quarta-feira, 26 de abril de 2023

A GRANDE OBRA DA CARNE | A vida acidental de Aurora Leonardos

 

 

Quando a árvore caiu dos braços da menina

ela se recusou a descer novamente até lá.

ANÔNIMO

 

 

BLUE MOUNTAINS

 

As montanhas estão nuas, bem diante de meus olhos.

Eu quase posso tocá-las. O azul reflete o desejo do infinito.

Venha do céu, da terra, do lago, nada está escrito no abismo.

Tuas mãos realçam o meu corpo, imerso na vastidão

da camisa branca como uma pequena obsessão do meio-dia.

Cultivas dinamites em meu ventre, e a fortuna híbrida do desejo

que soletra meu ser como uma lua ramificada na pele da noite.

Flores, borboletas, o rosto das casas, tudo, tudo é azul no olhar do lagarto.

Eu bebo o teu orgasmo cinco vezes, e as mulheres que saem de mim, todas elas,

mastigam o pasto despenteado de teu mistério azul.

 

SOL ENTRANDO PELA JANELA

 

Os meus lábios buscavam um verbo nos teus.

 

A manhã não sabia por onde começar a despertar

a preguiça bailarina de teus movimentos.

 

Os lençóis estavam enramados com uma genealogia franca.

 

Tudo o que dizíamos uma para a outra

era o mais pleno escândalo da ternura.

 

O BARQUEIRO

 

Vistas do alto as nuvens

são como teu corpo

descansando na pradaria.

Tudo o que tenho feito

nos últimos dias é olhar.

Não escuto, não sinto cheiro,

o mundo não fala comigo

sem que permitam meus olhos.

A pele fica quieta, esquece,

por um momento que seja,

a pronúncia sutil do desejo.

Teu corpo descansa em mim,

sob um lençol de nuvens

que vejo da janela do avião.

 

HEMLOCK HALL

 

Quando escavei a pele do lago encontrei

a sombra de uma cadeira de balanço.

Estava certa de que se escavasse um pouco mais

alcançaria a tua sombra descrevendo a paisagem

vivamente impressa na borda do tempo.

 

Eu quero te amar aqui, antes de toda morte.

 

Sim, a minha avidez convoca teu amor.

O lago parece ocultar um vulcão em si.

O céu é um celeiro de relatos por inventar.

 

Não quero morrer, porém se um dia eu morro

não quero morrer em outra parte do mundo.

 

THREE SISTERS

 

As três irmãs se chamam Clara, Letícia, Sílvia.

Eu fiz amor com todas elas, enquanto as pedras

embaralhavam os desígnios dessa imensidão.

A cada orgasmo indagava: por que nos tratamos

por nomes que ditos ou impressos parecem trazer

sempre consigo uma história distinta da nossa?

 

Quando estamos juntas eu sempre perco meu nome,

envolta em um plano de taças e noites avulsas.

Ou sempre sou uma delas, em nome da trindade.

Às vezes penso que o amor, sendo o que não se pode

apagar da memória, não deve se restringir ao mito.

 

A litania deforma o culto, muda de lugar a mobília,

o credo desossa a perspectiva de um gozo melhor…

Quando esses pequenos limites se multiplicam

Deus chega a mudar de nome por insuspeito motivo.

 

Não dei tempo a mim mesma para ser outra, mas

as três irmãs ali estão, refeitas pela permanência.

 

MISÉRIA DO ABISMO

 

Abri a tarde de um gole. De alto a baixo, em um segundo, o mundo que me trouxe aqui já não sabia seu nome. Quando a vastidão é tão acidentada o salto não atinge ponto algum. É como uma condenação ao abismo. A vida é uma preferência, com sua harmonia improvável e o golpe de exploração do acaso. Se vou desaparecer aqui, o verbo simplesmente se esquiva, sem sangue ou esperma, vômito ou lágrima, as palavras não são vítimas ou cúmplices...  Ainda olho e olho, e não entendo bem o que me trouxe aqui. Uma última reticência? Ser tragada por ela? Como um ridículo adeus triunfante? A vida não vai a parte alguma. Nenhuma palavra é a última. Seguimos conversando. Quem sabe eu descubra o que me trouxe aqui.

 

JENOLAN CAVES

 

Havia uma noite debaixo da cama.

Meu amor punha a mão nela antes de me tocar.

Eu antecipava seus mamilos em meus lábios.

Ela ria escrevendo no olhar que me enfeitiçaria a noite inteira.

A noite debaixo da cama era um rio de lava.

Meu amor plantava estrelas nos meus olhos fechados.

Na primeira floração de meu orgasmo a lua cobriu a entrada da caverna.

Eu me deixo abrir por seus dedos até o abrigo mais íntimo.

Um prenúncio de chuva e anoite debaixo da cama declara sua deriva incondicional.

A língua de meu amor jamais perderia essa viagem.

 

EM PLENO OUTONO

 

O teu corpo descansava sobre o meu.

Os nossos rios conjugavam

uma pequena história

roubada à porta

de um último beijo.

 

Por mais abertas que estivessem as janelas

não havia nada lá fora.

Estávamos as duas em repouso

sem que outro nome pudesse conter

as sílabas de nossa luminosidade.

 

As formas que podemos agora dar a tanto gozo

são como sussurros do intangível.

Teus seios se amoldam aos meus

e o meu coração reconhece em si mesmo

o ritmo penetrante de tua paixão pelo indizível.

 

UMA ARTE POÉTICA

 

Eu não sei o que me fez começar a escrever.

 

Lembro que me beijavas as costas

e me disseste que noite alguma decifraria

tanta intimidade entre duas mulheres.

 

As tuas palavras revelaram uma lúbrica harmonia

que me levou a buscar uma imagem escrita.

 

Ao escrever sobre quem amamos

é como entregar-se ao amor de várias maneiras.

 

A QUEM PERTENCE O ESPELHO

 

Quando vieste para cá era de noite.

As poucas luzes ciciavam em nossa pele:

tudo ao redor apenas nos espreitava.

 

Pela manhã é que a vida recobrou sentido.

A nossa era uma ousadia sem temores:

tu me deixavas úmida só com o olhar.

 

Eu rabiscava na memória do impossível.

Tu me tocavas o íntimo de cada gemido:

eu ainda temia que o sol não pudesse entrar.

 

Tu me inundavas a carne de inspirações.

Não tínhamos maquiagem para mais nada:

mudaste o tempo em mim e suas reservas.

 

UMA PÉTALA DE SONHO

 

Um dia sonhei que fosse possível que entrasses por ali.

Não rias quando aponto a porta por onde tanto te esperei.

Os versos acabam buscando a pena com que querem ser escritos.

Eu olhava a minha vida soletrando as suas habilidades.

Se soubesse então escrever não pouparia ansiedade.

Melhor que tenhas vindo a mim por outra virtude.

Compreendo hoje que a poesia não pode ser senão hábil prenúncio.

Tu és a minha coisa em si e o sopro sutil de minha existência.

Estar aqui recostada a teu corpo enquanto me tocas a nudez

é como a gênese de um sonho que me ajudas a reconhecer.

 

PRIMEIRA CRÔNICA DA CRIAÇÃO

 

Eu quero a indecência de tuas mãos em meus suspiros.

Quando caminhávamos em roupas sutis pelas encostas de Palmácea,

a paisagem abrindo suas virtudes à nossa maneira espontânea,

o mundo parecia uma vidência que não dava trabalho algum a quem a visse.

A folhagem da montanha se confundia com a delícia de nossa aprendizagem,

desconhecíamos os pomares onde a linguagem fazia seus ninhos.

Éramos a expressão e o fundo de toda a sofreguidão.

O teu sorriso era lindo e eu me sentia eterna entregue às tuas carícias.

Não creio que Deus tenha gozado tanto ao ver assim como eu seu mundo refeito.

 

NO CENTRO DO BOSQUE

 

Tu me ensinaste a abraçar as árvores.

Em tuas mãos cheguei a ser a paisagem.

 

Desfolhavas meu corpo entre beijos

e acenavas por detrás de ramos e galhos,

improvisando esconderijos em meus sítios.

 

Eu me tocava toda buscando onde estavas.

Em ti descobri a minha natureza selvagem.

 

SEGREDO DA ORAÇÃO

 

Deus do céu,

eu quero que gozes agora.

Não me leves tanto assim para longe de tudo.

Não posso falar por tantos abismos.

 

Louca do céu,

dá-me a realidade de teu sonho.

Toma para ti a volúpia de meus incertos prodígios.

 

Sou tua,

para que convulsiones o mundo

que criamos com nossas imagens.

 

A CADA AMOR UM DESAFIO

 

Todo amor busca um nome.

 

Eu brincava contigo que queria inventar um nome para cada afago teu em meu corpo.

 

Eras a minha Elisa quando mergulhavas meus pés na água.

Não pensava em outro nome que não fosse Clarice enquanto me mordiscavas o pescoço.

Lúcia me dizia teu olhar quando tua língua me tocava os lábios da vagina.

 

Infinita a possibilidade de confundir-te com uma multidão de mulheres em mim.

 

Não sabes como ser única?

 

ENCANTO MUDO

 

Quando caminhamos pela cidade

todo meu corpo soluça por tuas mãos.

 

Parece um feitiço que ao estarmos em público

mais me aflige a ausência de tuas carícias.

 

Juntas inventamos sítios remotos

onde possas tocar meus seios sob a blusa

e me beijes a nuca e me cubras

os pentelhos com o calor de tua mão.

 

Tu escalas o tumulto de meu desejo.

 

Floresce em teus dedos esse torvelinho

que me dás a provar em meio à suspeita

de que alguém se aproxima de nós.

 

Então fingimos não estar ali e rimos.

 

Eu não poderia existir sem a tua loucura.

 

AS DORES DO ABAJUR

 

A noite inteira em claro.

 

A luz do abajur com suas garras desenhando estranhas figuras na parede de nosso quarto.

Elas me delatam, mascam meus sentidos.

Elas me atormentam com suas máscaras, transbordam ficções de onde possas estar.

Mas não me importa senão que não estejas aqui.

Digo a mim mesma que não quero habitar o mundo dolorido de tua ausência.

 

Eu sei que ainda te amo, porém o abajur

parece não aceitar que jamais voltará a iluminar a tua nudez colada à minha.

 

CHAVE ESQUECIDA

 

Deixei a câmara sobre o criado-mudo

e simplesmente desmaiei de cansada.

Após uma jornada intensa de trabalho

sequer recordo se me despi ao deitar.

 

Ao despertar a Canon estava ao lado de meu corpo nu.

Como um mistério não costuma andar sozinho, liguei a câmara e me vi fotografada em pleno sono:

o corpo nu e docemente variado em posições como se alguém fizera de mim o ensaio de sua querência.

 

Ante a realidade da cena um pensamento me assalta:

quem esteve aqui e de que maneira entrou?

 

Vi a sequência das fotos, excitada pelos detalhes

com que fui despida, e ali identifiquei uma assinatura:

como me despias, como me tocavas, como ajeitavas

meu corpo nu sobre a cama antes de me enlouquecer.

 

E então recordei que quando te fostes levaste contigo

as chaves de meu tesão, mas também as do apartamento.

 

RELICÁRIO

 

Ouvimos Amy Winehouse a noite toda.

Era bom como dedilhavas algumas melodias em minha pele.

O mundo está repleto de violência, meu amor.

Nós mesmas podemos ser ocasionalmente violentas.

Eu me sinto feliz aqui coladinha ao teu lado,

mas sempre tenho medo do que o mundo me aponta.

Eu tenho que ir à escola, pensar no que quero ser, depurar as gotas do dia.

O mundo quer a gente já pronta, ali encaixada nele.

Eu ainda não caibo em mundo algum.

Ainda sou virgem e adoro que respeites isto em mim.

Eu quero acreditar em um lugar em que eu me sinta bem.

Nem posso te dizer: cuida de mim, pois eu mesma tenho que fazê-lo.

Eu vou, prometo a mim mesma.

 

VISLUMBRES ESCALDANTES DA DISTÂNCIA ENTRE DOIS MUNDOS

 

Meus olhos crepitam dentro da pintura de teu corpo avistado à distância.

Bosque vertiginoso aberto com sua plumagem plena de úmidos sinais vitais.

Bosque atapetado pela mão dedicada dos afagos.

Uma aranha visita o par de seios montanhosos da visitante noturna e deixa neles o mel de seu relicário amoroso.

A aranha dos dias dentro das noites.

A pele avultando as marcas por onde passa a aranha a caminho do biombo abissal de tuas pernas.

Aranha morando em teus cílios, nos casebres suntuosos de teu desejo, na voragem alucinada de teus pelinhos, por toda a relva ansiosa de teu corpo.

Aranha que bebe teus rios, tuas estrelas soluçantes, teus enredos de floresta acidentada.

Os olhos nus com que me vês disfarçado em tantas patas.

As luzes acesas em teus portos, em tua carne de ilha sequiosa pela visita da aranha dos tempos mais recônditos, dos barcos voadores, de minhas patas que rastejam tua pele em busca do mistério de tantos gêiseres.

Aranha que percorre as nuvens de teu gozo, as sombras de teus gemidos, o lacre do abismo com que me atiças um cesto de encarnações.

Não tens ideia de quantas somos esta noite, esta manhã colecionada por tuas noites, esses vapores sangrentos que me fazes beber, essas vozes que surgem do íntimo de teu sexo acobertado pela paixão cravejada de delícias, essas luzes que saltam de sua sombra frondosa, a música que vou buscar nos bastidores de tua carne flamejante.

A aranha misteriosa que entra por teu ventre e descobre uma trilha apegada a ele por onde quem sabe um dia venha a sair o beijo negro que soluças como uma nova lei de teu bosque, o unguento de tua língua curando as minhas patas, o ouro úmido de teus lábios.

A tua boca guardando o meu segredo crescido unicamente para o reconhecimento de teu ser.

A tua saliva que bem sabe escorrer por minhas patas quando abocanhas docemente cada uma delas antes que te penetrem a escuridão do desejo.

A aranha que prenuncia a cascata inesgotável de tuas pérolas.

As patas dos dias dentro das noites.

A tua caverna cintilante onde decido minerar a suspeita de todos os mistérios do mundo.

 

ENCONTRO COM O ARQUIVISTA

 

Se consegues vir agora e olhar bem dentro,

um rio se espalha pela terra. Nós duas somos

grandes o suficiente para cruzar as margens

desse enigma empoleirado na miséria do ser.

A minha vida começou a rabiscar uns signos

famintos desde quando pesquei a tua sombra

na paisagem embaraçosa de meus vislumbres.

Levei ao fogo delicadas evidências, desejosa

de um nome que fosse o meu e o teu, acesos

ao ponto de um tempero comum, a ilusão

da viagem precisa entre delicados extremos.

 

CHEIA DE NOITE

 

Eu te esperei a noite inteira,

o meu desejo rondando a tua ausência,

cabana enluarada

com sua botija ao pé da sala.

 

Deves ter chegado eu já dormida,

exausta de tanto sonhar contigo.

 

Mesmo assim a minha pele ressequida

se refaz salpicada por tua saliva

e a tua língua ressuscita

o que há de bom em mim.

Quando eu me entrego

ao teu enredo vulcânico,

o meu corpo é teu e nos tornamos

uma só,

como um segredo

afinado de boca em boca.

 

Vem me olhar o céu em voo lascivo,

minha sonata com suas ervas delirantes,

minha chuva rosada.

Deixo escapar o teu nome:

rio que me bebe…

Vem me salgar a noite até que o mar espume.

Vem me foder até que a alma transborde.

 

LENDA DO ASSOALHO

 

Os dias continuam se desprendendo do calendário.

São como cicatrizes com asas e o alpiste secreto

que dá à plumagem uma cor impossível de olhar.

As minhas cores também se animam quando penso

em nossos dias disfarçadas de aves bicando o céu.

Ficamos bêbadas com o balanço da cadeira no ombro

espelhado do jardim e caímos pelo chão enquanto

todos permanecem de pé. As nossas asas imersas

na letra manuscrita do voo aviam o endereço da queda

impresso na pedra gasta. A tua voz sobre a minha,

como um cartão postal engatinhando, um pecado

amoroso repartido entre amigas ou a sorte lacrada

em uma boca devorando outra. Eu te ajudo a sair,

temos a sorte de estar presentes na vida de cada uma.

Ajuda-me também a ser completamente infantil.

 

NÉVOA NA ESCADARIA

 

A febre tem esse nome visitado ao acaso.

Se eu espalho meu corpo pela casa e quero

que me devotes a tua vida momentânea

a acariciar meus pentelhos, aproximar o céu

do convívio com meus mamilos, debulhar

gemidos no milharal…, hum, tens que vir.

Toca-me bem aqui, em minha vida obsessiva.

Tens que criar em mim uma espécie nova.

Não me importam mais os vícios de roleta,

que sejamos mulheres ou que sintas falta

de um homem em mim para te preencher.

Somos a única forma possível de amor

entre nós duas. Lá fora um estranho mundo

segue composto de anúncios & denúncias.

O mundo não muda nunca, desfigurado

ou refeito, é sempre um simulacro nosso.

 

ARRANHANDO O GRANDE VIDRO

 

Quando vi a cidade pela primeira vez

o teu corpo veio sobre o meu suspenso.

Sons se ramificavam como veias saltadas

em uma música repleta de instrumentos

cujas notas as formigas e as cigarras liam

como uma partitura há muito esquecida.

Estiveste aqui comigo em outra floração?

É bom sentir como te buscas fora de si,

como descreves uma relva em teu corpo

e fazes de mim a tua cidade iluminada.

Através de teus olhos os rostos ganham

outra feição a cada invenção da imagem.

Assim como o teu rosto, tens um nome

com outros entalhes, repleto de verbos

que sabem a forma quando amas ou não.

Seja vidro ou diamante, queda ou voo,

suor ou sono, sabes como eu te esqueço.

Calibro vultos até que o norte se desfaça.

Não voltarás jamais a outra cidade igual.

 

A AMANTE DADÁ

 

A noite abriu uma cratera.

 

A tua camisa branca no varal.

O sol fazendo bailar a sombra de tua mão em meu ventre enquanto me depilas.

Dou risadas quando me dizes é noite e vejo o sol de esguelha, ou quando a minha pele treme de frio e insistes que nosso convidado não tarda em chegar.

As pontes redigiram uma cartilha de vícios: quem me cruza quem me cruza quem me.

Eu estava realmente interessada em cruzar o teu nome.

Chega ou não chega, eu não saberei nunca com quem jantar.

Anda, o que estamos fazendo é juntar dois mundos.

 

Eu quero tornar os homens sensíveis.

 

À PROCURA DE SI MESMA

 

Suspeito que somos levadas à devoção

pelo abismo entre o lábio e sua sombra.

Tu és o espectro entrelaçado em mim,

o que sou antes que se anime o enigma

 

ou se ressalte o tesão de meus lábios

pela herança hermética de tua nudez.

Sob o assalto de tuas figuras demoníacas

leio a pintura teatral do quanto me abres.

 

Não vem mais ninguém, eu só queria

que me tocasses bem aqui, já sabes.

Eu não represento sequer a mim mesma,

por mais que ame o quanto me amas.

 

Um dia eu disse eu sou a tua menina

e desde então não sabes viver sem isto.

 

EM MINHA SOLIDÃO

 

Uma noite passada dentro de outra.

Como uma fábula que não se reconhece senão na magia de outro argumento.

Eu rabisquei o teu nome em minha pele como se o mar pudesse apagá-lo a qualquer instante.

Eu não quero um único beijo teu que não me seja dado aqui, onde me tens toda nua sem saber quem sou.

Tampouco eu sei de mim e descobri-lo pode custar mais que um beijo.

Não me deixes vagando no balanço de um convés imaginário, sem conter a expansão da angústia.

Uma noite soluça em meu ombro.

Outra geme cúmplice das pernas.

Eu me toco inteira buscando o abrigo de tuas mãos.

Disfarça-me de tudo, menos de mim mesma, pois não quero voltar por aqui quando já tiveres ido embora.

 

 


 

 



A GRANDE OBRA DA CARNE

A poesia de Floriano Martins

  

1991 Cinzas do sol 

1991 Sábias areias 

1994 Tumultúmulos 

1998 A outra ponta do homem 

1998 Autorretrato 

1998 Os miseráveis tormentos da linguagem e as seduções do inferno nos instantes trágicos do amor de Barbus & Lozna 

2003-2017 Floração de centelhas [com Beatriz Bajo]

2004 Antes da queda 

2004 Lusbet & o olho do abismo abundante 

2004 Prodígio das tintas 

2004 Rastros de um caracol 

2004 Sombras raptadas [Coroa] 

2004 Sombras raptadas [Cara] 

2004-2015 Estudos de pele 

2004-2017 Mecânica do abismo 

2005 A queda 

2005 Extravio de noites 

2006 A noite em tua pele impressa 

2006 Duas mentiras 

2006-2007 Autobiografia de um truque 

2007 Teatro impossível  

2008 Sobras de Deus

2008 Blacktown Hospital Bed 23 

2009-2010 Efígies suspeitas 

2010 Joias do abismo 

2010-2011 Antes que a árvore se feche 

2012 O livro invisível de William Burroughs

2012-2014 Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]

2013 Anatomia suspeita da realidade 

2013 My favorite things [com Manuel Iris]

2013 O piano andou bebendo 

2013 Sonho de uma última paixão 

2013-2015 Breviário dos animais fabulosos fugidos da memória 

2014 Mobília de disfarces 

2014 O sol e as sombras 

2014-2015 Reflexões sobre o inverossímil 

2015 Enigmas circulares 

2015 Improviso para dois pianos [com Farah Hallal]

2016 Cine Azteka [com Zuca Sardan]

2016 Circo Cyclame [com Zuca Sardan]

2016 Trem Carthago [com Zuca Sardan]

2016 A mais antiga das noites 

2016 A vida acidental de Aurora Leonardos 

2016 Altares do caos 

2016 Breve história da magia 

2016-2017 Convulsiva taça dos desejos [com Leila Ferraz]

2016-2017 Obra prima da confusão entre dois mundos 

2017 O livro desmedido de William Blake

2017 Antigas formas do abandono 

2017 Labirintos clandestinos 

2017 Manuscrito das obsessões inexatas  

2017 O mais antigo dos dias 

2017-2020 A volta da baleia Beluxa [com Zuca Sardan]

2017-2022 Nenhuma voz cabe no silêncio de outra 

2018 Atlas revirado 

2018 Tabula rasa 

2018 Vestígios deleitosos do azar 

2021 Las mujeres desaparecidas

2021 Museu do visionário [com Berta Lucía Estrada]

2021 Naufrágios do tempo [com Berta Lucía Estrada]

2022 As sombras suspensas [com Berta Lucía Estrada]

2022 Las resurrecciones íntimas [com Berta Lucía Estrada]

2023 A casa de Lenilde Fablas

2023 Caligrafias do espírito

2023 Huesos de los presságios [con Fernando Cuartas Acosta]

2023 Inventário da pintura de uma época

2023 Letras del fuego [con Susana Wald]

2023 Representação consentida

2023 Primeiro verão longe de casa 


 

 

1991-2023 Mesa crítica [Prefácios, posfácios, orelhas]

2013-2017 Manuscritos


 

 

Poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, dramaturgo, FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957) é conhecido por haver criado, em 1999, a Agulha Revista de Cultura, veículo pioneiro de circulação pela Internet e dedicado à difusão de estudos críticos sobre arte e cultura. Ao longo de 23 anos de ininterrupta atividade editorial, a revista ampliou seu espectro, assimilando uma editora, a ARC Edições e alguns projetos paralelos, de que são exemplo “Conexão Hispânica” e “Atlas Lírico da América Hispânica”, este último uma parceria com a revista brasileira Acrobata. O trabalho de Floriano também se estende pela pesquisa, em especial o estudo da tradição lírica hispano-americana e o Surrealismo, temas sobre os quais tem alguns livros publicados. Como artista plástico, desde a descoberta da colagem vem desenvolvendo, com singular maestria, experiências que mesclam a fotografia digital, o vídeo, a colagem, a ensamblagem e outros recursos. Como ele próprio afirma, o magma de toda essa efervescência criativa se localiza na poesia, na escritura de poemas, na experiência com o verso, inclusive a prosa poética, da qual é um dos grandes cultores. A grande obra da carne – título emprestado de um de seus livros, é uma biblioteca desenvolvida como espaço paralelo dentro da Agulha Revista de Cultura, a partir de uma ideia do próprio Floriano Martins, de modo a propiciar acesso gratuito a toda a sua produção poética.


 

 

OBRA POÉTICA PUBLICADA

 

Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994.

Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994.

Alma em chamasFortaleza: Letra & Música, 1998.

Cenizas del sol [con Edgar Zúñiga]. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001.

Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001.

Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.

Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006.

La noche impresa en tu pielTrad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006.

Duas mentiras. São Paulo: Edições Projeto Dulcinéia Catadora, 2008.

Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008.

Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008.

A alma desfeita em corpoLisboa: Apenas Livros, 2009.

Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría, Colección Palabra Ibérica, 2009.

Autobiografia de um truque. São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2010.

Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010.

Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

Lembrança de homens que não existiam [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2013.

Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.

Overnight medley [com Manuel Iris]. Trad. ao espanhol (Juan Cameron) e ao inglês (Allan Vidigal). Fortaleza: ARC Edições, 2014.

O sol e as sombras [com Valdir Rocha]. São Paulo: Pantemporâneo, 2014.

A vida inesperada. Fortaleza: ARC Edições, 2015.

Circo Cyclame [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

O iluminismo é uma baleia [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Espelho náufrago. Lisboa: Apenas Livros, 2017.

A grande obra da carne. Fortaleza: ARC Edições, 2017.

Tabula rasa [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Antes que a árvore se feche (poesia reunida). Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Tríptico da agonia [com Berta Lucía Estrada]. Fortaleza: ARC Edições, 2021.

Las mujeres desaparecidas. Santiago, Chile: LP5 Editora, 2021.

Un día fui Aurora Leonardos. Quito: Línea Imaginaria Ediciones, 2022.

El frutero de los sueñosWilmington, USA: Generis Publishing, 2023.

Sombras no jardim. Fortaleza: ARC Edições, 2023.


 

 

Agulha Revista de Cultura

Criada por Floriano Martins

Dirigida por Elys Regina Zils

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

1999-2024 

 


 

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