quinta-feira, 20 de abril de 2023

A GRANDE OBRA DA CARNE | Estudos de pele

 

Fiz com que tudo à minha volta desaparecesse

e caminho na inquietude de mim mesmo.

FM

 

 

PEQUENO BOSQUE DE IMITAÇÕES

 

Deus estava na porta.

Cuidava de não envelhecer.

CÉSAR MORO

 

Pobre deus o que desconhece

Que a morte não se repete.

FM

 

Sobre a mesa o corpo iluminado, com volteios de quem domina o abismo. Corpo-isca, em rasgos que tangem as margens, a areia faminta da pele. Horizonte cindido em compostos de um mesmo desatino.

 

Começo a refazê-lo pelas sombras. Por onde a noite se diz noite em seus disfarces e o olhar supõe conter todas as formas. Sua nudez reconhece os vestígios da imaginação. Soletro o bulício de cada momento revisto pela memória.

 

Eu o tenho pela primeira vez em minhas mãos e me surpreende encontrar meu nome esmaecido em seus tecidos. Releio agora esta peregrinação absurda traçada como um jogo, a bússola desfalecida, o escombro de palavras sussurradas em algum encontro deixado para trás.

 

Este corpo imóvel sobre a mesa possui irrequieta linguagem. Um coro voraz de sentidos reinventados, batuque incessante de imagens reconstituindo seus crimes.

 

O que lhe resta ainda vem das entranhas: a morfina do sorriso, o altar abandonado de seu púbis, traços rochosos nos joelhos, fendas esboçadas no dorso.

 

Eu faço cantar a sua torre esquecida, balcão de cinzas, mortes anunciadas em jardins e casebres.

 

Um corpo assim reunido de uma ponta a outra de sua intempérie, em minhas mãos nesta mesa fria. E descobrir-me parte de sua vida sem que de outra maneira jamais o soubesse.

 

Tão indolentemente nua. Violentada em sua beleza e agora violenta em si e imponente. Inútil e perigosa.

 

Tudo o que atravessamos neste corpo é desolação. Sonhos que regressam de um labirinto gasto. A alma com seu cárcere alimentado por um teatro de vigas insones.

 

Abro seu peito e uma solidão arenosa revela os livros da insônia. Folhagem de cenas estremecidas, domínios retalhados por um ofício demente. Como convencer a memória do valor de certos segredos pouco atrativos?

 

No corpo sobre a mesa distingo frases aflitivas que percorrem o tremor da memória. Quantos mortos em mim serão seus? Segredos entornados fora de cena. Como não pensar em seu sexo enquanto o costuro?

 

Um tumulto de imagens abastece o mundo. Tudo muda de lugar. A dor não está mais aqui. Com quanto mais nitidez o observamos mais nos sentimos confusos em relação ao que supomos ser.

 

Rios incendiados, folhagem de angústias, infâmia mascando seus planos. Até mesmo o esquecimento enlouquece ao reler as vísceras do inconsciente.

 

Não suporto mais esquecer ou lembrar. Toda opção é uma pira funerária, leviana, cadáveres boiando em um salão de espelhos. Os corpos se amontoam em um só e ninguém tem piedade de nós.

 

Quantos mortos passaram por aqui desde que remendo-os para que se tornem menos impróprios? Tantos, e jamais me recriminaram o método.

 

A memória é um mecanismo de repetição, ou ramo de insistências, como um negócio bem gerido. Dissecamos suas reações, ajustamos plaquetas, laudos, sombras, despojos… De nada adianta. Vagamos no assombro de cada ato. Como se já não fôssemos parte de nós.

 

Identificamos o que vemos, sem compreender a frustração que nos iguala. Ainda leio seus nomes saindo do fogo, enquanto disseco vícios como um pequeno bosque de imitações. Como exorcizar a memória no estado em que se encontra?

 

Este corpo se repete em mim com seu abandono sem limites. Costuro o ventre despedaçado, e penso no quanto deve ter simplificado o amor em sua vida. A morte se expressa sempre a cântaros, o que a vida raramente consegue.

 

Corpo sobre a noite, mesa fria, árvore do ofício, a fiação exangue com que me desalenta e enfim me tem como um navegante dedicado de suas visões e irreconhecíveis conjuros. Terei amado tanto esta mulher que já não me reconheço nela?

 

 

 

SUÍTE NOTURNA

 

UMA NOITE ANTES

 

Cubro teus olhos antes que a noite desenterre os corpos que foram atraídos por reza e desespero.

Vozes emprestadas a sombras exumadas como um rio de frases onduladas na memória.

Se ao menos evito que te reconheças neles permaneço um pouco mais dentro de ti.

Cubro teus sonhos onde os olhos não param de florescer, onde o horizonte se dilata como uma autocrítica e as horas em que trafego tua ausência se acumulam como o caos no âmago da linguagem.

Cada frase tua que anoto é um sinal de vertigem na raiz da fala.

Eu te reconheço como uma Vênus que se empenha em seu anonimato.

Cubro teu ventre por onde saem as notas famélicas da existência.

Evito que saibas que já estive aqui.

As noites já embalaram outros poços e murmúrios.

Hoje a pele queima quando delas nos aproximamos e até mesmo o abismo se despede do dia com certo temor.

Quantos fomos é algo que ficou para trás.

Agora não há mais o que ser evitado.

 

PRIMEIRA NOITE ENCOBERTA

 

Deteve-se diante das três faces do labirinto.

A noite chorosa a qualquer hora do percurso.

Velhos tecidos manchados e lúgubres impondo

um limite a cada cena com sua névoa de perversões.

Um vulto gravava em sua retina a planta do lugar,

por mais improváveis que fossem regresso ou saída.

Os véus se entreabriam com sua flor de cultos,

sítio de ritos que dilaceram a alma, torpezas

do espírito, agonias do ser em seu último recurso.

O labirinto é uma trapaça com suas três faces.

Pouco adianta reconhecer o dilema que o define.

O tempo contamina o espaço com suas evasivas.

Anônimos expõem seus vícios em cada cela.

Enumerá-los é como abrigar insuspeitável culpa.

O labirinto é a soma do quanto nos desconhecemos.

As três faces do sonho não se engabelam tão fácil.

Pouco importa que a vigília associe erro e naufrágio

e os simplifique como um deslize repentino.

Em um dos quartos entre véus se via prostrada

a moribunda figura que era um rio e um fio de prumo.

Esquálida senhora interrogada por sua resistência,

ali estava à espera de alguém a quem passar

um infortúnio, um novelo de signos, uma graça.

A quem importa reconhecer-se em tal labirinto?

O vulto vislumbrava a si mesmo naquela mulher,

um golpe, um martírio, uma escapadela, revezes

de um conflito onde se confundiam seus planos.

O cenário se transmudava sempre com o assalto

insuspeito de fugidios personagens de seu passado.

O modo como os parentes foram mortos, sinais

de intrigas, fezes familiares, abortos, disfarces

entre orações e contribuições comunitárias.

Não havia pesagem suficiente para tantas almas.

A velha decrépita converteu-se em um enigma

que apontava na direção de uma dor fugidia.

O vulto não sabia por onde recomeçar a sonhar.

A vida não nos leva em consideração jamais.

O labirinto se furta de si a cada face reconhecida.

 

UMA NOITE EM LUGAR NENHUM

 

Eu beijo o teu corpo espalhado pela casa.

Um prato para o umbigo, as pernas aquecidas em fogo brando, o vilarejo das nádegas atônito à própria geografia.

Profusão de sonhos entalhados na carne.

Como esquecer o recorte de tuas silhuetas, as minúcias de orgasmos irradiados por todo o lugar?

A memória ilude a todos e faz com que os móveis percam sombra, vertigem e significado.

Tateio a respiração do que somos, pequenos vultos desabrigados, miniaturas fora de eixo.

Quantas escadas mudam de lugar em suas ânsias de subir ou descer?

Vasculho cada beijo à procura de teu corpo.

Por vezes desperto no meio da noite e ao tropeçar nas pernas da escuridão julgo haver recolhido todos os fragmentos de teu amor.

A imagem é uma fábula, um mito, uma desordem existencial, a mais precária das realidades.

Mas quantos eu sou ali em meio àquele acidente noturno para duvidar de tua existência?

Um pássaro morto na soleira do abismo, o vaso de flores deteriorando na lembrança, o cômodo lacrado com sua recusa a qualquer credo ou luz.

Não importa o beijo, teu corpo é sempre outro.

Cresce o mar no olho de uma semente.

Uma mão impressa na pedra é a crônica de nossa passagem pela terra.

Escadas e janelas discutem sobre o que fizemos para chegarmos tão perto do fim e não perecer.

 

UMA NOITE EM HUELVA

 

A noite escoa suas sílabas pelas escadarias de teu corpo.

Quando recobro teu vulto ele já está em outras mãos.

Um trem ofegante desmascara a janela do quarto de hotel onde aprendemos a rascunhar cada palmo de abismo.

O vinho perdeu a hora e nenhum de nós jamais soube como regressar ao ponto em que nos descobrimos.

O que falamos, quantos beijos despimos, a celeuma do desejo.

Metáfora arranhada no assoalho, o outro nome do amor é legião.

A outra margem do espelho, outro motivo para que te percas de mim, como a lua liquefeita na soleira da porta.

Tomei todos os cuidados para não rasgar a tua pele.

Suavas por toda a noite recoberta de gemidos.

Que nome dar a essas nuvens que se aligeiram sobre nós?

A incógnita transpiração do mistério.

Houve um momento – recordo agora – em que não paravas de sair de dentro de ti, inúmeras, como se ansiosas por uma série de caprichos.

Eu vi o teu nome mudar de sentido a cada letra ou número refeitos.

E todas as coisas à tua volta zombavam da precária razão com que eram descritas.

O verbo saltava de um tempo a outro, pronomes atônitos, adjetivos longe de casa.

A pele transcrita em vários idiomas indicava o instante exato em que cada vulto muda de lugar.

Eu estive onde nem sonhavas e teu corpo se abria como uma pedra revelada, um lacre cuja senha é seu próprio nome invertido.

O livro que estamos escrevendo na selva de sílabas de nossa memória.

O que falamos, quantas salivas transcrevemos, a debulha de assombros.

A pele erguida intacta sobre os destroços de teu corpo.

A noite soletrando extravios, mundo pretérito, metáforas evacuadas.

Ao encerrar a conta no hotel cheguei a imaginar que o gerente me diria que o quarto 703 há anos estava lacrado, quem sabe em face de algum crime ali ocorrido.

No entanto, ele confirmou a tua hospedagem.

E saí pondo em dúvida a minha própria.

 

UMA NOITE ESQUECIDA

 

A perna docemente erguida sobre a página:

um verso assim não escreves sem meu gozo.

Sabia como marcar as frases onde retornar.

Os dois se buscavam entre enigmas e risos,

devolviam a cada um o que iam encontrando,

restos do outro, pequenas sombras dispersas.

Abro-te os lábios todos da casa. Não vês ali

na varanda uma parte de ti já esquecendo-se?

A voz podia estar entregue a qualquer um,

a dar por assombro a noite em um capítulo

de espasmos: olhos rabiscando-se, imagens

saltando do sexo de ambos, toda ela, todo ele,

tudo para encontrar-se e dizer: já estivemos.

Somente o amor nos revela o que perdemos.

 

UMA NOITE EM SALVADOR

 

A história de teu corpo se volta para dentro como se quisesse a todo custo evitar as cinzas que um dia reclamariam um espólio desviado.

No interior de uma das escavações nosso beijo foi interrompido pelo olhar rochoso de um rosto desfigurado.

Encontramos ali a ruína de um império que ainda não havia existido.

Pouco se distinguia, por traços na pedra, dos inúmeros que o antecederam, porém este, de alguma maneira, nos pareceu o centro de tudo quanto o tempo suspeitava de nós.

O aposento sagrado das vertigens, a máscara perdida do fogo, o filho alheio ao olhar voluptuoso do pai.

O teu corpo deslizava nos sulcos propostos pela argila.

Não sairás nunca daqui.

Esta é a grande fadiga da história.

Multiplico os espelhos de teu olhar, jogo com a posição de cada um deles e soletro suas ânsias petrificadas, suas requebradas misérias.

Estamos cada vez mais longe da noite que jamais tivemos.

Levo comigo a tua pele acidentada pelo desejo.

Deixo contigo o que espero saibas identificar.

Avulto o calafrio de tudo o que fomos, e sei que longe de nós o futuro não saberia o que fazer de si.

 

UMA NOITE EM SANTO DOMINGO

 

A noite se reproduz em meus olhos passageiros.

Não a deixamos dormir, para que nos acompanhe

pelas esquinas naufragadas, o mito disfarçado

em rascunhos ilegíveis, as pétalas encardidas

da memória esquecida de si. Solidão a escapar

pela janela com seus pequenos tumultos transfigurados.

Não te esqueças de nada esta noite, para que amanhã

não tenhamos que aqui regressar. Dá-me teus lábios

uma última vez antes que se apaguem os tetos

de minhas visões. Mobília suada enquanto

improvisamos novos sítios à revelia da gravidade.

Quando vi o teu corpo aprendendo a voar

um céu de aquarela retocava sua extensa arquitetura

marítima e nuvens bailavam como árvores ao vento.

Foi quando desvendei a dor dessa palavra composta

de muitas quedas. A mesma que agora se multiplica

em meus olhos que atravessam um corredor sem fim

que me leva de um horizonte a outro das horas insones

em que nos perdemos. Reconheço em silêncio

certas relíquias que cruzam a soleira do destino,

cuja língua, sempre legítima, confidencia um desafio

após outro. Onde estejas, não me respondas.

 

FLAGRANTES NO ASSOALHO

 

Buscar-te dentro do rio serpenteado da linguagem,

na obscura trilha de suplícios e fascínios

onde mil corpos se erguem como vislumbres,

bem ali, nos requebros da ânsia, no fino batuque

da memória a ligar palavras e imagens

em uma síncope de obsessões, buscar-te, amor,

um desapego insustentável,

obscuridade à toa,

buscar-te,

como quem nunca esteve verdadeiramente fora de si,

dentro da linguagem, em seu desatino por perder-se, caindo em embarcações com asas gastas cuja rota limita-se à fadiga de virtudes insatisfeitas, desassossego de contrições, vinagre,

deuses por toda parte,

cadeiras fora de lugar,

aparições tolas,

quem está, quem nunca esteve, quem jamais,

uma dieta assim de apreensões faz com que o invisível se perca do visível, e onde buscar-te então senão nessa dobra em que o flagrante se aflige, onde tudo fica tão quieto, tão quieto, e cremos que por ali toda uma vida se ajeita,

cabe,

como se a vida fosse apenas caber em permanência,

e não te busco mais, já estás aqui, ficarás comigo

a vida inteira, feitos um para o outro, mesa posta,

plantas aguadas, pequenos dilemas adiados,

sentar-me a teu lado e buscar o que não está senão no outro, aí sim, mas já estamos tão cheios de si para tanto,

o outro se foi, e quem dá por sua ausência?,

estropiar margens do rio,

pronunciar mal restos de inquietudes, contas em atraso, ressequir-se por displicência, é disto que é feito o amor,

um rio seco,

com deuses assombrosos percorrendo a casa, laminando vertigens para um livro, buscar-te,

buscar-te,

sim,

jamais desalentar-se,

aguar rios, deixar-se desaguar,

nenhuma lição, apenas o corpo caindo,

a buscar-se: e buscar-te.

 

UMA NOITE EM SIDNEY

 

Como poderia ter pintado a casa com tamanho contraste de cenas?

Móveis sussurrando pelos cantos, uma febre de janelas recolhidas a seus tremores internos, torneiras empenhadas em manter o silêncio por longas eternidades.

Eu havia esquecido tudo naquela noite.

Tentava ao menos recordar o nome daquela mulher deitada ao meu lado.

Ao descer à cozinha para tomar água vi como meus passos nos degraus já estavam ali antes de mim.

Por toda a casa os sinais se multiplicavam em um mesmo enigma: tudo o que eu procurasse fazer eu mesmo já havia feito.

Da janela que dava ao quintal pude ver baldes de tinta, lixas, pincéis, a escada banhada em evidências.

Lábios esgarçados de uma penumbra, vinho derramado no tapete, Ben Webster ainda tocava Come rain or come shine.

Noite imersa em um silêncio teatral.

O corpo dela se multiplicando em personagens que são códigos do vazio, sombras doloridas, vultos inquietos de sonhos que jamais pude entender.

A casa é uma espécie de costura de almas, com seu palco de tintas e arquitetura de reflexos.

Já não estou em parte alguma, mas ela me dói como se fosse toda a minha vida.

 

UMA NOITE EM TENERIFE

 

Escrevi o teu nome na folha extraviada do sonho.

A noite desperta me contando histórias que um dia passariam por aqui.

A lua ria como uma amante oculta no lençol esperando o perigo passar.

Enquanto aguardava para ler meus poemas percebi que o mundo não passava por ali.

As imagens se projetavam em dissonante repetição: aqui, ali, amor, poema…

Apenas um verbo se movia: passar & passar & passar.

Pleno território de reticências, quando toquei tua pele descobri uma noite alheia ao tempo.

Os poemas perderam motivo.

Teu corpo ganhou uma astuta medida de eternidade.

Até hoje não sei onde fui parar desde que me despedi de ti.

O fato é que tudo passa e a tua ilha não difere de outros sentimentos no resto do mundo.

A lua apontava a fonte no centro da praça e recordava que algo a caminho do Brasil passara por ali e acabara ficando.

O dia costuma esquecer muitas coisas.

Uma pedra esverdeada celebra a noite vulcânica no corpo que deitamos para antever a carta de navegação da fonte.

Não fomos a parte alguma.

Fomos talvez a única noite em Tenerife em que nada passou por ali.

 

• UMA NOITE EM TUNJA

 

A noite estava acesa em nossos corpos e o frio com seu violino

Convincente me punha a pedir que pousasses em meu peito

o que houvesse de melhor no século que acabara de nascer

em tuas mãos. Em uma noite dessas, eu bem poderia roubar

um verso de Jim Morrison: I can't live thru each slow century

of her moving. A leveza de tua pele atiçava em mim

um estranho desejo de retornar ao local do crime, onde

o teu olhar aguçava as horas mais inesperadas para me excitar.

– Quantos pecados nós podemos cometer de uma só vez estando aqui?

O chá bem quente desperta as sombras bailarinas a caminho do abajur.

Recordo que os teus lábios improvisavam um abrigo para meus beijos.

Porém tudo passava tão lentamente que sequer parecia haver começado.

E quando a tua boca sussurrou o meu nome foi como se jamais

o houvesse escutado. Aquela noite tinha um truque que encerrava

um mistério dentro de outro. E dentro de cada um deles um outro

lentamente se instalava e ali em seu íntimo nos víamos com tanta

nitidez como um improviso de seres dentro da noite.

Então puseste em minhas mãos um colar de sementes que trazias

ao pescoço. Eu sei que não posso acompanhar o século que desatas

com teu movimento.  Porém aquela noite foi como uma antecipação

de tudo quando um dia eu vivi, e ainda hoje sinto o mesmo desejo de roubar aquele verso de Jim Morrison.

 

• UMA NOITE EM LONDRINA

 

Por vezes as cidades assumem a insatisfação de um poema.

Tento livrar da aflição alguns verbos que não sabem onde pousar.

Eu te recordo inquieta, sem saber mais o que fazer de si.

Não escrevi um único verso sobre teu corpo, que saltava de um verbo a outro como um plano de fuga.

Ríamos em mesas de restaurantes ou quando acendias a tua palha mágica buscando um sítio sigiloso onde pudéssemos cruzar nossas fronteiras.

Eu te imaginei com todo o alfabeto de meus vislumbres.

Tudo em ti era um sigilo capinado pelo espanto.

Há muito não beijavas teu desejo. Há muito não saltavas dentro de ti. Há muito não saías de si para dar uma volta no improvável.

Eu não teria como pousar na órbita de um verbo em isolado, porém se o fizesse ao retornar – não importa para onde – jamais encontraria o teu aceno ao me identificar.

 

As cidades quase sempre são menores do que as imaginamos.

 

• UMA NOITE NA METADE DO MUNDO

 

Reúno os espelhos necessários aos vislumbres intensos do desejo.

Esta noite saberei onde aquecer o estoque de gretas que trago comigo.

Há muito venho catando em bastidores os tons mais secretos, as cores mascadas com a aurora, pequenas silhuetas que indagam por prismas esquecidos.

Ela me desnudará como um repertório de enigmas.

Seus cabelos ruivos ondulam o horizonte: uma música rara tecida enquanto os espelhos ajustam seu entendimento da vertigem.

Santuário de vultos extraviados, oratório de pernas, sermões da volúpia, a tudo ela se antecipa e palmilha os ossos da noite como se fossem um pomar de suas antevisões.

Recolho as vinhetas, o estranho relicário de balbucios, e seu corpo inunda o meu de atrações.

Cada uma das fases lunares tatuadas na pele.

Tempo e espaço refeitos como labirintos famintos.

Ao beijar seu espinhaço descubro entre vértebras ninhos de janelas que são como pássaros nascidos dentro do voo.

Ela me abraça e é como se pela primeira vez eu tocasse o centro do que me é inevitável.

O abismo, a fagulha, a memória, em cada oásis ela reconhece a metade precisa de tudo quanto necessito.

E brinca com o sol como uma criança com seu peão repleto de luzes.

Eu a beijo e os deuses sorriem, tornando a crer no mito.

 

UMA NOITE EM FORTALEZA

 

Havia um silêncio ali perdido pelo meio da noite.

Talvez por entre as rachaduras no espinhaço do tempo.

Ou uma cicatriz inflamada alucinando o passado que perdera.

Nunca se sabe o quanto uma dor repercute.

Sofrê-la está no limite da consciência.

Algumas cidades sabem mais do que outras como abandonar a si mesma.

As luzes estavam como se a noite mal dormisse.

As escadas relutavam a ensinar o caminho àqueles que se mostravam melhor leitores das aflições urbanas.

A arqueologia nos diz sobre trilhas subterrâneas, pedra, musgo e água que abrigam certos lacres insuspeitos da história.

Tudo nos leva a crer que o passado se revela quando cavamos abaixo.

Porém há cidades que escondem sua história no piso superior.

Um abandono de si mesmo bordado nas alturas, encoberto pela agitação térrea da maquiagem urbana.

Cidades planas e sem escavações hereditárias.

Quem sabe a minha, talvez a tua, certamente a cidade de alguém.

Lugares à beira-mar que se utilizam do sol para distrair a melancolia incorpórea.

E que desmatam sua essência como uma erva daninha.

Cidades atormentadas pela recusa da própria sombra.

A noite aqui não dorme nunca.

Recapitula o silêncio ao qual se sente imposta.

Este vazio desconcertado das ruínas mais jovens da história.

Ruínas aéreas, cujas escadas o mito tenta disfarçar.

Possivelmente restos de algum pecado que desconhecemos.

 

UMA NOITE EM CINCINNATI

 

À noite ela o visita com seus corpos saindo do espelho.

Em Cincinnati, a neve cai no interior do quarto e ele a vê passar de uma margem a outra da noite sem que o frio interfira em algo.

Gustavo não sabe onde está, ou quantas ela trouxe consigo para vê-lo uma última vez.

Cada uma lhe oferece um corpo para o rosto que parece ser sempre o mesmo.

Indaga a elas como então escapar do plano que a neve parecia haver escrito no dorso do espelho.

Porém não consegue ouvi-las, por mais que reúnam todas as vozes em uma mesma boca.

Com uma ponta metálica marca na pele do espelho a silhueta escolhida ao acaso de uma delas.

Os corpos começam a modificar-se para atender às medidas daquele portal.

A neve desfigura as sombras que elas vão deixando ao cruzar a soleira da noite.

Gustavo confunde as margens embaralhadas de sua memória.

Mesmo que chegasse a concluir a pintura, não saberia o nome daquela que a deveria assinar.

 

 

VESTES

 

Os panos nus.

Nenhuma imagem sangrando na pele de tecidos prontos para o afago.

Recito essa nudez com um par de asas.

Um demônio agachado, colando os lábios nos meus.

De onde me vês serei um córrego de ossos, calcinado deleite de tuas almas, umas poucas, as que não souberam preservar o horror que as antecipa e compreende.

Rostos engordurados em cerimônias…

E como te postas, demônio, mordendo-me os seios, como te postas?

Um olhar a escolher ossos.

Carvões astutos e conhecedores da fábula.

Vê bem o que trago comigo, este corpo minguado em débeis luas.

Preparas uma pele para mim?

 

Dá-me tuas facas, esporões, chifres, a ponta imperfeita de teu falo.

Vês como me faço em mil coxas, viscosas como iscas, e todas soletram a queda que anuncias.

Os panos sobre o vazio, nus.

Equilíbrio voltado para o chão, rostos desfeitos de vítimas que não alcançam mais ofertório, o pé de um deus encontrado em escavações.

Por onde me sagras, puto demônio, por onde me despedaças desejosa de tua saúde?

 

Meu corpo em lascas, santuário decrépito de tua perversão, cascos me arranhando o tecido da memória, sim, uma mínima dor palmilha insuspeitas procedências, e sabes o quanto me dói tua abundância, o pote que indicas e ansiosa ponho-me a buscar ali a resposta para o aflito cultivo de dores por todo meu corpo.

Carrego comigo todas as formas com que me atacas.

Quais máscaras perpetuamos, as minhas, as tuas?

 

Meus lábios te queimam a pele.

Óleos acesos enquanto nos desfazemos.

Os panos como papiros, inscrições invisíveis que ensinam a manter quente a cabeça de um deus morto.

Nus.

Com a medida do inferno de cada dobra do tecido de que somos feitos.

 

 

NOITE DE NOITES

 

Dentro da máscara a noite ostenta um reino sombrio.

Quantas mulheres trazes contigo, martelo de pérolas, lâminas cegas, cadarços rompidos a dentes, manuscritos quase ilegíveis – nã sbes o ue sito qundo tás dtro d im –, contas para um suplício, quantas?

Agitas tua fauna anunciada,

e te liquefazes em súbitas ressonâncias que tenho que carpir – lágrimas ofertadas ao gozo, filtros anímicos, pequenos cadáveres boiando no éter –

no instante em que me vejo cercado de máscaras,

teu baile sarcástico,

domínio de silhuetas, bizarros espectros, lâmpadas estalando sempre que se anuncia uma revelação – minhas desculpas, senhora, mas quem és mesmo? –, ventres acordando em braços desconhecidos, mar parecendo sala parecendo jardim parecendo um atropelo de pernas.

Dentro, bem dentro da máscara a noite acaricia suas fúrias.

 

Rabisco tua incógnita – precisas de uma. Isto aqui não é lugar para quem se ache sem tormentos, enigmas ou contas a acertar com a distorção dos fatos.

 

Como será tua morte? Não te apresses nisso.

Haverá tempo suficiente para que percebas que não é este o ponto.

 

Dentro da máscara, todas as pistas são falsas.

Mesmo o sonho se desgoverna ao buscar um açoite no balcão das peças insólitas – a carne tomada de predadores que bebem e fumam prolongadamente –

ou encaminhar-se até o bebedouro dos desejos.

Ali as fábulas estão gastas.

 

Tudo, tudo se repete.

A mesma metáfora extasiada.

Sexo para todos os porcos, sublimação constante para os homens de boa vontade.

Dentro da máscara – se houver mesmo uma –, a noite não cabe em si.

 

A noite dentro da noite, uma canção corrói a memória, martiriza toda suspeita de que algo pudesse ter sido previsto a tempo, queima a contorção das súplicas, como queres, o que queres, te dei tudo de mim, a alegoria do desprezo por si mesmo, a moeda da conduta, o páreo, o bolero ao fundo, como me deixei enganar assim, piano, sempre um piano, cenário facilmente desenhado.

 

Não tive jamais como te amar, tu eras tão solene, creio que imaginavas algo de mim a qual me era impossível corresponder.

 

Uma noite me despi e ao deitar fiquei a imaginar que seria a última noite sem um homem ao meu lado.

 

Creio que as mulheres estão sempre esperando um homem que não virá. Sabem disso, e fazem de conta que não.

 

O diabo me pegava pelas ancas, me fazia suar, gemia alto com aquilo tudo que me invadia, ah maldito, depois sumia, passava dias sem ele.

 

Arrumava as caixas da mudança, patético fim de romance.

Revia fotos, chorava.

Não há um cinema para se ir, lugar onde desaguar o desengano.

 

Dançávamos mais do que a noite.

O verbo que nos aproxima está em todos os tempos.

Quantas mulheres trazes contigo para uma simples dança?

Inúmeros os rasgões na alma – vozes famintas sem corpo, sentenças de gozo, pratos deixados pela metade, acenos, acenos, a vida se quer assim, me escrevias em um guardanapo naquele que seria o último encontro –,

os traços solenes do abismo.

 

Quantas máscaras recaem sobre mim?

Não me encham de perguntas, tantas.

Não havia muito o que romper.

Era uma festa, apenas uma festa.

A máscara por vezes se ausenta de si.

 

Onde estás, máscara?

Festa, és tu?

Quantas mulheres estarão contigo – poças de ansiedade, nó de agonias, papéis soltos, uns rabiscos a carvão detrás de um móvel: vou te amar sempre – até que se arrependam?

 

És apenas uma noite, o reino sombrio que corrói por dentro toda máscara.

 

Dancemos:

 

 

 


 

 



A GRANDE OBRA DA CARNE

A poesia de Floriano Martins

  

1991 Cinzas do sol 

1991 Sábias areias 

1994 Tumultúmulos 

1998 A outra ponta do homem 

1998 Autorretrato 

1998 Os miseráveis tormentos da linguagem e as seduções do inferno nos instantes trágicos do amor de Barbus & Lozna 

2003-2017 Floração de centelhas [com Beatriz Bajo]

2004 Antes da queda 

2004 Lusbet & o olho do abismo abundante 

2004 Prodígio das tintas 

2004 Rastros de um caracol 

2004 Sombras raptadas [Coroa] 

2004 Sombras raptadas [Cara] 

2004-2015 Estudos de pele 

2004-2017 Mecânica do abismo 

2005 A queda 

2005 Extravio de noites 

2006 A noite em tua pele impressa 

2006 Duas mentiras 

2006-2007 Autobiografia de um truque 

2007 Teatro impossível  

2008 Sobras de Deus

2008 Blacktown Hospital Bed 23 

2009-2010 Efígies suspeitas 

2010 Joias do abismo 

2010-2011 Antes que a árvore se feche 

2012 O livro invisível de William Burroughs

2012-2014 Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]

2013 Anatomia suspeita da realidade 

2013 My favorite things [com Manuel Iris]

2013 O piano andou bebendo 

2013 Sonho de uma última paixão 

2013-2015 Breviário dos animais fabulosos fugidos da memória 

2014 Mobília de disfarces 

2014 O sol e as sombras 

2014-2015 Reflexões sobre o inverossímil 

2015 Enigmas circulares 

2015 Improviso para dois pianos [com Farah Hallal]

2016 Cine Azteka [com Zuca Sardan]

2016 Circo Cyclame [com Zuca Sardan]

2016 Trem Carthago [com Zuca Sardan]

2016 A mais antiga das noites 

2016 A vida acidental de Aurora Leonardos 

2016 Altares do caos 

2016 Breve história da magia 

2016-2017 Convulsiva taça dos desejos [com Leila Ferraz]

2016-2017 Obra prima da confusão entre dois mundos 

2017 O livro desmedido de William Blake

2017 Antigas formas do abandono 

2017 Labirintos clandestinos 

2017 Manuscrito das obsessões inexatas  

2017 O mais antigo dos dias 

2017-2020 A volta da baleia Beluxa [com Zuca Sardan]

2017-2022 Nenhuma voz cabe no silêncio de outra 

2018 Atlas revirado 

2018 Tabula rasa 

2018 Vestígios deleitosos do azar 

2021 Las mujeres desaparecidas

2021 Museu do visionário [com Berta Lucía Estrada]

2021 Naufrágios do tempo [com Berta Lucía Estrada]

2022 As sombras suspensas [com Berta Lucía Estrada]

2022 Las resurrecciones íntimas [com Berta Lucía Estrada]

2023 A casa de Lenilde Fablas

2023 Caligrafias do espírito

2023 Huesos de los presságios [con Fernando Cuartas Acosta]

2023 Inventário da pintura de uma época

2023 Letras del fuego [con Susana Wald]

2023 Representação consentida

2023 Primeiro verão longe de casa 


 

 

1991-2023 Mesa crítica [Prefácios, posfácios, orelhas]

2013-2017 Manuscritos


 

 

Poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, dramaturgo, FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957) é conhecido por haver criado, em 1999, a Agulha Revista de Cultura, veículo pioneiro de circulação pela Internet e dedicado à difusão de estudos críticos sobre arte e cultura. Ao longo de 23 anos de ininterrupta atividade editorial, a revista ampliou seu espectro, assimilando uma editora, a ARC Edições e alguns projetos paralelos, de que são exemplo “Conexão Hispânica” e “Atlas Lírico da América Hispânica”, este último uma parceria com a revista brasileira Acrobata. O trabalho de Floriano também se estende pela pesquisa, em especial o estudo da tradição lírica hispano-americana e o Surrealismo, temas sobre os quais tem alguns livros publicados. Como artista plástico, desde a descoberta da colagem vem desenvolvendo, com singular maestria, experiências que mesclam a fotografia digital, o vídeo, a colagem, a ensamblagem e outros recursos. Como ele próprio afirma, o magma de toda essa efervescência criativa se localiza na poesia, na escritura de poemas, na experiência com o verso, inclusive a prosa poética, da qual é um dos grandes cultores. A grande obra da carne – título emprestado de um de seus livros, é uma biblioteca desenvolvida como espaço paralelo dentro da Agulha Revista de Cultura, a partir de uma ideia do próprio Floriano Martins, de modo a propiciar acesso gratuito a toda a sua produção poética.


 

 

OBRA POÉTICA PUBLICADA

 

Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991.

Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994.

Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994.

Alma em chamasFortaleza: Letra & Música, 1998.

Cenizas del sol [con Edgar Zúñiga]. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001.

Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001.

Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.

Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006.

La noche impresa en tu pielTrad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006.

Duas mentiras. São Paulo: Edições Projeto Dulcinéia Catadora, 2008.

Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008.

Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008.

A alma desfeita em corpoLisboa: Apenas Livros, 2009.

Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría, Colección Palabra Ibérica, 2009.

Autobiografia de um truque. São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2010.

Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010.

Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012.

Lembrança de homens que não existiam [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2013.

Em silêncio [com Viviane de Santana Paulo]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.

Overnight medley [com Manuel Iris]. Trad. ao espanhol (Juan Cameron) e ao inglês (Allan Vidigal). Fortaleza: ARC Edições, 2014.

O sol e as sombras [com Valdir Rocha]. São Paulo: Pantemporâneo, 2014.

A vida inesperada. Fortaleza: ARC Edições, 2015.

Circo Cyclame [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

O iluminismo é uma baleia [com Zuca Sardan]. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Espelho náufrago. Lisboa: Apenas Livros, 2017.

A grande obra da carne. Fortaleza: ARC Edições, 2017.

Tabula rasa [com Valdir Rocha]. Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Antes que a árvore se feche (poesia reunida). Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Tríptico da agonia [com Berta Lucía Estrada]. Fortaleza: ARC Edições, 2021.

Las mujeres desaparecidas. Santiago, Chile: LP5 Editora, 2021.

Un día fui Aurora Leonardos. Quito: Línea Imaginaria Ediciones, 2022.

El frutero de los sueñosWilmington, USA: Generis Publishing, 2023.

Sombras no jardim. Fortaleza: ARC Edições, 2023.


 

 

Agulha Revista de Cultura

Criada por Floriano Martins

Dirigida por Elys Regina Zils

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

1999-2024 

 


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