Fiz com que tudo à minha volta
desaparecesse
e caminho na inquietude de mim mesmo.
FM
PEQUENO BOSQUE DE
IMITAÇÕES
Deus estava na porta.
Cuidava de não envelhecer.
CÉSAR
MORO
Pobre deus o que desconhece
Que a morte não se repete.
FM
Sobre a mesa o
corpo iluminado, com volteios de quem domina o abismo. Corpo-isca, em rasgos
que tangem as margens, a areia faminta da pele. Horizonte cindido em compostos
de um mesmo desatino.
Começo a
refazê-lo pelas sombras. Por onde a noite se diz noite em seus disfarces e o
olhar supõe conter todas as formas. Sua nudez reconhece os vestígios da
imaginação. Soletro o bulício de cada momento revisto pela memória.
Eu o tenho pela
primeira vez em minhas mãos e me surpreende encontrar meu nome esmaecido em
seus tecidos. Releio agora esta peregrinação absurda traçada como um jogo, a
bússola desfalecida, o escombro de palavras sussurradas em algum encontro
deixado para trás.
Este corpo imóvel
sobre a mesa possui irrequieta linguagem. Um coro voraz de sentidos
reinventados, batuque incessante de imagens reconstituindo seus crimes.
O que lhe resta
ainda vem das entranhas: a morfina do sorriso, o altar abandonado de seu púbis,
traços rochosos nos joelhos, fendas esboçadas no dorso.
Eu faço cantar a
sua torre esquecida, balcão de cinzas, mortes anunciadas em jardins e casebres.
Um corpo assim
reunido de uma ponta a outra de sua intempérie, em minhas mãos nesta mesa fria.
E descobrir-me parte de sua vida sem que de outra maneira jamais o soubesse.
Tão
indolentemente nua. Violentada em sua beleza e agora violenta em si e
imponente. Inútil e perigosa.
Tudo o que
atravessamos neste corpo é desolação. Sonhos que regressam de um labirinto
gasto. A alma com seu cárcere alimentado por um teatro de vigas insones.
Abro seu peito e
uma solidão arenosa revela os livros da insônia. Folhagem de cenas
estremecidas, domínios retalhados por um ofício demente. Como convencer a
memória do valor de certos segredos pouco atrativos?
No corpo sobre a
mesa distingo frases aflitivas que percorrem o tremor da memória. Quantos
mortos em mim serão seus? Segredos entornados fora de cena. Como não pensar em
seu sexo enquanto o costuro?
Um tumulto de
imagens abastece o mundo. Tudo muda de lugar. A dor não está mais aqui. Com
quanto mais nitidez o observamos mais nos sentimos confusos em relação ao que
supomos ser.
Rios incendiados,
folhagem de angústias, infâmia mascando seus planos. Até mesmo o esquecimento
enlouquece ao reler as vísceras do inconsciente.
Não suporto mais
esquecer ou lembrar. Toda opção é uma pira funerária, leviana, cadáveres boiando
em um salão de espelhos. Os corpos se amontoam em um só e ninguém tem piedade
de nós.
Quantos mortos
passaram por aqui desde que remendo-os para que se tornem menos impróprios?
Tantos, e jamais me recriminaram o método.
A memória é um
mecanismo de repetição, ou ramo de insistências, como um negócio bem gerido.
Dissecamos suas reações, ajustamos plaquetas, laudos, sombras, despojos… De
nada adianta. Vagamos no assombro de cada ato. Como se já não fôssemos parte de
nós.
Identificamos o
que vemos, sem compreender a frustração que nos iguala. Ainda leio seus nomes
saindo do fogo, enquanto disseco vícios como um pequeno bosque de imitações.
Como exorcizar a memória no estado em que se encontra?
Este corpo se
repete em mim com seu abandono sem limites. Costuro o ventre despedaçado, e
penso no quanto deve ter simplificado o amor em sua vida. A morte se expressa
sempre a cântaros, o que a vida raramente consegue.
Corpo sobre a
noite, mesa fria, árvore do ofício, a fiação exangue com que me desalenta e enfim
me tem como um navegante dedicado de suas visões e irreconhecíveis conjuros.
Terei amado tanto esta mulher que já não me reconheço nela?
SUÍTE NOTURNA
• UMA NOITE ANTES
Cubro teus olhos antes que a noite desenterre
os corpos que foram atraídos por reza e desespero.
Vozes emprestadas a sombras exumadas como um
rio de frases onduladas na memória.
Se ao menos evito que te reconheças neles
permaneço um pouco mais dentro de ti.
Cubro teus sonhos onde os olhos não param de
florescer, onde o horizonte se dilata como uma autocrítica e as horas em que
trafego tua ausência se acumulam como o caos no âmago da linguagem.
Cada frase tua que anoto é um sinal de
vertigem na raiz da fala.
Eu te reconheço como uma Vênus que se empenha
em seu anonimato.
Cubro teu ventre por onde saem as notas
famélicas da existência.
Evito que saibas que já estive aqui.
As noites já embalaram outros poços e
murmúrios.
Hoje a pele queima quando delas nos
aproximamos e até mesmo o abismo se despede do dia com certo temor.
Quantos fomos é algo que ficou para trás.
Agora não há mais o que ser evitado.
• PRIMEIRA NOITE ENCOBERTA
Deteve-se diante das três faces do labirinto.
A noite chorosa a qualquer hora do
percurso.
Velhos tecidos manchados e lúgubres
impondo
um limite a cada cena com sua névoa de
perversões.
Um vulto gravava em sua retina a
planta do lugar,
por mais improváveis que fossem
regresso ou saída.
Os véus se entreabriam com sua flor de
cultos,
sítio de ritos que dilaceram a alma,
torpezas
do espírito, agonias do ser em seu
último recurso.
O labirinto é uma trapaça com suas
três faces.
Pouco adianta reconhecer o dilema que
o define.
O tempo contamina o espaço com suas
evasivas.
Anônimos expõem seus vícios em cada
cela.
Enumerá-los é como abrigar
insuspeitável culpa.
O labirinto é a soma do quanto nos
desconhecemos.
As três faces do sonho não se
engabelam tão fácil.
Pouco importa que a vigília associe
erro e naufrágio
e os simplifique como um deslize
repentino.
Em um dos quartos entre véus se via
prostrada
a moribunda figura que era um rio e um
fio de prumo.
Esquálida senhora interrogada por sua
resistência,
ali estava à espera de alguém a quem
passar
um infortúnio, um novelo de signos,
uma graça.
A quem importa reconhecer-se em tal
labirinto?
O vulto vislumbrava a si mesmo naquela
mulher,
um golpe, um martírio, uma escapadela,
revezes
de um conflito onde se confundiam seus
planos.
O cenário se transmudava sempre com o
assalto
insuspeito de fugidios personagens de
seu passado.
O modo como os parentes foram mortos,
sinais
de intrigas, fezes familiares,
abortos, disfarces
entre orações e contribuições
comunitárias.
Não havia pesagem suficiente para
tantas almas.
A velha decrépita converteu-se em um
enigma
que apontava na direção de uma dor
fugidia.
O vulto não sabia por onde recomeçar a
sonhar.
A vida não nos leva em consideração
jamais.
O labirinto se furta de si a cada face
reconhecida.
• UMA NOITE EM LUGAR NENHUM
Eu beijo o teu corpo espalhado pela casa.
Um prato para o umbigo, as pernas aquecidas em
fogo brando, o vilarejo das nádegas atônito à própria geografia.
Profusão de sonhos entalhados na carne.
Como esquecer o recorte de tuas silhuetas, as
minúcias de orgasmos irradiados por todo o lugar?
A memória ilude a todos e faz com que os
móveis percam sombra, vertigem e significado.
Tateio a respiração do que somos, pequenos
vultos desabrigados, miniaturas fora de eixo.
Quantas escadas mudam de lugar em suas ânsias
de subir ou descer?
Vasculho cada beijo à procura de teu corpo.
Por vezes desperto no meio da noite e ao
tropeçar nas pernas da escuridão julgo haver recolhido todos os fragmentos de
teu amor.
A imagem é uma fábula, um mito, uma desordem
existencial, a mais precária das realidades.
Mas quantos eu sou ali em meio àquele acidente
noturno para duvidar de tua existência?
Um pássaro morto na soleira do abismo, o vaso
de flores deteriorando na lembrança, o cômodo lacrado com sua recusa a qualquer
credo ou luz.
Não importa o beijo, teu corpo é sempre outro.
Cresce o mar no olho de uma semente.
Uma mão impressa na pedra é a crônica de nossa
passagem pela terra.
Escadas e janelas discutem sobre o que fizemos
para chegarmos tão perto do fim e não perecer.
• UMA NOITE EM HUELVA
A noite escoa suas sílabas pelas escadarias de
teu corpo.
Quando recobro teu vulto ele já está em outras
mãos.
Um trem ofegante desmascara a janela do quarto
de hotel onde aprendemos a rascunhar cada palmo de abismo.
O vinho perdeu a hora e nenhum de nós jamais
soube como regressar ao ponto em que nos descobrimos.
O que falamos, quantos beijos despimos, a
celeuma do desejo.
Metáfora arranhada no assoalho, o outro nome
do amor é legião.
A outra margem do espelho, outro motivo para
que te percas de mim, como a lua liquefeita na soleira da porta.
Tomei todos os cuidados para não rasgar a tua
pele.
Suavas por toda a noite recoberta de gemidos.
Que nome dar a essas nuvens que se aligeiram
sobre nós?
A incógnita transpiração do mistério.
Houve um momento – recordo agora – em que não
paravas de sair de dentro de ti, inúmeras, como se ansiosas por uma série de
caprichos.
Eu vi o teu nome mudar de sentido a cada letra
ou número refeitos.
E todas as coisas à tua volta zombavam da
precária razão com que eram descritas.
O verbo saltava de um tempo a outro, pronomes
atônitos, adjetivos longe de casa.
A pele transcrita em vários idiomas indicava o
instante exato em que cada vulto muda de lugar.
Eu estive onde nem sonhavas e teu corpo se
abria como uma pedra revelada, um lacre cuja senha é seu próprio nome
invertido.
O livro que estamos escrevendo na selva de
sílabas de nossa memória.
O que falamos, quantas salivas transcrevemos,
a debulha de assombros.
A pele erguida intacta sobre os destroços de
teu corpo.
A noite soletrando extravios, mundo pretérito,
metáforas evacuadas.
Ao encerrar a conta no hotel cheguei a
imaginar que o gerente me diria que o quarto 703 há anos estava lacrado, quem
sabe em face de algum crime ali ocorrido.
No entanto, ele confirmou a tua hospedagem.
E saí pondo em dúvida a minha própria.
• UMA NOITE ESQUECIDA
A perna docemente
erguida sobre a página:
um verso assim não escreves sem meu
gozo.
Sabia como marcar
as frases onde retornar.
Os dois se
buscavam entre enigmas e risos,
devolviam a cada
um o que iam encontrando,
restos do outro,
pequenas sombras dispersas.
Abro-te os lábios todos da casa. Não
vês ali
na varanda uma parte de ti já
esquecendo-se?
A voz podia estar
entregue a qualquer um,
a dar por
assombro a noite em um capítulo
de espasmos:
olhos rabiscando-se, imagens
saltando do sexo
de ambos, toda ela, todo ele,
tudo para
encontrar-se e dizer: já estivemos.
Somente o amor
nos revela o que perdemos.
• UMA
NOITE EM SALVADOR
A história de teu corpo se volta para dentro
como se quisesse a todo custo evitar as cinzas que um dia reclamariam um
espólio desviado.
No interior de uma das escavações nosso beijo
foi interrompido pelo olhar rochoso de um rosto desfigurado.
Encontramos ali a ruína de um império que
ainda não havia existido.
Pouco se distinguia, por traços na pedra, dos
inúmeros que o antecederam, porém este, de alguma maneira, nos pareceu o centro
de tudo quanto o tempo suspeitava de nós.
O aposento sagrado das vertigens, a máscara
perdida do fogo, o filho alheio ao olhar voluptuoso do pai.
O teu corpo deslizava nos sulcos propostos
pela argila.
Não sairás nunca daqui.
Esta é a grande fadiga da história.
Multiplico os espelhos de teu olhar, jogo com
a posição de cada um deles e soletro suas ânsias petrificadas, suas requebradas
misérias.
Estamos cada vez mais longe da noite que
jamais tivemos.
Levo comigo a tua pele acidentada pelo desejo.
Deixo contigo o que espero saibas identificar.
Avulto o calafrio de tudo o que fomos, e sei
que longe de nós o futuro não saberia o que fazer de si.
• UMA NOITE EM SANTO DOMINGO
A noite se reproduz em meus olhos passageiros.
Não a deixamos dormir, para que nos acompanhe
pelas esquinas naufragadas, o mito disfarçado
em rascunhos ilegíveis, as pétalas encardidas
da memória esquecida de si. Solidão a escapar
pela janela com seus pequenos tumultos
transfigurados.
Não te esqueças de nada esta noite, para que
amanhã
não tenhamos que aqui regressar. Dá-me teus
lábios
uma última vez antes que se apaguem os tetos
de minhas visões. Mobília suada enquanto
improvisamos novos sítios à revelia da
gravidade.
Quando vi o teu corpo aprendendo a voar
um céu de aquarela retocava sua extensa
arquitetura
marítima e nuvens bailavam como árvores ao
vento.
Foi quando desvendei a dor dessa palavra
composta
de muitas quedas. A mesma que agora se
multiplica
em meus olhos que atravessam um corredor sem
fim
que me leva de um horizonte a outro das horas
insones
em que nos perdemos. Reconheço em silêncio
certas relíquias que cruzam a soleira do
destino,
cuja língua, sempre legítima, confidencia um
desafio
após outro. Onde estejas, não me respondas.
• FLAGRANTES NO ASSOALHO
Buscar-te
dentro do rio serpenteado da linguagem,
na obscura
trilha de suplícios e fascínios
onde mil
corpos se erguem como vislumbres,
bem ali, nos
requebros da ânsia, no fino batuque
da memória a
ligar palavras e imagens
em uma
síncope de obsessões, buscar-te, amor,
um desapego
insustentável,
obscuridade
à toa,
buscar-te,
como quem
nunca esteve verdadeiramente fora de si,
dentro da
linguagem, em seu desatino por perder-se, caindo em embarcações com asas gastas
cuja rota limita-se à fadiga de virtudes insatisfeitas, desassossego de
contrições, vinagre,
deuses por
toda parte,
cadeiras
fora de lugar,
aparições
tolas,
quem está,
quem nunca esteve, quem jamais,
uma dieta
assim de apreensões faz com que o invisível se perca do visível, e onde
buscar-te então senão nessa dobra em que o flagrante se aflige, onde tudo fica
tão quieto, tão quieto, e cremos que por ali toda uma vida se ajeita,
cabe,
como se a
vida fosse apenas caber em permanência,
e não te
busco mais, já estás aqui, ficarás comigo
a vida
inteira, feitos um para o outro, mesa posta,
plantas
aguadas, pequenos dilemas adiados,
sentar-me a
teu lado e buscar o que não está senão no outro, aí sim, mas já estamos tão
cheios de si para tanto,
o outro se
foi, e quem dá por sua ausência?,
estropiar
margens do rio,
pronunciar
mal restos de inquietudes, contas em atraso, ressequir-se por displicência, é
disto que é feito o amor,
um rio seco,
com deuses
assombrosos percorrendo a casa, laminando vertigens para um livro, buscar-te,
buscar-te,
sim,
jamais
desalentar-se,
aguar rios,
deixar-se desaguar,
nenhuma
lição, apenas o corpo caindo,
a buscar-se:
e buscar-te.
• UMA NOITE EM SIDNEY
Como poderia ter pintado a casa com
tamanho contraste de cenas?
Móveis sussurrando pelos cantos, uma
febre de janelas recolhidas a seus tremores internos, torneiras empenhadas em
manter o silêncio por longas eternidades.
Eu havia esquecido tudo naquela noite.
Tentava ao menos recordar o nome
daquela mulher deitada ao meu lado.
Ao descer à cozinha para tomar água vi
como meus passos nos degraus já estavam ali antes de mim.
Por toda a casa os sinais se
multiplicavam em um mesmo enigma: tudo o que eu procurasse fazer eu mesmo já
havia feito.
Da janela que dava ao quintal pude ver
baldes de tinta, lixas, pincéis, a escada banhada em evidências.
Lábios esgarçados de uma penumbra,
vinho derramado no tapete, Ben Webster ainda tocava Come rain or come shine.
Noite imersa em um silêncio teatral.
O corpo dela se multiplicando em
personagens que são códigos do vazio, sombras doloridas, vultos inquietos de
sonhos que jamais pude entender.
A casa é uma espécie de costura de
almas, com seu palco de tintas e arquitetura de reflexos.
Já não estou em parte alguma, mas ela
me dói como se fosse toda a minha vida.
• UMA NOITE EM TENERIFE
Escrevi o teu nome na folha extraviada do
sonho.
A noite desperta me contando histórias que um
dia passariam por aqui.
A lua ria como uma amante oculta no lençol
esperando o perigo passar.
Enquanto aguardava para ler meus poemas
percebi que o mundo não passava por ali.
As imagens se projetavam em dissonante
repetição: aqui, ali, amor, poema…
Apenas um verbo se movia: passar & passar
& passar.
Pleno território de reticências, quando toquei
tua pele descobri uma noite alheia ao tempo.
Os poemas perderam motivo.
Teu corpo ganhou uma astuta medida de
eternidade.
Até hoje não sei onde fui parar desde que me
despedi de ti.
O fato é que tudo passa e a tua ilha não
difere de outros sentimentos no resto do mundo.
A lua apontava a fonte no centro da praça e
recordava que algo a caminho do Brasil passara por ali e acabara ficando.
O dia costuma esquecer muitas coisas.
Uma pedra esverdeada celebra a noite vulcânica
no corpo que deitamos para antever a carta de navegação da fonte.
Não fomos a parte alguma.
Fomos talvez a única noite em Tenerife em que
nada passou por ali.
• UMA NOITE EM TUNJA
A noite estava acesa em nossos corpos e o frio
com seu violino
Convincente me punha a pedir que pousasses em
meu peito
o que houvesse de melhor no século que
acabara de nascer
em tuas mãos. Em uma noite dessas, eu bem
poderia roubar
um verso de Jim
Morrison: I can't live thru each slow century
of her moving. A leveza de tua pele atiçava em mim
um estranho desejo de retornar ao local do
crime, onde
o teu olhar aguçava as horas mais
inesperadas para me excitar.
– Quantos pecados
nós podemos cometer de uma só vez estando aqui?
O chá bem quente desperta as sombras
bailarinas a caminho do abajur.
Recordo que os teus lábios improvisavam
um abrigo para meus beijos.
Porém tudo passava tão lentamente que sequer
parecia haver começado.
E quando a tua boca sussurrou o meu
nome foi como se jamais
o houvesse escutado. Aquela noite tinha um
truque que encerrava
um mistério dentro de outro. E dentro de cada
um deles um outro
lentamente se instalava e ali em seu íntimo nos
víamos com tanta
nitidez como um improviso de seres dentro da
noite.
Então puseste em minhas mãos um colar de
sementes que trazias
ao pescoço. Eu sei que não posso acompanhar o
século que desatas
com teu movimento. Porém aquela noite foi como uma antecipação
de tudo quando um dia eu vivi, e ainda hoje
sinto o mesmo desejo de roubar aquele verso de Jim Morrison.
•
UMA NOITE EM LONDRINA
Por vezes as cidades assumem a insatisfação de
um poema.
Tento livrar da aflição alguns verbos que não
sabem onde pousar.
Eu te recordo inquieta, sem saber mais o que
fazer de si.
Não escrevi um único verso sobre teu corpo,
que saltava de um verbo a outro como um plano de fuga.
Ríamos em mesas de restaurantes ou quando
acendias a tua palha mágica buscando um sítio sigiloso onde pudéssemos cruzar
nossas fronteiras.
Eu te imaginei com todo o alfabeto de meus
vislumbres.
Tudo em ti era um sigilo capinado pelo
espanto.
Há muito não beijavas teu desejo. Há muito não
saltavas dentro de ti. Há muito não saías de si para dar uma volta no
improvável.
Eu não teria como pousar na órbita de um verbo
em isolado, porém se o fizesse ao retornar – não importa para onde – jamais
encontraria o teu aceno ao me identificar.
As cidades quase sempre são menores do que as
imaginamos.
• UMA NOITE NA METADE DO MUNDO
Reúno os espelhos necessários aos vislumbres
intensos do desejo.
Esta noite saberei onde aquecer o estoque de
gretas que trago comigo.
Há muito venho catando em bastidores os tons
mais secretos, as cores mascadas com a aurora, pequenas silhuetas que indagam
por prismas esquecidos.
Ela me desnudará como um repertório de
enigmas.
Seus cabelos ruivos ondulam o horizonte: uma
música rara tecida enquanto os espelhos ajustam seu entendimento da vertigem.
Santuário de vultos extraviados, oratório de
pernas, sermões da volúpia, a tudo ela se antecipa e palmilha os ossos da noite
como se fossem um pomar de suas antevisões.
Recolho as vinhetas, o estranho relicário de
balbucios, e seu corpo inunda o meu de atrações.
Cada uma das fases lunares tatuadas na pele.
Tempo e espaço refeitos como labirintos
famintos.
Ao beijar seu espinhaço descubro entre
vértebras ninhos de janelas que são como pássaros nascidos dentro do voo.
Ela me abraça e é como se pela primeira vez eu
tocasse o centro do que me é inevitável.
O abismo, a fagulha, a memória, em cada oásis
ela reconhece a metade precisa de tudo quanto necessito.
E brinca com o sol como uma criança com seu
peão repleto de luzes.
Eu a beijo e os deuses sorriem, tornando a
crer no mito.
• UMA
NOITE EM FORTALEZA
Havia um silêncio ali perdido pelo meio da
noite.
Talvez por entre as rachaduras no espinhaço do
tempo.
Ou uma cicatriz inflamada alucinando o passado
que perdera.
Nunca se sabe o quanto uma dor repercute.
Sofrê-la está no limite da consciência.
Algumas cidades sabem mais do que outras como
abandonar a si mesma.
As luzes estavam como se a noite mal dormisse.
As escadas relutavam a ensinar o caminho
àqueles que se mostravam melhor leitores das aflições urbanas.
A arqueologia nos diz sobre trilhas
subterrâneas, pedra, musgo e água que abrigam certos lacres insuspeitos da
história.
Tudo nos leva a crer que o passado se revela
quando cavamos abaixo.
Porém há cidades que escondem sua história no
piso superior.
Um abandono de si mesmo bordado nas alturas,
encoberto pela agitação térrea da maquiagem urbana.
Cidades planas e sem escavações hereditárias.
Quem sabe a minha, talvez a tua, certamente a
cidade de alguém.
Lugares à beira-mar que se utilizam do sol
para distrair a melancolia incorpórea.
E que desmatam sua essência como uma erva
daninha.
Cidades atormentadas pela recusa da própria
sombra.
A noite aqui não dorme nunca.
Recapitula o silêncio ao qual se sente
imposta.
Este vazio desconcertado das ruínas mais
jovens da história.
Ruínas aéreas, cujas escadas o mito tenta
disfarçar.
Possivelmente restos de algum pecado que
desconhecemos.
• UMA NOITE EM CINCINNATI
À noite ela o visita com seus corpos
saindo do espelho.
Em Cincinnati, a neve cai no interior
do quarto e ele a vê passar de uma margem a outra da noite sem que o frio
interfira em algo.
Gustavo não sabe onde está, ou quantas
ela trouxe consigo para vê-lo uma última vez.
Cada uma lhe oferece um corpo para o
rosto que parece ser sempre o mesmo.
Indaga a elas como então escapar do
plano que a neve parecia haver escrito no dorso do espelho.
Porém não consegue ouvi-las, por mais
que reúnam todas as vozes em uma mesma boca.
Com uma ponta metálica marca na pele
do espelho a silhueta escolhida ao acaso de uma delas.
Os corpos começam a modificar-se para
atender às medidas daquele portal.
A neve desfigura as sombras que elas
vão deixando ao cruzar a soleira da noite.
Gustavo confunde as margens
embaralhadas de sua memória.
Mesmo que chegasse a concluir a
pintura, não saberia o nome daquela que a deveria assinar.
VESTES
Os panos
nus.
Nenhuma
imagem sangrando na pele de tecidos prontos para o afago.
Recito essa
nudez com um par de asas.
Um demônio
agachado, colando os lábios nos meus.
De onde me
vês serei um córrego de ossos, calcinado deleite de tuas almas, umas poucas, as
que não souberam preservar o horror que as antecipa e compreende.
Rostos
engordurados em cerimônias…
E como te
postas, demônio, mordendo-me os seios, como te postas?
Um olhar a
escolher ossos.
Carvões
astutos e conhecedores da fábula.
Vê bem o que
trago comigo, este corpo minguado em débeis luas.
Preparas uma
pele para mim?
Dá-me tuas
facas, esporões, chifres, a ponta imperfeita de teu falo.
Vês como me
faço em mil coxas, viscosas como iscas, e todas soletram a queda que anuncias.
Os panos
sobre o vazio, nus.
Equilíbrio
voltado para o chão, rostos desfeitos de vítimas que não alcançam mais
ofertório, o pé de um deus encontrado em escavações.
Por onde me
sagras, puto demônio, por onde me despedaças desejosa de tua saúde?
Meu corpo em
lascas, santuário decrépito de tua perversão, cascos me arranhando o tecido da
memória, sim, uma mínima dor palmilha insuspeitas procedências, e sabes o
quanto me dói tua abundância, o pote que indicas e ansiosa ponho-me a buscar
ali a resposta para o aflito cultivo de dores por todo meu corpo.
Carrego
comigo todas as formas com que me atacas.
Quais
máscaras perpetuamos, as minhas, as tuas?
Meus lábios
te queimam a pele.
Óleos acesos
enquanto nos desfazemos.
Os panos
como papiros, inscrições invisíveis que ensinam a manter quente a cabeça de um
deus morto.
Nus.
Com a medida
do inferno de cada dobra do tecido de que somos feitos.
NOITE DE NOITES
Dentro da máscara a noite ostenta um
reino sombrio.
Quantas mulheres trazes contigo,
martelo de pérolas, lâminas cegas, cadarços rompidos a dentes, manuscritos
quase ilegíveis – nã sbes o ue sito qundo
tás dtro d im –, contas para um suplício, quantas?
Agitas tua fauna anunciada,
e te liquefazes em súbitas
ressonâncias que tenho que carpir – lágrimas ofertadas ao gozo, filtros
anímicos, pequenos cadáveres boiando no éter –
no instante em que me vejo cercado de
máscaras,
teu baile sarcástico,
domínio de silhuetas, bizarros
espectros, lâmpadas estalando sempre que se anuncia uma revelação – minhas desculpas, senhora, mas quem és
mesmo? –, ventres acordando em braços desconhecidos, mar parecendo sala
parecendo jardim parecendo um atropelo de pernas.
Dentro, bem dentro da máscara a noite
acaricia suas fúrias.
Rabisco tua incógnita – precisas de
uma. Isto aqui não é lugar para quem se ache sem tormentos, enigmas ou contas a
acertar com a distorção dos fatos.
Como será tua morte? Não te apresses
nisso.
Haverá tempo suficiente para que
percebas que não é este o ponto.
Dentro da máscara, todas as pistas são
falsas.
Mesmo o sonho se desgoverna ao buscar
um açoite no balcão das peças insólitas – a carne tomada de predadores que
bebem e fumam prolongadamente –
ou encaminhar-se até o bebedouro dos
desejos.
Ali as fábulas estão gastas.
Tudo, tudo se repete.
A mesma metáfora extasiada.
Sexo para todos os porcos, sublimação
constante para os homens de boa vontade.
Dentro da máscara – se houver mesmo
uma –, a noite não cabe em si.
A noite dentro da noite, uma canção
corrói a memória, martiriza toda suspeita de que algo pudesse ter sido previsto
a tempo, queima a contorção das súplicas, como
queres, o que queres, te dei tudo de mim, a alegoria do
desprezo por si mesmo, a moeda da conduta, o páreo, o bolero ao fundo, como me deixei enganar assim, piano,
sempre um piano, cenário facilmente desenhado.
– Não
tive jamais como te amar, tu eras tão solene, creio que imaginavas algo de mim
a qual me era impossível corresponder.
– Uma
noite me despi e ao deitar fiquei a imaginar que seria a última noite sem um
homem ao meu lado.
– Creio
que as mulheres estão sempre esperando um homem que não virá. Sabem disso, e
fazem de conta que não.
– O
diabo me pegava pelas ancas, me fazia suar, gemia alto com aquilo tudo que me
invadia, ah maldito, depois sumia, passava dias sem ele.
Arrumava as caixas da mudança,
patético fim de romance.
Revia fotos, chorava.
Não há um cinema para se ir, lugar
onde desaguar o desengano.
Dançávamos mais do que a noite.
O verbo que nos aproxima está em todos
os tempos.
Quantas mulheres trazes contigo para
uma simples dança?
Inúmeros os rasgões na alma – vozes
famintas sem corpo, sentenças de gozo, pratos deixados pela metade, acenos,
acenos, a vida se quer assim, me
escrevias em um guardanapo naquele que seria o último encontro –,
os traços solenes do abismo.
Quantas máscaras recaem sobre mim?
Não me encham de perguntas, tantas.
Não havia muito o que romper.
Era uma festa, apenas uma festa.
A máscara por vezes se ausenta de si.
Onde estás, máscara?
Festa, és tu?
Quantas mulheres estarão contigo –
poças de ansiedade, nó de agonias, papéis soltos, uns rabiscos a carvão detrás
de um móvel: vou te amar sempre – até
que se arrependam?
És apenas uma noite, o reino sombrio
que corrói por dentro toda máscara.
Dancemos:
∞
A GRANDE OBRA DA CARNE
A poesia de Floriano Martins
1991 Cinzas do sol
1991 Sábias areias
1994 Tumultúmulos
1998 Autorretrato
2003-2017 Floração de centelhas [com Beatriz Bajo]
2004 Antes da queda
2004 Lusbet & o olho do abismo abundante
2004 Prodígio das tintas
2004-2015 Estudos de pele
2004-2017 Mecânica do abismo
2005 A queda
2005 Extravio de noites
2006 A noite em tua pele impressa
2006 Duas mentiras
2006-2007 Autobiografia de um truque
2007 Teatro impossível
2008 Sobras de Deus
2008 Blacktown Hospital Bed 23
2009-2010 Efígies suspeitas
2010 Joias do abismo
2010-2011 Antes que a árvore se feche
2012 O livro invisível de William Burroughs
2012-2014 Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]
2013 Anatomia suspeita da realidade
2013 My favorite things [com Manuel Iris]
2013 Sonho de uma última paixão
2013-2015 Breviário dos animais fabulosos fugidos da memória
2014 Mobília de disfarces
2014 O sol e as sombras
2014-2015 Reflexões sobre o inverossímil
2015 Enigmas circulares
2015 Improviso para dois pianos [com Farah Hallal]
2016 Cine Azteka [com Zuca Sardan]
2016 Circo Cyclame [com Zuca Sardan]
2016 Trem Carthago [com Zuca Sardan]
2016 A vida acidental de Aurora Leonardos
2016 Altares do caos
2016-2017 Convulsiva taça dos desejos [com Leila Ferraz]
2016-2017 Obra prima da confusão entre dois mundos
2017 O livro desmedido de William Blake
2017 Antigas formas do abandono
2017 Manuscrito das obsessões inexatas
2017-2020 A volta da baleia Beluxa [com Zuca Sardan]
2017-2022 Nenhuma voz cabe no silêncio de outra
2018 Atlas revirado
2018 Tabula rasa
2018 Vestígios deleitosos do azar
2021 Las mujeres desaparecidas
2021 Museu do visionário [com Berta Lucía Estrada]
2021 Naufrágios do tempo [com Berta Lucía Estrada]
2022 As sombras suspensas [com Berta Lucía Estrada]
2022 Las resurrecciones íntimas [com Berta Lucía Estrada]
2023 Huesos de los presságios [con Fernando Cuartas Acosta]
2023 Inventário da pintura de uma época
2023 Letras del fuego [con Susana Wald]
2023 Primeiro verão longe de casa
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1991-2023 Mesa crítica [Prefácios, posfácios, orelhas]
2013-2017 Manuscritos
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Poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, dramaturgo, FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957) é conhecido por haver criado, em 1999, a Agulha Revista de Cultura, veículo pioneiro de circulação pela Internet e dedicado à difusão de estudos críticos sobre arte e cultura. Ao longo de 23 anos de ininterrupta atividade editorial, a revista ampliou seu espectro, assimilando uma editora, a ARC Edições e alguns projetos paralelos, de que são exemplo “Conexão Hispânica” e “Atlas Lírico da América Hispânica”, este último uma parceria com a revista brasileira Acrobata. O trabalho de Floriano também se estende pela pesquisa, em especial o estudo da tradição lírica hispano-americana e o Surrealismo, temas sobre os quais tem alguns livros publicados. Como artista plástico, desde a descoberta da colagem vem desenvolvendo, com singular maestria, experiências que mesclam a fotografia digital, o vídeo, a colagem, a ensamblagem e outros recursos. Como ele próprio afirma, o magma de toda essa efervescência criativa se localiza na poesia, na escritura de poemas, na experiência com o verso, inclusive a prosa poética, da qual é um dos grandes cultores. A grande obra da carne – título emprestado de um de seus livros, é uma biblioteca desenvolvida como espaço paralelo dentro da Agulha Revista de Cultura, a partir de uma ideia do próprio Floriano Martins, de modo a propiciar acesso gratuito a toda a sua produção poética.
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OBRA POÉTICA PUBLICADA
Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.
Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.
Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994.
Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2. The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994.
Alma em chamas. Fortaleza: Letra & Música, 1998.
Cenizas del sol [con Edgar Zúñiga]. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001.
Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001.
Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.
Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006.
La noche impresa en tu piel. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006.
Duas mentiras. São Paulo: Edições Projeto Dulcinéia Catadora, 2008.
Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008.
Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008.
A alma desfeita em corpo. Lisboa: Apenas Livros, 2009.
Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría, Colección Palabra Ibérica, 2009.
Autobiografia de um truque. São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2010.
Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010.
Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012.
O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012.
Lembrança de homens que não existiam [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2013.
Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.
Overnight medley [com Manuel Iris]. Trad. ao espanhol (Juan Cameron) e ao inglês (Allan Vidigal). Fortaleza: ARC Edições, 2014.
O sol e as sombras [com Valdir Rocha]. São Paulo: Pantemporâneo, 2014.
A vida inesperada. Fortaleza: ARC Edições, 2015.
Circo Cyclame [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.
O iluminismo é uma baleia [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.
Espelho náufrago. Lisboa: Apenas Livros, 2017.
A grande obra da carne. Fortaleza: ARC Edições, 2017.
Tabula rasa [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2018.
Antes que a árvore se feche (poesia reunida). Fortaleza: ARC Edições, 2018.
Tríptico da agonia [com Berta Lucía Estrada]. Fortaleza: ARC Edições, 2021.
Las mujeres desaparecidas. Santiago, Chile: LP5 Editora, 2021.
Un día fui Aurora Leonardos. Quito: Línea Imaginaria Ediciones, 2022.
El frutero de los sueños. Wilmington, USA: Generis Publishing, 2023.
Sombras no jardim. Fortaleza: ARC Edições, 2023.
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Agulha Revista de Cultura
Criada por Floriano Martins
Dirigida por Elys Regina Zils
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
1999-2024
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