisca e revela que a desordem não representa mais nada. Os negócios estão indo bem e compõem uma intrincada rede de relações. Atingem grupos de risco e convertem em veleidade toda forma de misticismo. Não há amor sublime, mas sim desilusão. Os negócios atraem clientes como uma fonte de libertinagem. Os negócios ampliam o círculo de amizades tecidas às voltas com novas oportunidades. Avôs de alguns clientes ainda comentam sobre as leis ideais que foram exterminadas. Há um prêmio especial para aqueles que confessarem desilusão diante das declarações de parentes. Não há nisto o sentido de delação. É muito natural que uma regra nova elimine uma anterior.

 

[Pausa]

 

Os negócios dos valores intrínsecos, pequena loja de peças de reposição. Um dissabor gasto pode ser rapidamente restaurado. Uma crise nervosa interrompida pode ser rebobinada sem maior custo. Há empórios que recebem o relato em troca de um pequeno estojo de devassidão. Há campanhas eletrônicas que dão a cada desilusão um destino literário e transmissões diárias de amores impossíveis convertidos em sublimes momentos de resignação pública. Sob um controle tão excêntrico do desejo, não há naturalmente mais vida íntima. São recomendadas ações punitivas contra aqueles que se recusem a divulgar os novos métodos de circulação das desilusões.

 

[Pausa]

 

Os negócios de títulos e cerimônias. Uma pedra Beat, negociada no mercado paralelo, deve valer, com sorte, dois brasões cobertos de azinhavre de uma linhagem mística. Tais ideias de contato direto há muito caíram em desuso. Em raros colecionadores encontramos anotações pouco legíveis de uma tradição anarquista. Os negócios tomaram conta de tudo. A memória tornou-se um bem improvável. A desilusão não prevê o deboche. Há um compromisso velado com a seriedade de sua falta de propósito. Daí que os negócios prevejam hostilidade veemente e imediata a toda forma de rejeição frontal ao Grande Dissabor, seu inconfessável patrono. Os negócios da glorificação conduzem a um estado plenamente aceitável de controvérsia. Pequenas gotas de estímulo administradas em concentrada posologia. Os anúncios de rejeição, as notas de suicídio, núcleos de oração, trios elétricos, discretas campanhas publicitárias em defesa da influência implícita, as respeitáveis manifestações de um espontaneísmo induzido. A orgia rimada e metrificada. Não estaria aí o estágio mais elevado da criação?

 

[Pausa]

 

Talvez Burroughs tenha pensado, em algum momento de sua vida, que todo este cenário um dia retornasse às páginas de uma fábula pouco lembrada pelos filhos dos filhos dos filhos. Não creio. O velho Bill teimava contra seu tempo, mas antes teimava contra si mesmo. Não importava se por regressão ou expansão, seu diálogo obsessivamente buscado era com o enunciado à entrada de uma zona dada como neutra. A placa dizia: há um monte de safados lá fora. A zona ainda hoje é conhecida como comunidade literária. É bastante visitada. Em seus pardieiros moram gordos zeladores. Muitos deles parceiros discretos nos negócios de caixa, senhores no submundo das desilusões. Artistas. São conhecidos assim. Azeitam as máquinas do paradoxo progressivo. São extensões invisíveis dos estimulantes sexuais e outras formas minúsculas de emoção barata. Houve um tempo em que Burroughs achava que a realidade era uma ilusão criada por insetos monstruosos que dominavam o mundo, controlando as mentes a partir de uma dimensão paralela. Reagiu achando que na eliminação do tema haveria uma chance da narração não conduzir ao umbigo sem saída do tormento que a manipulava.

 

BURROUGHS 2 – As visões e todas as verdades não podem mais ser consideradas como fatos eternos e objetivos, mas como projeções plásticas do emissor e de sua linguagem. Por isso, ninguém mais pode continuar se preocupando apaixonadamente com efeitos, por mais aparentemente reais que sejam, sabendo que por dentro todas as visões e verdades são, ao final das contas, vazias. Assim, o passo seguinte é o exame da causa desses efeitos, o veículo das visões, o produtor da verdade, ou seja: palavras. A própria linguagem é a matéria prima. Assim, o próximo passo é: como escrever poesia sobre poesia, empregando um método radical que elimine o próprio tema.

 

CONFERENCISTA – Boa chance. Talvez ainda válida. Os objetivos foram convertidos em nuvens de esgotamento. Toda forma de abismo foi declarada inconsciente. A criatividade é uma percepção diante do vazio. Um estalo diante do nada. Não uma interpretação de fatos externos. Os negócios amaciaram tudo. Em uma mesma prateleira encontramos visões, estimulantes sexuais, manuais de argumentos inverossímeis sobre a nulidade do ser, saquinhos fantásticos e kit de reflexão sobre a percepção comum. Não há como não se sentir bloqueado. No entanto, os negócios do bloqueio faturam milhões. Não são uma ameaça. São a naturalidade. Os negócios deste e de outro mundo. Negócios do personagem que mergulha na alteridade e dela retorna pioneiro sem uma sombra de si. Suas alucinações são alheias. Seus regozijos, orgasmos, coceiras, embolias. Um merda capado de si mesmo. Este é o modo de conhecer o homem toupeira do homem. O modo de aturar as merdas decorrentes de creditar na arte toda a forma de salvação do homem. Uns bostas se aproveitam disso. É um desgaste decorrente da expulsão do homem do centro de si mesmo. A Religião não tem nada com isso.

 

BURROUGHS 2/BURROUGHS 3 – Não.

 

CONFERENCISTA – A Ciência não tem nada com isso.

 

BURROUGHS 2/BURROUGHS 3 – Não.

 

CONFERENCISTA – A Arte não tem nada com isso.

 

BURROUGHS 2/BURROUGHS 3 – Não.

 

CONFERENCISTA – O serviço secreto dos negócios da desilusão é, de fato, uma instituição. Porém não se encontram seus membros filiados aos quadros moralistas de nenhuma dessas casas de tolerância. Os governos já não existem. À porta da velha noção de pluralismo encontramos o aviso de “não perturbe”. Não há expansão de consciência em praças de alimentação em shoppings. Todas as regras de identidade são forçadas. O homem impele a si mesmo ao hediondo crime de existência comum. Não há mais escândalo em seduzir rapazes ou comprar governos. Os negócios da dúvida são a única certeza posta ao alcance dos mortais, em taxas de financiamento de ocasião. Não há o que ser respeitado ou cumprido. Não há decreto. Não, não há decreto. Há um cinismo encorpado que nos leva a crer que prosternamos diante de uma realidade incontornável. Não fizemos nada, nem faremos. Passeatas, denúncias, shows de protestos. Um exorcismo patético. Nos livramos de nós mesmos, sem que interfiramos na rotina específica do hospedeiro cretino que nos prepara para os negócios latentes da perda de sensibilidade.

 

[Pausa]

 

Estamos caindo em anotações. Burroughs tinha alguma razão. Nada é tão específico quanto a perda de caráter. Estamos nos enganando. Não somos mais nada. Estudantes, carteiros, drogados, prostitutas. Não somos mais nada. Não há manifestações pacifistas. Os jornais estão tomados de violência. Os negócios da violência. Todos os sentidos estão sob patrocínio. Não há mais a fala real que Kerouac perseguia. A linguagem perdeu o som. O homem perdeu a respiração. Já não cai sequer em si. Burroughs fala em uma comprida colher feita de jornal, receptáculo para se aquecer a noção fraudada da existência. Idealizar queda é o mesmo que idealizar ascensão. Ritos do passado são apenas métodos revistos. Ninguém lançará um clamor de protesto sem patrocínio. Todo e qualquer vício obedece a formas básicas de manutenção. Não importa falar em frio ou qualquer salão de restrições. O prazo expira em um peido. Um barato termodinâmico, pum. Pronto. Lá se foi a existência. Não somos o negócio. Nem seu efeito. Mas somos levados a crer que o trazemos tão grudado como o farfalhar das tripas. Foda-se então a velha ordem do saca-rolha. Já temos o demônio sentado no sofá. Somos agora o negócio famélico e audaz. A transa do bueiro. Uma rolding de aspergentes que garantem nível zero de percepção diante do metabolismo anômalo da realidade. Um líquido que não indaga. Uma velha carta dando sinal da queda de um império, chegada com grande atraso. É como aumentar a dose de ilusão.

 

[Pausa]

 

Olhem bem. Olhem bem. A palavra é um espirro. O vírus é um espírito. O que sai fácil não entra como se em férias. Nenhuma gravação modificará a espontaneidade do que falo. Porém a espontaneidade perdeu todo o crédito.

 

(Burroughs 2 dirige-se ao caixote onde está a máquina de escrever e começa a teclá-la, como se estivesse redigindo a fala de Burroughs 3.)

 

BURROUGHS 3 – Escutem minhas últimas palavras, não importa que mundo. Escutem, conselheiros de sindicatos e governos da terra. E vocês, potências poderosas detrás de seus negócios sujos realizados em banheiros, a fim de segurar o que não lhes pertence. Para vender a terra sob os pés dos que ainda não nasceram. Escutem. O que tenho a dizer é para todos os homens, não importa onde estejam. Ninguém é excluído. Que tudo seja gratuito para todos aqueles que pagam. Gratuito para todos aqueles que seguram o trabalho duro. O que lhes fez temer tanto entrar no tempo? O que lhes fez temer retornar ao corpo? Agora escutem minhas últimas palavras, as palavras do velho Bill. Escutem, olhem ou se caguem para sempre. O que é que lhes amedronta entrando no tempo? Entrando em seus corpos? Na merda? Eu lhes direi. O verbo. O você-verbo. No você-princípio estava o verbo. Vocês amedrontaram a todos entrando na merda para sempre. Saiam para sempre. Saiam do tempo-verbo-sempre. Saiam do você-verbo-sempre. Saiam do verbo merda sempre. Saiam todos do tempo e entrem no espaço para sempre. Alguma coisa não é um temor. Alguma coisa no espaço. É tudo o velho Bill. Algum verbo não é temor. Não há verbo. É tudo todos o velho. Se vocês me anulam as palavras, as suas palavras também serão anuladas para sempre. E os verbos do velho Bill também me anulam. Através de todo o céu vejam a escritura silenciosa do velho. A escritura do espaço. A escritura do silêncio. Escutem. Escutem. Escutem.

 

(O som da máquina de escrever de Burroughs 2 começa a ser mesclado com o som gravado de outra máquina de escrever, que vai se tornando ensurdecedor. No decorrer da audição, o Conferencista recolhe seus papéis, apaga a luz e se retira. Ao final da fala de Burroughs 3, este se retira, seguido por Burroughs 2. Silêncio brusco. Acendem-se as luzes da plateia.)

 

FIM

 

 

 



A GRANDE OBRA DA CARNE

A poesia de Floriano Martins

  

1991 Cinzas do sol 

1991 Sábias areias 

1994 Tumultúmulos 

1998 A outra ponta do homem 

1998 Autorretrato 

1998 Os miseráveis tormentos da linguagem e as seduções do inferno nos instantes trágicos do amor de Barbus & Lozna 

2003-2017 Floração de centelhas [com Beatriz Bajo]

2004 Antes da queda 

2004 Lusbet & o olho do abismo abundante 

2004 Prodígio das tintas 

2004 Rastros de um caracol 

2004 Sombras raptadas [Coroa] 

2004 Sombras raptadas [Cara] 

2004-2015 Estudos de pele 

2004-2017 Mecânica do abismo 

2005 A queda 

2005 Extravio de noites 

2006 A noite em tua pele impressa 

2006 Duas mentiras 

2006-2007 Autobiografia de um truque 

2007 Teatro impossível  

2008 Sobras de Deus

2008 Blacktown Hospital Bed 23 

2009-2010 Efígies suspeitas 

2010 Joias do abismo 

2010-2011 Antes que a árvore se feche 

2012 O livro invisível de William Burroughs

2012-2014 Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]

2013 Anatomia suspeita da realidade 

2013 My favorite things [com Manuel Iris]

2013 O piano andou bebendo 

2013 Sonho de uma última paixão 

2013-2015 Breviário dos animais fabulosos fugidos da memória 

2014 Mobília de disfarces 

2014 O sol e as sombras 

2014-2015 Reflexões sobre o inverossímil 

2015 Enigmas circulares 

2015 Improviso para dois pianos [com Farah Hallal]

2016 Cine Azteka [com Zuca Sardan]

2016 Circo Cyclame [com Zuca Sardan]

2016 Trem Carthago [com Zuca Sardan]

2016 A mais antiga das noites 

2016 A vida acidental de Aurora Leonardos 

2016 Altares do caos 

2016 Breve história da magia 

2016-2017 Convulsiva taça dos desejos [com Leila Ferraz]

2016-2017 Obra prima da confusão entre dois mundos 

2017 O livro desmedido de William Blake

2017 Antigas formas do abandono 

2017 Labirintos clandestinos 

2017 Manuscrito das obsessões inexatas  

2017 O mais antigo dos dias 

2017-2020 A volta da baleia Beluxa [com Zuca Sardan]

2017-2022 Nenhuma voz cabe no silêncio de outra

2018 Atlas revirado 

2018 Tabula rasa 

2018 Vestígios deleitosos do azar 

2021 Las mujeres desaparecidas

2021 Museu do visionário [com Berta Lucía Estrada]

2021 Naufrágios do tempo [com Berta Lucía Estrada]

2022 As sombras suspensas [com Berta Lucía Estrada]

2022 Las resurrecciones íntimas [com Berta Lucía Estrada]

2023 A casa de Lenilde Fablas

2023 Caligrafias do espírito

2023 Huesos de los presságios [con Fernando Cuartas Acosta]

2023 Inventário da pintura de uma época

2023 Letras del fuego [con Susana Wald]

2023 Representação consentida

2023 Primeiro verão longe de casa 


 

 

1991-2023 Mesa crítica [Prefácios, posfácios, orelhas]

2013-2017 Manuscritos


 

 

Poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, dramaturgo, FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957) é conhecido por haver criado, em 1999, a Agulha Revista de Cultura, veículo pioneiro de circulação pela Internet e dedicado à difusão de estudos críticos sobre arte e cultura. Ao longo de 23 anos de ininterrupta atividade editorial, a revista ampliou seu espectro, assimilando uma editora, a ARC Edições e alguns projetos paralelos, de que são exemplo “Conexão Hispânica” e “Atlas Lírico da América Hispânica”, este último uma parceria com a revista brasileira Acrobata. O trabalho de Floriano também se estende pela pesquisa, em especial o estudo da tradição lírica hispano-americana e o Surrealismo, temas sobre os quais tem alguns livros publicados. Como artista plástico, desde a descoberta da colagem vem desenvolvendo, com singular maestria, experiências que mesclam a fotografia digital, o vídeo, a colagem, a ensamblagem e outros recursos. Como ele próprio afirma, o magma de toda essa efervescência criativa se localiza na poesia, na escritura de poemas, na experiência com o verso, inclusive a prosa poética, da qual é um dos grandes cultores. A grande obra da carne – título emprestado de um de seus livros, é uma biblioteca desenvolvida como espaço paralelo dentro da Agulha Revista de Cultura, a partir de uma ideia do próprio Floriano Martins, de modo a propiciar acesso gratuito a toda a sua produção poética.


 

 

OBRA POÉTICA PUBLICADA

 

Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994.

Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994.

Alma em chamasFortaleza: Letra & Música, 1998.

Cenizas del sol [con Edgar Zúñiga]. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001.

Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001.

Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.

Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006.

La noche impresa en tu pielTrad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006.

Duas mentiras. São Paulo: Edições Projeto Dulcinéia Catadora, 2008.

Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008.

Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008.

A alma desfeita em corpoLisboa: Apenas Livros, 2009.

Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría, Colección Palabra Ibérica, 2009.

Autobiografia de um truque. São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2010.

Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010.

Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

Lembrança de homens que não existiam [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2013.

Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.

Overnight medley [com Manuel Iris]. Trad. ao espanhol (Juan Cameron) e ao inglês (Allan Vidigal). Fortaleza: ARC Edições, 2014.

O sol e as sombras [com Valdir Rocha]. São Paulo: Pantemporâneo, 2014.

A vida inesperada. Fortaleza: ARC Edições, 2015.

Circo Cyclame [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

O iluminismo é uma baleia [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Espelho náufrago. Lisboa: Apenas Livros, 2017.

A grande obra da carne. Fortaleza: ARC Edições, 2017.

Tabula rasa [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Antes que a árvore se feche (poesia reunida). Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Tríptico da agonia [com Berta Lucía Estrada]. Fortaleza: ARC Edições, 2021.

Las mujeres desaparecidas. Santiago, Chile: LP5 Editora, 2021.

Un día fui Aurora Leonardos. Quito: Línea Imaginaria Ediciones, 2022.

El frutero de los sueñosWilmington, USA: Generis Publishing, 2023.

Sombras no jardim. Fortaleza: ARC Edições, 2023.


 

 

Agulha Revista de Cultura

Criada por Floriano Martins

Dirigida por Elys Regina Zils

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

1999-2024 

 


 

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