Somos os habitantes e os visitantes
dessa casa que dá para o caos.
MARIA LÚCIA DAL FARRA
A CASA VELHA DESAPARECIDA
A velha casa se reorganizava a seu modo.
Cada vez que abríamos uma de suas portas dávamos de cara com uma parede de
tijolos impedindo a nossa passagem. Ao fechar e reabrir, ali estava o cômodo em
sua integridade, porém com os móveis mudados de lugar. A casa parecia temer alguns
de seus gestos. O pequeno varal portátil ao lado da máquina de lavar, o abridor
de cartas na gaveta da cômoda, os ponteiros do relógio da cozinha que sempre à
meia-noite se grudavam e pela manhã alguém tinha que separá-los para voltar a
funcionar. Mas principalmente os sons da chuva que permaneciam audíveis horas
depois dela estancar. A casa chamava por si em momentos de aflição, com a voz
embaçada, quase sem forças para reagir. Tanto ouvíamos suas histórias que um
dia resolvi visitá-la. Ela, no entanto, já não estava mais em seu endereço.
Talvez apenas tenha se tornado invisível, ou então saiu à procura de um lugar
menos aterrorizante.
ALEGORIA FATAL
Osman chegou bem cedo, o sol ainda
esfregava os olhos tentando acordar. Deixei a porta da frente entreaberta para
que ele pudesse entrar. Trazia consigo uma caixa com a sua ciência fotográfica.
Osman era temido por tantas almas aprisionadas em sua câmara. Ninguém ousaria
indagar qual o motivo daquela sinistra coleção. Tampouco faço ideia do que ele
veio fazer aqui. Ajustou um tripé com a base giratória, sobre ela a câmara. Tão
logo se escondeu atrás de uma pilastra, usou seu comando remoto e a cada três
segundos a máquina, sempre girando, disparava o flash e tirava uma foto. Foram
mais de 100 disparos. Quando começou a ver as imagens reparou que a cena era a
mesma de quando chegou, a porta entreaberta. Retirou da caixa o equipamento
fotográfico e ele começou as tirar fotos com um disparador giratório
automático. Osman suava frio diante do inexplicável. Como aquela câmara havia
fotografado algo antes de sua existência? Continuou olhando as demais imagens e
arregalou os olhos ao ver que, ao final da sessão fotográfica, ele mesmo
conferia o resultado. Ao olhar então, reparou o quanto se espantava, na
sequência das fotos, onde podia se ver – seria mesmo ele? –, cruzando a porta
entreaberta e colocando no centro da sala uma caixa de onde começaram a sair –
um, dois, três – fantasmas que tiravam fotos de cada mínimo recanto da sala.
Osman estava trêmulo e temia que ao final dessa nova sessão ele desvendasse em
seu rosto, sob os diversos ângulos, um mapa de assombros, nas rugas congeladas
do tempo… Mas, como evitar que o futuro não cesse de se repetir?
MÍSTICA DO MOFO
Reúno os corpos de todas as saciedades.
Restos anônimos do vazio. Espectros defumados e suas migalhas ocultas por toda
a casa. Os manuscritos apócrifos de paredes descascadas. Lar de misérias
clandestinas. Tudo parece cansado de repetir suas falhas. Os anjos não sabem
onde por as asas. Tuas sombras sôfregas que se esgueiram por entre os cômodos
sem vida. Eu comecei então a fustigar o abandono para que se deixasse penetrar
pela umidade. Aos poucos fui descobrindo algumas pistas falsas: Breton e sua
fábrica de cachimbos, os figos delirantes de Miró, as tábuas em branco de
Confúcio. Nada disto deve mais ter uso. Outros vícios que reconfortem a alma
apavorada do silêncio. Demônios sugam o mistério daqueles que escrevem com a
mão alheia. Os que aprimoram dilemas para a ressurreição de seus males. Eu
apenas reúno as anomalias de tanta disseminação.
TALHER NOSTÁLGICO
Debaixo da escada o armário rege a
harmonia das peças mais exóticas. Há muito o azinhavre sobre nossos corpos não
nos permite mais fazer amor. A pequena estante de ampolas está repleta de
nuvens em cada uma delas. Um dia a vigilância da faca, em outro a mansidão do
garfo. Nos dias sonolentos nós mantemos a vigília. Formigas carregam montanhas
de um lado a outro. Um elenco de miniaturas improvisava o teatro de suas penas.
No escuro ilegível da mais baixa prateleira o taxidermista tentava convencer
suas aves empalhadas a voltar a voar. Dentro de uma banheira, onde um espelho
se banhava, um mágico confronta seus últimos instantes de vida. A baleia
iluminista regurgita os mesmos dois poetas a cada bocejo. Nosso amor perdeu seu
brio com tantos pratos vazios. Esta será mais uma noite sem função. Não nos
resta senão recordar o catecismo do armário convertendo suas miudezas em
espectros iluminados.
BEATRIZ
Nunca houve nenhum trem que me trouxesse
aqui. O bosque cerrado que a vista alcança se reproduz por incontáveis
quilômetros. Nenhuma estrada. Qualquer um diria ser impossível chegar a esta
casa. Eu vim três vezes. Há muito desapareceu de minha memória como cheguei e
como fui embora. Marquei com uma faca na madeira da janela três traços. Três
faróis que não me dizem se fui trazida pelo meu desejo ou se a casa me
convocou. O que mudou na terceira vez é que já não necessitava usar as portas
para passar de um cômodo a outro. Tudo era mais fácil e meu corpo ganhou uma
leveza que eu jamais imaginara. Aos poucos me acostumei com o desaparecimento
súbito dos andarilhos que visitavam a casa. O homem que veio apenas deixar um
livro sobre a mesa da sala. O jovem desnudo que por três noites seguidas vinha
dormir no último quarto no andar de cima. A negra que ficou por quase um mês,
com quem eu pude conversar sobre seu passado. A perseguição inclemente dos
filhos que ela tivera com um padre. Ela me disse que sentiu a vida se afastando
subitamente. Jamais houve tempo para entender o que se passou. Nenhum de nós
vive o suficiente para saber quanto ainda pode realizar. Tenho recebido essas
visitações como um sinal de que não devemos nos enganar pela crença ou
desânimo, pelo sonho ou o arrependimento. A vida persegue o movimento sinuoso
como a árvore no quintal contempla o rio que devora a si mesmo. Não sinto mais
o meu corpo, porém é intensa a minha presença onde quer que eu vá.
OSMAN
Há sonhos hipnóticos em que a casa se
triparte e nos leva rumo ao passado que mais estranhamos. E em um tablado
desfigurado os três vultos se embaralham de um modo impossível de alguém sair
daquele enredo de portas e janelas. Móveis se revezando em seus incontáveis
cômodos. Diálogos entrecortados e vozes fugidias viessem de quadros ou álbuns
de família. Porões regurgitando formigas e símbolos indecifráveis. Por vezes
algumas sombras parecem comidas por vermes. A sombra da cozinheira negra e
gorda pesa mais que a dona, e nem sempre a acompanhava por onde andasse,
sobretudo quando ia ao quintal apanhar cajus. A minha memória ainda hoje queima
castanhas a seu lado. Certamente as três casas eram apenas uma. Quando me
enterraram no cemitério próximo ao mar, sorri abrindo meus olhos para aquela
revelação. E deitei-me então na velha cama do quarto dos fundos. Descansarei um
pouco, antes de começar a escrever a minha história.
O ARQUITETO
O assoalho improvisava uma raga assustadora. Os restos arrastados
de Gaudí por nossas ruas imaginárias. A caligrafia onírica com que alimento as
páginas apagadas de meu diário. A sombra esverdeada de uma árvore. Quantas
noites até que a lua se mova de um desejo a outro? Os livros se foram todos,
temendo os truques do esquecimento. Não vou envelhecer sozinha nesta paisagem
esmaecida. À espera do último capítulo, em que as palavras se rearticulem,
meditem sobre o dilema do inevitável. Quando veio me visitar o Arquiteto, eu
não sabia o que ele tinha em mente. Tirou a medida de minhas rugas, encaixotou
os utensílios menos carcomidos, lacrou janelas e portas. Alguém descreveu a
cena como uma árvore abraçando a casa desmoronando em seus galhos. Confesso não
saber exatamente o que houve comigo naquele dia. O vento no quintal abriu o
apetite para devorar minha alma inteira. A grande árvore anotava de memória as
dúvidas mais sinistras. O último beijo que ela me deu eu já não pude sentir.
Desde então sangro nos móveis colunas soleiras… O rio não floresce mais em meu
íntimo. O rio foi morar dentro da árvore, quando ela foi embora, sem deixar uma
só folha no chão.
CENA BEM PRÓXIMA
Uma segunda luz de teto interrompe a
escuridão. No centro da sala a pequena mesa posta para o jantar e duas mulheres
acomodadas. No centro da mesa uma caixa quadrada com pouco mais de um palmo de
base. Ao ser aberta pela criada, surgem três novos objetos: os rascunhos de
Virgílio, o estojo jamais encontrado com as tintas negras de Franz Kline e a
sopeira de ouro de Maria Sangrenta. Tão logo a criada serviu a sopa de
finíssimos macarrões, dois mapas se formaram em pratos fundos. Os mapas eram
idênticos, embora um deles fosse a imagem invertida do outro. Havia, no
entanto, no mapa ao revés um estranho ponto negro que crescia a cada olhar. A
criada e sua senhora se davam as mãos, temendo o que intuíam viria em seguida.
Olhos fixos no ponto negro no prato da criada, ele começou a crescer,
transbordando pela mesa e logo por toda a cena, devolvida à escuridão antiga.
Os mapas não guardam segredos. Nós é que precisamos aprender a decifrar suas
mensagens.
O PARAFUSO E A COBRA
Talvez seja comum encontrar em todo porão
uma grande caixa lacrada cuja curiosidade acaba por nos levar a escavar seus
mistérios. Os olhos se enchem de utensílios: a lâmina de barbear de Buñuel, o
cachimbo de Einstein, as velas de Goya. Saindo para o quintal era possível ver
o rio bem próximo, cuja mecânica secreta de suas águas ludibriava o tempo. No
dia em que deixei de esperar por alguma visita do acaso, as águas se foram,
deixando em seu lugar um punhado de galhos e pedregulhos que certamente iriam
dar no mar. Do fundo do oceano emerge uma serpente dando mil voltas, nela
mesma. Talvez fosse apenas uma lenda, ou um milagre em busca de parceiro.
Talvez fossem duas figuras e não apenas o personagem solitário que o nosso
olhar suspeitava. De certo o que sabemos é que o rio nunca mais foi o mesmo. E
quando espano a prateleira onde se encontram aqueles três objetos, ainda escuto
um rangido que não consigo identificar.
RELATO DE BOLSO
Por mais que eu sempre deixasse uma porta
aberta, a noite não passava dali. Não havia como devolver os corpos celestes ao
altar da memória. A noite aprimorava o esquecimento de cada volta do relógio e
os tremores ocultos de qualquer sentença. Os ponteiros cravados na soleira.
Fantasmas sangrando pelo corredor. Antigos moradores que não tiveram como
escapar e em mim se reúnem como a fonte de uma energia redescoberta a cada
morte. Escondi plumas e tintas por inúmeras gavetas. Ampulhetas regurgitam o
tempo que não conseguem cumprir. Quem sabe uma última criada pudesse escrever
um livro sobre quantas vezes a noite tatuava na própria pele a frustração por
não me conhecer senão como uma névoa, uma lenda, uma pintura rupestre. Uma
tempestade de areia simulava um aterro de sombras. As paredes se despiam e nada
em mim cessava de renovar-se. No entanto, a noite, por mais que eu deixasse uma
porta aberta, dali não passava.
QUEBRA-CABEÇA
A mão do mito é uma esponja com fundo
falso. O leiloeiro bebe seu xarope e canta. Cada peça se apoia numa tabuleta
com seu lance mínimo. O cinzeiro de Giacometti, a maçã de Burroughs, as luvas
de Helena Blavatsky. O mito é indomável e se recusa a saltar na cartola do
coringa. O cuco desfaz as horas para dormir um pouco mais. A bailarina de madrepérola
flutua no rótulo da água ilustrada. O violino esconde as notas falsas na lapela
do ilusionista. O mito se livra das malas. Não quer mais viajar. Ele toca fogo
no respeitável público. Uma voz escoa da boca do canhão e implora que não o
deixemos sozinho. O martelo e sua imponente enxaqueca. O leiloeiro pigarreia e
encerra o lote. O mito não mais se reconhece. As ruas caminham para dentro. A
noite reverte tudo o que foi um dia.
CAPRICHO RITUAL
Mal amanhecia os peixes saltavam das nuvens para o
rio. Diante de um cascalho na forma de uma lâmina cega duas fêmeas conversam:
– Até onde levarás esse espelho?
– Enquanto houver água corrente, sempre uma de nós
pode querer contemplar os sentidos camuflados de sua vida.
– Haverá água sempre, corrente ou não, assim que
precisarás de muitos mais espelhos.
– Por isto vim conversar contigo. Com quantas bolhas
achas possível conseguir um bom espelho?
– Daqueles em que se pode ver tudo o que queremos?
– Daqueles que nos mostram coisas que nunca
fizemos.
– Ah os mitológicos!
As duas fêmeas seguiam conversando enquanto o rio
estocava seixos onde fixar as imagens que vinham boiando. O mundo inteiro nos
visita antes que tenhamos a mínima ideia do que somos.
LAMPARINA SECRETA
Plutone era um deserto encantado. Era também
demasiado sério, não falava com quase ninguém. Antes de dormir, sonhávamos um
com o outro. Foi como o conheci. Ao morrer, afogado em suas lágrimas, guardou
bem escondido em seu porão um diário, cujas páginas recordavam o futuro
minuciosamente. Plutone, em sua sensatez quase implacável, por muitos sóis
anotou incontáveis passagens subterrâneas que nos levavam de uma margem a outra
de sua existência. O infinito é a mais trapaceira de todas as ilusões. Agora
que leio o seu diário, começo a duvidar do papel que Plutone tenha representado
em minha vida. Guardo as suas lágrimas em uma caixa de areia na prateleira mais
alta de meu sonho. Somente ali, onde não durmo nunca, é que consigo recordar
quem foi Plutone.
A ARTE DA REPETIÇÃO EM CINCO CÔMODOS
ALCOVA | Comecei a retirar de espelhos e
fundos falsos de gavetas as imagens primordiais de abismos que habitam em mim.
Os rebocos inadequados com que o tempo foi refazendo as paredes. Sobre a mesa
de cabeceira dois porta-retratos há muito não trocam uma palavra entre eles. O
renascimento dos deuses foi amaldiçoado pela técnica e o ar apodrecido.
Frialdade jocosa, o perfil tenebroso dos mitos. Quem dormiria em mim sem ser
despertado pelos fantasmas mais deploráveis? Fui proibida de gozo e outras
suculências. Condenada a me repetir como uma fantasia onanista. E tenho que ser
infatigável, arranhar os espelhos até que não reflitam mais uma nesga do que
penso.
COZINHA | Antonieta veio passar uns dias
comigo. Ela estava com uma cova aprimorada de angústia em seu peito. Uns dias à
beira do rio certamente lhe faria bem. Foi ao quarto deixar a mala e se despir.
Ficar nua e descalça era algo que há muito não fazia. Retornou à sala com uma
pequena caixa de onde retirou o piano e começou a tocar. O armário de louças,
enlouquecido, arremessava por toda a cozinha pratos, xícaras, travessas. Todos
os ossos de Antonieta zuniram como uma colmeia ameaçada pelo incêndio. Ao
adentrar a cozinha, mal contendo o assombro, ela encontra o cômodo regido por
harmonioso silêncio, os móveis todos em seu lugar, apenas do teto pendia, do
que parecia ser a corda de um piano, o corpo inerte de um boneco de ventríloquo
que havia tirado a própria vida. Antonieta então sussurra ainda trêmula seu
desejo de vida longa ao morto recente. Os verbos perdem a noção do tempo e,
para acalmá-los, ela decide preparar um chá. Enquanto isto, na sala, o piano retoma
a melodia interrompida pela gritaria das louças.
SOTÃO | Anita modelava em cera os
personagens e mobiliário de uma farsa que adorava improvisar dentro da casa.
Algumas criaturas são movimentadas por finos cordões, porém outras ganham vida
na medida em que se sentem parte do enredo. A casa hoje está sob os cuidados do
esquecimento, em um canto escuro do porão. Uma plateia de ratos roeu os fios,
caindo ao chão os personagens sem vida. Algumas animações ainda dominadas pela
mecânica da resistência depuseram os corpos caídos sobre uma grande mesa.
Toalhas e cortinas foram encomendadas em um atelier de aranhas. Um único ato
daquele enredo havia resistido ao abandono do tempo e era então repetido à
exaustão, dando apenas uns minutos para descanso dos atores. Anita jamais soube
que havia construído aquela maquete. Durante os anos que viveu em mim, gostava
muito de brincar improvisando cenários e tramas. Ainda hoje eu me ressinto de
sua morte. Um par de aranhas teceu sua veste mortuária.
ESCADA | A grande árvore acendia suas
luzes ao fim do dia. Um enxame de velas zumbia por meu corpo inteiro.
Ondulações de um enigma que subia e descia sem rumo. As escadas não foram
feitas para chorar pelo fôlego esquecido. A minha era coberta com um véu, como
uma tenda e sua floração de nuvens. Uma vez que alguém que pisava o primeiro
degrau, já não havia para onde voltar. Cada mapa escolhia um visitante a quem
mostrar uma trilha repleta de códigos de sobrevivência. Clarice oscilante como
um pêndulo desorientado se sentou no décimo degrau. Umas poucas lágrimas
lavaram a névoa de seus olhos. Aos poucos viu pousar na flor de sua imaginação
o esqueleto de uma ave ancestral. Quando a ave pôs um ovo em seu ninho de
brancura líquida, Clarice foi possuída pelo vislumbre de que sairia de mim
renascida. Ela então sorveu suas lágrimas e continuou a descer.
RIO | Dentro de mim mora um rio. Era
outono em meu diário, as folhas todas caíram dentro do rio. Nenhuma página em
que eu pudesse anotar novos esquecimentos. O rio dá a volta em meu corpo
inteiro, e devora a própria cauda. Dentro do rio mora um peixe que há muito não
sai de casa para pescar estrelas. O peixe joga baralho com a noite e não me
deixa ver suas cartas. Faz frio na nudez de meu diário. A grande árvore acesa
pousava um ramo de fábulas na pele ondulante do rio. Perdi o tempo emocionado
com aqueles relatos de água e luz. O rio me diz que o peixe põe seus ovos
enquanto a noite lacrimeja. Eu me olho no céu como se fosse um espelho. Rio,
peixe, noite, árvore… Quando o outono se for eu voltarei a me lembrar de todos.
PRIMEIRO PALCO
Um dia resolvemos improvisar cenários que
ocupassem o lugar das lacunas em nossa memória. Era como se tentássemos nos
lembrar do que nunca existiu. A grande sala de estar seria o melhor palco da
casa. Totalmente às escuras, aos poucos acendia uma luz de teto, direcionada
para um de seus cantos. Uma banheira, uma cadeira, duas mulheres ocupando as
funções da senhora tomando seu banho e a criada a ensaboando com uma esponja.
Quem eram aquelas duas é algo que jamais soube. O silêncio da cena parecia ser
composto por fragmentos de inúmeros ruídos não identificados. A ação recortada
em seus fotogramas, como um filme remendado. Não se entendia as falas da
criada, porém a senhora sussurrava repetidamente uma frase: Tanta coisa nós deixamos para trás que
interpretamos nossa vida apenas como retalhos. A cadeira parecia ser puxada
para fora do cenário. A criada se levantou para evitar uma queda. A cadeira foi
engolida pela escuridão, enquanto a senhora repetia: Tanta coisa, tanta coisa…
ÓLEO MÁGICO
Carmina chegou mais cedo. Há muito não havia
ninguém em casa. Vasculhou todos os cômodos à procura de algo. No quintal os
sapos se banqueteavam com os mosquitos que puseram seus ovos em uma poça de
óleo. Os mosquitos deslizavam sapo adentro como uma cega esmaltando a ladeira.
Aos poucos os sapos foram se acumulando atrás de uma pilha de carvões,
empanzinados com tanto óleo. Uma faísca que pulava por ali ressuscitou os
carvões e salpicou a escuridão de luzes esvoaçantes. Carmina tinha agora tudo
ao alcance de sua vista e logo encontrou o que buscava. Uma pequena caixa onde
eram guardadas as sombras dos mosquitos. Esmagou cuidadosamente o conteúdo da
caixa. O jantar estava pronto. Agora podia dormir e sonhar com os cômodos da
casa trocando de lugares, cada um deles procurando a própria sombra.
DILEMA FINAL
Novamente uma luz dissipa o escuro, agora
na outra ponta do cômodo, onde vemos uma cama de solteira e uma cadeira. É a
hora em que a criada lê para a senhora. A cada parágrafo lido vão surgindo
manchas oscilantes cujo contorno logo é possível identificar. Decerto são
alguns personagens do romance: o velho despenteado com a sanfona, errando todas
as notas da música; um auxiliar de Morandi limpando as garrafas em suas telas;
a dentadura saltitante que sempre que abre a boca jorra um espelho… A criada se
assusta, mas a senhora se diverte. Logo a criada se adverte que aquele
amontoado de personagens e objetos vai exigir uma explicação para sua razão de
ser em meus vários cômodos. Não há fenômeno físico mais intrigante do que
aquele desprovido de sua metafísica. Ela então ri, imaginando o trabalho
colossal que terão os exegetas daquela fantasia. Enquanto isto a senhora
boceja, já quase fechando os olhos. Acena com a mão para que a criada deixe a
leitura, pois ela quer dormir. – Camila,
me dê aquele sonho que eu tive ontem e apague a luz.
DISSABORES DO CUCO
Eu sou a ilusão do tempo. A miragem em
que as águas arrastam tudo em seu caminho e não regressam jamais. O moto
contínuo da vaidade. A memória do que se esconde dentro e fora de cada
movimento. Virtuose de engrenagens mais sutis que zombam de arrependimentos e
ansiedades. A porta do quintal entreaberta. Beatriz de cócoras contando seus
grãos. Sua espera inesgotável de que o dia volte a ser outro. Já fui um demônio
da circularidade. Até que Dalí garimpasse o ouro de meus antepassados. Beatriz
não tinha mais ninguém a quem contar seus arrepios. Eu a escutava por horas,
até que o sol amarrasse os cadarços do dia. Era grave estar presente naquele
momento. Ela brincava com meus ponteiros, tocava-me o corpo inchado de tanta
relutância. O mundo repinta mil vezes as mesmas cartas que distribui por onde
passa. As paredes decidem o que fica dentro, o que fica fora, de qualquer
sacrifício encenado ao crepúsculo. Beatriz me disse seu nome mais vezes do que
pude contar. Eu perdia a noção do instante ao repeti-lo. Quem era ela é uma
dúvida que já não me conforta. Tanto nos disfarçamos em inúmeros personagens
que ao chegar a nossa hora simplesmente não estaremos mais aqui. A ilusão é um
cão de guarda do tempo.
TIMOTHY E STEPHEN
Dentro de uma caixa havia uma floresta
desfigurada e os sussurros de seus fantasmas. Na outra era possível ouvir o
vozerio metálico das tesouras dos gêmeos Quay, discutindo como reanimar velhos
truques dissecados. No interior da terceira caixa certamente se ocultava uma
sombra quimérica aguardando ser revelada. Ao menos era isto o que nos garantia
o prospecto de uma antiga lenda. Ouvindo a conversa de dois visitantes, eu
descobri que se aquelas três caixas fossem colocadas na posição correta, o
encaixe liberaria um cenário em movimento em que as tesouras ensinavam as
árvores a identificar a sombra de cada uma. Talvez por isto, o museu dispunha
as três caixas encerradas em cubos individuais de acrílico, para evitar que o
encontro delas provocasse uma leitura distinta do que até hoje consideramos ser
a realidade.
O FAQUIR
De súbito ela concordou em posar para
mim. Cabelos soltos. Inteiramente nua. A pele banhada. Ela e a poltrona
compunham a melhor paisagem que meus olhos conheciam. O carvão na tela foi
encontrando a expressão ideal de seus contornos. Meu olhar estava possuído
pelos traços. Na medida em que o corpo migrava para o quadro a poltrona ia se
sentindo solitária, e eu só percebi o que estava acontecendo quando ouvi alguns
murmúrios e ergui o olhar. Restava apenas um pouco de suas pernas, joelhos, os
dedos de uma mão e um último detalhe das pontas de seus longos cabelos. Ao
concluir e deparar-me com a solidão da poltrona, cheguei a pensar que a pintura
me daria um sorriso. Nenhum movimento. Exceto a minha estranheza de que seu
corpo tão belo, representado à perfeição, estava sentado no vazio. A poltrona
permanecera na sala. Tentei desenhá-la na tela, porém os carvões ficaram mudos.
Eu então os espalhei no chão e me deitei sobre eles, à espera que absorvessem
meu corpo e me pusessem na tela para amparar a modelo. Devo ter adormecido. Ao
acordar o que vi até hoje não pude compreender. Desde então, permaneço sentado
na poltrona.
GUIZOS MIRACULOSOS
O mofo era o grande artista da casa, por
suas abstrações assustadoras. Eu me vejo nelas como uma andarilha carpindo
mistérios de um cômodo a outro. Porém o que vejo de mim é o que torna a noite
mais negra e o dia um desfiladeiro de sombras e vultos inomináveis. Creio que a
memória foi o primeiro pássaro a fugir do ninho. Não ficou sequer o alpiste. Eu
fui sobrando feito um oratório que há muito Deus não visita. Ando tão esquecida
de mim, até mesmo a morte deve ter perdido meus registros. Eu própria não posso
lhe ajudar a me encontrar. Quantas vezes repeti meu nome diante daqueles murais
abstratos, desesperadamente tentando ao menos evitar que esta parte de mim
fosse embora. Porém daquelas paisagens turvas não vinha resposta alguma, nem
mesmo umas flores de eco. Há momentos em que não podemos fugir daquilo que
deixamos de ser.
MESA BRANCA
O mar trouxe até o rio o corpo
eletrificado de uma mulher. Ninguém a podia tocar, sob o risco de um choque
fatal. Ela então recolhia gravetos e ossos de animais mitológicos por onde
passava. Uma multidão impressionava-se com a beleza de sua nudez. Ao se
aproximar de uma de minhas janelas vislumbrou a mesa redonda de jacarandá,
coberta por uma branquíssima toalha, e os quatro cavaleiros que sobre ela
estendiam os braços a repetir seu nome. Qual nome? Ela não sabia. Já não se
lembrava de onde viera ou o que ali estava fazendo. Qual lugar? Somente o
silêncio a embaralhar as feições de todos. A cena parecia suspensa no vazio.
Cibele… Um dos quatro cavaleiros tentou vesti-la com a toalha, porém ela não
entendia qual o significado daquela ocultação de seu corpo. A mulher então
tocou seus seios de onde começou a jorrar um líquido leitoso multicor sobre o
cenário, tornando aquela parte de mim inidentificável. Logo em seguida
mergulhou naquele novo espaço criado, e viu surgir crescentes ondas que a
levaram dali jamais eu pude saber para onde. Os dias se passaram, ao ponto de
não se saber quantos, até que a sala voltou ao normal, agora inteiramente vazia.
CARMINA
Quando queria deixava a seu passo um
rastro de tulipas, o piso repleto de taças negras, que logo começam a
transbordar luzes como fontes visionárias. O sol perdeu suas cores no rio. As
noites adelgaçadas formavam uma orquestra de morcegos. Ela não ia nem vinha.
Ninguém sabia como a paisagem reagiria a seus esgares. Os sapos valsavam seus
melhores coaxados. Juro que vi Raul Bopp convencendo bambus a serem flautas. O
céu respingava por toda a carne do cenário seu desejo de ter Carmina de volta.
As mangas tingiam o chão com a mais doce voz de seus milagres espremidos.
Pequenos fios atavam os ossos na forma de um puma. Ao passar a mão sobre as
cartas uma delas sussurrou algo como um caminho indicado. Runas cantarolavam ao
segui-la: Na torre mais alta / coberta de
esmeralda / te aguarda um faquir / com a senha que falta. Sapos costuravam
a boca das meninas antes de ler o Eclesiastes, para não ouvi-las gritar ao
serem desvirginadas. O quebra-cabeça vai se formando durante o caminho. Cubos
de luz recapitulam as pequenas pontes esquecidas. Rios vermelhos lambem o
espinhaço do céu enquanto são cruzados. O esqueleto de um puma segue à frente.
Para onde quer que olhemos, não víamos mais o passado. Quem sabe, Carmina já
estivesse na casa à nossa espera.
REFÚGIO
Deixei a noite cair no porão. Não creio
que ela possa mais sair dali. Um rumorejo de ventos fervidos em uma bacia de
lamentos. Cada vez que eu me repito acordo com os móveis fora de lugar. Um
cálice convertido em botija. As tempestades de Turner dentro de uma garrafa. O
esqueleto de um peixe nadando na pia pantanosa. A noite poderia nos redimir se
soubesse como escapar de sua queda. Todo destino é trapaceiro e nos submete aos
piores suplícios. Quando eu vim para este lado do rio a grande árvore ainda era
uma semente regurgitada no mato por uma coruja. Nós três recitamos o horizonte
ao contrário. Uma lâmpada acesa no quintal. As águas levemente onduladas
descrevendo os sonhos lunares. Um sapo dizendo que ama a boca de um pote. Era
uma vez uma noite caída na mais funda escuridão. Por ela procuramos em mil
páginas do mais extenso negrume. Uma faca rasgando o breu até desaparecer
completamente e só voltar a ser vista no interior de um espelho. Não há como
tirá-la dali sem que seu reflexo dilacere a negra cena. Não podemos voltar ao
que fomos, nem mesmo seguir em frente buscando quem nos faça esquecer o que
ainda não somos. Vamos de um lado a outro. A noite adormece no porão.
BANQUETE
A gaveta encharcada de cenas excluídas da
memória. Sobre a cama empoeirada as bonecas cortavam as unhas dos pés e
pintavam os olhos. Ninguém sabe como a mente funciona nesses momentos em que
tudo é vazamento sem controle. Soluços, tesouros rastejantes, a sombra
impertinente que duvida de tudo. Cibele. Antonieta. Clarice. Anita. Carmina. As
janelas gritam intuindo o desfecho desse enredo. A penumbra se encolhe com pena
de si mesma. Um árduo constrangimento de ossos embaralhados. Ninguém sabe a
quais deles pertencem tanas cenas suspensas. Quem fala com a voz da outra. Qual
delas remói uma perda vulgar. Quantas choram e se amam. Quantas idolatram e
temem. A adúltera. A idiota. A recatada. A fugitiva. A mortificada. Noites
amontoadas no palco com suas páginas viradas. A cama queimando seus fios
lentamente e nenhuma compaixão do acaso. –
Cuidado. Osman está chegando. Ele quer brincar conosco.
ALGAZARRA
Foram muitas noites perseguidas pelas
formas mais esquivas. O revés de cada coisa imaginada revelando outra mecânica
secreta. O ar seco, quebradiço, bisbilhotando as mais fortuitas intenções.
Inúmeras vezes subimos e descemos os vãos do infortúnio. O pequeno gravador de
mesa reproduzindo a voz de Osman. Seus verbos cansados como garras sem ponta.
Longe dali não resta senão continuar idealizando as formas tangíveis de tantos
vultos arredios. Criamos um mundo assombrado por lacunas. Tememos acordar
encalhado no vazio. Enxertamos ruídos, balbúrdia e outras plantas venenosas,
qualquer truque que nos impeça de ser devorados pela solidão. De um modo ou
outro, o mundo será sempre incompleto, dentro e fora de mim. Jamais nos
habituamos àquilo que não somos. As chaleiras de Hermeto. As garrafas de
Pollock. As sapatilhas de Degas. Cada um de nós acoberta sua impossibilidade.
Escoamos o excesso para que a vida se torne consumível. O rio se repete como
uma cornucópia. A grande árvore soletra suas folhas como insondáveis
testamentos. Eu me reconheço em cada visitante, assim como nos móveis e
utensílios, no assoalho e nas telhas. Nada me impede de mudar sempre de lugar.
Ainda ontem estive aqui.
ÚLTIMA SESSÃO
Um único ponto de luz em meu corpo
rejuvenesce o esquecimento. Os fios suspensos desafiam a densidade da noite.
Meus suores tingem de dúvida o desmazelo da mobília. Lance de utensílios
atuando para eles mesmos. Osman risca no ar uma plateia vazia. Os mortos não se
reconhecem no espelho. Espalham sua dança pela sala e convocam os potes de
Beckett, as fantasias de Maldoror, os manuscritos de Sade. Nada me fascina mais
do que esses rabiscos na carne putrefata do tempo. As minhas idades vão se
perdendo a cada sessão. Fábulas folguedos cantorias. Osman desembaraça seus
fios e arrisca sutilíssimas piruetas. A luz navega oscilações por meu corpo
trêmulo. Quando se forem todos, não me restará um farrapo de cena. Talvez eu
ouça os gemidos da grande árvore seduzida pelo rio. Nem sempre é suficiente
apenas lembrar. Um ponto de luz range em meu ventre, onde a plateia permanece
vazia.
MONÓLOGO
O armário da cozinha abria e fechava suas
gavetas vazias. Por baixo da porta da geladeira com a tinta estourada jorrava
um líquido negro e viscoso. A cortina envelhecida esvoaçava como se a janela
estivesse aberta. Uma corrente de ar vagava por mim acendendo as velas mais
inesperadas. As tábuas arrancadas do piso me atordoam. Se eu vou ao quintal
encontro um vulto envolto em farrapos ruminando seus martírios. Por vezes me
indago como suporto tanta vida desfeita. Dona porca mora sozinha perto do rio.
Aprendeu a comer peixe e a cantar. Por vezes suspira, como se algo lhe
faltasse. Porém ao ver as folhas da árvore caindo ela sorri e recorda o quanto
a vida se desfaz e ressurge. Na pedra avultada sob a árvore uma menina amarra
com fino nylon os ossos de seu cãozinho atropelado. Em outra dimensão os dois
se encontram e brincam como se fossem frutos da eternidade. Eu queria que o rio
me levasse para longe. Talvez simplesmente para saber como é regressar a algum
ponto. Porém apenas envelheço. Imóvel. E a vida só me visita quando está
desfeita.
∞
A GRANDE OBRA DA CARNE
A poesia de Floriano Martins
1991 Cinzas do sol
1991 Sábias areias
1994 Tumultúmulos
1998 Autorretrato
2003-2017 Floração de centelhas [com Beatriz Bajo]
2004 Antes da queda
2004 Lusbet & o olho do abismo abundante
2004 Prodígio das tintas
2004-2015 Estudos de pele
2004-2017 Mecânica do abismo
2005 A queda
2005 Extravio de noites
2006 A noite em tua pele impressa
2006 Duas mentiras
2006-2007 Autobiografia de um truque
2007 Teatro impossível
2008 Sobras de Deus
2008 Blacktown Hospital Bed 23
2009-2010 Efígies suspeitas
2010 Joias do abismo
2010-2011 Antes que a árvore se feche
2012 O livro invisível de William Burroughs
2012-2014 Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]
2013 Anatomia suspeita da realidade
2013 My favorite things [com Manuel Iris]
2013 Sonho de uma última paixão
2013-2015 Breviário dos animais fabulosos fugidos da memória
2014 Mobília de disfarces
2014 O sol e as sombras
2014-2015 Reflexões sobre o inverossímil
2015 Enigmas circulares
2015 Improviso para dois pianos [com Farah Hallal]
2016 Cine Azteka [com Zuca Sardan]
2016 Circo Cyclame [com Zuca Sardan]
2016 Trem Carthago [com Zuca Sardan]
2016 A vida acidental de Aurora Leonardos
2016 Altares do caos
2016-2017 Convulsiva taça dos desejos [com Leila Ferraz]
2016-2017 Obra prima da confusão entre dois mundos
2017 O livro desmedido de William Blake
2017 Antigas formas do abandono
2017 Manuscrito das obsessões inexatas
2017-2020 A volta da baleia Beluxa [com Zuca Sardan]
2017-2022 Nenhuma voz cabe no silêncio de outra
2018 Atlas revirado
2018 Tabula rasa
2018 Vestígios deleitosos do azar
2021 Las mujeres desaparecidas
2021 Museu do visionário [com Berta Lucía Estrada]
2021 Naufrágios do tempo [com Berta Lucía Estrada]
2022 As sombras suspensas [com Berta Lucía Estrada]
2022 Las resurrecciones íntimas [com Berta Lucía Estrada]
2023 Huesos de los presságios [con Fernando Cuartas Acosta]
2023 Inventário da pintura de uma época
2023 Letras del fuego [con Susana Wald]
2023 Primeiro verão longe de casa
∞
1991-2023 Mesa crítica [Prefácios, posfácios, orelhas]
2013-2017 Manuscritos
∞
Poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, dramaturgo, FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957) é conhecido por haver criado, em 1999, a Agulha Revista de Cultura, veículo pioneiro de circulação pela Internet e dedicado à difusão de estudos críticos sobre arte e cultura. Ao longo de 23 anos de ininterrupta atividade editorial, a revista ampliou seu espectro, assimilando uma editora, a ARC Edições e alguns projetos paralelos, de que são exemplo “Conexão Hispânica” e “Atlas Lírico da América Hispânica”, este último uma parceria com a revista brasileira Acrobata. O trabalho de Floriano também se estende pela pesquisa, em especial o estudo da tradição lírica hispano-americana e o Surrealismo, temas sobre os quais tem alguns livros publicados. Como artista plástico, desde a descoberta da colagem vem desenvolvendo, com singular maestria, experiências que mesclam a fotografia digital, o vídeo, a colagem, a ensamblagem e outros recursos. Como ele próprio afirma, o magma de toda essa efervescência criativa se localiza na poesia, na escritura de poemas, na experiência com o verso, inclusive a prosa poética, da qual é um dos grandes cultores. A grande obra da carne – título emprestado de um de seus livros, é uma biblioteca desenvolvida como espaço paralelo dentro da Agulha Revista de Cultura, a partir de uma ideia do próprio Floriano Martins, de modo a propiciar acesso gratuito a toda a sua produção poética.
∞
OBRA POÉTICA PUBLICADA
Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.
Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.
Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994.
Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2. The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994.
Alma em chamas. Fortaleza: Letra & Música, 1998.
Cenizas del sol [con Edgar Zúñiga]. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001.
Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001.
Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.
Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006.
La noche impresa en tu piel. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006.
Duas mentiras. São Paulo: Edições Projeto Dulcinéia Catadora, 2008.
Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008.
Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008.
A alma desfeita em corpo. Lisboa: Apenas Livros, 2009.
Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría, Colección Palabra Ibérica, 2009.
Autobiografia de um truque. São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2010.
Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010.
Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012.
O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012.
Lembrança de homens que não existiam [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2013.
Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.
Overnight medley [com Manuel Iris]. Trad. ao espanhol (Juan Cameron) e ao inglês (Allan Vidigal). Fortaleza: ARC Edições, 2014.
O sol e as sombras [com Valdir Rocha]. São Paulo: Pantemporâneo, 2014.
A vida inesperada. Fortaleza: ARC Edições, 2015.
Circo Cyclame [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.
O iluminismo é uma baleia [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.
Espelho náufrago. Lisboa: Apenas Livros, 2017.
A grande obra da carne. Fortaleza: ARC Edições, 2017.
Tabula rasa [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2018.
Antes que a árvore se feche (poesia reunida). Fortaleza: ARC Edições, 2018.
Tríptico da agonia [com Berta Lucía Estrada]. Fortaleza: ARC Edições, 2021.
Las mujeres desaparecidas. Santiago, Chile: LP5 Editora, 2021.
Un día fui Aurora Leonardos. Quito: Línea Imaginaria Ediciones, 2022.
El frutero de los sueños. Wilmington, USA: Generis Publishing, 2023.
Sombras no jardim. Fortaleza: ARC Edições, 2023.
∞
Agulha Revista de Cultura
Criada por Floriano Martins
Dirigida por Elys Regina Zils
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
1999-2024
Nenhum comentário:
Postar um comentário