EUXÍMIO – Em meio ao baticum poeirento com que se inicia a
demolição do prédio do Cine Azteka, Astrúbal Lanternalta entra esbaforido, gritando
que parem tudo. Acenando com um alvará que suspende a quebradeira por 48 horas,
para que se faça uma festa de despedida da venturosa Casa das Sete Artes. Logo se
junta a ele Astolfo Siberiano, mestre de cerimônias, um dos fundadores do Cine.
Os dois comemoram aquela vitória momentânea. Quem sabe uma grande festança acabasse
com a ideia profana de destruir o lugar.
ASTOLFO
SIBERIANO – Asdrúbal, temos que
concatenar bem as ideias, o que vamos fazer?
ASDRÚBAL
LANTERNALTA – Que tal uma tragédia
clássica?… Podíamos passar O fim de Nero. No enredo tem de tudo: Nero come
a mãe, taca fogo na Lapa pra tocar sua lyra no telhado… Petrônio banca o granfino,
e come a pretinha Isaura... pra indignação do Catão da Lapa… César Barros não se
decide se vai mesmo atravessar o Tietê... Cícero cascateia, e os Torcedores invadem
o palco…
ASTOLFO
SIBERIANO – Viria o alto bolo das
três graças do Catete e bairros vizinhos.
ASDRÚBAL
LANTERNALTA – Vou chamar o quarteto
das fuinhas para que limpe toda essa sujeira…
ASTOLFO
SIBERIANO – Qual nada. Vamos deixar
tudo bruto, espalhemos as picaretas e marretas, que todos se comovam com a violência
comendo as vísceras de nossa principal casa de diversão…
NERO [chega numa biga tirada por dois bodes, e desce solene]
– Magníficas ruínas… Belos destroços… Aqui montaremos a tragédia do incêndio de
Roma, e da minha… morte! Que grande artista o Mundo vai perder!… Quando o Marechal
Toduro proclamar a República, atiro-me dentro da goela do Dragão Azteka da entrada
do Cine, e ele me deglutirá, vivo!!!…
AGRIPINA [entra, trazendo na coleira um nandu] – Nada disso,
meu filho!… Telefonarei pro General Toduro pra que adie a Proclamação da República!…
EPAFRODITO [escravo favorito de Nero] – Marechal Toduro é um cafona,
toma chá com bolachas d’água, e toma suco de groselha!… Certamente não vai querer
adiar a proclamação!… O malvado!…
AGRIPINA – Ameaçarei de cortar a entrega da ração dos dragões
da Independência. Ele não terá outro modo senão rever a cronologia de desmilinguida
história. Mandei lá ter com ele o Pitadas Breves.
PITADAS
BREVES – Marechal, melhor não
se enfezar e dar uns dias mais para essa tal proclama. A mãe do Imperador está furibunda.
Já pregou na cara aquele olhar sinistro e se ela abre a boca, melhor nem pensar.
Agora deu de dizer que vai cortar a razão dos Meninos do Pátio.
MARECHAL
TODURO – Que venha a falastrona,
eu dou-lhe duro outra vez. Lembro que ela gostou que até suspirou. Mande vir cá
a contumaz.
EUXÍMIO – Defronte ao semidemolido Cine Azteka, encontra-se
a Pastelaria Proust, frequentada por damas chiques e por cavalheiros-almofadinhas…
Entre os quais fulgura Seu Laurel, parnasiano monarquista, que ora toma seu chá
com Bolachas Madalena, enquanto lê o tabloide matutino Nanico Fiel. Chega
o garçom Xô Kolate, de bandeja alçada, trazendo a garrafinha da mineral Xambuquira.
SEU LAUREL – Aí está, Xô Kolate!… O Nanico Fiel revela
as alusões desaforadas do Marechal Toduro contra a mãe do Imperador!… Além de positivista
ignorantaço, o Marechal é um moleque!…
XÔ KOLATE – Mãe de qual Imperador, Seu Laurel? Do Romano?… Ou…
do nosso?… Mas ele está viajando… Foi ao Egypto conhecer as Pyrâmides…
SEU LAUREL – O nosso?… Que tome cuidado!… Enquanto contempla as
Pyrâmides poderá ser devorado pela Esphynge!… Por cima e por baixo!…
XÔ KOLATE – Nosso Imperador é muito idôneo pra comer a Esphynge…
assim no meio da rua, diante das Pyrâmides…
SEU LAUREL – O nosso sim, mas a Esphynge não faz cerimônias… Todavia…
o Nanico Fiel faz alusão à Dona Agripina, mãe do Imperador Nero, de Roma.
XÔ KOLATE – Se a Esphynge não comer o nosso, então o Imperador
Nero na certa come a sua…
SEU LAUREL – O Imperador Nero tem Esphynge?…
XÔ KOLATE – Não tem Esphynge… mas tem Mãe.
SEU LAUREL – Admirável, Xô Kolate!… As Maravilhas da Natureza!…
Você acaba de superar todas as teses do Doutor Froes!…
EUXÍMIO – O douto Froes de Tamanco vem saindo do banheiro quando
ouve seu nome sendo quase espezinhado. Uma excrecência como aquele imperador chinfrim
não poderia superar a magnificência de suas teses! Ele se aproxima da mesa:
FROES
DE TAMANCO – Pela compleição magérrima
posso constatar que és tu o Seu Laurel que de incerta forma me ofende. Devo dizer
que há muitos modos de morrer, assim que sugiro que escolhas o teu preferido.
SEU LAUREL – Meu caro doutor, nem de longe pensava em desrespeito.
Note bem a confusão. Sempre o admirei e tenho comigo a fascinante edição de seu
livro avermelhado…
FROES
DE TAMANCO – Este livro não é meu,
e sim de um discípulo intempestivo. Certamente estás de zombaria comigo. Escolha
as armas, apolínea caricatura da existência! Tragam as mocinhas, vamos fazer o teste
do ovo de codorna em sua vagina para confirmar a virgindade de cada uma. Elas serão
as juízas de nossa desforra.
SEU LAUREL – Vamos por meio século a mais em tanta quizumba e
já não haverá motivo sequer para estarmos aqui.
XÔ KOLATE – Olha, o que eu queria dizer é que o tal imperador
seguramente se refastela com os prodígios carnais de sua mãe… Não se exaltem por
tão pouco. Vou buscar a nossa cerveja Caravaca, uma rodada por conta da casa.
FROES
DE TAMANCO [tão logo sai de cena
o garçom] – Viu só como é fácil beber de graça por aqui?!
SEU LAUREL – Pois, Froes, és mesmo um fino psicanalista… O Xô
Kolate ficou nervosíssimo com o suposto iminente duelo… O-Rô-Rôôôôô… Quando ele
voltar, fechemos de novo a cara um pro outro, e ganharemos uma segunda cerveja.
XÔ KOLATE [de bandeja] – Pronto! Cheguei!… Com uma Caravaca geladinha,
espumante, e um prato de azeitonas. Pena que nosso satirista Petrônio não esteja
aqui!… Porque ele certamente jamais permitiria esta bárbara destruição do Cine Azteka!…
SEU LAUREL – Isso é coisa do General Toduro… aquele ignorantaço
não entende Arnuvô…
FROES
DE TAMANCO – General não, ele é Marechal.
SEU LAUREL – Marechal??? Desde quando??? Nosso Imperador não está
no Brasil pra promovê-lo.
FROES
DE TAMANCO – Pois é, mas Toduro está
de Regente, e aproveitou a deixa pra se autopromover.
SEU LAUREL – Mas que picareta arrogante cara-de-pau!…
EUXÍMIO – Os dois salafrários levaram no bico o garçom a tarde
inteira. O sol já havia botado a viola no saco quando Pitadas Breves chega à procura
do douto Froes. Estavam formando um conselho para decidir se projetavam a película
inteira ou se acaso haveria alguma prudência em meter a tesoura no trecho em que
a negrita Isaura se esmera numa felação no bem prendado Petrônio. Froes acompanha
Pitadas mal disfarçando uma estrepitante gargalhada. O conselho se reúne no foyer
no Cine Azteka.
ASTOLFO
SIBERIANO – Caríssimo Dr. Froes,
aguardamos ansiosos tão transcendente opinião.
FROES
DE TAMANCO – O que justificaria tal
intromissão em uma obra de arte?
ASTOLFO
SIBERIANO – Uma questão delicada,
pois a atriz que faz a pretinha no filme se enrabichou por nosso mandatário, com
cuja cumplicidade nós devemos contar caso queiramos reverter a tragédia que se abate
sobre nossa cidade.
FROES
DE TAMANCO – Não seria mais fácil
convencer o Marechal de que a pobre Isaura apenas se sacrificara em nome da arte…?
Eu gostaria muito de rever a cena. E certamente o público se lambuzará de contentamento.
ASDRÚBAL
LANTERNALTA – É o que eu defendo.
Afinal, este não é momento para concessões. A arte deve falar mais alto e nos tirar
dessa enroscada.
SEU LAUREL – Pra não assustar as peruas chiques e assanhar a censura,
sugiro que a cena comece com Isaura sentada no colo do Marechal, que paternalmente
lhe lê um livro de contos de fada… Diz ele: Então, o Pequeno Polegar começou
a crescer… a crescer…
ASDRÚBAL
LANTERNALTA – Uma solução apropriada,
que a todos engana e faz feliz.
FROES
DE TAMANCO – As fábulas sempre tiveram
essa encantadora propriedade, de nos levar para um quarto secreto onde todos os
filmes se revelam distintos aos olhos de cada um. E de tanto ser outro o mundo acaba
voltando ao princípio, pois é nosso desejo mais íntimo e insaciável reabitar o centro
de onde surgimos.
SEU LAUREL – Quebrou a tramela do juízo do Doutor. Alguém traga
uma Caravaca tinindo de gelada para ele!
ASTOLFO
SIBERIANO – Asdrúbal, rebobine tudo
e pode começar a passar o filme…
ASDRÚBAL
LANTERNALTA – Não aguardamos a chegada
do mandatário? Vou providenciar que a vitrola ataque com um foxtrote apressadinho,
e que entre nossa dançarina de mil adjetivos, Ludmila Paranga!!!
SEU LAUREL – Eu ouvi lá no camarim o empresário dela sugerindo
que economizasse nos passos, pois o cachê saíra aquém do planejado.
OSCARGRITO – Cascanova? Aquele traste não é empresário. É um gigolô
que faz ponto na Lapa. Que Ludmila esteja agora aos seus cuidados, define bem o
quanto ela vale. Fui eu que negociei o cachê, está muito bem paga.
EUXÍMIO – A noite começa. Casa abarrotada de gente, todos de
pé, em meio às obras de demolição, apenas a poeira encontrou lugar para sentar.
Por último chega o Marechal Toduro, acompanhado de Isaura e Bocarra, este último
orgulhoso de haver escancarado na primeira página de toda a imprensa a notícia sobre
a reação do Cine Azteka!
BOCARRA – Olha o Pasquim Panchito!!! Últimos crimes
de hoje!!!! Charlotte mete a faca em Marat na banheira!!! Cleópatra se suicida com
pastilhas de estricnina!!! Landru degola a sua sétima viúva!!!
SEU LAUREL – Se Landru matou a sétima esposa, não é ela viúva,
mas tão só uma inocente vítima imolada no aconchego conjugal… Ele sim está agora
viúvo… pela sétima vez!…
BOCARRA – É verdade, Seu Laurel… Aliás… Landru já botou hoje
anúncio no Pasquim Panchito, oferecendo-se em matrimônio a uma viúva rica
de boa família…
FROES
DE TAMANCO – Sétima vítima da sétima
arte, pois Landru escolheu por alcova de imolação o cenário de um dos filmes em
que atuou, O escalpe da amada, primeiro longa-metragem do mesmo Chefe Baladão
de quem em minutos veremos a obra-prima que é O fim de Nero.
SEU LAUREL – É verdade. Conta Ludmira Paranga, que com ele contracenou
por duas vezes, que certa vez adentrou seu camarim e ali encontrou uma espécie de
santuário contendo várias bonecas, todas elas com um furo na vagina, na proporção
de um dedo indicador. O furo estava coberto por um algodão ensopado do que parecia
ser sangue.
LUDMILA
PARANGA – Eu sempre tive uma queda
por aquele pedaço de gostosura. Por três vezes me insinuei, por três vezes posso
dizer que o tive, embora de modo bem curioso. Em cantinhos escuros do cenário, antes
da hora das gravações, nós nos entretínhamos. Eu o pegava com gosto, mas ele se
recusava a me dar aquela tranca. Em troca me punha dentro um dedo insaciável que
me levava de um céu a outro. Por três vezes, eu lhe dizia que não me escaparia na
próxima. Até que entrei em seu camarim e vi aquelas bonecas…
SEU LAUREL – A coleção de bonecas é uma leda lembrança da infância
querida, que os manos não trazem mais… Eram de seus manos Raul e Jacu, a bela coleção
de bonecas com luxuosas roupas de odalisca…
RUIVO
BRABOSCA – Passemos a temas mais
eruditos: devo dizer-lhes que vou a Haia representar o Brasil na Conferência da
Paz…
SEU LAUREL – Vais de vapor ou zepelim, Ruivo?… Se fores de navio
não te aconselho a escolheres o Titanic… Minha Cassandra Berta de Cumes m’advertiu
que aquela almanjarra vai afundar.
OSVALDO
BRILOQUE – Muito me admira vós,
oh vão albatroz do Tapajoz!… Dar tento a uma ignara cigana de Copacabana…
RUIVO
BRABOSCA – O dito não tem que ser
crível. Uma vez o diabo adentrando as têmporas ele começa a fabricar em nosso inconsciente
a realidade que bem quer. Nem importa que venha a se concretizar ou não.
SEU LAUREL – Que erudito mais banguela! A corda não é nada sem
a caçamba. Não me atenta o Satanás se eu nem lhe escuto a zoada da mutuca.
OSVALDO
BRILOQUE – Nas minhas oiças também
ninguém enfia o que eu não quero.
LUDMILA
PARANGA – Seu Laurel, eu já vi
que vocês deixam as coisas passar, nada tem quieto nos travesseiros. Eu que não
quero saber daquele louco. Por causa dele deixei pra lá uma vida de atriz. Fui dançar
nos cabarés da Lapa.
SEU LAUREL – Por causa de um caíste nas mãos de outro, ora. Landru
por Cascanova… Que bela troca!!!
DOROTÉIA – Bilheteria encerrada. Silêncio na plateia. Apaga
as luzes, Astolfo (safado, agora não). Asdrúbal, mete a fita nos trilhos. Lá vem
o filme!!!
O FIM DE NERO, SESSÃO ÚNICA
BOCARRA [ao público] – Pois então, ilustres doutores cartolas,
elegantes donas peruas, auditório das deslumbradas faceiras, e vós Torcida do Mengo
e Cravela do Vasco, não briguem! Haverá suficiente porrada no curta jocoso O
fim de Nero. O iluminista Zumário já entrou na cabine pra projetar o filme,
sentem-se todos, ou subam pelas pilastras, as luzes agora vão se apagar num festival
de cores decrescentes…
SEU LAUREL – Luzes verde-bandeira, azul-nattier, violeta, rosa,
abacate, abacaxi, vitória-régia, gardênia, flor-de-manga…
ZUMÁRIO – Ô Bocarra, eu não sou iluminista, eu sou iluminador.
Mas há um iluminista no filme, um tal de Cícero. Cala a boca, Laurel futriqueiro...
EUXÍMIO – Até que enfim. O filme começa. Nero vasculha seus
aposentos, com ar de quase chilique, sua mãe entra em cena, e lhe indaga o que se
passa…
NERO – Minhas lágrimas, minhas. Onde pus o tubo de cristal
com as minhas lágrimas. Estou quase a ponto de chorar… Não posso perder uma lágrima.
AGRIPINA – Virão outras, meu pompom.
NERO – Estás louca, mãe! Sabes quanto me custa cada lágrima!
Quanto sacrifício eu tenho que fazer por este povo, para que venham duas ou três
lágrimas!
AGRIPINA – Venha aqui com a mamãe, ande logo, meu pupilo de
enigmas, menino de ouro, ui!
NERO – Ah meu castelo de magia! Deixa ver a portinhola,
meu abrigo secreto.
AGRIPINA [levantando o vestidão de seda] – Aqui, meu imperatudo,
vem bimbalhar…
NERO [grita, surpreso] – Agripina dos diabos! Mãe das mães!
O que é isto! Derrubaste meu milharal?!!!
AGRIPINA – Ah meu pecador de subúrbio! Esta é a última moda
no Reino Desunido!
EUXÍMIO – A plateia nem pisca. Entre contraída e maravilhada.
Ambiente extático, espatifado pela intempestividade de Oscargrito:
OSCARGRITO – Fraude! Fraude!
EUXÍMIO – Este abestado Oscargrito…
Entra num momento sublime da cena, pra soltar
seus gracejos baratos… Mas aperto o botão – plek – abre-se a tampa do alçapão… Vrommm!!!…
e Oscargrito cai e some, a tampa torna… Ploookt!!! a se fechar... O-Ro-Rooooooo.
GUMERSINA – Ai! Que processo mais sumário!… Talvez Oscargrito
tenha se machucado!… A fossa quiçá seja funda…
CONDE
GOLHÃO – Não te preocupes, Gumersina…
Oscargrito caiu direto na boca macia do Dragão de Yucatan…
GUMERSINA – Mas… será que Agripina antes se divorciou de Domízio
Enobarbo?…
CONDE
GOLHÃO – Eis aí difícil questão,
Gumersina!… Mas pra que lá queres saber?…
GUMERSINA – Porque se Agripina ainda é casada e trepar com Nero…
Estará cometendo adultério!…
CONDE
GOLHÃO – Enobarbo, ele que ponha
suas barbas de molho… Adultério hoje em dia, Gumersina, é coisa de salão…
GUMERSINA – Mas até o momento, ainda não houve flagrante do pendente
delito…
CONDE
GOLHÃO – Sim, o público já está
reclamando… porque Oscargrito entrou em cena e impediu a sua consumação.
GUMERSINA – Adultério não é artigo de consumação. É pecado carnal!…
Felizmente Oscargrito salvou as barbas de Domízio Enobarbo in extremis…
CONDE
GOLHÃO – As barbas e… os chifres!…
Um desastrado empata-foda…
GUMERSINA – Oscargrito salvou a honra da família imperial. Merece
um belo sermão de Frei Feijão.
CONDE
GOLHÃO – Eu me pergunto, cá com
meus botões… Esse lance será bom augúrio pro jogo-do-bicho?…
XÔ KOLATE – De novo lá vem aquele pároco dos infernos! Soube
que quando passou por aqui o Circo Cyclame excomungava epifanias a torto e a direito.
FROES
DE TAMANCO – Esqueçamos o empirismo
das ilusões. Vamos aos mais espúrios detalhes. Acusado de retalhar o tesão da cena,
Oscargrito foi defenestrado sem que saibamos ao certo o que ele acusava de fraude.
O suor frio da interrupção nos levou ao precipitado julgamento de um adultério,
quando a rigor se trata de um incesto. Agripina é a mãe de Nero. E não me venham
agora os puritanos da Quinta Ordem ou os pelegos do Sindicato da Hipocrisia inventariar
a pudicícia dos orgasmos mal consumados. Francamente. Deus e o Diabo dividem um
quartinho dos fundos na Mansão dos Impulsos Obscuros Reprimidos. Quanto ao pendente
delito, ora, Nero já estava em riste, ansioso por aprofundar seus ditirambos rocambolescos.
Inventemos um coro da resistência, uma broca insaciável flertando com a desgraça
plena. Uma penca de galhos decididos a não deixar a árvore tombar.
TORCEDORES – Agora é a hora. Agora sempre foi a hora. Queremos
Nero dentro de sua mãe. Queremos o junco iluminado no bocal de seu culto. Queremos
as esferas destapadas das mais opostas expressões. A exuberância do pio é a salvação
do pavio!!!
EUXÍMIO – Mas eis que cai uma súbita cortininha cobrindo a
cena… Os torcedores protestam indignados… Aos urros e patadas… Dominus Vobiscum…
E para acalmar a crescente fúria coletiva… entra no palco a mimosa Madame Butterfly,
a Mosca de Manteiga, de kimono de seda, rodopiando e agitando seu leque pintado
por Hokusai.
CONDE
GOLHÃO – Madame Butterfly… com
esse rabo de pirarucu?… As japonas são mais do estilo plancha de passar roupa.
SEU LAUREL – Por isso mesmo usam leques de Hokusai… Mas essa nossa
Mosca de Manteiga é bem provida… Deve ser coreana…
CONDE
GOLHÃO – Mas… E a trepada de
Nero com Agripina dentro do cesto?… Porque caiu a cortininha?… Desconfio que Nero
não correspondeu às justas expectativas maternas…
SEU LAUREL – Y a ti, que te parece,
mi caro Gaceto Ortega?
GACETO ORTEGA – Pués… Lejos de retirarse
a las sombras… Nerone y su Mamá se fueron de camel viajar de Babel a Bagdad…
EUXÍMIO – O risinho secreto tenuemente escorrido pelo canto
de boca em Oscargrito confirmava a proeza escandalosa de sua veemente rajada denunciativa
de fraude. Um verdadeiro golpe – segundo ele declarou ao Bocarra – no coração dos
amantes das sete artes.
OSCARGRITO – Repetirei sempre: Fraude! Fraude! Na versão
original do filme a cena se dava entre véus, o cenário era uma alcova tomada por
véus que pendiam do teto, em fina transparência, com um fascinante jogo de luzes
de castiçais espalhados por todo o ambiente. Tudo era mais sugestivo, desde o modo
como Agripina se insinuava para Nero até o momento em que o filho penetra a mãe
e os dois corpos alternam ritmos e ângulos em um crescente frenesi.
CONDE
GOLHÃO – Não te parece que o
público gostaria da trepada assim mais crua, em tomadas frontais, convulsionando
a cena?
OSCARGRITO – Nunca se pode prever o que passa com o gosto da plateia,
por isto que o pior artista será sempre aquele que se preocupa com seu público.
De qualquer modo, a questão é outra. Veja no que deu a tua decantada veemência sexual.
Deu na cortininha. Deu na censura. E ainda tivemos que engolir aquele falsa borboleta.
Dupla fraude. Chego a pensar que tudo estava pronto para a inescrupulosa substituição,
que o retoque na cena original foi intencional, e, o que concluo com lástima, que
Chefe Baladão tenha participação direta nesse conluio.
CHEFE
BALADÃO – De que me acusas, seu
piadista de quermesse? Palhaço refugado por circos e academias! Imitador sofrível
de sapos…! Não que eu deva explicação a ninguém pela minha arte, mas a verdade é
que há muito eu queria refilmar aquela cena. Eu sempre fui defensor de uma arte
mais realista.
OSCARGRITO – Ah sim, a embriagante realidade dos remakes!
CHEFE
BALADÃO – Nojentinho vulgar, por
isto que estás onde estás e estou onde estou. Sangrarás de inveja até a morte. E
teu sangue será lodacento e podre. Verme dos vermes!
GACETO ORTEGA – Verme que te quiero
verme… Es la historia de un amor sin fin… En lo peor, una evocación de la catástrofe…
Yo puedo escribir mil páginas sobre el tema, pero… ¿Quién las publica?
CONDE
GOLHÃO – Se houver muitas mortes,
muito sangue e sacanagens cabeludas, por certo Don Pancho Varela a desejará publicar
no Pasquim Azteka.
SEU LAUREL – Pois tente com o Doutor Plácido Pereira, um editor
de fino gosto artístico, aprecia romances de amor sem fim… Amor sublime, espiritual…
Salpique uma lua branca sobre um castelo medievo ao luar… Tudo distinto, tingido
de leve melancolia… E o pianista tocando o piano na praia, vem a maré, o pianista
na fúria de sua sonata de Liszt não percebe, segue tocando, e desaparece, com seu
piano, engolfado pelas ondas tumultuosas…
GACETO
ORTEGA – Magnífico, Seu Laurel!…
Bravo!!!!…
TORCEDORES [palmas frenéticas] – Bravoooo!!! Plec-plec-plec-plec…
EUXÍMIO – Há um momento em que arte e realidade se confundem
entre si, se emaranham, até mesmo se estapeiam. Atores na plateia encarnam personagens
que há muito representaram. Personagens morrem ou deliram nos braços de seus fãs.
Roteiristas já não se reconhecem em textos que haviam escrito com exímio talento.
E nunca saberemos ao certo em quem acreditar: tornamos a ficção factual ou acaso
terá sido o contrário? Em meio a essa balbúrdia estrepitosa apenas uma voz parecia
ter algum contato com a lucidez:
OSCARGRITO – Vejam que o latão desapareceu, levaram o filme sem
que ninguém percebesse!
CATÃO
DA LAPA – Antes que trombadinhas
pusessem o latão em um saco eu consegui escapar, aos trancos, ainda um pouco atordoado…
OSCARGRITO – Sei, como toda consciência que se preza, Catão, sempre
um pouco atordoada…
CATÃO
DA LAPA – Não é hora para isso,
Oscarzinho. Temos que descobrir o que houve e recuperar a gloriosa película.
EUXÍMIO – Pra quê toda essa preocupação com um latão que revela
uma fita de teatro enlatado?… Teatro em lata, com muita encenação de deslumbre luxo
popular, com seu poder capitalista que traz uma cultura primária pra pasteurizar
e moldar o gosto e as ideias das massas e destruir o verdadeiro Teatro, e sua missão
de questionar os verdadeiros intuitos dos donos do poder!…
CATÃO
DA LAPA [surdina] – Aí está, Oscarzito,
quem roubou o latão…
OSCARGRITO – O ponto? O ponto é o ladrão?
CATÃO
DA LAPA – O eterno conflito entre
o antigo e o atual. As duas forças polarizadoras da história. O velho e o novo.
OSCARGRITO – Mas veja: apesar de sua atitude guardar em si um
enorme preconceito, o que sugere não está de todo mal. Vamos manter em segredo que
ele seja o ladrão, e convocar o público para que opine acerca da adaptação do filme
para um teatro automático, que tal?
CATÃO
DA LAPA – Mal não pode fazer.
E de quebra ainda nos divertiremos muito.
OSCARGRITO – Chamemos Bocarra. É o tipo mais indicado para levar
o tema aos ouvidos de todos.
BOCARRA – Até que enfim alguma ideia me anima os ânimos em
meio a essas ruínas tão jovens. Vou consultar as massas e logo destaco o resultado
na primeira página do Pasquim Panchito!
DE VOLTA AOS PALCOS: NERO REDIVIVO
EUDÓXIO – As cortinas lentamente se abrem… E eu agora o que
faço?
NERO – Enfia-te presto dentro do buraco do ponto e rolha
na boca, paspalho…
ZUMÁRIO – Eudóxio se demora a descer, então Nero lhe senta
a lira nos cornos.
GACETO
ORTEGA – Zumário tem um microfone
na cabine. Eudóxio foi despedido.
CATÃO
DA LAPA – O velho Ponto não acompanhou
os progressos da tecnologia.
GACETO
ORTEGA – Mais uma vítima da Modernidade.
Não conhece a Sétima Arte.
CATÃO
DA LAPA – Sétima Arte?… Acho que
é a oitava…
ROSINÉIA – Hum… Zumário tem voz de frequência modulada…
ZUMÁRIO – Fui locutor de quermesse na época em que a lábia
era o único modo de conquistar as plateias.
GACETO
ORTEGA – Ele tem mesmo essa cara
de grande enrolador.
ROSINÉIA – Mmm, eu aposto como ele também tem outra coisa bem
grande…
EUXÍMIO – Silêncio, covil de cavilosos! Vamos organizar a casa.
Uma primeira explicação: Eudóxio não foi despedido coisa alguma. Eu o trouxe para
ser meu contraponto, pois a vida de ponto não é nada fácil. Sua primeira grande
contribuição foi a de haver conseguido os manuscritos do roteiro nada original do
filme O fim de Nero. Rosinéia… Sossegue o facho, aguente-se mais um pouco,
que terás um papel de destaque onde poderás depenar um franguinho bem suculento.
Catão, eu preciso que me ajudes a definir a trupe. Petrônio está terminando os últimos
retoques da adaptação livre do enredo para nosso teatro improvisado. Rosinéia e
Osvaldo Briloque serão nossos protagonistas. Agora pensemos nos demais.
CATÃO
DA LAPA – Epafrodito pode ser
ele próprio, porque é o único daqui que tem cara de escravo. Desta vez Petrônio
não me passa a perna, eu quero comer a pretinha Isaura… Só não me saia de sua pena
aquela trova aguada que ele costuma ler no Palácio das Mangas Curtas. Mande lá as
primeiras linhas e aos poucos vamos parafusando os atores em seus personagens.
CASCANOVA – Se alguém precisar das minhas meninas…
CATÃO
DA LAPA – Apreciaria uma de cinco
estrelas…
CASCANOVA – Leva duas de quatro pelo mesmo preço duma de cinco.
GACETO
ORTEGA – Gostaria duma de três,
mas que fosse fiel.
CASCANOVA – Sim, Conchita lhe será fiel a noite toda…
GACETO
ORTEGA – Ela saberia me fazer
cafuné?… E dizer que gosta de mim!…
CASCANOVA – Sim, Conchita é móbile, muda do assento pro teu colo…
GACETO
ORTEGA – Ela é piedosa?… Reza?…
Me chamará de "Meu Sinhô"?…
CASCANOVA – Sim, Dom Ortega, ela é uma putinha respeitosa.
EUXÍMIO – Cascanova negociava suas meninas, enquanto rascunhava
as últimas falas no roteiro. Osvaldo Briloque treinava trejeitos e esgares se imaginando
Nero. Enquanto Rosinéia soltava os cabelos e procurava um batom vermelho que combinasse
com a turquesa de seu olhar.
NERO [arranca das mãos de Cascanova um catálogo com reprodução
de fotos de suas meninas] – Eu quero esta. E que venha agora mesmo, pois tenho um
apetite de deuses.
CASCANOVA – Imperador, esta é Dorotéia, a cabrocha mais cara
sob meus cuidados.
NERO – Pois estou certo de que terás muito gosto em presenteá-la
a teu imperador. Acaso me equivoco?
AGRIPINA – Ai que moleque guloso é o meu menino! Veja como é
toda empinada essa danada! Mamãe te ajuda a cuidar bem dela.
NERO – Aproxime-se, minha santa. O que sabes fazer?
DOROTÉIA – Eu trabalhava na bilheteria do Cine Azteka.
NERO – Vocês aí, preparem a cama, ajudem Agripina a despir
meu bilhete premiado.
AGRIPINA – Ai meu torpedo decidido, vamos deixá-la no ponto.
EUDÓXIO – Euxímio, estão te chamando em cena…
EUXÍMIO [entra e se ajoelha diante de Agripina] – Minha Imperatriz!…
vosso servente sou eu…
AGRIPINA [dá-lhe a mão que ele beija sofregamente xmack-xchmack]
– Muito bem, Euxímio, não precisas babar meus anéis…
EUXÍMIO – De rubi, de esmeralda e safira… e o besouro de ônix
em vosso colo alabastrino…
AGRIPINA [passinho atrás] – O besouro não, seu safado, o besouro
não!…
EUXÍMIO [rola por terra] – Um beijinho em vosso besouro… e
morro feliz no tapete persa…
AGRIPINA – O Beijo no Besouro?… Mas antes precisas enfrentar
uma perigosa missão…
EUXÍMIO – Quero morrer por minha Imperatriz!!!… Mas… o Beijinho?…
AGRIPINA – O Beijinho virá depois. Por ora, terás de raptar
a bilheteira…
EUXÍMIO – Dorotéia?… Uma bilheteira florentina… muito prendada…
AGRIPINA – Justamente. Meu filho ingênuo se apaixonou por essa
cigana…
EUXÍMIO – Folias da mocidade, Imperatriz… A primavera da vida…
AGRIPINA – Pois, Euxímio, sequestra a dondoca e a joga dentro
do buraco do ponto.
EUXÍMIO – Mas Imperatriz… o buraco do ponto tem fundo falso
que dá pra fossa do dragão…
AGRIPINA – Eu bem ouvira dizer… Excelente, Euxímio!…
EUXÍMIO – Mas Imperatriz!… O Dragão fatalmente comerá a moçoila…
AGRIPINA – Que a coma o Dragão Azteka… antes que meu filho o
faça…
EUXÍMIO – Mas o Imperador vosso filho então…
AGRIPINA [abre o leque] – …comerá dama de mais altos coturnos.
EUXÍMIO – Olhar mais expressivo eu não poderia encontrar, minha
nobreza inspirada. Já sabes que a tudo atenderei, pois não posso mais me imaginar
mofando na sacristia do ponto sem beijar esse besouro que tão safado me arregala
um olhinho. E o dragão sem dúvida ainda me deverá um favor…
EUDÓXIO – Sobrou para mim, narrar essa maluquice exigida pela
rainha mãe. Desconfio que Euxímio não tenha ideia alguma da tarefa encardida em
que se meteu. A rabuda deusa da bilheteira não é para qualquer um. Gelson Nodrigues,
nosso conhecido repórter canalha, certa vez deu de vangloriar-se para ela, sempre
apetitosa, e mordeu a cauda pelos dois lados. O pobre ficou que nem escrevia ou
sentava, por muito tempo. Ruivo Brabosca foi outro que dela se acercou com sua tática
parnasiana, versos tingidos de deslumbramento, ela o desancava todo, com o hip-hop
eclético de seu gingado. Desconfio que ela desnortearia o dragão do Cine Azteka
e esgotaria seu estoque de labaredas. O próprio Nero, eu não creio que teria ali
melhor fortuna, a menos que ajudado por sua mãe. Estou virando o cenário de ponta-cabeça,
para ver se me conta uma história melhor. Eu li a mão da Isaura e uns traços arrepiados
me deram uma ideia, de que ela poderia se passar por Dorotéia, sem que o dragão
percebesse, e por outro afluente do labirinto submerso nós levaríamos a carne cobiçada
direto para a alcova real. Euxímio lucraria dos dois lados. Isaura como já é pretinha,
não se ressentiria de ficar chamuscada pela ira do dragão. Uma boa trapaça é o que
tem salvado a existência humana desde que se entende como tal. Graças a ela impérios
se firmaram e caíram. Não tem erro: jamais mostre as cartas decisivas antes da hora.
ISAURA – Ah safado, agora já entendi porque és o contraponto.
Mas eu quero me enrabichar contigo antes de cumprir minha tarefa…
EUDÓXIO – Se Nero nos pilha, nos mandará pras feras do Colyseo!…
Vamos nos engatar escondidos dentro do buraco do ponto, aproveitando que o Euxímio
foi visitar sua Professora de Solfejo.
RÁDIO – Os dois enamorados pulam dentro do buraco do ponto
e… a tampa do fundo falso gira e o casalzinho cai dentro da fossa de Ketz, o terrível
Dragão Azteka.
KETZ – A-Ra-Raaaa! Qué bueno!… Hace
tiempo no había tenido visitantes tan distinguidos… A-Ra-Ra-Raaaaa!…
ISAURA – Ai, que horror!… Que goela terrível!!! Que bocarra
gigantesca!!! E os molares!!! terrrrríveis!!!
KETZ – Gracias, Señorita… Qué bueno
que sabes apreciar mis dientes, pero mira ahora mi lengua… Glu-Glu-Glu…
ISAURA – Ai! Que horror fascinante!… Que volúpia irresistível!!!…
EUDÓXIO – Contenha-se, Isaura!… A atração do abismo pode de
ser fatal…
KETZ [sacode o colossal linguão] – Bilu-Bilu-Biluuuuuuuu…
ISAURA – Ah Euxímio, que abismo não gostaria de ser sondado
por uma língua dessas!
KETZ – Fíjate, punto de los puntos,
busca otro sitio para tus perjuicios. Déjanos con el placer del instante, la única
dádiva de la existencia. Anda, aquí estás a perder
tus dones…
EUDÓXIO – Retomo a narração, antes que me aconteça algo irreversível.
O plano de Agripina tanto funciona quanto me assusta, pois como reagirá Nero ao
saber que sua pretinha o destronou por um dragão! Sinto agora o peso do cargo, a
brutal solidão palaciana, quando afinal percebemos que não temos com quem contar.
Triste desígnio o de ser o contraponto deste tramalhão de loucos.
NERO – Agripa, onde está o meu bilhete premiado?
AGRIPINA – Hum, que inchaço renitente, meu querido! Venha que
a mamãe te alivia… Como sempre…
NERO – Mas, awiequowelks, ai, mmm, zxcjpowe, Agripa, mais
aqui, iqweqe…
RÁDIO – Nossos ouvintes desfrutam uma palhinha das fornicações
do poder. Nero chega a chorar, porém sabe que aquelas não são lágrimas para seu
tubinho de cristal. Mesmo assim, não se contém e guarda umazinha. O povo lá fora
saberá compreender que a fé importa mais do que a verdade.
ASDRÚBAL
LANTERNALTA – Não era nada disto o
que planejamos…
ASTOLFO
SIBERIANO – Nada, nada. E não sei
se será esta a maneira de evitarmos a ruína completa do Cine Azteka.
ASDRÚBAL
LANTERNALTA – Creio que a qualquer
momento entrará a polícia em cena e autorizará a demolição a prosseguir…
ASTOLFO
SIBERIANO – Nosso plano cairá por
terra, Asdrúbal. Não se pode combater abuso de poder com mais abuso de poder. Estão
contados os dias de glória de nosso Cine Azteka.
ASTOLFO
SIBERIANO – Mas que intolerável
abuso de autoridade. O arbítrio ditatorial!
ASDRÚBAL
LANTERNALTA – Um brutal atentado aos
Direitos Humanos!…
DESEMBARGADOR
JUSTINO – Atentado é o seu, Dom
Astolfo, aos bons costumes… Este espetáculo de Nero é um acinte à dignidade das
tradicionais famílias brasileiras.
ASTOLFO
SIBERIANO – É preciso um espetáculo
forte e ousado pra alertar as mocinhas ingênuas dos traiçoeiros perigos das torpes
ciladas do Mal!…
DELEGADO
PROMETEU – Uma torpe ação de práticas
libidinosas é o que vocês dois apresentam neste blasfemo pardieiro! Estejam presos!!!
ASDRÚBAL
LANTERNALTA – O Cine Azteka é uma
casa de espetáculos de vanguarda, pra resgatar a cultura brasileira das pornochanchadas!…
ASTOLFO
SIBERIANO [melífluo] – Mas Delegado,
assista só um pouquinho que o senhor vai gostar.
NEMÉSIO [entra de bandeja alçada] – Quem vai querer um cafezinho
Bolheta? Uma mineral Xambuquira?...
EUDÓXIO – Viram só como Legislau cochicha algo ao ouvido do
delegado? Não deve sair boa coisa dali. Por sorte podemos contar com a astúcia impagável
de Cascanova, que adentra o recinto com sua trupe irresistível…
CASCANOVA – Senhores, que adorável surpresa! Asdrúbal… Veja o
que achou uma das meninas, este pouco mais de metro de fita que julgo ser de nosso
filme desaparecido. Hum, e nossos visitantes tão ilustres bem poderão provar um
cadinho da melhor sétima arte de todos os tempos, o que me dizem? Que sorte a nossa
poder contar com tão honorável presença! Sempre sonhei com o dia em que nem mesmo
a lei estivesse acima da arte. Não se façam de rogados, arrumem um acento, Asdrúbal,
role o pedaço de fita na máquina, as meninas cuidam do resto…
EUDÓXIO – As meninas (Dorotéia, Isaura, Ludmila e Rosinéia)
se achegam de cada um dos representantes da lei. Não há lei que resista a uma boa
sedução. Quer ver a lei submissa? Dá-lhe uma boa putaria. Eu mesmo apago a luz,
Asdrúbal faz a fita rolar, a sorte é o único privilégio dos matreiros. E não falha
nunca. O pedaço da fita é justamente a cena de uma esgalamida felação que Agripina
faz em seu filho imperador. O pedaço da fita é demasiado pequeno para a grandeza
de Nero. O pedaço da fita tem efeito prolongado e contagia todo o ambiente. As meninas
esfomeadas deixam a lei no sabugo.
NEMÉSIO [bandeja largada] – Não parem… Eu já estou na décima
arte!
NEMÉSIO [oferece um copo de Tequila a Montezuma] – É verdade,
Don Montezuma, as outras mães não têm esse empenho civil pra com seu filho, qual
o que oferece Agripina ao seu… dá-lhe tudo.
MONTEZUMA – Las cosas verdes, el
borrico se las come; las viejitas buenas, se las come Nerón.
EUDÓXIO – Nessas horas aparece gente de toda parte. O público
entretido com a degustação famélica de Agripina, nem de longe imagina o que se passa
nos bastidores. Ao final da cena, ouvimos aplausos lá fora, uma gritaria frenética
pedindo bis etc. Asdrúbal repete o pedaço de fita, enquanto Cascanova acena para
que as meninas se retirem. A lei também faz carinha de quero mais, porém Astolfo
tem o roteiro na ponta da língua:
ASTOLFO
SIBERIANO – Desembargador, como
o Sr. sabe nossa casa está ameaçada de ser derrubada, pois querem aqui construir
uma réplica do Corte Inglês, dizem que igualzinho ao de Madri. Aquele caixote horrendo
da Calle Preciados. Não permita, é o que lhe pedimos. Evite que essa tragédia despenque
sobre nós…
DESEMBARGADOR
JUSTINO – Meu caro Astolfo, por
mais que eu goste de vir aqui ter com essas meninas, não vejo como barrar o progresso.
É o sinal dos tempos. Temos que aceitar essas mudanças.
EUDÓXIO – Entra em cena Gumersina, com uma câmara em mãos,
e a entrega a Cascanova. Vejo agora que me esqueci de dizer que ela vinha filmando
toda aquela lambança.
CASCANOVA – Senhores, que hábeis amantes saíram todos no filme!
Essas portáteis sim, elas é que são o mais belo sinal dos tempos! E agora com essa
tal de Internet, um clique e teremos a lei em uma esfuziante estreia nacional.
GUMERSINA – Nacional não, isso vai para o mundo todo.
DELEGADO
PROMETEU – Que degradação do mundo
da arte!
ASDRÚBAL
LANTERNALTA – Já vejo com gosto o
título: A outra face da lei! Em letras maiores: A OUTRA FACE DA LEI!!!
NEMÉSIO – Chicletes Bens Mascados, quem quer comprar, quem
quer? Duas caixas pelo preço de uma. É o queima, gente!
EUDÓXIO – Que porcaria Nemésio!… O Cine Azteka já está desmoronando,
e você entra com essas baixarias!… Nem o Dragão Ketz haveria de querer!…
[Voz
de] KETZ – A outra face da lei?…
A outra face da lei é a bunda da lei.
NEMÉSIO – Ketz, sossega aí no fundo do buraco… Se te percebem,
vão te mandar pro Museu da Pré-história…
[Voz
de] KETZ – O que é essencialmente
bom consiste na intenção… Desde que as consequências sejam favoráveis.
NEMÉSIO – Agora pronto, um dragão filósofo! Isto sim é que
é apelação!
EUXÍMIO – De volta de minha aula de solfejo, encontro no caminho
dois sábios desgarrados, com ar folgadão de quem há muito não reconhecem problema
sem solução. Indago então a ambos sobre como deve reagir a Arte diante dos abusos
da Lei.
CÍCERO – A Lei não sabe ser descumprida. A Arte, por sua vez,
não aceita cumprir senão as próprias leis. E as leis da estética, convenhamos, podem
vir a ser um abuso.
PETRÔNIO – A Lei não distingue o que é certo do que é errado.
O próprio fato de existir uma lei já é, em si, um abuso. Por tais desmandos se caracteriza
a espécie humana, que a todo instante se vê compelida a criar normas para suportar
a própria existência.
EUXÍMIO – Enquanto batem boca os dois filósofos, deles se aproxima
o cartunista Sigfrido Meduso, arma o seu cavalete e começa a rabiscar os trejeitos
desse afortunado encontro entre um iluminista e um satirista. A cena, de tão caprichosa,
evoca um novo ato:
OS HORRORES DO PODER E DA ARTE
CÍCERO – Lex, dura Lex, sed Lex…
PETRÔNIO – Sim, Cícero, a Lei é dura… Mas só na cabeça de escravos,
servos e campônios ela baixa o malho. Se o Imperador, o Sacerdote, ou o General,
lhe dão um beliscão, ela finge que não vê… Pra isso, justamente, é que ela usa a
vendinha em seus olhos…
CÍCERO – Nem precisaria, pois assim como o amor a lei é cega.
PETRÔNIO – Santo Iluminismo de quermesse, Cícero! Divides o
mundo em dogmas aceitos e dogmas refugados. E a pazinha com que separas um do outro
é a da conveniência. Esta tua luneta embaçada é a única que sobrou do Século das
Luzes? Até uma lamparina de bambu alumia melhor…
CÍCERO – É que estás tendo os vislumbres da Arte. Assim não
se chega a acordo algum…
PETRÔNIO – Acordo razoável é acordo morto. O mundo dos acordos
é o da imposição de doutrinas. Por isto a Arte existe, para dar ao homem uma mínima
perspectiva de liberdade, por mais ilusória que seja.
CÍCERO – Sim, quero ir assistir Nero, tangendo a harpa, e
do balcão contemplando o incêndio de Roma…
PETRÔNIO – Realmente, Nero é um artista!… Aprontou com o fogo
uma instalação colossal!… Uma lição grandiosa pros artistas do Século 21!…
CÍCERO – Nero foi um precursor de Duchamp…
PETRÔNIO – Não sei se diante disto ele te daria com a harpa
na cabeça ou se faria estremecer o balcão com suas gargalhadas…
CÍCERO – Tens ideia de quantos artistas conceituais fazem
análise por conta de pesadelos que lhes assombram as noites?
PETRÔNIO – Sonham com suas camas em chamas?
CÍCERO – Sonham com coisas grandiosas que suas almas pequenas
não conseguem realizar…
PETRÔNIO – Como a Mona Lisa e a Suástica…
CÍCERO – Sim, sim, russos e chineses também arrancam os cabelos
desesperados por não terem chupado dos budistas a cruz gamada como o fez Adolfo!
PETRÔNIO – Como um símbolo da boa sorte e da felicidade se converte
na mais temível logo da humanidade!
CÍCERO – E o urinol do Marcelo?
PETRÔNIO – E o golpe ilusionista daquele sorriso da Gioconda?
CÍCERO – O segredo da Gioconda é que ela dá uma reboladinha
de bochecha…
PETRÔNIO – Milhões de chinesas, espanholas e batavos fazem devotas
peregrinações ao Louvre pra verem a Gioconda…
CÍCERO – A Civilização Ocidental fascina o Oriente. É o Triunfo
do Iluminismo!…
PETRÔNIO – O Iluminismo é uma balela…
CÍCERO – Tens razão, Petrônio, o Iluminismo é uma Baleia…
PETRÔNIO – Eu disse… BALELA!!!…
CÍCERO – Sim, a Baleia Iluminista… Come todos os parvos que
vão ao mar admirá-la…
PETRÔNIO – Se fosse, já estaria empanzinada, sua balela grotesca,
bufona esfomeada.
CÍCERO – No estômago do Iluminismo cabem todos os males do
mundo…
PETRÔNIO – O Iluminismo é parte das dejeções da raça humana…
CÍCERO – Oriente e Ocidente, colocamos tudo em um mesmo balaio,
chacoalhamos, digerimos as impurezas e um novo homem virá remir o povo oprimido.
PETRÔNIO – Arre, sua cloaca maldita! Tudo isto é uma balela!
CÍCERO – Sim, Petrônio, que tão bem compreendes! O Iluminismo
é uma imensa Baleia!
PETRÔNIO – Uma balela, seu porco retinto! Não me confundas!
Uma Balela!
CÍCERO – Louvada seja a luz ao fim do túnel. O Iluminismo
é uma baleia!
PETRÔNIO – Eu vou matar esse filósofo de merda!
TORCEDORES – Mata, mata!
RÁDIO – O Iluminismo fez a sátira perder as estribeiras.
BOCARRA – Ontem mesmo estampei na primeira página do Pasquim
Panchito: O crime do século! Extra! Extra! Petrônio esgana Cícero até o último
suspiro do Iluminismo.
RÁDIO – Sobre o peito do cadáver foi encontrado um bilhete
onde se lia: O Iluminismo é uma balela! Somente a sátira nos salva!
PITADAS
BREVES – O que houve aqui, afinal?
Sigfrido, foste enviado para fazer o registro desse diálogo histórico, e vejo agora
que não desenhaste uma linha…
SIGFRIDO
MEDUSO – Estou em crise profunda.
A civilização não suporta ser trapaceada duas vezes.
FROES
DE TAMANCO – Era de se esperar que
a arte fosse o reflexo do poder. Estatísticas demonstram que toda vez que o poder
sofre seus percalços a arte perde autenticidade. A autonomia criadora vem da peleja,
mas não resiste à debacle do poder.
PITADAS
BREVES – A Arte sonha com o Poder.
FROES
DE TAMANCO – Não seja melodramático,
seu bobo sem corte! O mundo está caindo por terra e estás escolhendo de que lado
ficar. Não restará lado algum, sua besta sem apocalipse.
CASCANOVA – Filmou tudo, Gumersina?
GUMERSINA – Sim, meu mestre, vamos editar. Este será o maior
escândalo da temporada. Esgotará a bilheteria e assim salvaremos o Cine Azteka e
ainda sobrará algum para irmos a Cochabamba.
EUXÍMIO – A conversa entre Cícero e Petrônio tomou um rumo
inesperado, que culminou com uma cena de assassinato. O Iluminismo provou que mesmo
derrotado deu a volta por cima. A sátira perdeu o requebrado. Cascanova filmou tudo
e agora vai tirar proveito da situação. Não há como evitar a prisão de Petrônio.
A solução está lá fora. Saímos todos à sua procura.
MONTEZUMA
– E o defunto?… Fica ali no meio do palco?… Se
vier a polícia, teremos problemas…
GUMERSINA
– Podemos jogar o defunto no buraco do ponto.
MONTEZUMA
– Não será possível… Euxímio é extremamente cioso
de suas atribuições. Jamais aceitará trabalhar em cima dum cadáver. Melhor o enterrarmos
no Quintal dos Fundos Perdidos. Telefone para o coveiro Joaquim.
GUMERSINA [ao telefone] – Alôôôôôô… Seu Joaquimmmm?…
MONTEZUMA
– Resolveu tudo, Gumersina?
GUMERSINA
– Já sei que eu sou pau pra toda obra, arre!
Sim, sim, conversei com o desgraçado do coveiro, ele deu uma ideia brilhante. Vai
fatiar o iluminista e por em uma caixa em um guarda-volumes na rodoviária. Depois
me trará a chave. Agora eu tenho que entregar a filmagem para o Zumário, ele fará
a edição final.
ZUMÁRIO – Brunélio, eu preciso de ajuda. Este material é altamente
explosivo.
BRUNÉLIO – Veja como Cícero tratou de provocar o mestre da sátira.
CÍCERO – Há uma coisa que não aprendeste nunca, meu caro Petrônio.
Nós transformamos a realidade em ficção a qualquer momento, ao nosso jeito, e nos
rimos diante da reação de todos vocês.
PETRÔNIO – Lunáticos, é isto o que são vocês! Eu vou…
ZUMÁRIO – Corta, corta a pancadaria, deixa somente a cena final,
o desfecho fatal.
BRUNÉLIO – Depois vou fazer uma cópia para nós, Zumário. Ainda
faremos fortuna com a sétima arte no mercado negro.
CÍCERO – Acho que Zumário tem razão. Não quero acabar morto
numa vil pancadaria… Morrer por morrer, prefiro na goela fumegante do Dragão Azteka!…
MONTEZUMA
– Bravíssimo, Cícero!!! Este seria o Fim Glorioso,
em que enfim resplandeceria a Glória Totêmica do Cine Azteka!!! Aperto o botão,
o mecanismo traz da Fossa o sempre faminto Ketz… pro palco, e agora lançamos Cícero
em sua bocarra!!!
KETZ – NHAC-NHCAC… GRRRRR… Ah -Ha-
HA-HAAAAAAAAAAAA!!!
CÍCERO [já semi-trucidado na boca do Dragão] – Morrer duas
vezes no mesmo dia!… Ai! Nunca morrer assim, na boca do sanguinário dragão mexicano!!!…
MONTEZUMA
– Ai!… Que grandioso espetáculo ver Cícero trucidado
na Boca de Ouro!…
BRUNÉLIO – O Dragão… tem Boca de Ouro?…
MONTEZUMA
– Sim!… Fez trocar todos os seus dentes poderosos
por… dentes de ouro!… E desde então quer ser chamado de… Boca de Ouro!…
ZUMÁRIO – Eis um final grandioso, Cícero devorado pelo Boca
de Ouro numa explosão de chamas!!!... CAPONGAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!
RÁDIO – Grande Explosão… O Cine Azteka… E X P L O D I UUUUUUUUUU…
O DIA SEGUINTE AO DE ONTEM
EUXÍMIO – Penumbra de poucas velas. A ondulação dos corpos
sugere uma cena de sexo. Nemésio entra espavorido e alarmante.
NEMÉSIO – Ajudem! Ajudem! A confusão é geral!
LANDRU – Contínuo maluco! O que estás fazendo aqui?
LUDMILA
PARANGA – Não tira, meu catecismo!
Volta pra dentro de tua Luzinha!
NEMÉSIO – Explodiram o Cine, não ouviram o barulho? O treme-treme?
LUDMILA
PARANGA – Eu estava certa de que
era o meu Landru e sua revolução amorosa…
LANDRU – Eu estava tão orgulhoso de mim que também pensei
igual…
NEMÉSIO – Tarados malditos! Destruíram tudo. Agora não tem
mais jeito…
LANDRU – Voltar ao tempo. Vamos fazer um flashback e garantir
que não ocorra a explosão. Mas primeiro tens que me contar o que houve…
LUDMILA
PARANGA – Deita aqui com a gente,
Nemésio. Conta tudo…
NEMÉSIO – Com você, tudo bem, Ludmila, mas o Landru não é de
confiança… Não quero assim à toa levar uma facada…
LANDRU – Não se assuste, Nemésio… Minha preferência são as
viúvas ricas… Não é o seu caso… A-Ra- Raaaaa…
NEMÉSIO – Sabe-se lá, se um dia você não vira a pá…
LANDRU – Sou um executor testamentário, Nemésio… As viúvas
eram todas casadas de segundas núpcias, comigo… Trouxe-lhes a todas, uma a uma,
novas sensações, que nem imaginavam, e foram todas muito felizes.
LUDMILA
PARANGA – Parem com isso, meninos.
Estou curiosa dessa explosão. Não poupe detalhes, Nemésio.
NEMÉSIO – Conto, mas prefiro ficar sentado. A realidade escoa
pelo ralo da imaginação. É preciso dar-lhe sempre um corpo novo, para que viva suas
mil vidas em cada um de nós. Longe do conflito, não há solução pacífica para a realidade.
Ameaçado de demolição, o Cine Azteka reuniu sua clientela mais fiel para uma sessão
especial onde se exibiria o clássico O fim de Nero. Sob o patrocínio da Cerveja
Caravaca. O filme foi sabotado pelo próprio diretor, que lhe incluiu cenas extras,
verdadeiro golpe pornográfico. A censura leu nas entrelinhas a deixa para seu retorno,
o público se insurge, por pouco o Cine Azteka não foi abaixo pelas mãos de sua mais
requintada plateia.
LUDMILA
PARANGA – Avia com essa história,
que meu Landruzinho está ficando mole.
NEMÉSIO – Alguém propôs então encenar ali mesmo uma adaptação
improvisada do filme.
LANDRU – Eu estava lá. Foi Euxímio quem propôs.
NEMÉSIO – Tudo mais ou menos se resolvia, quando a lei entrou
em cena, começaram as discussões, as fajutices e os destemperos. A balbúrdia não
parou mais. Até que se ouviu o que parece ter sido uma bomba e no instante seguinte
– talvez até naquele mesmo instante, nunca se sabe – tudo o que estava ao alcance
da vista se tornou um rocambole de poeira e fumaça. Sorte minha, eu tinha ido lá
fora acender um baseado, escapei por muito pouco.
LUDMILA
PARANGA – Ainda tem ele aí?
NEMÉSIO – Tenho.
LUDMILA
PARANGA – Acende, querido. Juntos
nós vamos encontrar uma solução para tudo.
LANDRU – Eis o que eu proponho: voltamos no tempo e investigamos
o que houve.
NEMÉSIO – Ora, Landru, se nós vamos voltar no tempo, por que
então não regredimos até 1951, a inauguração do Cine Azteka, quem sabe assim não
descobrimos o verdadeiro motivo que tenha levado à ordem de demolição de tão gloriosa
casa…
CÍCERO – O problema, prezados, é que o Passado… muda!… O-Ro-Ro-Rooooooooooo!…
NEMÉSIO – Ué!… Você não tinha morrido na boca do Dragão?…
CÍCERO – Quaaaaase… Mas a linda enfermeira Marinela abriu
com saca-rolhas a goela do Boca de Ouro e me salvou…
NEMÉSIO – Que soooorteeee!… A Marinela é uma beleza deslumbrante!…
CÍCERO – Pois é… Ela severa me contou: vou dar-te sopapos
no coração!… Eu sorrindo respondi: prefiro respiração boca a boca…
NEMÉSIO – Safadão… Você queria um beijo-chupão no asfalto!…
Ela te deu?…
CÍCERO – Deu-me… uns sopapos nos cornos e se retirou indignada.
MONTEZUMA – Aceptar un don, requiere
discreción.
LANDRU – Não sei se perceberam, mas já estamos pouco a pouco
retornando ao passado. Não é ele que muda, mas sim a memória. A memória é a grande
roteirista do passado. Eficaz e talentosa. Não é como o desejo, que quase sempre
é um artífice frustrado do futuro. Cícero pode até ter escapado da boca de Ketz,
porém garanto que ninguém escapou da explosão. Veja a presença indefinida de Marinela:
não passa de um rascunho de seu desejo.
LUDMILA
PARANGA – Já estamos no passado?
LANDRU – A caminho, em passos largos. Logo chegaremos no dia
12 de outubro de 1951, festança de inauguração do Cine Asteka, dia da criança…
LUDMILA
PARANGA – Vai ter palhaço, amor?
LANDRU – Li que mandaram buscar os melhores do Circo Cyclame!
BRUNÉLIO – Nada disto me convence. Por mim, eu ainda não saí
do canto.
LANDRU – O simples fato de que te estamos vendo, Brunélio,
já confirma que estamos no passado, pois sempre foste lanterninha do Cine, sempre
com esse traje estiloso de macaco de realejo… Nosso plano parece funcionar…
RÁDIO [baixa frequência] – zzzzzztttqdwww Ω♪ж tztztztz ♪♪♪♪♪… … xnxmxgxfx
Ω♪ΩΩ qrtqrtptzptz … Ω♪ж
CÍCERO – Ai, que bom!!! Voltar ao Passado!!! Ser de novo jovem!!!
Quero minha Cadillac rabo-de-peixa grenat de Volta!!! U-Ru-Ruuuu…
BRUNÉLIO – Mas Cícero, você está… chorando!!!…
NEMÉSIO – Não estamos voltando a nada. Algo está se passando,
não é o tempo, nós estamos sendo passados para trás, sintam nossos corpos, como
parecemos suspensos no vazio, procurem algum espelho, alguma superfície líquida
que nos reflita, olhem, as nossas sombras se foram, algo está se passando conosco.
EPAFRODITO – As luzes estão queimando. Não toquem em nada.
LANDRU – Os mares estão em chagas.
XÔ KOLATE – A sopa está quentinha. Hora da boia.
BRUNÉLIO – Não veem que é um golpe duro na realidade. Tudo está
se desmilinguindo, virando nada.
ISAURA – Ah não, ninguém mais aguenta esses efeitos apocalípticos!
LANDRU – Hollywood está em nós, minha nega!
LUDMILA
PARANGA – Ali, ali, não é a Rua
do Catete?
BRUNÉLIO – Os rostos derretem, se misturam entre si, como uma
pasta alucinante…
NEMÉSIO – Alguém desligue a máquina…
CÉSAR
BARROS – Esta é a máquina do
tempo inventada por Agageuéus… Não há como desligar… Eu estou preso nela há séculos!
TORCEDORES – Desliguem tudo, desliguem tudo!!!
EUXÍMIO
& EUDÓXIO – Não desligamos nada,
é hora do almoço, vamos ao portuga da esquina comer um bacalhau.
MARQUÊS
DE SADE [de peruca e jabot de
renda] – Ai, que bom, vamos voltar aos dias do Sacanage!…
CÍCERO – Não se faça ideias, Marquês!… Vamos voltar só até…
1950.
MARQUÊS
DE SADE – 1950??? O Sacanage dos
anos 5o é uma basbacada jeca!… O mundo dos ‘50 é uma pasmaceira repressora!…
CÍCERO – Pois é, meu caro Donatien, seria preciso parar o
retrocesso nos ‘60, que é a década dos Beatles, da descoberta das drogas e da liberação
sexual!… Quando retrocedemos no tempo, a partir de 1989, duzentos anos atrás, e
chegarmos aos bons tempos da vitória da Revolução Francesa!… Liberdade!…
MARQUÊS
DE SADE – Sim, Cícero, tudo bem,
mas passei trinta anos na prisão e acabei trancado num manicômio, só porque me dediquei
à Metafísica Sexual, e à Filosofia de Alcova. E, pasmem-se! Era eu o verdadeiro
Iluminista!…
CÍCERO – Os grandes benfeitores da Humanidade são uns incompreendidos,
e volta e meia acabam num pau-de-fogueira…
MARQUÊS
DE SADE – Sim, também eu, fui
um mártir do Progresso e da Liberdade. Uma sogra neuropata que era juiz de direito
me enfiou por toda a minha vida na prisão… Eu, que escrevi livros sempre de borjaca
e peruca de cachos… Eu, que sempre quis a moral como moldura da safadeza de salão,
fui perseguido com sanha brutal…
EUXÍMIO
& EUDÓXIO – Pronto, chegamos do
almoço… E agora então?…
EUDÓXIO – Quem é você?
MARQUÊS
DE SADE – Quem você quiser. Se
um assaltante de banco, eu posso sê-lo. Igual se você precisa de senador. Ou mesmo
um cardeal.
EUDÓXIO – Quem diabo é você? Um espião? Já sei: um ator…
MARQUÊS
DE SADE – Não, eu sou o roteirista.
E tenho as minhas regras. Jamais voltaremos à Revolução Francesa! Tampouco aos anos
’60. Esta década, por sinal, foi apagada dos registros. A única alma pura daquela
época que ainda vaga pelas brumas do mundo atual é um tal de Ringo.
CÍCERO – E para onde vamos?
MARQUÊS
DE SADE – Por mim, a parte alguma.
Posso reproduzir aqui o Sacanage em muito melhor estilo, com sua ética completamente
duvidosa. Esta é a melhor época para viver ao dia com a própria sombra. Finjam o
que são e o que não, ninguém mais se importa com isto.
CÍCERO – A verdadeira Hollywood!!!
MARQUÊS
DE SADE – A Bastilha espalhou-se
por todas as partes. Desde quando surgiu a primeira sucursal em Langley.
CÍCERO – A Bastilha-Hollywood!!!
TORCEDORES – Derrubem tudo, derrubem tudo!!!
CÍCERO – Pra derrubar nossa Bastilha Azteka, queremos Mariana
de bonezinho frígio e tetinha pulando pra fora de blusa, porta-estandarte do bloco
dos inteleques, que caminha à sua direita, onde vemos Rousseau, Diderot, Voltaire
e, à esquerda, o trombadinha-jornaleiro Gavroche, com um monte de pasquins ao sovaco
esquerdo, e do braço direito alçado, a mão empunha colossal pistolão… Em vez de
andar prudentemente como os inteleques, o moleque corre e pula embalado, ao lado
de Mariana e… CAPOOOONNNNGGGGAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!
EUXÍMIO
– Trombadinha safado, soltou um tiro!!!
CÍCERO – Aiii!!!! Fui atingido… O Gavroche tem pontaria certeira…
Estou morrendo…
EUXÍMIO
– Telefonarei pro Frei Feijão, pra que venha
urgente pra extrema-unção…
CÍCERO [agonizante] – Não, Euxímio!… Prefiro a Mariana, debruçadinha
sobre meu peito…
EUXÍMIO
– Por que não disse logo? Estamos aqui a perder
um mínimo jeito de ser, sem identificar o que somos e os etc. reinantes…
MARQUÊS
DE SADE – Ninguém sabe ao certo
o que se passou. A verdade foi tomando feições distintas ao longo da história. Por
isto que não adianta apelarmos para a máquina de Agageuéus… Se vamos para frente
ou para trás no tempo, já nada importa. Os restos do que fomos ou do que certamente
um dia viremos a ser, essa poeira confusa, se mistura e já não sabemos o que poderia
nos servir como indicativo para outras feições. Os mundos de que participamos são
como ninhos de cogumelos.
EPAFRODITO – Não venha me dizer que eu estive até aqui por nada.
O tanto que eu sofri: os chicotes, as carnes dissociadas, o desejo desencontrado,
dores, dores, alguém tem ideia do quanto dói deixar de ser?
MARQUÊS
DE SADE – Ora, finalmente, um
escravo manifesto. Alguém, alguém… Um único traste vivente faz ideia do quanto se
despedaça uma alma ao tentar corrigir uma estupidez da história?
EPAFRODITO – Nada nos massacra mais o lombo do que a história.
Talvez a ficção seja um refúgio dessa indignação encardida.
MARQUÊS
DE SADE – Um pretinho insurgente!
EPAFRODITO – Um meio cavoucando um fim. Um princípio escavado
até não restar farelo. Um fim capinando a memória até que nada mais seja lembrado.
MARQUÊS
DE SADE – Ah tição!
EUXÍMIO
– Continuamos a nos desfazer do que talvez sequer
tenhamos sido.
CÍCERO – E para onde vamos?
CONDE
GOLHÃO – Se me permitem, precisamos
voltar ao dia seguinte ao de ontem. Certa poeira não senta mais. Há novenas que
não se prestam a novos milagres. Tudo no mundo se desgasta. Estamos no meio do nada,
diante de um fato irretorquível. O Cine Azteka, nossa casa tão querida de quase
duas décadas, será demolido. A realidade – como a supomos conhecer – tanto se desfaz
quanto se refaz. Nós é que somos parte dela e engolimos seus condões como se fossem
os pendões de um novo mundo. Não há esculápio novo para velhas orações. O mundo
que conhecemos simplesmente acabou.
∞
ZUCA SARDAN (Brasil, 1933). Poeta, dramaturgo, desenhista, o
mais eletrizante criador possuído pelo espírito da Patafísica no Brasil. Entre seus livros,
estão: Aqueles papéis (poesia, 1975), Os mystérios (fábulas,
1979), Visões do bardo (graffitti, 1980), Ás de colete
(poemas & desenhos, 1994). É autor, juntamente com Floriano Martins, de 8 peças de teatro
automático, onde se destaca a trilogia O iluminismo
é uma baleia (2016).
∞
A GRANDE OBRA DA CARNE
A poesia de Floriano Martins
1991 Cinzas do sol
1991 Sábias areias
1994 Tumultúmulos
1998 Autorretrato
2003-2017 Floração de centelhas [com Beatriz Bajo]
2004 Antes da queda
2004 Lusbet & o olho do abismo abundante
2004 Prodígio das tintas
2004-2015 Estudos de pele
2004-2017 Mecânica do abismo
2005 A queda
2005 Extravio de noites
2006 A noite em tua pele impressa
2006 Duas mentiras
2006-2007 Autobiografia de um truque
2007 Teatro impossível
2008 Sobras de Deus
2008 Blacktown Hospital Bed 23
2009-2010 Efígies suspeitas
2010 Joias do abismo
2010-2011 Antes que a árvore se feche
2012 O livro invisível de William Burroughs
2012-2014 Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]
2013 Anatomia suspeita da realidade
2013 My favorite things [com Manuel Iris]
2013 Sonho de uma última paixão
2013-2015 Breviário dos animais fabulosos fugidos da memória
2014 Mobília de disfarces
2014 O sol e as sombras
2014-2015 Reflexões sobre o inverossímil
2015 Enigmas circulares
2015 Improviso para dois pianos [com Farah Hallal]
2016 Cine Azteka [com Zuca Sardan]
2016 Circo Cyclame [com Zuca Sardan]
2016 Trem Carthago [com Zuca Sardan]
2016 A vida acidental de Aurora Leonardos
2016 Altares do caos
2016-2017 Convulsiva taça dos desejos [com Leila Ferraz]
2016-2017 Obra prima da confusão entre dois mundos
2017 O livro desmedido de William Blake
2017 Antigas formas do abandono
2017 Manuscrito das obsessões inexatas
2017-2020 A volta da baleia Beluxa [com Zuca Sardan]
2017-2022 Nenhuma voz cabe no silêncio de outra
2018 Atlas revirado
2018 Tabula rasa
2018 Vestígios deleitosos do azar
2021 Las mujeres desaparecidas
2021 Museu do visionário [com Berta Lucía Estrada]
2021 Naufrágios do tempo [com Berta Lucía Estrada]
2022 As sombras suspensas [com Berta Lucía Estrada]
2022 Las resurrecciones íntimas [com Berta Lucía Estrada]
2023 Huesos de los presságios [con Fernando Cuartas Acosta]
2023 Inventário da pintura de uma época
2023 Letras del fuego [con Susana Wald]
2023 Primeiro verão longe de casa
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1991-2023 Mesa crítica [Prefácios, posfácios, orelhas]
2013-2017 Manuscritos
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Poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, dramaturgo, FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957) é conhecido por haver criado, em 1999, a Agulha Revista de Cultura, veículo pioneiro de circulação pela Internet e dedicado à difusão de estudos críticos sobre arte e cultura. Ao longo de 23 anos de ininterrupta atividade editorial, a revista ampliou seu espectro, assimilando uma editora, a ARC Edições e alguns projetos paralelos, de que são exemplo “Conexão Hispânica” e “Atlas Lírico da América Hispânica”, este último uma parceria com a revista brasileira Acrobata. O trabalho de Floriano também se estende pela pesquisa, em especial o estudo da tradição lírica hispano-americana e o Surrealismo, temas sobre os quais tem alguns livros publicados. Como artista plástico, desde a descoberta da colagem vem desenvolvendo, com singular maestria, experiências que mesclam a fotografia digital, o vídeo, a colagem, a ensamblagem e outros recursos. Como ele próprio afirma, o magma de toda essa efervescência criativa se localiza na poesia, na escritura de poemas, na experiência com o verso, inclusive a prosa poética, da qual é um dos grandes cultores. A grande obra da carne – título emprestado de um de seus livros, é uma biblioteca desenvolvida como espaço paralelo dentro da Agulha Revista de Cultura, a partir de uma ideia do próprio Floriano Martins, de modo a propiciar acesso gratuito a toda a sua produção poética.
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OBRA POÉTICA PUBLICADA
Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.
Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.
Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994.
Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2. The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994.
Alma em chamas. Fortaleza: Letra & Música, 1998.
Cenizas del sol [con Edgar Zúñiga]. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001.
Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001.
Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.
Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006.
La noche impresa en tu piel. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006.
Duas mentiras. São Paulo: Edições Projeto Dulcinéia Catadora, 2008.
Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008.
Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008.
A alma desfeita em corpo. Lisboa: Apenas Livros, 2009.
Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría, Colección Palabra Ibérica, 2009.
Autobiografia de um truque. São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2010.
Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010.
Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012.
O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012.
Lembrança de homens que não existiam [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2013.
Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.
Overnight medley [com Manuel Iris]. Trad. ao espanhol (Juan Cameron) e ao inglês (Allan Vidigal). Fortaleza: ARC Edições, 2014.
O sol e as sombras [com Valdir Rocha]. São Paulo: Pantemporâneo, 2014.
A vida inesperada. Fortaleza: ARC Edições, 2015.
Circo Cyclame [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.
O iluminismo é uma baleia [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.
Espelho náufrago. Lisboa: Apenas Livros, 2017.
A grande obra da carne. Fortaleza: ARC Edições, 2017.
Tabula rasa [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2018.
Antes que a árvore se feche (poesia reunida). Fortaleza: ARC Edições, 2018.
Tríptico da agonia [com Berta Lucía Estrada]. Fortaleza: ARC Edições, 2021.
Las mujeres desaparecidas. Santiago, Chile: LP5 Editora, 2021.
Un día fui Aurora Leonardos. Quito: Línea Imaginaria Ediciones, 2022.
El frutero de los sueños. Wilmington, USA: Generis Publishing, 2023.
Sombras no jardim. Fortaleza: ARC Edições, 2023.
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Agulha Revista de Cultura
Criada por Floriano Martins
Dirigida por Elys Regina Zils
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
1999-2024
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