sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

A GRANDE OBRA DA CARNE | Inventário da pintura de uma época

 


A QUEDA

 

Em honra do Arcanjo Diego, por se haver recusado a soprar a Trombeta do Fim.

 

Estou caindo e não paro de cair. Os céus estão empoeirados e os deuses agonizam. As luzes naufragam em escadas que dão para antigos porões. Eu caio e as nuvens perdem seus traços. Uma usina de vertigens em cada espiral do tempo. As noites que não cessam de vomitar tantos nomes. Não é outra a formação anônima das quedas em seus temperos alucinantes. A cada momento em que caio um carvão repleto de desmaios rabisca insondáveis perdas em meu corpo. Atravesso os andares e não sei mais contá-los.  Talvez o mar ainda esteja visível devorado por dejetos. Ou talvez as lágrimas ainda confortem as minúcias desamparadas. Não importa. Tudo é queda. A eletricidade resumida a ridículas faíscas. Os bagaços de um desorientado tsunami. As falsificadas caixas de Pandora vendidas a governos que operam na rede escura. Tudo é queda e meu corpo não para de cair. As ruas também desabam com uma geografia de desassossegos e a intermitência de aflições e fábulas desacreditadas. As trevas vão ficando para trás com seus caprichos proscritos. Os pescoços rasgados das feras que um dia guardaram essas trilhas.  Até mesmo os martírios desprezam suas vítimas. 

 

Derretidos todos os lacres, o inferno não mais me alcança. Apenas caio e a queda se multiplica em desapegos. Quando alguém diz que nunca esteve no mundo da forma como todos aqueles que conheceu talvez tenha esquecido os subterfúgios do perigo. E quando o vejo passar a meu lado penso que a queda não se alimenta da consciência. Um céu de confidências desoladas mescla sua passagem com os impunes pântanos de tantas intrigas. Também a morte cai, e o degredo e as horas em que planejamos escapar ilesos da dor. As cicatrizes eletrificadas da culpa dão a impressão de que estão a cair os mesmos corpos. Quando se está caindo não há tempo para mergulhar profundamente ou mesmo refletir sobre distintos modos de cair. Não dá para sentir o sabor da queda ou imaginar outros sítios onde se poderia estar. Mal sabemos quem somos. Vemos as árvores arrancadas da terra, os lagartos desesperados por não saberem voar, a sensação horripilante de que as coisas apenas mudam de lugar. E o que vemos cair quase sempre é o oposto do que gostaríamos de levar conosco. Mas não há tempo. As luzes vão e vêm e sopram por todos os pontos e fusos. Como traços apagados e refeitos pelo vento. Já não nos identificamos com nada que nos acompanhe. Eu me disfarço em tantas quedas que desconheço a qual delas pertenço.  Ou quem sou em cada uma delas. Desconhecemos se são nossos olhos que se derramam sobre as coisas que vemos ou são elas que nos esmagam com suas visões indecifráveis. Cair muitas vezes é algo que não se consegue contar.

 

Uma pilha de pequenos corpos apodrecidos. A angústia debruçada sobre si mesma. As dores que não soubemos evitar. Quantos poços escavamos na alma até que a areia se mude completamente de um terreno a outro e torne a nos desafiar a revolver os fantasmas que não tiveram tempo de escapar? Quantos fachos de escuridão? Quantos deuses rasgando suas lendas? Quantos dias-noites recolhidos ao acaso ou desprendidos das paredes esponjosas de incertas passagens? De longe, uma distância aparente, escutamos os passos que se transformam em queda. As sombras desviradas são como poeiras que se dissipam a cada movimento.  O inferno ainda teima em resistir. Como a rotina atormentada do livro das revelações. Sei que estou caindo e que não paro de cair. Impossível decifrar os símbolos que em intensidades distintas naufragam comigo. Sinto a ausência dos elementos, há momentos em que desaparecem por completo. O incêndio da memória, a asfixia do desejo, a inundação de nossas cisternas anímicas, a firmeza do abismo sob nossos pés. As formas que vamos retendo nos limites idealizados da viagem até a fonte oculta dos impulsos carnais do impossível. Como se o ideal na queda fosse a descoberta de novas formas do corpo se manter unido em sigilo à sua fragmentação perene. O assombro com seus tentáculos rebenta os corpos e imprime uma contorcida configuração em seus pedaços desorbitados. Uma boca se queixa de não fazer parte do rosto. Os braços renunciam aos adeuses com que haviam sonhado. Os lábios de um desejo transformado em saudade.

 

Espinhaços rasgados, três canelas amarradas sem personalidade alguma, o ânus expulsando uma centopeia bastante incomum querendo voltar para casa. A terracota se martiriza por não poder arrumar a casa. Não há mais casa. A queda apenas cai. A pele coberta pela fuligem dos mapas. O sumo das estrelas que antes caíam nos quintais e agora despedaçadas parecem arremessadas para o alto. Porém a altura é um equívoco e as prateleiras tagarelam gasguitas enquanto perdem suas louças e metais. Houve uma casa há muito tempo. Antes da primeira queda e seus versículos. As noites estão ficando incontroláveis, não importa quantos dias passem por aqui. Não vamos parar de cair.

 

 

O CENTRO DO DIÁLOGO

 

Não voltaremos ao lar escorados na madeira podre da memória. O espaço não se julga tão intenso quanto o idealizamos. As palavras entram e saem no abandono dos ventos, com a letra mal tecida nos tapetes da existência. Talvez haja um lugar propício para o osso que os cães não tiveram tempo de enterrar. Como a renda fria de uma autópsia improvisada. E o ar que respiramos como uma palavra gasta. Acabamos por acreditar que os encontros são impossíveis e o estado putrescível da humanidade é a solidão. As lavas desassossegadas aboliram o tempo. O universo jamais curou seu refluxo. Somos uma página estampada na agonia oculta do olhar. O que vemos quase sempre é a sombra precária de um desejo. A semelhança desmedida do acaso. Como fazer para que as forças que marcam a nossa vida se recuperem de suas enxovalhadas transgressões? O avesso inumerável de todas as noções espatifadas do espaço. Quantas noites desacreditas? Quantas luzes propagadas no celeiro abandonado da escuridão? As luzes que foram dopadas com a marca do destino. Aquela desterrada volúpia que jamais encontrou um lar. A beleza que se dissipa no olho cristalino de seu milagre. Quantas vezes a noite é apenas uma pedra renascida sobre o cansaço dos voos. Quantas frutinhas fixas como um redemoinho atormentam nosso desejo de sumir no céu.

 

A imagem a que corresponde o silêncio não sabe como tocar o que somos. Talvez porque uma língua ressoe dentro de nós antes mesmo do nascimento das palavras. Como quem beija o dorso desses rumores que confundem deriva com exílio. Onde habitar o limite da visão? O cristal desnudo de sua paisagem, onde o podemos devorar? Quando a imagem se configura como uma poça de vertigens, como sobreviver à realidade que em seu íntimo não foi possível encontrar? Não retornaremos nunca a exigência alguma do tempo. Como a imagem dissipada de uma distância que foi perdendo o equilíbrio de suas árvores desenhadas no cosmos. Era assim mesmo. Para haver perguntas que desconheciam a natureza das respostas. Uma floresta de antônimos se desconhece sempre que redigimos algum murmúrio. A ausência é um vestígio que não se pode identificar. O olho no espaço se enche de lamparinas como uma espécie de animal oriundo de outra galáxia. Há um cardume distorcido de signos voadores que não deixam uma sombra sequer por onde passam. Pode parecer estranho que não saibamos de onde viemos, mas a escuridão se cala sempre que pressente um risco de luz em seu corpo. A tormenta do infinito por não passar de um momento raramente inesquecível. Os vultos esgarçados com a cabeça saltada longe vigiando os faróis de mundos paralelos. Deuses ínfimos que não sabem se distinguir entre si ou que fugacidade assumir.

 

Um dia será possível que esses deuses se convertam em galhos secos para ninhos onde se possa respirar o oxigênio embalado pelo renascimento. Deuses de papiros cintilantes. Deuses de areias sacrificiais. Deuses de escrituras impulsionadas pelos garranchos-vislumbres da premonição. Sem um de nós o mundo segue em sua debilidade memorável. Não somos nada, e a realidade brinca com o pensamento até que este se sinta real. Somos a mácula da resposta que desconhece a ronda obscura do esmalte de suas redomas. Quem pergunta? Haverá um desejo imaculado que supera nossa desistência de esvaziar a palavra? Talvez um de nós, pelo menos, tenha chegado até aqui para não dizer nada. Não sonhar como as tormentas são diferentes. Não deixar o bosque de incensos alcançar a cidade e propagar ali uma nova penumbra. Um véu relutante colado à parede. Um olhar antecipando o arvoredo que encobre a paisagem com a gula de sua existência. Um de nós talvez tenha dito a tempo que o verbo é um silêncio além do olhar. Mas que susto encontramos no presente que impeça ser traduzido fora do tempo? Quem deveria ser o centro do diálogo? A revelação como um torvelinho que não faz sentido fora do exato instante em que nasce. Haverá mesmo um modo de conversar com a origem de cada átimo do mistério?

 

Nunca saberemos o quanto a alma é uma névoa fora de lugar. A cor da palavra exata. O rio da sombra esvoaçante. O peso da planície que sobrevoa nossa inquietude. Como sabemos a noite certa para que o dia não desperte? O som de uma palavra faz a água morrer no lago? A lenda não cumprida abre uma fenda na crença de novos mistérios? Um de nós deve se matar antes que a água retorne a seu esquecimento. Uma água fora do lago, do mar, da lágrima tão distante de inundar o horizonte. Cada um de nós deseja um deus posto na varanda. A celebração de uma falha na primeira gota do orvalho. O borrão de desastres, o nanquim de estados remotos, o alcance de nada. As noites vão surrupiando o que há de imagens que foram saltando de pó em pó como uma pincelada de vazios. Quem gosta de entregar-se a um templo abolido? Qualquer mundo que imaginemos mora sempre fora de lugar. Como uma febre em organismo que se mantém encalhado a meio palmo do abismo. A vida já me chega. Umas folhas caídas pelo chão. Uma casa malfeita, segura em palhas, um horizonte que não serve ao próximo poente. Uma vida o mais longe possível de seus extremos, o mar, o sertão, a galáxia. Quem quer viver tão longe se não poderá contar a verdade sobre sua memória indefesa?

 

Éramos um mal morando em qualquer esquina, como uma chave desgovernada que não distinguia a cavidade entre o fora e o dentro. As noites morando em panos atropelados. As manhãs abrindo suas carnes em desconformidade com o dia. O espaço vitrificado como se a penumbra fosse uma amante desacreditada do espírito. Noites de sal, noites de quartos abalados, noites de uma noite desacreditada. Quantas distâncias teremos que colar ao corpo das noites para que elas saibam como viver conosco? Nada além de um distúrbio ou de uma plenitude escapada pela persiana. Os símbolos fora de lugar e as cores correndo o risco de voos fora de órbita. Como naves e seus reflexos, dias chuvosos, uma estação percorrida sem que o horizonte aceite seus riscos. Era para ser uma noite. Um ou dois pontos no centro do universo. a distante sabedoria que olha por nós como uma brisa que descreve a dor de cada palavra. Uma lua rajada na tela programada para repetição em mil salas. Nada em nosso ser contém o infinito do ar. Eu não direi o teu nome. Não seremos o brilho que nos foi roubado. A noite cai. Não importa como o dia a recebe em seus braços.

 

 

RELEVOS DE UM JARDIM IMAGINÁRIO

 

E sem saber as mãos tomam os traços da vista

Para não esquecer um jardim em relevo

JORGE CÁCERES

 

Eu tenho a noite silenciosa ataviada em meus ossos. Celebro a incógnita de biografias deixadas sobre a mesa. Um lápis que se arrisca à suavidade de traços do oculto. Um nome recordado nas extremidades do espelho. A sala fechando os olhos ao lamento dos caracóis. Um anjo chora e chora com seu coração imitado pelas madeiras empoeiradas da casa e sua aparência negra. Uma lamparina eloquente na repetição de sombras escreve com voz arrastada que alguma virtude, por mais movediça em sua distração, será escutada bem longe daqui, quando a árvore der leite a seus semelhantes. Talvez uma afeição negra cruze as migalhas da solidão. A noite bem pode encher-se de recompensas por crimes jamais descobertos e seus despojos sacrificiais. Estava escrito em alguma tábua que um de nós deveria rir. As fontes públicas se retorcem com ditados inúteis. Um sorteio deixado para trás. Uma recompensa a menos. Uma cabeça pendida como prova de alguma ironia. O crime é uma rua atribulada de angústias sem solução. Talvez as lágrimas de uma obra de arte esfaqueada. Ou a árvore desaparecida sob o entusiasmo do petróleo. Um coração atravessa a tempestade buscando o contrabando de musgos que possam conter a destruição. Não há um piso que se reconheça como a terra dissolvente de nossas vidas abandonadas em prateleiras, o alarme falso sob os pés das vítimas, seus monumentos risíveis. Quantas vezes eu conversei com ele sem saber quem era. As vezes em que o espelho sopra como uma dor maligna. Eu não quero ver as tuas aves sobrevoando o voo perdido. Já sabemos que todas as coisas caem dentro de si, e ali mesmo o sol se dispersa feito um encaixe desencontrado.

 

Uma mensagem retraída encontra os esforços imprecisos. Eu queria dizer que a noite é um jardim sem relevo. De minha boca saiu outra paisagem, impossível alcançá-la. Um verbo alimentado por despojos que eu desconheço. O meu corpo encontrado na tarde de uma fria desordem na casa celebrada por mil amantes, onde fui tantos. Os ossos de todos esses caprichos do amor, a vertigem depositada nas mais devotas sombras, no mel da folhagem, onde não havia mais jogo do que as últimas rochas compreendidas por gestos que se repetem e se amam. Não me venham dizer nada agora. Muito silêncio fala ao pé da cama, muitas vozes se calam em um abraço. As janelas enumeram casas que por vezes são deixadas para trás das visões mais secretas que possam relatar. Nada. Nada. Um verso, uma noite. A imagem de um rio colada sobre um pássaro. Jamais saberemos quem voa. O meu corpo era mancha de renúncia à realidade. Água, fogo, palavras – a ninguém dei a tarefa de revelar o pequeno repouso de minhas semelhanças. As nuvens que me queriam, as aves roçando minha pele, a água erguida como soluços de um imaginário, a proeza dos sóis, as folhas outonais, o canibalismo das imagens que fui retocando sempre que uma carícia do absurdo me soprava no ouvido a casca de um diamante, o caminho a ser refeito, o inesperado, a rude assembleia no gargalo da escuridão, o tempo faltando, o sorriso sem sombra. Quantas vezes a mesma fronha sobre nossos corpos, meus bolsos perdidos, meus gestos de despedida, a noite e nenhum osso mais vendo passar nosso extermínio.

 

 

VESTÍGIOS DELEITOSOS DO AZAR

  

Quando a cortina cai, o cenário se mostra um deserto.

Como a memória. Abandonada por todos.

FM

 

As sombras saem para caçar seus reflexos na noite escura. Duelam com alguns fios de luz como quem traslada sua presença de um corpo a outro. Os pequenos monstros cultivados pela realidade passeiam nas ruínas da memória. A noite permanece escura sem que o medo possa tornar visíveis suas moedas de gozo. Duas marionetes se libertam de seus cordões e atuam fora do roteiro. A praça central se enche de gente para ver os primeiros passos de liberdade delas duas. Porém não são propriamente passos de liberdade, mas antes passos temerosos. Como alguém que não sabe o que acontecerá no instante em que caminha. O medo do espaço não nos liberta do tempo. As marionetes começam a desconfiar que a ausência isolada dos cordões não lhes garante liberdade alguma de ação ou pensamento. Elas devem buscar na realidade as esquadrias sinceras que lhes permitam descobrir de que é feito o horizonte. Não há livros que ensinem por onde começa o mundo. Não há elevadores com quem compartilhar a ansiedade de chegar ao cume ou ao subterrâneo da existência. Sequer os relógios repetem as horas. Os nomes são outros sempre que pronunciados. A gente na praça aplaude o olhar de espanto das duas marionetes. Ninguém imagina o que o medo fará com elas quando todos dali se forem.

 

As duas marionetes são tão iguais que parecem uma só. Talvez sejam gêmeas. Ou talvez foram criadas dentro de um mesmo espelho. Uma mesma caixa de acrílico. De onde podiam ver o mundo, porém ninguém podia vê-las. Um mundo horrível criou as imagens mais arrepiantes dentro de seus olhos de madeira. As mais obscuras crateras foram semeadas como um campo de alucinações. Muitas vezes as duas gêmeas se confundiam entre elas mesmas. Como atrizes que embaralham as frases do roteiro. A repetição daquilo que jamais seremos. A repetição de uma fantasia. Os códigos secretos da repetição de quem sequer elas serão. Dentro e fora da caixa de acrílico. Dentro e fora do teatro que acidentalmente incendiamos em nossa alma. Desde então todas as noites são iguais. Não importa quanta gente vá até a praça central ver as meninas.

 

As trevas se engasgam como um mito arruinado. Como uma frase solta, que não sabemos a que hora dizer. Uma das duas deve gritar, antes que as máscaras comecem a identificar nossos rostos. Toda a gente que veio nos ver clama por um número excessivo de máscaras. Meu rosto está preparado. Meu corpo assumirá a forma correspondente de cada máscara. Tecido velho com olhos luminosos e cabelos de gravetos de uma árvore incendiada. Há demasiada luz em meus olhos. Não posso ver tua máscara. Porém escuto o quanto falas com todos e imagino os traços de giz em sua testa. Uma cascata de giz moldando a ira de um olhar perdido. Há nomes perdidos em sua voz. Labirinto de nomes que desconhecem o próprio destino. Quero mudar de máscara, porém antes nós duas temos que descobrir a origem desses nomes esquecidos. Quantas noites escuras cavam a madeira desnuda de nossos corpos? Quantos personagens virão ao centro da praça desmentir nossos temores renitentes? Faz de teu rosto um lago que apague a luz do meu. Necessito ver a próxima máscara. Não posso perder o curso de minha representação. Ajuda-me a reconhecer quem ainda não pude ser.

 

Olho para todos na praça e vejo que não há máscaras.  Cada um deles deveria ter trazido a própria. De outro modo, como podem nos ver? Seus rostos nus são como os nossos, de madeira lisa. Não há reflexo de alma ou sonho ou lembrança. O que vemos nos demais é um hemisfério perdido de ilusões. Enquanto não aprendermos a olhar não saberemos quem somos. Uma noite escura no centro do mundo. Duas marionetes. Toda a gente que já não sabe o que está fazendo ali. Necessitamos máscaras para revelar quem somos e descobrir o significado de cada coisa no mundo e desatar os nós de nossa atuação. Larvas mecânicas, o olho aflito de um vulcão, traços de um ritual indígena. Vamos distribuir máscaras para cada uma das pessoas presentes. Relógio com todas as horas concentradas na metade de sua cara, marfim negro de um desenho infantil, paisagem perdendo suas cores desde a testa até o queixo. Vocês podem escolher qual máscara lhes representa melhor. Não tenham medo. As máscaras trarão a todos para nosso mundo. E então repetiremos a cada cena o volume das mais incessantes descobertas.

 

Agora, todos nós podemos conhecer o medo. Sentir as máscaras farejando nossos corpos. Recuperar a pele perdida. Agora podemos recordar os cantos, os rituais orgíacos, os cheiros de atração e repulsão. Uma serpente em cada espinhaço. Uma terra incógnita em cada passo. Os humores da carne sendo tecida pelas vertentes do desejo. Cortar os membros. Embaralhar as dores. Cometer os crimes para os quais tanto nos preparamos. Espalhar as cinzas da repetição pela casa inteira. A praça ondulada como uma residência viva. Ossos e orgasmos confundidos. Uma das duas deve retirar da caixa de acrílico os cordões e recortá-los. A outra cuidará de dar vida a toda a gente que veio nos ver. Agora é a verdadeira hora de aprender a ter medo.

 

O segredo está bem guardado. O medo coleciona ruínas no centro da praça. Seu primeiro nome sorteado é Escuridão. A segunda ameaça saiu correndo em busca de nossos fatores. Na terceira noite a lâmpada do mito começou a gotejar uma curiosa toxina. O cérebro das marionetes se escondeu no fundo falso da caixa de acrílico. Pequena multidão de cérebros prensados com seus motores emocionais dando início a um último ciclo de sua existência. As marionetes não dão pela falta do cérebro e pendem de seus cordões, silenciosas, esvaziadas de qualquer pensamento. Seus corpos de madeira começam a apodrecer, sepultados pelo vazio e a incredulidade. Os cérebros perderam seus corpos. Não há dedos para pressionar o botão correto que possa reiniciar o espetáculo. As máscaras abandonadas no centro da praça se entrelaçam e não identificam o que possa ser irreal ou não. O silêncio dorme e sonha com a cena seguinte: qual será o entreato? O segredo está bem guardado.

 

Não temos medo da loucura. Não temos medo do silêncio. Não temos nenhuma oportunidade contra o tempo. Não temos o que comer esta noite. Não temos como fazer amor com tantas máscaras. Não temos medo de cair ou subir. Não temos medo de frases pronunciadas ao contrário. Não temos para onde ir caso o inferno caia de cena. Não temos uma gota de sol em nossas sombras estiradas. Não temos como morrer em momento algum. Não temos medo da praça central. Não temos medo do medo. Nada restou de nós duas.

 

 

A PROPRIEDADE IMAGINÁRIA E A COLA DESFEITA

 

A data era imprecisa ou simplesmente ilegível. Circundei com a ponta da faca o corpo que estava no centro da foto. Era quase um desenho em suas linhas certeiras. Daria uma boa composição colado sobre uma pedra esverdeada. Imaginei que poderia expandir-se como uma nuvem fumando seu cachimbo, beliscando a nervura da tarde. Quem pensaria em fumar uma pedra verde-musgo com um cadáver inadvertido dessa nova imagem que ia se formando a cada baforada? A tarde deveras chamava para si os prismas da fumaça e a irritação de meus olhos. Seria mesmo impossível identificar a data, mas a esta altura já não importava tanto saber o que o tempo fez de si para que uma cena fosse se ocupando de outra. Talvez fosse este o mistério da colagem. O inesperado agradecimento que deixamos escapar à metáfora invisível que nos reconforta com a realidade. Sim, o cachimbo evocava uma realidade e um coro de eunucos soprava a cortiça para o interior da garrafa de vinho. Talvez fosse a hora de recordar um pouco Max Ernst: Oh deusa querida, acaricia-me como bem sabes fazer, na inesquecível noite em que… nós estávamos certos de que a novena de eunucos pintaria o céu sem tropeçar nas nuvens. Max tinha um carrossel para cada assimilação de ventanias nos cabelos de sua amada. Uma delas chegou a lhe prometer: Vou trazer uma dúzia de toneladas de açúcar. Mas não toque no meu cabelo. Os tecidos reconfigurados com que os lugares poderiam passar a ser melhores. Max os tinha. Talvez guardados em baús com plaquetas de títulos enganosos. Max soube reescrever todo o enigma e a criação da luz em Gustave Doré, até que as suas belas dançarinas estivessem completamente exaustas. Oh deusa tão querida, as formas pareciam as mesmas, mas foram coladas de modo tão divergente em Blake, Doré, Ernst, que os carvões já sabiam o endereço certo de cada linha. As gerações acabam por perceber que as expansões são erráticas, e os escalpes amontoados em um quarto escuro não projetam o ressurgimento de uma velha tribo dizimada.

 

Eu devia ter algo em torno de uns sete anos e uma bem diversificada coleção de gibis que meu pai semanalmente me comprava. Lendo as desoladas páginas de uma índia cavalgando em um altiplano, enquanto falava com seus mortos, pensei em tirá-la dali e então cuidadosamente recortei sua figura. Creio que funcionou ao contrário do que imaginei, o espaço começou a ser preenchido por um corredor extenso, com uns cinco passos de largura, muitos quadros nas paredes, como se fossem efeitos de uma memória implantada, guiada por um gatilho que me fazia saltar de um móvel a outro, a mobília para mim irreconhecível, até o ponto em que uma senhora se aproximou e me disse chamar-se Toshiko Okanoue. Um homem alto a acompanhava, em terno completo, a cabeça de um abutre com os olhos furados. Um cão negro bebia o óleo de uma bacia cujo fundo era um relógio. Toda a cena parecia propagar uma melancolia incomum. O corredor era o da casa de minha avó materna. Os quadros nas paredes sempre estiveram ali, porém eram naturezas mortas tradicionais, e não um cortejo de metamorfoses que mais pareciam adentrar do que sair das molduras. Quando toquei melhor algumas obras de Toshiko aprendi que a superfície mais hipnótica de uma colagem é aquela em que o enigma está recortando seus detalhes, formando uma nova concepção de abismos e situações. Não se trata de um apanhado de conjunções dissimiles ou opostas, não é um jogo de oposições, mas antes a sensação de que a realidade pode ser munida por afinidades insuspeitas. Os sonhos de Toshiko Okanoue eram um prato de mutações, mapa de acidentes que condensavam a realidade à volta de outros sonhos. Talvez por esta razão a figura da índia cavalgando que eu recortei fosse buscar outros corpos iguais aos seus, dispersos pelas paredes, convidados por Toshiko a pressentir uma nova quimera nas asas miraculosas do silêncio.

 

Era preciso tirar aquele pássaro negro da foto, talvez com um tiro ou uma tesoura. A imagem abolida dará lugar a uma mudança de estação ou buscará compensação em outra ideia. Uma sombra pode penetrar bem fundo em seu vazio e dali extrair um outro símbolo. Mas o que deveria sair da imagem não era tão simples como o efeito de um objeto perdido. Talvez se pudesse pensar no recurso de preparação de cena. Quando fosse noite eu poderia recortar as partes mais escuras e depois fazer com elas uma caixa preta repleta de segredos à espera de um acidente. Os papéis recortados poderiam assim inventariar a fortuna e o desvario de uma distinta precipitação da realidade. Jorge de Lima e Enrique Molina, o modo como ambientavam seus recortes, fricções ágeis entre a cola e as sombras dos papéis. O mistério à espera de uma participação oportuna em cena. As chances seriam dadas pela observação de outros mundos. Um mundo de esferas tumultuadas e feras repetidas à exaustão. Os cabelos de Max Ernst, o expediente generoso de sua imaginação, o melhor para estrangulá-los, meus filhos, parecia dizer a tantos tributários, que pareciam haver copiado a frase: Meu lugar será sempre aos pés de um criador misericordioso, enquanto o que se lia, uma vez mais seguros de se tratar de uma fala de seus cabelos, era: Sonhar, vestir, balbuciar nos dias de doença. A poesia de Jorge e Enrique possuía a vertente porosa de uma expressão que fundava em si mesma, rio renascido no próprio leito, a vitalidade de ousada permanência além da realidade. Essa força teatral de florescimento de mil formas de ser é o que Max conseguiu através da colagem. Se fazemos passear juntos suas colagens e os poemas dos dois outros, veremos que sabem decantar a intimidade do olhar, abrigando as passagens mais secretas que nos conduzem de um mundo a outro. Porém são, ao mesmo tempo, tão distintas entre si, que é impossível guardar segredo desses elegantes realces.

 

De outra longínqua esfera, o horizonte submerso em si mesmo, a fundura náutica do deserto, o oceano enturvado da imaginação, lá desse confim de um mistério maravilhado, vinha aquela que talvez seja a ponta mais fina da revolução surrealista no âmbito da colagem, esse mundo aparentemente extraviado que encontramos na tesoura de Ludwig Zeller e que é capaz de transformar o sonho, ou como ele próprio sempre cuida de nos recordar, a cada imagem: a vida é tão-somente a pele de uma miragem. Quantas vezes viajamos pela perene oportunidade de outros sonhos quando nos deixamos tocar por suas colagens. E quando lemos seus poemas o encantamento se multiplica porque descobrimos que é a mesma fonte, a mesma intensidade ou consciência do olho, o que desejamos decifrar em sua lupa. Como um peregrino que recorta as sombras do sol desmembradas sobre nossos passos na terra, o caminho solitário do mágico cruzando o deserto, os personagens dessa imensidão que a todo instante nos diz: Concentrando a mente aparece a paisagem. Se fosse o caso eu confessaria que esse banquete de maravilhas que Ludwig Zeller realiza, mais do que no poema ou na colagem, na alta temperatura com que funde os metais de sua imaginação, sim, eu confessaria que foi ele o propiciador de meu calendário de excessos, do barco ébrio de minha criação.

 

Quando o homem tem bem dentro de si uma mulher é que ele pressente o quanto a realidade é incompleta. Dois corpos se arrastam pelo interior um do outro buscando uma causa para suas consequências. Talvez a vida fale mais alto ao sublinhar as ausências, talvez seja este o modo dela dizer que todas as formas tendem à imitação. Quando tenho uma imagem recortada bem colada dentro de outra, também aí vislumbro que novas formas cobrem seu lugar em uma simples mudança de ângulo. A colagem acaba por gerar uma outra e igualmente incompleta realidade, onde sou tudo o que colo em mim, até mesmo as mais inadvertidas causas. Incompleta ou não, diante da metamorfose resultante de uma colagem jamais nos indagamos que sentimento ela tem acerca de sua nova vida. A realização do olhar desconsidera a razão de ser do objeto exibido. Digamos que seja uma mulher com seis pares de braços e uma cabeça de serpente, a fascinação exercida por essa imagem não vem dela e sim de quem a contempla. A realidade advém dessa estranha forma de divinização que aplicamos a ela. 

 

O quarto estava inteiramente despido de si. Nem porta ou janelas, cortina ou tapete. Sem luz ou móvel algum. Como um cubo em completo despudor. Rosália sabia o que fazer, passear a sua nudez na escuridão e em silêncio, movendo-se e retorcendo o corpo de todos os modos que a dor e a imaginação permitissem. O clique da câmara abria a bocarra do flash que engolia a carne do acaso dos movimentos dessa mulher. Seu corpo ia sendo criado através de inúmeros fragmentos e quanto mais incompletos mais reverenciavam uma paisagem multiplicada em si mesma. Quando fomos passar as fotos para o computador pude verificar a ousadia crescente com que ela foi tingindo seus movimentos de um voraz erotismo, tocando-se, abrindo-se, contorcendo-se como um molusco que aprendera a lidar com sua sexualidade. Aquelas fotos seriam o princípio de formação de uma nova matéria. A partir delas surgiriam os ovos cujas cascas uma vez rompidas dariam passo a essa realidade inimaginável. A colagem é um salto na imensidão agônica de uma ausência de significado do mundo já existente. É possível dever a ela a felicidade do encontro de novo significado. Mas essa celebração se verifica em qualquer forma de criação artística. Assim como na colagem, sob certo aspecto, tudo o que deslocamos de um ambiente para outro em nossa visão de mundo, de modo que esse deslocamento se realize na música, no teatro, na dança etc.

 

Ao final do dia a garrafa vazia vivia seu pior dilema. Todas as fotos haviam sido recortadas e o que elas agora tinham a dizer era bem diverso da imagem fixa de sua memória. Era possível até mesmo sobrepor objetos, revirando a casa, dando novo endereço ao acaso. Como quem recortasse os dias em um calendário para com eles dar início a uma biografia repleta de incertezas. Os dias escolhidos ao acaso talvez até coincidam com os interesses da memória, mas podem sintonizar uma nova perspectiva de extravio. O personagem que permita sortear desse modo o próprio destino decerto saberá entender que as partes faltosas são como veias dissecadas ou visões esquecidas em um simples piscar de olhos. Um dia conversando com outro artista, eu lhe disse: O problema (não é para mim um problema, já saberás) é que a forma como fui talhando a essência de meu pensamento, essa profundeza de uma síntese, não me permite a utilização de espaço demasiado para dizer o que tenho a tanto. Talvez eu devesse voltar à narrativa encontrada por Max Ernst para contar uma história através da colagem, e não para ilustrar o texto com a imagem. Em um livro como Rêve d’une petite fille qui voulut entrer au Carmel (1930), a impressão que temos é que se algo atua como elemento ilustrador é o texto, um texto, é bom que se diga, que poderia estar ausente de suas páginas sem comprometer a fiação do caso. Talvez eu devesse retornar à tesoura, à cola, à lupa, ao modo como comecei a lidar com a colagem, com a obsessão discreta de um miniaturista, que procurava as fontes de expansão da imagem em sua entrada cada vez mais aprofundada em si mesma. Quando comecei a recortar livros abertos e a inserir no interior de suas páginas as visões minúsculas de uma realidade alheia à sua incompletude, que ia tocando cada objeto e o convertendo em outra forma, ou simplesmente em outro modo de olhar a si mesmo.

 

As minhas gavetas, caixas encontradas em tamanhos variados, eu as fui viciando em miúdas fontes descompassadas, como pedaços de corpos de diminutas bonecas, de pano ou plástico, desejosas de entrar em uma espécie de castelo das naturezas mortas. Oi pequeninos, o que vocês acham que poderão ser amanhã? Eu bem poderia cedo pela manhã indagar isto àquela inconsciente relíquia. A natureza, a outra, a incompleta e que se imagina viva, à qual julgamos pertencer, me havia viciado a ver o mundo desfigurado, despedaçado, como se eu houvesse instalado um par de tesouras em meu olhar. Será sempre assim quando criamos? De algum modo, com o tempo, os meus pequeninos foram se cansando de mim. As silhuetas bem-humoradas de Hans Arp, as caixas de Joseph Cornell que projetavam o mundo em seu interior, o recenseamento do absurdo na multiplicação infinita de seres em Peter Blake, esse mundo que ia produzindo suas sombras entre a pintura, a fotografia, o objeto, que ia me visitando e apaixonando anos a fio… Mesmo assim, os meus pequeninos acabaram conhecendo a solidão no interior de suas câmaras de madeira ou papelão. Durante algum tempo a colagem deixou de me interessar até a descoberta de um motivo: os meus fantasmas queriam para si um corpo que eles pudessem identificar como sendo seu integralmente, uma ilusão de que poderiam habitar o mundo sem a menor sombra de semelhança com outros. O primeiro plano dessa descoberta me levou a compor um acervo fotográfico próprio que eu poderia recortar e moldar a novos ambientes inevitavelmente incompletos. Somente ao encontrar um segundo plano é que acabei por entender que os meus novos pequeninos poderiam ser espíritos, espectros, prenúncios de uma imagem que somente nasceria de um gesto amoroso, o da sobreposição de desejos.

 

De volta à pequenina de Max Ernst, Marceline-Marie, quando lhe diz: Aqui na minha mão, pai, está a faca da suprema vicissitude, prudência, zelo e caridade. Meus companheiros receberam ordens para não gritar. Ao contrário, como eu não estava buscando um mosteiro, mas sim a entrada dos fundos de uma passagem para o inferno, com os motivos da imprudência e seus ardis devassáveis, as minhas imagens agora ansiavam por uma orgia que se prolongasse até a descoberta de um novo ser. Um corpo nu roçando uma pedra dura, o olhar revelado no íntimo de um tecido áspero, as flores carnudas do sexo brotando de troncos de árvores e margens de rios. Havia uma devassidão sem par que espreitava todos os encontros entre superfícies desejados pela beleza e a crueldade, o amor e a repulsa. Era preciso saber de tudo, que a consciência é má e pode nos enganar a todos, que os tolos só se aliviam porque lhes foram negadas a lucidez, que estamos condenados a desaparecer no vazio do hábito. A luz não era mais eleita em face da escuridão. As virtudes haviam perdido lugar no proscênio. Era preciso apenas escapar do enfado da existência. A lei, a moral e os relógios haviam sido demitidos. A partir daí criei extensas séries fotográficas, intituladas “Sombras raptadas”, “Selva de peles”, “Cadernos de taras”, onde o desmedido era a tática eficaz para recuperar o sentido perdido da criação. Um novo choque de ilusão, se me permitem.

 

Talvez existisse uma estranha linha sutil em que o sentido procurasse apoiar-se. Um simulacro de formas não resistiria por muito tempo se não desse a cada aparência um motivo que fosse interpretado como a chave para livrar o mundo dos repetidos truques da escuridão. O artista e sua obsessão pelo missionário. A serpente e sua memória viciada em paraísos. Quem quebraria essa corrente? Era preciso descrer no mito. Fragmentar o caos até que ordem alguma mais fosse possível. Jamais esperar que o hábito das pedras refaça o caminho. O baile dos vestidos no bosque fantasma. As caixas vazias de sapatos caminhando pela casa. Talvez os temas fossem possuídos por suas formas. Ou talvez os contornos se excitassem até que o papel assumisse uma vazante de identidades que extrapolasse qualquer sentido. As sobreposições permitiam uma colagem abstrata onde jovens corpos pareciam sair do fundo de um lago. Não seria possível conservar ordem alguma, porque o olhar não fazia perguntas, se mostrava sempre como uma porta cujo abrir e fechar era motivo suficiente para a multiplicação do inesperado. O olhar queria ser encontrado e mesmo apropriado por essas imagens. Eu queria uma colagem distinta daquela que tanto admirava nas páginas de Robert Rauschenberg ou Deborah Roberts ou John Baldessari. Não me interessava o pano de fundo dos dogmas, as vertigens implantadas dos blefes sociais, os disfarces de sonhos insuflados. Eu tinha, tenho ainda, aquela única certeza de Ionesco, de que ao final de tudo apenas o assombro permanece. E com ele eu repeti tantas vezes: De repente, a luz fraca de uma esperança insensata: o dom da vida nos foi dado, "ninguém" pode recomeçar. Não sei bem o que isso significa. Não o sei, em absoluto.

 

Por essa época duas novas abordagens começaram a me interessar: a supressão da realidade e uma mutabilidade narrativa. No primeiro caso o desafio estava em copiar da realidade as suas gradações perdidas, coladas umas sobre as outras, como um palimpsesto, até que essa mecânica assumisse a forma de uma realidade imaginária. Uma cidade feita dos elementos em abandono, das coerências esquecidas, das relações profundamente enterradas. Somente a radicalização desse mundo desconhecido permitiria o alcance das placas mais subterrâneas do imaginário. Tal iluminação não encontraria pretexto para mostrar-se visível se não fosse levada a conhecer os efeitos de uma reconstituição teatral do inesperado, a fonte do risível, os fundos falsos de uma certeza de si mesma. A partir daí comecei a trabalhar em uma série de máscaras, capas de discos e cartazes de cinema, um vetor de novas perspectivas ao encarar o que somos e fazemos, o ser e a criação. Seria aquele caso de alguém que dispara a arma contra o peito de seu reflexo no espelho, sem temer, em momento algum, a fatalidade de seu ato. Ou daquele outro que explode uma bomba na sapateira em seu quarto certo de que jamais perderia os pés. Alguém poderia lembrar a temperatura elevada em que as coisas se revelam. Sim, é isto. Deixar de lado o jogo das predisposições. Não prometer ir à rua atirando a esmo nas pessoas. Atirar em si mesmo, infinitamente, até descobrir-se outro. Foi nisto que pensei ao compor a minha tríade imaginária: os rostos, a música, as marcações cênicas. Não é outra a totalidade do assombro: o que vemos, ouvimos e o modo como nos expressamos no mundo.

 

A outra abordagem veio de uma exigência natural da imagem tridimensional. A curiosidade de sondar o encontro entre a assemblagem e a página-roteiro de um gibi. Volta à infância, pois era algo disto que eu fazia ao recortar os personagens das histórias em quadrinhos e com eles montar um teatro imaginário tridimensional. Certamente Jean Dubuffet se divertiria muito com aquele entreato infantil que viria décadas depois encontrar-se com a dúvida impressa em uma das páginas recentes: Deuses não descansam enquanto não os esquecemos. Não havia Dubuffet, Ionesco ou Hans Bellmer na minha infância; e, no entanto, como já estavam presentes! Como uma floresta (cuja miniatura poderia ser o quintal da casa dos pais, um bosque impenetrável de bananeiras e mamoeiros, cujas noites me aturdiam o espírito como um mistério querendo me excitar, dizendo que estava ali, que eu também poderia estar ali), uma floresta ao alcance de uma nova concepção. Se vai contar uma história, nunca se deixe enganar pela lógica perversa do tempo. A memória adora compartilhar seus pecados. Na página-assemblagem em que escrevi isto estava o foco daquela temperatura elevada que me assaltava a infância. Ao que parece, da vida só sobrevive, em seu acúmulo ilusório, aquilo ao qual nos estreitamos com toda a determinação. O que Ionesco chamava de vitalidade prodigiosa. O grau mais alto do devaneio. Lendo a página seguinte a intuição se torna a forma alucinatória por excelência: Não importa o degredo, a barganha, o vexame da fórmula, o dialeto das cinzas. A verdadeira essência humana é um ideograma grafado no vazio. Quando me li, impressionou-me que não tenha escrito isto aos sete anos. Essa identidade informal da analogia, o mundo improvável onde cultivamos uma horda de problemas somente em busca de algo que justifique nosso fracasso por não os solucionar. O sonho nunca foi um impasse e sim o implante de vigílias que instalamos em nós como um enxame de promessas que sabemos jamais serão cumpridas. Deuses botam a comida no prato da noite, preparam as estações para a fúria das aventuras e as cicatrizes das mais finas ilusões. Eis o que fizemos de nossa vida: somos os senhores de nossas próprias ruínas.

 

Ao final de qualquer ciclo sempre poderemos ler a invisível tabuleta que garante que somos uma colagem ofertada ao fracasso de tudo o que não compreendemos em nossa vida. Talvez o trabalho da intuição ainda tenha algo a nos revelar, porém criamos um vendaval daquilo que Bellmer chamava de percepção-enganosa. Somos a representação de nada. A prova de que a imaginação é uma deusa bastarda. Mal respiramos, pois tudo à nossa volta é irreparável. Houve época em que acreditávamos que o artista possuía um valor espiritual maior do que a pessoa comum. Não creio mais que tal crença possibilite a impressão de uma nova intensidade no mundo.

 

 

A DAMA SURREALISTA EM SEU BORDEL ELÉTRICO

 

Eu gosto de chuva.

É como se os anjos ejaculassem sobre nós.

 HARLEY QUINN

 

Andar caminho errado

pela simples alegria de ser.

 BELCHIOR

 

As noites com seus requebros nem sempre dizem a que horas abrirão as portas para o acaso. Velhos clientes ignoram a rapidez quase estática com que o tempo muda de roupa e são capazes de perder a própria vida na crença de que seus lugares estão marcados no salão dos pequenos vícios. Há aqueles que defendem a presença indisfarçável da inspiração para a criação, por exemplo, de um poema. Um desses raros, outro dia confessou: Eu não creio em inspiração, mas sim na loucura irrefreável dos seis sentidos. Era capaz de escrever um romance inteiro ou uma saga em versos, deslocando os tempos dos verbos e se recusando a aceitar as leis da física. Tínhamos que abrir com cuidado o seu caderno de manuscritos, sob o risco de palavras saltarem fora das páginas. Ao final, ele costumava mudar de lugar dois ou três substantivos previamente pensados, que cuidava de repetir aleatoriamente ao longo da escrita. Era preciso dar alguma atenção a esses personagens que surgiam à revelia da realidade. A vida de cada um de nós tem uma carta marcada que acredita em destino. Observando bem o que tem se passado com a história, essas vacilações incontidas são a causa de todo o destempero humano. Sem a presença do destino as religiões não durariam dois segundos. Por sorte as noites não são à prova de imprevistos. Este último reduto da alegria de viver. O diapasão de orgasmos geniais vividos por seres que estão além de si mesmos. As palavras que desventramos de um livro qualquer escolhido ao acaso podem conter – em alguns casos esta é uma verdade dilacerante – uma espécie de último suspiro que nos faz recobrar o compassivo devaneio que por vezes deixamos fora de si, como uma pele que restou no preparo de uma tela que nos desafiasse a pintar em seu íntimo as horas desfeitas de nossos silêncios inconclusos.

 

Ouvi dizer que as lágrimas caem no momento certo, guiadas por um pressentimento que não falha nunca. Elas distinguem as dores, reservam a cada uma delas uma dose suficiente para contornar a circunstância. Imagine se as vanguardas tivessem se ocupado de dar vida aos objetos, se as máquinas do Futurismo fossem personagens humaníssimos, ou se o inconsciente do Surrealismo fosse uma dama sagaz que em seu bordel cuidasse das relações sexuais entre todas as coisas… Alguém poderia indagar: como é possível encontrar a própria sina em meio ao turbilhão de dispositivos fora de controle, mercadorias extraviadas, matérias dissipadas? Atiçamos o olhar no alcance de seu enlace com o infinito e o que vemos é uma feira imensa de desígnios danificados. No mais amplo predomínio da agonia, despótica ausência de significado. Creio que todos já nos acostumamos com a vida em seu estupor inconsciente. O bordel ainda é um lugar sagrado para aqueles que não reconhecem o que perderam em sua travessia diária de pequenos favores. Talvez Nuria Schimmel tenha razão: a arte não traduz mais uma reação ao tempo e sim o próprio curso de miseráveis atavismos que foram sendo tatuados em nossa alma. Fechar tudo – gritam as portas desencontradas, em meio à avalanche de repetições que produz um bordão flácido. Fechar a palavra, não deixar o destino açoitar o abismo. Quem sabe se trocarmos o valor de algumas palavras entre si, a intempérie de seus símbolos, e assim fôssemos surpreendidos por um ritmo que, mesmo discrepante, gelasse por dentro e fizesse rachar o núcleo de suas perversões. Deuses com suas varinhas rascunham fábulas indescritíveis na beira da praia, depois apagam tudo com sua urina de sal. Os deuses são os monstros da infância. São sádicos e fazem as crianças acreditarem em um mundo onde o bem possa vencer o mal.

 

Eu ouço a música das cabras e quero dançar com elas. O pai não pode ver, pois o pai é o reduto secreto de toda imolação, a gruta que se abre na rocha marítima para o vislumbre de um sol agônico. As sombras tatuadas em meu corpo que me faziam sentir protegida da cópula dos deuses. Mas eu queria ser devorada por eles, tudo em minhas entranhas acentuava a sílaba da palavra com que eles me penetravam. Toda criança quer ser deus. Eu ia dizer que sim, mesmo com a mãe ali por perto com a palmada na ponta da língua. Parte do enredo era inevitável, porém não me metia mais medo do que o receio de perder aquela oportunidade. Por mais que despenque no caos e se dissolva em uma alegoria sem fim, a oportunidade é algo que não deve ser evitada. Sem ela, crescer pode ser inútil. As escadas bajulam as alturas melhor que o abismo. Elas querem impor um mundo sem saltos, onde tudo é ascensão irrecusável, a frauda deliquescente de um céu que se esconde ao ser tocado. O abismo considera o impacto uma das fontes da pertinácia. Os ventos brincam com seus fantasmas em casulos úmidos pendentes de tetos arranjados na última hora do ocaso. Os espasmos inconsoláveis das noites costumam atravessar o sertão das próprias penitências. É preciso deixar um prato de carniças do lado de fora das grutas, ao pé das escadas, somente assim o sol retornará ao jogo de sílabas de suas mil palavras comestíveis. A solidão do soldado soletra a solvência de seus insólitos solapares… Ah isto não tem fim… Então abandonemos as noites. Vamos vadiar com os anjos. Nuria Schimmel também dizia que a arte havia perdido seu apito ilusório, a chave dos fundos falsos que plantou em seus truques. E se houvesse em um idioma perdido no tempo uma palavra que ao mesmo tempo significasse destino e noite? As escadas são grandes monumentos engavetados pela ilusão. Os cômodos lascivos das hospedarias fincadas em lugares alternados. Por vezes o meu corpo se perde procurando sua morada mais cálida. Ninguém sabe ao certo qual noite se esconde atrás do armário. Qual cão adormece na taça dos lustres do velho casarão. Qual fantasma virá brincar esta noite com o abismo insone. Ao menos um de nós se divertiria a noite inteira a mudar as palavras de lugar em um romance. Muitas delas poderiam ter um duplo sentido. Outras, no entanto, não suportariam ser confundidas, como lei e justiça, ou dia e noite.

 

As sobras encharcam as páginas dos dicionários, desconhecidas até mesmo de boa parte dos escritores. Talvez Nuria tenha percebido que, ao serem entrevistados, dificilmente escritores falam de seu amor pelos dicionários. E os tanques de reprodução onde criamos os peixes delicados da linguagem? Serão apenas ornamentais? Sem a presença das noites as quimeras nada teriam a revelar. Até que ponto a língua que falamos contrasta com a nossa visão de mundo? Lembrei agora aquela descoberta de que os esquimós têm 50 palavras para dizer neve. Talvez tenham mais, se começarem a improvisar, na neve, com o mágico desdobramento das sensações. Quantas vezes desconhecemos que nosso universo linguístico expressa muito mais do que compreendemos? O que falamos, o que convertemos em palavras, é uma fração bem pequena daquilo que sentimos. Talvez em português possamos escrever de infinitas maneiras a palavra sertão. Jamais o saberemos, no entanto, pois temos uma visão reduzida da imensidão dessa região que de tanto ser desossada mudou a árvore de sua presença na terra: pele, intestinos, modo de andar, o jeito de deitar-se ao relento do horizonte aguardando a água que lhe foi desviada. Também a palavra sertão teve o seu destino desviado. Escutaríamos a noite inteira um livro de canções do abismo. As palavras formando novos guetos e afluentes, contando e apagando os percursos por estranhas estradas. Como os véus chorando em desacordo com a nudez dos mares, as saliências da terra apagando seus rastros como o amante que fugisse pela janela após amar a si mesmo no corpo da mulher a quem prometera um carrilhão de mistérios. Agora nos sentimos assim, como se a vida nos tivesse abandonado. São essas migalhas que vamos encontrando pelo chão que nos levam ainda a crer no amor. A esperança, no entanto, é uma velha gorda que se alimenta de nossas crenças. Onde estão mesmo os caminhos certos? Não há como sabê-lo. O erro é ainda a melhor chuva de anjos. Os pardais se alimentam de uma dialética renegada, dessa farsa de miragens que vamos fiando como se buscássemos o entendimento de deuses. As cédulas bailam sobre os cadáveres expostos dos tolos. Eles lambem a própria miséria e sequer estranham que a morte tenha lhes convencido a compor uma cena tão devastadora.

 

As palavras se perdem, indispostas, em uma vertigem transfigurada. Talvez por ali encontremos algum caminho certo, uma delas arrisca o comentário fugaz. O horizonte a contemplava do alto de uma página impressa ao contrário. O cabide dos tormentos vaga pela casa vazia à procura de uma outra palavra para a agonia que lhe aflige. Há uma cumeeira de sonhos que poucos se atrevem a acordar. Em certas noites os pesadelos se disfarçam e diante de um gesto inadvertido a vigília se sente eletrificada e dificilmente retornará a seu ninho. As vestes se dissipam. Não há mais corpos. Apenas vultos em desalinho habitam os casebres em chamas dessas noites. Era preciso contar os carneiros dessas horas angustiadas. Quando vimos a primeira mostra de um loop infinito em um museu de sombras constatamos que a partir daquele momento os horizontes perderam a sua função mágica. Não há dúvida, os egos vão sendo estraçalhados pelos spots. A natureza humana se perde em meio ao furor de sua constante perda de identidade. A vivência não conta. Somos todos despidos da guarda sagrada de um leviatã inominável. O serviço social bate à porta desde cedo exibindo seu campo de influência, as cartas com letra invisível que atestam o comando intransferível de uma insuspeita verdade absoluta. Não damos jamais pela conta do quanto a nossa alma foi esmagada por essa verdade. Não sentimos nada. A vida nos atola em sua matriz de falsificações, de modo que até mesmo a ausência, a morte, o rompimento de um amor, nada… com que tamanha eficiência o mundo se torna inacreditável. As dores inexplicáveis, o parto, a morte acidental, o rapto, o núncio que prega os verbos atônitos, as luzes, as luzes, as palavras se escondem nas luzes, podem ser aflitas ou reveladoras, contidas ou alarmantes, mas sempre nas luzes. Eu tive um sol que requebrava a cada instante, o meu olhar ia acompanhando o que parecia um caudal de vertigens. Não a vertigem solar, mas a minha, a minha inquietude de compreender o significado daquele movimento incansável.

 

Não podemos imaginar um mundo descortinado pela alquimia de quaisquer metais inventariados. Nada parece funcionar desse modo. Uma noite a casa acorda esvaziada de sensações. Um silêncio desmedido. Os móveis, os restos de um mundo em desuso, os insetos atraídos pelo exílio. O que é uma casa assim, que dá voltas em si mesma até não haver mais um sinal de sua existência? Quando essa ação de despejo do acaso se intromete em nossas vidas, as noites revelam aquele salto ou assalto de formas ou espectros que imaginávamos parte de certa liturgia. Uma fábula que garantisse, ao modo em que as fábulas costumam garantir, que as pedras usadas na construção de algo um dia podem se converter em cúmplices de sua autodestruição. Tenho então que indagar a Nuria Schimmel de que nos vale ir anotando a fluência de percepções acerca desses vultos que saltam das naturezas mortas que são a própria essência humana. Ela ri. O que pode haver no mundo que já de muito não tenhamos percebido? Qual a surpresa? Estamos acabando com a essência humana, ao ponto de não caber mais em uma caixinha onde a poderíamos guardar para que um dia, milênios depois, nunca se sabe, viesse a ser descoberta por outra espécie. Não se trata apenas de escritores. Nuria erra em sua perspectiva. As sombras foram surgindo aos poucos, os abismos enganam, não são retráteis, um dia convidei um grande artista a vir comigo repartir a bênção do acaso. Uma tela miúda sobre a mesa ampara o universo. Era como se fôssemos ao mar pintar aquela intrepidez límbica que nos faz crer que somos deuses. Somos a sombra hesitante de uma velha cafetina que cuidou dos mínimos detalhes de construção de seu bordel dedicado a um sistema elétrico que seria o reflexo absoluto do Surrealismo. Uma casa onde o mobiliário ganha vida e tanto dialoga com seus moradores quanto inventa interlocutores que possam iluminar a memória.

 

Um dia alguém psicografará uma trama que será a realidade aceitável de seu tempo. Em nosso presente instante os anjos ejaculam sobre nós pela simples alegria de ser. Não sei até quando resistiremos a esse abuso de improcedência. Não sei o meu nome. Quando nos falamos através desse canal intangível a nossa voz se converte em uma multidão de formas. Não sei se é tão fácil chegar a tão inimaginável epigrama. O fato é que quando estamos aqui, não importa quantos somos, nada no mundo parece estar em lugar melhor do que em nosso casarão imaginário. A chuva lá fora, os deuses, o baralho das impropriedades, as ocasiões imprevistas em que acabamos por desaparecer sob a tempestade. Não há nenhum mundo aqui. Tudo expira no exato instante em que o imaginamos. O desafio que aprendeu nosso nome é o mesmo que serve para qualquer um de vocês. Onde diabos vocês se meteram quando o que mais precisavam era provar que haviam descoberto um modo de ser? Parece fácil. Talvez seja. Talvez seja o mais valioso desafio da existência. Agora é com vocês.


 

 



A GRANDE OBRA DA CARNE

A poesia de Floriano Martins

  

1991 Cinzas do sol 

1991 Sábias areias 

1994 Tumultúmulos 

1998 A outra ponta do homem 

1998 Autorretrato 

1998 Os miseráveis tormentos da linguagem e as seduções do inferno nos instantes trágicos do amor de Barbus & Lozna 

2003-2017 Floração de centelhas [com Beatriz Bajo]

2004 Antes da queda 

2004 Lusbet & o olho do abismo abundante 

2004 Prodígio das tintas 

2004 Rastros de um caracol 

2004 Sombras raptadas [Coroa] 

2004 Sombras raptadas [Cara] 

2004-2015 Estudos de pele 

2004-2017 Mecânica do abismo 

2005 A queda 

2005 Extravio de noites 

2006 A noite em tua pele impressa 

2006 Duas mentiras 

2006-2007 Autobiografia de um truque 

2007 Teatro impossível  

2008 Sobras de Deus

2008 Blacktown Hospital Bed 23 

2009-2010 Efígies suspeitas 

2010 Joias do abismo 

2010-2011 Antes que a árvore se feche 

2012 O livro invisível de William Burroughs

2012-2014 Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]

2013 Anatomia suspeita da realidade 

2013 My favorite things [com Manuel Iris]

2013 O piano andou bebendo 

2013 Sonho de uma última paixão 

2013-2015 Breviário dos animais fabulosos fugidos da memória 

2014 Mobília de disfarces 

2014 O sol e as sombras 

2014-2015 Reflexões sobre o inverossímil 

2015 Enigmas circulares 

2015 Improviso para dois pianos [com Farah Hallal]

2016 Cine Azteka [com Zuca Sardan]

2016 Circo Cyclame [com Zuca Sardan]

2016 Trem Carthago [com Zuca Sardan]

2016 A mais antiga das noites 

2016 A vida acidental de Aurora Leonardos 

2016 Altares do caos 

2016 Breve história da magia 

2016-2017 Convulsiva taça dos desejos [com Leila Ferraz]

2016-2017 Obra prima da confusão entre dois mundos 

2017 O livro desmedido de William Blake

2017 Antigas formas do abandono 

2017 Labirintos clandestinos 

2017 Manuscrito das obsessões inexatas  

2017 O mais antigo dos dias 

2017-2020 A volta da baleia Beluxa [com Zuca Sardan]

2017-2022 Nenhuma voz cabe no silêncio de outra

2018 Atlas revirado 

2018 Tabula rasa 

2018 Vestígios deleitosos do azar 

2021 Las mujeres desaparecidas

2021 Museu do visionário [com Berta Lucía Estrada]

2021 Naufrágios do tempo [com Berta Lucía Estrada]

2022 As sombras suspensas [com Berta Lucía Estrada]

2022 Las resurrecciones íntimas [com Berta Lucía Estrada]

2023 A casa de Lenilde Fablas

2023 Caligrafias do espírito

2023 Huesos de los presságios [con Fernando Cuartas Acosta]

2023 Inventário da pintura de uma época

2023 Letras del fuego [con Susana Wald]

2023 Representação consentida

2023 Primeiro verão longe de casa 


 

 

1991-2023 Mesa crítica [Prefácios, posfácios, orelhas]

2013-2017 Manuscritos


 

 

Poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, dramaturgo, FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957) é conhecido por haver criado, em 1999, a Agulha Revista de Cultura, veículo pioneiro de circulação pela Internet e dedicado à difusão de estudos críticos sobre arte e cultura. Ao longo de 23 anos de ininterrupta atividade editorial, a revista ampliou seu espectro, assimilando uma editora, a ARC Edições e alguns projetos paralelos, de que são exemplo “Conexão Hispânica” e “Atlas Lírico da América Hispânica”, este último uma parceria com a revista brasileira Acrobata. O trabalho de Floriano também se estende pela pesquisa, em especial o estudo da tradição lírica hispano-americana e o Surrealismo, temas sobre os quais tem alguns livros publicados. Como artista plástico, desde a descoberta da colagem vem desenvolvendo, com singular maestria, experiências que mesclam a fotografia digital, o vídeo, a colagem, a ensamblagem e outros recursos. Como ele próprio afirma, o magma de toda essa efervescência criativa se localiza na poesia, na escritura de poemas, na experiência com o verso, inclusive a prosa poética, da qual é um dos grandes cultores. A grande obra da carne – título emprestado de um de seus livros, é uma biblioteca desenvolvida como espaço paralelo dentro da Agulha Revista de Cultura, a partir de uma ideia do próprio Floriano Martins, de modo a propiciar acesso gratuito a toda a sua produção poética.


 

 

OBRA POÉTICA PUBLICADA

 

Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994.

Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994.

Alma em chamasFortaleza: Letra & Música, 1998.

Cenizas del sol [con Edgar Zúñiga]. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001.

Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001.

Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.

Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006.

La noche impresa en tu pielTrad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006.

Duas mentiras. São Paulo: Edições Projeto Dulcinéia Catadora, 2008.

Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008.

Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008.

A alma desfeita em corpoLisboa: Apenas Livros, 2009.

Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría, Colección Palabra Ibérica, 2009.

Autobiografia de um truque. São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2010.

Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010.

Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

Lembrança de homens que não existiam [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2013.

Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.

Overnight medley [com Manuel Iris]. Trad. ao espanhol (Juan Cameron) e ao inglês (Allan Vidigal). Fortaleza: ARC Edições, 2014.

O sol e as sombras [com Valdir Rocha]. São Paulo: Pantemporâneo, 2014.

A vida inesperada. Fortaleza: ARC Edições, 2015.

Circo Cyclame [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

O iluminismo é uma baleia [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Espelho náufrago. Lisboa: Apenas Livros, 2017.

A grande obra da carne. Fortaleza: ARC Edições, 2017.

Tabula rasa [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Antes que a árvore se feche (poesia reunida). Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Tríptico da agonia [com Berta Lucía Estrada]. Fortaleza: ARC Edições, 2021.

Las mujeres desaparecidas. Santiago, Chile: LP5 Editora, 2021.

Un día fui Aurora Leonardos. Quito: Línea Imaginaria Ediciones, 2022.

El frutero de los sueñosWilmington, USA: Generis Publishing, 2023.

Sombras no jardim. Fortaleza: ARC Edições, 2023.


 

 

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