sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

A GRANDE OBRA DA CARNE | Caligrafias do espírito

 

NENHUMA VOZ CABE NO SILÊNCIO DE OUTRA

 

O mundo costuma ser apenas isto, o que imaginamos dele. Há uma versão que talvez seja mais comum: como o aceitamos. Ou quando os diabos desaparecem e temos que parir no vácuo. De onde recriamos o mundo perdido? Ou como floreamos a terra devastada? Para contar contigo eu tenho que me desfazer de muitas coisas em mim. Será sempre assim? Não haverá um momento em que seremos apenas um, e toda a sutileza do mundo não irá além de um inferno recriado? Perambulei por ruelas sem fim, queria te encontrar de qualquer modo, os fragmentos de uma realidade que não teríamos jamais como defini-la. Era para ser apenas isto? Uma noite contigo, eu iria embora e não te veria jamais? O inferno por vezes sonha com uma perenidade que nega seu revés. Nunca espero nada de ti, mas sei que um dia o céu será a terra devastada.

 

 

A MELODIA DAS CORDAS DE FAITH BACON

 

Que as luzes pegassem fogo era um sonho infantil. Quando as luzes são poucas é preciso ampliar sua ação sobre os tons opacos da existência. Por vezes as luzes queimam em nosso íntimo. Uma luz ali na esquina pode ser o convite a um mundo melhor discernido. Mas quando chegamos lá a desolação mostra suas dores. Ninguém quer cruzar a melancolia do outro. A languidez de uma luz pode nos devorar lentamente. Como alguém que acorda no meio de um pesadelo e não reconhece a noite em que está dormindo. Nossos gritos atingem os corredores de casas onde jamais moramos. Os gritos e as luzes se confundem. Entre a misantropia e a euforia deve haver um portal que nos leva ao sótão de uma casa imaginária. Um desvão de inquietude cuja perturbação maior é provocar a presença de muitas sombras em nosso íntimo. Quem pode criar uma noite em meio aos acordes dissonantes da própria alma? Muitas luzes não compreendem a dimensão do incêndio. Muitas querem simplesmente amanhecer ou voltar para casa. Uma metáfora confusa em muitos casos alimentada pela vertigem, pelo diapasão sangrento de um corpo fora da pauta. As cordas de um piano não enforcam mais do que a obra. Era preciso um fogo cantando até o fim, como um coro. Até que os meus seios se abrissem como uma janela e os bastidores não acreditassem em si mesmos.

 

 

A MEMÓRIA RETALHADA DE SYLVIA PLATH

 

É provável que ela tenha deixado sobre a mesa as migalhas de um verso que se perdeu com a dor de sua partida. Sempre que recordo o que ela disse de seu pai – que deveria tê-lo morto se ele não tivesse morrido tão cedo –, sinto-me ainda mais seu cúmplice, por igual sentimento. Não há uma técnica possível para converter morte em vida. Em dado momento, dispus todos os meus versos em prosa. Como truques que se escondem nas epígrafes consentidas. Talvez se deva escrever uma biografia de esboços, os planos selvagens que nos perseguem. Talvez um diário, com suas sombras assustadoras. Ou usar o pincel para ocultar presságios em uma máscara mortuária. Os nossos sonhos se ramificavam como uma árvore acima dos pés. No fundo, o que mais tememos é a superfície vazia, a porcelana que não sabemos preencher com nossos traços sanguíneos. Com todos os seus pontos imprescindíveis extintos, o corpo se transforma em uma cordilheira enrugada. Nem mesmo um deserto ali se pode cultivar. Quando a memória se despede de nós, perdemos a fina sensibilidade do olho educado – como queria Goethe – para ver os retalhos de nossa imaginação.

 

 

A MORTE DE UM VELHO DITADO

 

Os dias acabaram ali. Eu me desfiz de todo um plano físico. Queria transferir estima, afinidade, reconhecimento de que o mundo pode ainda caminhar ao modo de crença de cada um de nós. Quando somos crianças acreditamos em um mundo que supera quaisquer males. Uma vez conversando com Molly Brodak, ela me disse: narrativas simplistas não podem ser tão facilmente colocadas sobre os acontecimentos confusos e imprevisíveis do mundo real. Segundo ela, a escuridão deve estar pronta para nós, e não o contrário. Eu não sei quantas vezes esquecemos a joia de nossa formação, o impossível exato instante em que nos convertemos na morada do que ouvimos dizer. Qualquer uma de nós não deveria mais estar aqui. Os versos se revezam. Inventam uma dor própria, como se a luz de Rabelais fosse apenas um filho piromaníaco de Beethoven. Ninguém escapa de seu cárcere imaginário. Talvez eu seja a única dor suportável enquanto os corpos caem. Nada como a matéria perdendo seus corpos. A memória mudando de formas para adaptar-se a novos milagres. Era assim. Os que se matam e aqueles que acreditam que a vida possui um encargo de perenidade que pode nos salvar a todos.

 

 

ÂNGULOS DE DIANE ARBUS

 

Não há pessoas comuns no mundo. Somos sempre levadas a crer em uma rotina de prazeres ou dissabores. As dores propiciadas por fissuras na carne, na alma, no tempo. Como se fosse o mesmo abismo. A faca que me corta, o amor que me abandona, a distância que me separa do que desejo. O mundo é impossível por outra razão e não por suas máscaras que sugerem o impenetrável. O que nos separa não é a migração física. Os recursos de longo alcance não nos trazem de volta para a casa perdida. Mudamos de endereço, idade ou filiação, e não estamos nunca a salvo de nossa própria discórdia de tudo. As navalhas mais afiadas não nos dão alternativa para um mundo de semelhantes. O amor talvez seja o único mistério que pode revelar uma essência dupla. Porém se perde diante da subversão do espírito. Tantas vezes fotografei corpos emendados, à procura de identidade. Eu sempre me senti estranha em todos os cenários que me interessaram como uma descoberta de mim mesma. Certamente busquei alguém a quem não pude corresponder. As aberrações podem ser nossa única forma de contato com as pessoas comuns. Eu fui uma imigrante da fotografia.

 

 

AREIAS DE GHAZALEH ALIZADEH

 

Por que tão cedo eu descobri a ilusão do mar enquanto um peixe devorava a lua cheia e me ofuscava a ideia de um mundo que não fosse apenas aquele que mastigava a minha visão? Areias não era tudo o que buscávamos na pele flamejante de nossos romances? Um olho aberto e a paisagem permutando seu mobiliário, as luzes criando sombras secretas, um beijo com que tanto sonhei rebentar teu nome na noite insone. Nossos sonhos queimavam dentro d’água. Eu te olhava sempre duas vezes, com as letras queimantes de teu desejo. Desde cedo a certeza de que teria que soprar em teu ser até que o convertesse na melodia de meus juízos refeitos. Eu te amei em cada roupa que suavas, porém o que mais queria sempre foi girar a chave para abrir a porta, a fim de entrar novamente em uma casa escura. Uma casa de areias, como um deserto que se abrisse para o meu desejo de desvendá-lo. Não há uma descrição própria para o fim das coisas. Em muitos casos o mundo simplesmente se esvai de si mesmo. Quem garante que haja um passo em falso dedicado a tudo o que almejamos? Por vezes é simplesmente a natureza repetindo nosso nome até que a moral perca a discussão de seus males.

 

 

ASILOS DE MADALENA OBRIEN

 

A escuridão inquieta não deixava ver como seus passos atravessavam paredes, cruzavam portas fechadas, saltavam de altas escadas. O silêncio era um lençol rasgado pelas vozes de tantas crianças que não podíamos contar. Sequer as podíamos ver. Quem trouxe o mal para a intimidade desses cômodos sujos trouxe também, embora não o desejasse, as cartas do bem, que mesmo espalhadas por toda parte podiam sugerir alguma precária resistência. Todas as crianças nasceram e aprenderam a voar no mesmo dia. Desde então são mantidas acorrentadas. Todas as crenças foram deixadas fora dos cubículos onde elas se misturavam com as próprias fezes e ossos partidos. Um mundo atormentado que os demais procuravam evitar. Estamos onde não há pais ou mães, nas páginas escritas ao contrário de alguma profecia esquecida, no aterro putrefato onde as almas são acumuladas antes mesmo que possam expiar suas culpas. As mãos sangradas no grande vidro da demência. Todas somos ela, a pequena Madalena que jamais nasceu, a mesma que percorria as artérias desses asilos açoitados por crimes que nenhuma de nós soube evitar.

 

 

BARCOS DE PENÉLOPE DELTA

 

Para muitos é possível entender que amanhã o mundo revire suas páginas. Talvez o mais importante em uma vida seja reconhecer a origem de suas lágrimas. A febre de uma noite atacada pela ventania, a pétala de uma estima revigorante pelo acaso. As terras herdadas anunciadas pelo desamparo. A língua apoiada nos diversos ramos do acaso. Alguns caminhos separados, os ventríloquos com seus relacionamentos condenados e o amor devastado pelas guerras. Os nomes sempre me pareceram uma modéstia do acaso, um jeito de, segundo eles, estarmos em distintas situações, ambientes, fraudes elementares. De algum modo, todos um dia caminhamos sobre as águas. O caminho de volta só se justifica pelo preço da glória. Graças a essa sorrateira frase de um sapo em um livro de magia eu fui a sacerdotisa que tornou profundo e científico o milagre. Os venenos associados à tristeza ou à ausência de calor para receber novas formas de vida, são as pias batismais de nomes que desconhecemos o caráter de suas horas lacradas e desamparadas. Um barco talvez recolha nossa aflição em meio à tempestade, outro a ela se antecipe, um terceiro não nos encontre mais. Nem mesmo quando nos misturamos à agonia e planejamos o fim dos tempos, a morte nos revela o que acontece com a intransigência de seus documentos.

 

 

DORA CARRINGTON EM HARMONIOSA DISTÂNCIA

 

Quando acendíamos o candelabro para transcrever os enigmas de nossa alma, algo sempre parecia nos dizer que um de nós não desceria mais dos telhados daquela distância. Os beijos que saltavam do limiar de uma boca a outra. Varandas simétricas com seus vícios elevados. Suas montanhas se confundiam com uma paisagem orgíaca de corpos vazios. Escadas verdes, trevos azuis, telhados descorados – uma fazenda de devaneios proibidos. Toda aquela arte que o tempo acabou por dedicar ao comércio. Uma transição de infernos que se multiplicavam cada vez que os tínhamos como próximos do fim. Seus nus invadiam a memória e nos transportavam para outro mundo. Eu reclinei todas as minhas amantes, como sinal de uma paixão orgulhosa de seu atrevimento. A pintura me vez devota das canções de regresso, embora eu não tenha nunca retornado a nenhuma das mulheres que fui. Quando os versos se convertem em jardins, não há técnica que não possa ser imitada.

 

 

ESPELHOS DE CLARA BLOODGOOD

 

Em algum momento pensei: Quantas vezes nos encontramos em escritos de outros tipos e épocas? Não é que queiramos uma explicação. A suspeita que toma vinho conosco é que de algum modo já estivemos em várias premências da realidade. O nome que o cartório registra como sendo meu pode ser encontrado em outros arquivos. Os lugares que ocupo em uma sociedade talvez apenas finjam engano de que os amores são por vezes feitos de favores. Quantas de nós somos impostoras de uma urgência? Se nos debruçamos no acaso, acabamos nos vendo aleitando um mistério impróprio. Ninguém nos pergunta o que esperamos do fim de nossas vidas. Não sabemos quantas camas e noites e delírios espelham a verdade de nossos corpos. Sempre estamos distantes do que somos. Os crepúsculos encobertam as ilusões, as madrugadas os crimes. Sempre que me vejo no espelho me digo que essa boca pode alcançar outro sinal de beleza, mesmo que o mundo me enlouqueça e me leve a trocar o desejo de permanecer em cena por um disparo que venha apenas a revelar angústias. Conheço meus riscos. Os espelhos serão sempre cegos. Eu nunca voltarei à cena.

 

 

LIMITES DE LAURIE DANN

 

Até hoje não sei quantas janelas pularam dentro de mim. Quantas luzes desnortearam a escuridão em meu peito. Os céus abrigados em dores esquecidas, quantos foram acuados em casas sombrias com seus móveis desmontados, o mistério resumido em ridículas madeiras desaparecidas. Um dia o fogo suspeitou de minhas paixões, o que os meus lábios sussurravam enquanto as suas línguas vigiavam o meu entusiasmo. Eu sempre dizia a todos, com meu jeito irônico: Não fui eu quem pôs chapéu nas estátuas. Eu também me divertia com o alvoroço de todos ao descobrir peças roubadas em uma loja aparecerem em outras. Quantas bonecas foram afogadas ou vítimas de enforcamento – até mesmo as investigações eram sacrílegas. As fotos pornográficas de um corpo com o rosto desfigurado. Eu começava a ornar o santuário contando os passos que faltavam para a visita da eternidade. Jamais fui uma iniciada, porém eu sabia ao pé da letra quantas coisas fizeram parte da formação do universo. Não me sentia obrigada ao discernimento, mas reconhecia o risco de exceder-me em precauções. Tudo aquilo que o céu anuncia acaba por nos viciar em ilusões e empirismos. As janelas continuaram pulando dentro de mim. Algo devia ser feito e comecei a criar situações alheias à verdade permitida. Todos deviam entender que tudo está dentro de nós. Todo o conhecimento do mundo está contido em cada um de nós, e somos as vítimas de uma fatalidade adquirida. Eu tinha mania de vida. Era preciso impedir aquelas janelas todas. Eu tive muitos nomes e comecei a preparar um modo de cada um desaparecer. Não queria ver as crianças caírem mortas pelas ruas. Eu fui o único mal-estar que fez fervilhar o centro da terra. Quis acabar com todas as janelas. Até que eu fosse a última a saltar.

 

 

MOTIVOS DE TOVE DITLEVSEN

 

Quando as luzes deixaram de ranger a escuridão começou a bater nas portas e forçar seu movimento. A imagem embriagava-se de estranhos sons. Tove Ditlevsen despertava de seus transes em meio a papéis manuscritos a lápis e sangue. Suas vozes desconheciam a origem das roupas rasgadas sobre o chão. Seus lamentos a transformavam, as dores queriam averiguar seus motivos. Mas quando provocadas pelos rangidos inapeláveis das fechaduras, a agudeza daquelas palavras líquidas, queimantes, era a silhueta confusa de seus vícios. A morte ocultava seus dons mentais e a libertinagem, a flagrante aberração de suas máscaras. Eu sou um desses ardis com que desfiguro a realidade – ela afirmava repetidamente ser esta a intenção de sua escrita. Sua existência se multiplicava em várias e percorria páginas inesperadas de uma autobiografia que começara a escrever em meio à dupla natureza amorosa do álcool e do ópio. Com o tempo havia cedido a todos os lugares comuns do despudor. Nenhum criador tem o direito de ser caricatural ao ponto de evitar o assassinato de seus leitores. Suas máximas eram a flor violentada das intoxicações emocionais. Seu filão era a discrepância da moral. Tinha em sua alma o melhor que um biógrafo pode cavar no interior de alguém. Sua paixão pelo desconforto era a maior de suas habilidades.

 

 

NOMES DE LUDMILA

 

As vozes que ouvimos não podiam ter saído todas dos lábios de Ludmila. Talvez ela pudesse imitar as velhas, crianças, outras mulheres. Porém algumas delas estavam além do aceitável para uma garganta feminina. As escadas tinham um pacto com os quadros nas paredes. A cada um corresponde um morto e o motivo de sua sina. As vozes também sabiam imitar o silêncio e líamos os nomes daqueles demônios se formando na névoa que percorria a sala. Ludmila nos apresentou o homem torto que não parava de cantar e a canção torta espalhou migalhas de pão azedo por toda a casa. Quem canta com ele enquanto à nossa frente vemos apenas Ludmila sentada na cadeira marcando o tempo com seu pé no chão? Esta casa é triste e sofre as dores de um abandono. Os espelhos vagam pela noite sem encontrar quem lhes possa dizer algo. Uma janela esquecida aberta não conhece ninguém que lhe queira adentrar. Os móveis que mudam de lugar por toda a casa. As luzes definhando até a noite esquecer quem é. Morrerei sem saber seu verdadeiro nome. O homem torto e seu sanduíche de mofo.

– Vem pegar, Ludmila!

 

 

O LUGAR EXATO ONDE SE ENCONTRA ISABELLA BLOW

 

Um dia nasce com seus olhos. O abismo é compreendido como o estojo de tintas com que ajustamos a vida à sua pigmentação melhor aplicada. Máscaras, gestos, roteiros. Tudo como um modo de dizer ao dia que ele não pode se limitar a uma flor ou fagulha ou desejo de morte. O dia é uma exploração do impossível. Sempre acordei assim, com uma espécie de extravagância me mantendo afastada da morte. Os meus decotes seduziram todos os corpos, de um modo que a queda sempre foi o meu desafio. Eu mesma me declarei o extremo de mim mesma, meu despenhadeiro de corpo e alma. Como alguém que provavelmente saiba identificar a origem do inferno. Onde ir para o alto ou para baixo. Como os verbos que desconhecem uma cor que seja alheia ao precipício. Também os verbos nascem com seus olhos abismados. A vida quando ingerida nos deixa instável. Viver pode ser tão tóxico quanto morrer. A morte é melhor solúvel em água. De onde viemos, para onde vamos. É simplesmente uma passagem. Como uma noite diluída em si mesma. Como uma suspeita que desfigurasse a dúvida. Como os olhos do dia emprestado à agonia de suas noites. Na verdade, eu não fui a parte alguma.

 

 

O TEATRO DE MARLIA HARDI

 

Os corpos se misturam e tudo o que vemos neles é o futuro do bronze. Banhados em sangue e na crueza barrenta do solo, um dia assumirão apenas os temas pictóricos. A arte não sabe onde perdeu seu estoque de pureza e tranquilidade. As tintas da guerra, as letras da agonia, os sons da conversão imposta. Somos todos refugiados de nós mesmos. Há um ponto em que ambição e massacre se confundem. As ocupações se repetem ao ponto de o realismo socialista haver sonhado com a destruição da arte. A escravidão sexual talvez seja uma forma mais simplificada de ruína do ser. Como um jardim decorado por gaiolas cantantes. Como a mensagem dissimulada do entusiasmo político. O estilo de vida de uma humanidade que não se reconhece mais em si. De norte a sul, até mesmo os insetos já estão conformados com a arte ao serviço do mercado. Os deuses não perdem a encenação uma única noite, porém sempre deixam o teatro antes do fim.

 

 

PERFEIÇÕES DE MADAME AUGUSTINE

 

Um dia os raios recuam e fazem o mundo aparecer de forma revirada. Os deuses recitam uma invocação de pecados que não puderam ser cometidos. Os tronos inferiores flutuam sob o olhar dos ventos e das ondas. Ela não praguejava ou se sentia sozinha. Não conversava com suas vítimas em decomposição ou guardava objetos de recordação. Não se sabia onde morava e, não fosse por sua confissão escrita, jamais alguma investigação teria lhe descoberto a existência. Foi minuciosa com suas sete chaves, sete flores negras, sete direções que ia habitando por sete dias e uma única execução em cada cidade. Quando o corpo era encontrado, com o pênis mutilado, deixado a seu lado, últimas gotas de um sonífero barato em uma seringa, ela já havia tomado outra estrada. Sua obsessão pelo sete a levou a traçar um mapa detalhista. Sete etapas distintas de uma sutil aliança. Sete esferas ávidas de uma consciência disforme. Sete vontades de um deus que a todo instante era outro. O símbolo não era um raio, uma serpente, uma espada. A similitude dos crimes era indecifrável. Dias depois, outra cidade, a representação esgotava-se em si mesma. Nem mesmo um vidente anteciparia a precisão de seus passos. Madame Augustine não era uma mulher solitária, melancólica, rebelde. Não padeceu jamais de devaneios, fobias ou acessos de raiva. Quando a redação de um antigo jornal de Rennes recebeu sua carta só foi possível considerar o caso pela decantação dos detalhes, mapas tracejados, passagens de ônibus. Durante sete anos ela havia percorrido quase todas as comunas francesas, castrado mais de 300 homens sem deixar o menor vestígio de vingança, dominação ou desafeto. As últimas linhas de sua carta diziam: Sete vezes a essência de um pecado pode ser o fruto de sua compreensão ou passo seguinte para uma nova existência. Por sete vezes podemos imitar Deus sem que ele perceba o erro de sua razão de ser. Um número qualquer pode ser a radiação da totalidade humana. O sete apenas dá início ao fim dos tempos. As árvores serão sempre sagradas. É preciso afastar o homem do que ele julga ser seu desígnio supremo. Não me procurem. A partir de agora nem mesmo eu saberei quem sou.

 

 

PONTES DE AUSTRA SKUJIŅA

 

Ela deixou a noite soprar até a última versão de suas farsas retocadas. Uma delas repetia com desigual picardia: As florestas sempre estiveram presentes no inventário de meus sonhos. Na prova ondulante de seus dissabores algo perdia sabor. Uma noite deixou um orgasmo de luzes ofuscadas deslizar pelas artérias de seu corpo. Queria ficar só para conceber uma última personagem, Aline, frenética coreógrafa que rabiscava no ar com a ponta dos dedos as cidades que chamava com o vento. O velho cais abandonado, o desespero das luzes que haviam perdido o amor pela escuridão, a ponte dos ingleses, paisagem tangida para um recanto esquecido. Como ela poderia ser tão só sem que seus personagens se ocupassem das tintas que ela mesma misturava buscando pernas murmurantes, braços de curta memória, o sangue que havia descoberto um modo de borbulhar fora das veias? Um rio enterrado na fricção de seus males. Não era a solidão. Quando a lemos adentramos com seus pássaros o murmúrio dos tapumes e a cantoria das nuvens. Ela passou por nós com seu coração triste e os olhos duros. Uma ponte nos separava dela e do resto do mundo. Não foi proscrita ou possuída. Apenas uma ponte e a juventude de sua delicada coragem.

 

 

QUANDO A CORTINA CAI E AINDA SOU MAY BRROKYN

 

Escuto as vozes regidas pelo ácido, as sombras desfiguradas descendo as escadas, uma noite orquestrada por vultos cobertos de terror. Nós somos as dores submissas e as mentes desarrumadas. O mundo pode acabar mais cedo do que as histórias que escrevemos. Uma de nós afirmava haver escrito a carta encontrada no corpo de Helen Palmer: Eu não sabia se deveria me matar, incendiar a casa ou simplesmente ir embora e me perder. A outra foi encontrada nua sentada à beira de um lago repetindo um verso de Vachel Lindsay: Muitos anos deveriam se passar antes que Satanás entrasse nela. Escuto essas queixas de épocas distintas, saídas da boca de personagens que não se conheceram. Talvez eu mesma seja a autora de tudo isto. Como os corpos de uma deusa inominável encontrados longe de tudo que se possa imaginar. Quantas tragédias eu representei, quantos desesperos mortais e aflições banais. Os manuscritos que não foram lidos. As pistas que deixei em cada encenação do que seria meu último ato. A qualquer momento eu poderia simplesmente copiar algumas linhas de Danijela Milic, ela existisse ou não: Coloquei fogo no oceano e ele ainda queima como óleo em uma lamparina velha. Quem disse que você não pode queimar água? Quem disse que a água não queima? Por que tenho marcas de queimadura sob os olhos? Seria o mesmo que rascunhar os meus martírios almejados. Eu poderia descrever a morte de tantos modos, antes mesmo que os pássaros se revoltassem na mente de Molly Brodak, antes mesmo que ela desse pela conta de alguns versos seus que roubei. Se tomamos a vida em sério tudo o que aprendemos é o cinismo. Eu tive que ir e vir no tempo muitas vezes, preocupada em não imitar ninguém. Desde menina sonhava em jamais ser identificada. Uma flor anônima em um jardim perverso de representações.

 

 

SONO PROFUNDO DE RADKA TONEFF

 

Eu quero que a cor de teus olhos se espalhe por todo meu corpo, porém o silêncio há muito me deixou e está sempre frio onde quer que eu me encontre. Algo não me deixa escrever o que quero. As fotos que vejo sobre a mesa ninguém mais avista. As janelas me olham como se eu estivesse perdida aqui dentro. Como se a casa não fosse o que vimos, mas sim algo ocorrido há muito tempo. Eu trouxe uma lâmina para apontar o lápis e cortar as folhas secas. Eu sabia que iríamos entrar em alguma espécie de bosque. Jamais eu planejaria tocar fogo na casa ou desfazer-me em obsessiva inanição. Não sangraria os pulsos ou saltaria de uma altura qualquer. Talvez cantasse até que o último barco se fosse, que não houvesse mais amores ao redor de meu corpo ou o sonho voltasse a ser natural. Quantas vezes improvisamos as pausas que daríamos um dia, um piano recostado no tempo que nos faltaria, as folhas, sempre elas, as árvores rondando as horas de canto. A lua sempre foi uma amante difícil. Eu não poderia nunca entrar em casa sozinha. Derramei uma a uma as minhas mentiras como se fossem uma papoula imaginária.

 

 

UMA ÚLTIMA CORDA PARA SARAH KANE

 

Uma noite acordei assustada com o entusiasmo que me estava cegando a beleza. Entre lágrimas disparei uma arma em meu rosto. A bala levou consigo apenas meu encanto. Se temos alguma consciência do ser talvez ela se chame ilusão. O devaneio é uma forma de beleza. A fealdade é o esconderijo de uma energia anterior ao próprio nascimento. Somos ignorantes de nossas vidas anteriores. A herança de tal rudeza nos faz perder o respeito pelos impulsos contrários aos nossos motivos. Os sentidos líquidos, a razão de jogos amorosos, a idade oculta das impressões. Uma noite será suficiente para desenredar esses pesadelos anônimos? Talvez os desafios sejam uma farsa. O tiro que não me matou, as drogas que foram ineficazes, a minha relutância em aceitar as farsas da existência, quando elas mascavam o palco e se convertiam em realidade. A violência da trama não é a mesma da vida lá fora, porque no escuro fílmico do teatro nos deixamos iludir que, uma vez as luzes acesas, algo recupere a normalidade. Talvez toda a tragédia ocorra em um quarto de hotel, talvez o futuro seja constantemente interrompido por um novo conflito, talvez ninguém possa nos dizer por que optamos pelo estupro anal ou o canibalismo. Somos repugnantes e obscenos por natureza. Mas também somos assustadoramente belos. Deverá haver uma evidência mais contundente? O que somos, afinal?

 

 

VISÕES DE IRMÃ EMÍLIA

 

Eu preciso gritar o seu nome, às vezes rasgá-lo na face de Deus. Talvez beber um pouco mais dessa água sangrada na calha do abismo. O que for do gosto do acaso para não perder as dores do conflito. Mesmo as botas relutando em deixar rastros, os cadarços desfeitos. Ainda que as luzes rascunhem na estrada seus votos de esquecimento. Não esquecer que a noite tropeça em seus lamentos, e os passos aturdidos esfacelam o relógio do sol riscado a giz na pracinha. As janelas não sabem mais conter o espanto diante das cenas que não se deixam notar. Eu preciso esquecer os corpos abraçados aos nossos como a fiação enroscada de um mundo desordenado. O bagulho dos sonhos, os desejos lacrimejantes, os pulsos rotos. Quantas vezes um de nós poderia recriminar a tempestade por haver arrastado consigo as esfinges e os calendários. Nua eu estarei à tua espera, para que me leves aonde bem queiras. O manuscrito sobre a mesa, em um guardanapo amassado, denunciava o quanto Emília esteve acobertando o crepúsculo, contando a idade perecível daquela imensidão de raios, a ira das chuvas, o bosque afogado, seus cabelos cortados. Ela foi a única mulher a renunciar ao oculto, em sua desilusão de corpos desamparados e a dicção de sombras desvanecidas. Ela agora vagueia pelas visões transbordantes de tanto enigma. Eu continuo a ler Yeats, desconhecendo se ela um dia regressará.

 

 

VOZES DE LIZ HOPKINS

 

Ninguém sabe quantas vezes está perdido até que as pedras coincidam em peso e número iluminando velhas palavras há muito escritas. Como os véus que escapam de uma nudez para outra. Os lagartos com seus olhos atormentados pelas areias negras de um deserto longe de casa. Quantas vezes as sombras recolhem suas navalhas irônicas antes mesmo do último corte na jugular da memória. Graças a alguns pequenos feitiços foi possível mudar de casarão o cárcere submerso em sangue e lamentos. As dores escravas após a morte de Liz Hopkins tiveram o porão saqueado e a vizinhança indignada roubando grilhões e instrumentos enferrujados de tortura. Como fazer da própria vida a morada do inferno alheio? Impossível dar alento a esse macabro extravio de humanidade. Liz sabia disto e em seus últimos instantes esporádicos de sanidade preparou um chá com arsênico, porém a morte só a queria eletrocutada semanas depois. O velho casarão do século XIX reina no alto de um subúrbio até hoje, depredado e abandonado. Seu silêncio devorado pelo matagal é ilusório. A aguda garganta de seus mortos ainda hoje é ouvida até mesmo nos postais que a filha de um de seus escravos mandou imprimir.


  

 



A GRANDE OBRA DA CARNE

A poesia de Floriano Martins

  

1991 Cinzas do sol 

1991 Sábias areias 

1994 Tumultúmulos 

1998 A outra ponta do homem 

1998 Autorretrato 

1998 Os miseráveis tormentos da linguagem e as seduções do inferno nos instantes trágicos do amor de Barbus & Lozna 

2003-2017 Floração de centelhas [com Beatriz Bajo]

2004 Antes da queda 

2004 Lusbet & o olho do abismo abundante 

2004 Prodígio das tintas 

2004 Rastros de um caracol 

2004 Sombras raptadas [Coroa] 

2004 Sombras raptadas [Cara] 

2004-2015 Estudos de pele 

2004-2017 Mecânica do abismo 

2005 A queda 

2005 Extravio de noites 

2006 A noite em tua pele impressa 

2006 Duas mentiras 

2006-2007 Autobiografia de um truque 

2007 Teatro impossível  

2008 Sobras de Deus

2008 Blacktown Hospital Bed 23 

2009-2010 Efígies suspeitas 

2010 Joias do abismo 

2010-2011 Antes que a árvore se feche 

2012 O livro invisível de William Burroughs

2012-2014 Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]

2013 Anatomia suspeita da realidade 

2013 My favorite things [com Manuel Iris]

2013 O piano andou bebendo 

2013 Sonho de uma última paixão 

2013-2015 Breviário dos animais fabulosos fugidos da memória 

2014 Mobília de disfarces 

2014 O sol e as sombras 

2014-2015 Reflexões sobre o inverossímil 

2015 Enigmas circulares 

2015 Improviso para dois pianos [com Farah Hallal]

2016 Cine Azteka [com Zuca Sardan]

2016 Circo Cyclame [com Zuca Sardan]

2016 Trem Carthago [com Zuca Sardan]

2016 A mais antiga das noites 

2016 A vida acidental de Aurora Leonardos 

2016 Altares do caos 

2016 Breve história da magia 

2016-2017 Convulsiva taça dos desejos [com Leila Ferraz]

2016-2017 Obra prima da confusão entre dois mundos 

2017 O livro desmedido de William Blake

2017 Antigas formas do abandono 

2017 Labirintos clandestinos 

2017 Manuscrito das obsessões inexatas  

2017 O mais antigo dos dias 

2017-2020 A volta da baleia Beluxa [com Zuca Sardan]

2017-2022 Nenhuma voz caba no silêncio de outra

2018 Atlas revirado 

2018 Tabula rasa 

2018 Vestígios deleitosos do azar 

2021 Las mujeres desaparecidas

2021 Museu do visionário [com Berta Lucía Estrada]

2021 Naufrágios do tempo [com Berta Lucía Estrada]

2022 As sombras suspensas [com Berta Lucía Estrada]

2022 Las resurrecciones íntimas [com Berta Lucía Estrada]

2023 A casa de Lenilde Fablas

2023 Caligrafias do espírito

2023 Huesos de los presságios [con Fernando Cuartas Acosta]

2023 Inventário da pintura de uma época

2023 Letras del fuego [con Susana Wald]

2023 Representação consentida

2023 Primeiro verão longe de casa 


 

 

1991-2023 Mesa crítica [Prefácios, posfácios, orelhas]

2013-2017 Manuscritos


 

 

Poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, dramaturgo, FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957) é conhecido por haver criado, em 1999, a Agulha Revista de Cultura, veículo pioneiro de circulação pela Internet e dedicado à difusão de estudos críticos sobre arte e cultura. Ao longo de 23 anos de ininterrupta atividade editorial, a revista ampliou seu espectro, assimilando uma editora, a ARC Edições e alguns projetos paralelos, de que são exemplo “Conexão Hispânica” e “Atlas Lírico da América Hispânica”, este último uma parceria com a revista brasileira Acrobata. O trabalho de Floriano também se estende pela pesquisa, em especial o estudo da tradição lírica hispano-americana e o Surrealismo, temas sobre os quais tem alguns livros publicados. Como artista plástico, desde a descoberta da colagem vem desenvolvendo, com singular maestria, experiências que mesclam a fotografia digital, o vídeo, a colagem, a ensamblagem e outros recursos. Como ele próprio afirma, o magma de toda essa efervescência criativa se localiza na poesia, na escritura de poemas, na experiência com o verso, inclusive a prosa poética, da qual é um dos grandes cultores. A grande obra da carne – título emprestado de um de seus livros, é uma biblioteca desenvolvida como espaço paralelo dentro da Agulha Revista de Cultura, a partir de uma ideia do próprio Floriano Martins, de modo a propiciar acesso gratuito a toda a sua produção poética.


 

 

OBRA POÉTICA PUBLICADA

 

Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994.

Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994.

Alma em chamasFortaleza: Letra & Música, 1998.

Cenizas del sol [con Edgar Zúñiga]. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001.

Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001.

Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.

Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006.

La noche impresa en tu pielTrad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006.

Duas mentiras. São Paulo: Edições Projeto Dulcinéia Catadora, 2008.

Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008.

Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008.

A alma desfeita em corpoLisboa: Apenas Livros, 2009.

Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría, Colección Palabra Ibérica, 2009.

Autobiografia de um truque. São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2010.

Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010.

Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

Lembrança de homens que não existiam [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2013.

Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.

Overnight medley [com Manuel Iris]. Trad. ao espanhol (Juan Cameron) e ao inglês (Allan Vidigal). Fortaleza: ARC Edições, 2014.

O sol e as sombras [com Valdir Rocha]. São Paulo: Pantemporâneo, 2014.

A vida inesperada. Fortaleza: ARC Edições, 2015.

Circo Cyclame [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

O iluminismo é uma baleia [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Espelho náufrago. Lisboa: Apenas Livros, 2017.

A grande obra da carne. Fortaleza: ARC Edições, 2017.

Tabula rasa [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Antes que a árvore se feche (poesia reunida). Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Tríptico da agonia [com Berta Lucía Estrada]. Fortaleza: ARC Edições, 2021.

Las mujeres desaparecidas. Santiago, Chile: LP5 Editora, 2021.

Un día fui Aurora Leonardos. Quito: Línea Imaginaria Ediciones, 2022.

El frutero de los sueñosWilmington, USA: Generis Publishing, 2023.

Sombras no jardim. Fortaleza: ARC Edições, 2023.


 

 

Agulha Revista de Cultura

Criada por Floriano Martins

Dirigida por Elys Regina Zils

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

1999-2024 

 


 

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