segunda-feira, 8 de junho de 2015

Agulha Revista de Cultura | Fase II | Número 11 | Editorial

Os negócios da desilusão

Reproduzimos aqui, a título de editorial, um dos trechos finais de O livro invisível de William Burroughs, peça de teatro que é uma colagem de textos de William Burroughs e Floriano Martins, realizada por este último. A peça teve sua leitura dramática realizada em 11 de agosto de 1999, no teatro da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. Os atores que participam são Graça Berman (Burroughs 1), Pascoal da Conceição (Burroughs 2), Claudio Willer (Burroughs 3) e Floriano Martins (Conferencista). O livro foi posteriormente publicado pela Sol Negro Edições (Natal, 2012): http://abraxasloja.blogspot.com.br/2015/04/o-livro-invisivel-de-william-burroughs.html.

Os editores


  CONFERENCISTA – Os negócios do sexo são de grande atração em todo o mundo. Os negócios do sexo. Os negócios das drogas. Há uma ideologia insidiosa desvirtuando o desejo, valorizando as ilusões. Uma grande loja de distúrbios. Este é o alcance político que nos une a todos, a verdadeira dimensão ontológica da existência humana: o negócio das ilusões. Não há prestígio maior que o da extrema ausência de valores humanistas. Não há autoritarismo ou repressão sexual como um fim em si. Não mais. O acumulador de orgônios de Reich foi adaptado para acumular desilusões. A energia mais valiosa onde quer que pulse a besta do coração humano. Não há desregramento que convença a máquina a parar de funcionar. Há um olho cínico em sua tez metálica que pisca e revela que a desordem não representa mais nada. Os negócios estão indo bem e compõem uma intrincada rede de relações. Atingem grupos de risco e convertem em veleidade toda forma de misticismo. Não há amor sublime, mas sim desilusão. Os negócios atraem clientes como uma fonte de libertinagem. Os negócios ampliam o círculo de amizades tecidas às voltas com novas oportunidades. Avôs de alguns clientes ainda comentam sobre as leis ideais que foram exterminadas. Há um prêmio especial para aqueles que confessarem desilusão diante das declarações de parentes. Não há nisto o sentido de delação. É muito natural que uma regra nova elimine uma anterior.

[Pausa]

Os negócios dos valores intrínsecos, pequena loja de peças de reposição. Um dissabor gasto pode ser rapidamente restaurado. Uma crise nervosa interrompida pode ser rebobinada sem maior custo. Há empórios que recebem o relato em troca de um pequeno estojo de devassidão. Há campanhas eletrônicas que dão a cada desilusão um destino literário e transmissões diárias de amores impossíveis convertidos em sublimes momentos de resignação pública. Sob um controle tão excêntrico do desejo, não há naturalmente mais vida íntima. São recomendadas ações punitivas contra aqueles que se recusem a divulgar os novos métodos de circulação das desilusões.

[Pausa]

Os negócios de títulos e cerimônias. Uma pedra Beat, negociada no mercado paralelo, deve valer, com sorte, dois brasões cobertos de azinhavre de uma linhagem mística. Tais ideias de contato direto há muito caíram em desuso. Em raros colecionadores encontramos anotações pouco legíveis de uma tradição anarquista. Os negócios tomaram conta de tudo. A memória tornou-se um bem improvável. A desilusão não prevê o deboche. Há um compromisso velado com a seriedade de sua falta de propósito. Daí que os negócios prevejam hostilidade veemente e imediata a toda forma de rejeição frontal ao Grande Dissabor, seu inconfessável patrono. Os negócios da glorificação conduzem a um estado plenamente aceitável de controvérsia. Pequenas gotas de estímulo administradas em concentrada posologia. Os anúncios de rejeição, as notas de suicídio, núcleos de oração, trios elétricos, discretas campanhas publicitárias em defesa da influência implícita, as respeitáveis manifestações de um espontaneísmo induzido. A orgia rimada e metrificada. Não estaria aí o estágio mais elevado da criação?

[Pausa]

Talvez Burroughs tenha pensado, em algum momento de sua vida, que todo este cenário um dia retornasse às páginas de uma fábula pouco lembrada pelos filhos dos filhos dos filhos. Não creio. O velho Bill teimava contra seu tempo, mas antes teimava contra si mesmo. Não importava se por regressão ou expansão, seu diálogo obsessivamente buscado era com o enunciado à entrada de uma zona dada como neutra. A placa dizia: há um monte de safados lá fora. A zona ainda hoje é conhecida como comunidade literária. É bastante visitada. Em seus pardieiros moram gordos zeladores. Muitos deles parceiros discretos nos negócios de caixa, senhores no submundo das desilusões. Artistas. São conhecidos assim. Azeitam as máquinas do paradoxo progressivo. São extensões invisíveis dos estimulantes sexuais e outras formas minúsculas de emoção barata. Houve um tempo em que Burroughs achava que a realidade era uma ilusão criada por insetos monstruosos que dominavam o mundo, controlando as mentes a partir de uma dimensão paralela. Reagiu achando que na eliminação do tema haveria uma chance da narração não conduzir ao umbigo sem saída do tormento que a manipulava.

BURROUGHS 2 – As visões e todas as verdades não podem mais ser consideradas como fatos eternos e objetivos, mas como projeções plásticas do emissor e de sua linguagem. Por isso, ninguém mais pode continuar se preocupando apaixonadamente com efeitos, por mais aparentemente reais que sejam, sabendo que por dentro todas as visões e verdades são, ao final das contas, vazias. Assim, o passo seguinte é o exame da causa desses efeitos, o veículo das visões, o produtor da verdade, ou seja: palavras. A própria linguagem é a matéria prima. Assim, o próximo passo é: como escrever poesia sobre poesia, empregando um método radical que elimine o próprio tema.

CONFERENCISTA – Boa chance. Talvez ainda válida. Os objetivos foram convertidos em nuvens de esgotamento. Toda forma de abismo foi declarada inconsciente. A criatividade é uma percepção diante do vazio. Um estalo diante do nada. Não uma interpretação de fatos externos. Os negócios amaciaram tudo. Em uma mesma prateleira encontramos visões, estimulantes sexuais, manuais de argumentos inverossímeis sobre a nulidade do ser, saquinhos fantásticos e kit de reflexão sobre a percepção comum. Não há como não se sentir bloqueado. No entanto, os negócios do bloqueio faturam milhões. Não são uma ameaça. São a naturalidade. Os negócios deste e de outro mundo. Negócios do personagem que mergulha na alteridade e dela retorna pioneiro sem uma sombra de si. Suas alucinações são alheias. Seus regozijos, orgasmos, coceiras, embolias. Um merda capado de si mesmo. Este é o modo de conhecer o homem toupeira do homem. O modo de aturar as merdas decorrentes de creditar na arte toda a forma de salvação do homem. Uns bostas se aproveitam disso. É um desgaste decorrente da expulsão do homem do centro de si mesmo. A Religião não tem nada com isso.

BURROUGHS 2/BURROUGHS 3 – Não.

CONFERENCISTA – A Ciência não tem nada com isso.

BURROUGHS 2/BURROUGHS 3 – Não.

CONFERENCISTA – A Arte não tem nada com isso.

BURROUGHS 2/BURROUGHS 3 – Não.

CONFERENCISTA – O serviço secreto dos negócios da desilusão é, de fato, uma instituição. Porém não se encontram seus membros filiados aos quadros moralistas de nenhuma dessas casas de tolerância. Os governos já não existem. À porta da velha noção de pluralismo encontramos o aviso de “não perturbe”. Não há expansão de consciência em praças de alimentação em shoppings. Todas as regras de identidade são forçadas. O homem impele a si mesmo ao hediondo crime de existência comum. Não há mais escândalo em seduzir rapazes ou comprar governos. Os negócios da dúvida são a única certeza posta ao alcance dos mortais, em taxas de financiamento de ocasião. Não há o que ser respeitado ou cumprido. Não há decreto. Não, não há decreto. Há um cinismo encorpado que nos leva a crer que prosternamos diante de uma realidade incontornável. Não fizemos nada, nem faremos. Passeatas, denúncias, shows de protestos. Um exorcismo patético. Nos livramos de nós mesmos, sem que interfiramos na rotina específica do hospedeiro cretino que nos prepara para os negócios latentes da perda de sensibilidade.

[Pausa]

Estamos caindo em anotações. Burroughs tinha alguma razão. Nada é tão específico quanto a perda de caráter. Estamos nos enganando. Não somos mais nada. Estudantes, carteiros, drogados, prostitutas. Não somos mais nada. Não há manifestações pacifistas. Os jornais estão tomados de violência. Os negócios da violência. Todos os sentidos estão sob patrocínio. Não há mais a fala real que Kerouac perseguia. A linguagem perdeu o som. O homem perdeu a respiração. Já não cai sequer em si. Burroughs fala em uma comprida colher feita de jornal, receptáculo para se aquecer a noção fraudada da existência. Idealizar queda é o mesmo que idealizar ascensão. Ritos do passado são apenas métodos revistos. Ninguém lançará um clamor de protesto sem patrocínio. Todo e qualquer vício obedece a formas básicas de manutenção. Não importa falar em frio ou qualquer salão de restrições. O prazo expira em um peido. Um barato termodinâmico, pum. Pronto. Lá se foi a existência. Não somos o negócio. Nem seu efeito. Mas somos levados a crer que o trazemos tão grudado como o farfalhar das tripas. Foda-se então a velha ordem do saca-rolha. Já temos o demônio sentado no sofá. Somos agora o negócio famélico e audaz. A transa do bueiro. Uma rolding de aspergentes que garantem nível zero de percepção diante do metabolismo anômalo da realidade. Um líquido que não indaga. Uma velha carta dando sinal da queda de um império, chegada com grande atraso. É como aumentar a dose de ilusão.

[Pausa]

Olhem bem. Olhem bem. A palavra é um espirro. O vírus é um espírito. O que sai fácil não entra como se em férias. Nenhuma gravação modificará a espontaneidade do que falo. Porém a espontaneidade perdeu todo o crédito.


***

ÍNDICE DESTA EDIÇÃO


ALFONSO PEÑA | Cristina Zeledón y los Seres de Conocimiento

ANTÓNIO CÁNDIDO FRANCO | Mário Cesariny e Luiz Pacheco: a polémica

ARTURO GUTIÉRREZ PLAZA | ¿Por qué escribo?, seguido de una entrevista hecha por Mónica Bernabé

EDUARDO R. SAGUIER | Auge y caida de los imperios amerindios e ibéricos y de las naciones latinoamericanas

ERNESTO ALVAREZ | David Cortés Cabán, el ser y la poesía, entrañables siempre

FERNANDO SORRENTINO | Conversaciones con Adolfo Bioy Casares y Jorge Luis Borges

JOANA RUAS | Outono, de António Salvado e Kousei Takenaka

JOÃO GARÇÃO | O TEATRO SURREALISTA EM PORTUGAL:  Considerações para o entendimento surrealista

JOSÉ CASTELLO | Dois encontros com Manoel de Barros

MANUEL MORA SERRANO | Introducción a la historia de la literatura dominicana

MARCO ANTONIO CAMPOS | El esplendor solar de la poesía - Entrevista a Enrique Molina

MIGUEL MÁRQUEZ | Del tao y de la furia

NICOLAU SAIÃO| Lud, habitante do outro lado do espelho
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2015/06/nicolau-saiao-lud-habitante-do-outro.html

ARTISTA CONVIDADO | JUDITH ANN MORIARTY | Cinco perguntas para J. Karl Bogartte
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2015/06/judith-ann-moriarty-cinco-perguntas.html

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Página ilustrada com obras de J. Karl Bogartte (Estados Unidos), artista convidado desta edição de ARC.

Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 10 | Março de 2014
editor geral | FLORIANO MARTINS | arcflorianomartins@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FLORIANO MARTINS
GLADYS MENDÍA | LUIZ LEITÃO | MÁRCIO SIMÕES
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ALFONSO PEÑA | Cristina Zeledón y los Seres de Conocimiento



Cristina Zeledón, es heredera de una antigua y vasta tradición cultural costarricense. Nieta de “Billo Zeledón”, el preclaro (Periodista y escritor anarquista), creador de la letra del Himno Nacional de Costa Rica e hija de María Maga Maestra; mujer encantadora, enlazada a la “Pacha mama”, al surco poético y al conocimiento ancestral mesoamericano. Desde finales de los setentas, por medio de algunos cofrades, en enardecidas conversaciones, tuve la oportunidad de “vislumbrar” y “adivinar”, su figura proverbial y emblemática. Tuvo que pasar un “puñado de años”, para que se diese, un acercamiento, amistoso y efectivo, con Cristina. Fue el “Profesor Tauro”, (Tomás Saraví), el que me abrió “claraboyas y tragaluces”, para que se diera esa proximidad. Recuerdo, que fiel a su estilo, con palabras concisas y fluidas, me puso al tanto, de los pormenores, en los diversos quehaceres de Cristina. Desde ese momento, tuvimos una conversa muy variada y heterogénea. Como en un guión penetrante, en diversas ocasiones, viajamos por la poesía, el arte, los antiguos toltecas, el magicismo y animismo latinoamericano, y, por supuesto, la saga de Carlos Castaneda. Pasemos, pues, a la conversación con la “Chamana de Puerto Viejo”. [AP]

AP | Cristina, creo que podemos coincidir que la obra de Carlos Castaneda, irrumpe en una época turbulenta y llena de enigmas: “Los hippies, Vietnam, Mayo 68…” De inmediato, es recibida con gran entusiasmo y toda aquella juventud sesentera (psicodélica y contracultural) es atrapada por las embrujadas descripciones sobre Juan Matus, viejo chamán indígena, depositario de una antigua tradición mágica de chamanes y guerreros toltecas… y su acoplamiento con un antropólogo sudamericano (¿Peruano?, ¿Brasileño?), arraigado en los Estados Unidos… ¿Vos que sos una especialista del tema como analizás esto?

CZ | Alfonso, como bien decís, la época de los sesenta marca una ruptura cultural en la humanidad: caen mitos, estructuras anquilosadas y la ciega obediencia al orden social establecido. Por eso, no es de extrañar que los libros de Carlos Castaneda, representaran para esos jóvenes rebeldes, una alternativa fascinante para sus múltiples conflictos existenciales. Lamentablemente, en la mayoría de los casos, la sabiduría de los antiguos toltecas, no logró traspasar, los límites del atractivo, que representó la ingesta de plantas alucinógenas, como vehículo hacia un mundo mágico. De esta manera, se pervirtió, el verdadero objetivo de las plantas sagradas, de explorar las inmensas posibilidades de nuestra propia conciencia, aprisionada en los estrechos límites, de una única interpretación de la realidad.
Sin embargo, aunque esa juventud rebelde de los sesentas, terminó en gran parte, acomodándose, pasando de hippies a juppies, lo que importa es el hecho de que Castaneda, abrió el camino hacia una concepción diferente sobre la realidad y sobre el destino de los seres humanos. Apoyándose en la tradición tolteca, nos invita, a transformar vidas generalmente aburridas y rutinarias, en una aventura maravillosa, capaz de llevarnos a manejar con sabiduría, el gran potencial energético del cual estamos constituidos.

AP | No pasó mucho tiempo para que la obra de Castaneda, que está construida y edificada de un modo literario, contundente y preciso, fuese cuestionada por otros antropólogos y científicos, lo mismo que “autoridades” del chamanismo global. Entre otras cosas se argumenta que Juan Matus, no existió, que es un “ensamble” de varios chamanes que Castaneda conoció y que con su amplia cultura formó un puzzle muy encantador. Y dejan entrever que en su trama hay mucho de embuste, de una gran mitomanía… ¿Para vos es válido lo que se argumenta?

CZ | ¿Qué otra cosa se podría esperar de aquellas personas a quienes Castaneda, de golpe y porrazo, les amenaza el edificio cultural que por décadas han venido construyendo y con el cual se garantizan su posición social, académica y económica? Personalmente, creo que la existencia física de don Juan, no es lo más importante, aunque tuve la oportunidad de conversar con personas absolutamente confiables que dan testimonio de su existencia. Lo extraordinario y portentoso del legado de don Juan es el “sistema cognitivo” que a través de la genial pluma de Castaneda, hemos tenido oportunidad de conocer y experimentar.
Es importante, señalar, que ese mundo mágico y energético, en que se basa el conocimiento que don Juan le trasmite a Carlos, está en plena concordancia con la nueva física, al comprobarse, en el laboratorio, que la materia (corpúsculo) se puede transformar en energía (onda) y viceversa, de acuerdo a la intencionalidad del observador. Esto es precisamente el punto de partida de la tradición de los antiguos toltecas.

AP | Llama la atención que el universo literario de Castaneda, esté construido, como unas novelas de ficción muy bien logradas. Sus argumentos son novedosos, llenos de misterio, con un lenguaje plagado de embrujo, descripciones asombrosas… A veces nos parece que don Juan es una especie de Sócrates, y que todo lo demás está dotado de un manto mágico… ¿Literatura hechizante? ¿Brujería literaria?

CZ | La comparación de don Juan con Sócrates, no es para nada gratuita. Más que por los temas que abordan, es la novedad del estilo y el método nada convencional, que utilizan para “revolcar” la conciencia de los mortales con el propósito, de profundizar en el autoconocimiento, e ir dando a luz, retazos de la Verdad.
Considero, que el éxito del mensaje de Castaneda, se debe en gran parte, a la novedad de esa literatura hechizante, con la cual logró llevar al gran público, una enseñanza novedosa, profunda y desconcertante.
 Como bien sabemos, la brujería, era un tema proscrito, no solo en los círculos intelectuales –salvo algunas excepciones–, sino incluso, en la gran masa popular. La Inquisición había hecho muy bien su trabajo, condenando a la hoguera, no solo material, sino también en el ámbito mental, todo aquello que no se ajustara a los preceptos de una iglesia rígida, intransigente y poderosa.
Viene luego la ciencia clásica, que a pesar de que sus orígenes se remontan a los conocimientos de los antiguos alquimistas, los científicos de entonces, actúan como los nuevos ricos, desconociendo su origen pobre y oscuro y satanizando de ignorancia y superstición, todo aquello que no tenga una explicación lógica y racional.
Sin embargo, como ya indicamos, los años sesentas, marcan un antes y un después, en la historia reciente. Ya no sólo jóvenes, sino incluso científicos de avanzada y artistas reconocidos, empiezan a experimentar con plantas alucinógenas, que les revelan que hay mucho más que la realidad conocida. En ese nuevo caldo de cultivo, irrumpe nuestro Castaneda, con esas historias asombrosas, –como vos las llamás–, cuyo verdadero propósito, es hacernos caer en la cuenta, de lo alienados –mental y culturalmente–, que hemos vivido, e invitarnos a explorar otras realidades  y finalmente a seguir el camino del guerrero, que como él asegura, nos llevará a la libertad total.

AP | ¿Cuál fue el camino que recorriste, para iniciarte en los senderos y laberintos de los Seres de Conocimiento –como se les llama a los chamanes, en la saga de Carlos Castaneda–?

CZ | Desde muy joven, ese resquicio del conocimiento silencioso, que hay en cada uno de nosotros, combinado con mi temperamento un poco aventurero, me llevó a experimentar algunas prácticas novedosas. Empecé, con el Yoga, en tiempos en que en Costa Rica, no se tenía la menor idea de lo que era eso. Fui a México, en busca de gurús, donde encontré no sólo un Maestro Indú, sino un grupo que me acogió con simpatía. Por supuesto, me hice vegetariana, meditaba todos los días, practicaba los ejercicios, le rendía pleitesía al gurú, participaba de las ceremonias, vestida con “sari” y pulseras orientales; en fin…, una discípula devota y aplicada. Sin embargo, había algo que no me cuadraba…
En Brasil, donde cursé, una Maestría (1972-1973), tuve la oportunidad de leer los primeros libros de Carlos Castaneda, que inmediatamente, me hicieron clic. Descubrí, que en el Continente al cual pertenezco, había un Conocimiento, equiparable a las mejores tradiciones orientales. Un Conocimiento, adaptado a nuestras costumbres y estilo de vida. En el sistema que don Juan le había trasmitido a Carlos, no era necesario, pertenecer a una secta, ni venerar a ningún maestro, ni participar en exóticas ceremonias de iniciación. Para tener derecho a conocer y seguir esas enseñanzas, lo único necesario era ABRIRSE AL CONOCIMIENTO. Comprendí, que al igual, que cualquier latinoamericano –y todas las personas de cualquier nacionalidad–, yo también era heredera de esas enseñanzas. Empecé, a modificar muchas de mis costumbres, que constituían un verdadero desperdicio energético.

AP | Algunos amigos recuerdan que Carlos Castaneda vino a Costa Rica en los setentas y vos lo hospedaste en tu casa y desde ese momento te convertiste en seguidora de sus propuestas. Háblanos de tu relación con el creador de “Viaje a Ixtlán”.

CZ | Carlos Castaneda, me había atrapado con sus propuestas; no obstante, mi camino fue siempre solitario. Me limitaba a leer y maravillarme con esas novedosas enseñanzas, sin embargo, con frecuencia, tenía la oportunidad de compartir esas lecturas con algunos amigos. Fue en esa época, justamente, que con un pequeño grupo, estudiábamos en mi casa “Viaje a Ixtlán”, cuando a través de un amigo común, Byron De Ford (+), quien había sido compañero de apartamento de Carlos, cuando ambos estudiaban en la UCLA, que Castaneda, se enteró de nuestra existencia e interés por sus enseñanzas. Quizá, por “Indicación del Espíritu” –como él solía decir–, decidió conocernos, y sin previo aviso, un día de tantos, se apareció en Costa Rica.
 No tuve entonces, la dicha de hospedarlo en mi casa, pero sí, la oportunidad, de sostener, conversaciones intensas y apasionantes con él. Sin embargo, sospecho, que fue más el contacto energético con ese “brujazo”, lo que me impulsó, a sumergirme, de lleno en sus enseñanzas.
Comencé, por acechar, los resquicios, por donde se me escapaba la energía. Por supuesto, la defensa de mi ego se llevaba la palma. Cuando, decidí ser más condescendiente con las opiniones de los demás, a reírme de mis estupideces, a no tener tanto miedo de hacer el ridículo, noté de inmediato, un cambio, que de cierta manera, contribuía a hacerme sentir más auténtica, más libre y liviana. Confirmé, entonces, que ese era uno de los eslabones que Carlos, señalaba, para lograr la libertad total.
 Poco a poco (hasta la fecha), fui abriendo mi mente y todo mi ser a esas enseñanzas y –además–, sin dar cátedra, ni nada por el estilo, me atreví a compartirlas con los demás, tratando de animar a los miembros de mi familia y mis amigos, a seguir ese camino con corazón, que lejos de imponernos, sacrificios absurdos, ritos y veneraciones, a una lejana deidad, nos ayuda a descubrir con alegría y confianza que la “divinidad”, está en cada uno de nosotros.

AP | Eres su discípula y amplia conocedora; has estudiado sus preceptos y has continuado con su legado, cómo llegaste a escribir tu libro (muy apreciado en círculos herméticos y ocultistas) y no conocido del todo en otros círculos y ámbitos del Conocimiento, De Einstein a Castaneda. ¿Podrías hacer una síntesis?


CZ | En la Introducción De Einstein a Castaneda, expongo, que después de tres décadas, de haber dejado el mundo académico, para refugiarme en el mágico Puerto Viejo y perecear a mis anchas, en mi entrañable hamaca, decidí, participar en un Doctorado sobre Educación. Esta decisión, tuvo que ver con mi experiencia como educadora, ya que la propuesta del Doctorado, transitaba, en el sentido de buscar alternativas a partir de los nuevos paradigmas científicos, en contraposición, con una educación anquilosada, ineficiente y divorciada de la realidad, que siempre había criticado.
Entonces, no imaginaba, que esa decisión, me iba a llevar a comprobar, que el nagualismo, conocido también como magia o brujería, coincidía en mucho con esos nuevos paradigmas científicos, que comenzaba a estudiar. Me sorprendí, al verificar, que los físicos cuánticos habían “descubierto” lo que hacía milenios los antiguos toltecas conocían: que todo en el universo, es energía y consecuentemente todo está interrelacionado, incluyéndonos a los humanos.  Entonces, decidí, que el eje de mi tesis de graduación, que además, en este novedoso Doctorado se le llamaba “la chifladura”, sería, establecer, un paralelismo, entre esos evolucionados científicos y la (hasta ese momento menospreciada) sabiduría, de mis admirados chamanes.

AP | En el volumen De Einstein a Castaneda se hace referencia constante de los destellos, ¿podrías explicarnos de qué trata esto?

CZ | El principio del nagualismo, que coincide con las ciencias contemporáneas, (como acabo de señalar) y con todas las tradiciones espirituales, es que somos seres energéticos, seres de luz, por lo cual estamos llamados a brillar.
El conflicto es que fuerzas extrañas, del más allá y del más acá, nos han convencido e implantado valores, que a manera de cáscaras oscuras, opacan nuestra fuente de luz. Sin embargo, a través de una vida impecable, que es la intención de la tradición chamánica, tenemos el potencial, para recuperar nuestra naturaleza luminosa. Los destellos, que mencionás, son algo como las señales de ese proceso. Por esa razón, sustituí, el tradicional título de capítulos, por destellos, ya que también en el libro, son pasos del camino.

AP | Vayamos a La trenza de Teresa; es una novela bastante lineal y tradicional, que se desarrolla en Puerto Viejo de Limón, y sus ámbitos exuberantes y misteriosos. Da la impresión, que en ella se difunde y se despliega de un modo homogéneo las enseñanzas de Carlos Castaneda y el brujo Juan Matus. No es literatura naive; más bien se puede percibir que dentro de sus venas y conductos hay “una realidad paralela”.

CZ | Sí, al menos eso traté. Algunos comentarios que recibí sobre el libro De Einstein a Castaneda, iban en la dirección de que ya que en su mayoría, las nuevas generaciones, desconocen, el valiosísimo legado de los toltecas, sería oportuno, que me atreviera, a resumir de manera simple y digerible, algunos de los principios de esa enseñanza. Así nació la idea de una novela (la única que he escrito).
La mayoría de los protagonistas son muchachas y muchachos, lo que presumo, puede ayudar a entusiasmar, a los también jóvenes lectores, ya que son ellos, quienes tienen mayores posibilidades de esfumarse, de una sociedad , que nos esclaviza, a través de la fama, las modas y el consumismo.
La intención del libro, va en el sentido, de que tomen conciencia, de que no vale la pena desperdiciar su preciosa energía, en acciones y sueños que no los llevan a ninguna parte, teniendo la posibilidad, de seguir por un camino más simple, más auténtico, solidario y libre,
Lo de la trenza, tiene evidentemente que ver con aquello, de que todo en el mundo está interrelacionado. Interiorizar y apropiarnos de esta condición planetaria, nos lleva a identificarnos con nuestros semejantes y con toda la naturaleza, en vez de esa morbosa tendencia a la competitividad, que no es otra cosa, que una manera de exacerbar la importancia personal.

AP | Vayamos a la premisa de Carlos Castaneda: “todo lo que nos sucede, bueno o malo depende del nivel de nuestra energía”. ¿Podrías hacer un análisis?

CZ | Esto es sin duda, el meollo de esta enseñanza. Como ya había dicho, tanto el nagualismo, como la ciencia moderna, coinciden, en que la energía, es la fuerza primigenia, que generó el big-bang y por lo tanto, todo cuanto existe es energía, la cual dependiendo de su vibración y frecuencia, tiene diferentes manifestaciones.
 La energía de la que hablo en este texto, es imposible de describir, pues, por su alta vibración, no se puede medir, ni pesar, ni analizar, en un laboratorio. Pero en cambio, sí se puede experimentar; es algo así, como el combustible vital, que no solo nos permite pensar, hablar, sentir, expresarnos. Más aún, es lo que hace posible que SEAMOS. Por eso, Castaneda, insiste en que es el nivel de energía –que podemos incrementar, o disminuir, de acuerdo a nuestro comportamiento y valores–, de lo que depende, una buena o mala vida.
El guerrero impecable, según don Juan, es aquella persona (hombre o mujer), que ha aprendido a no desperdiciar su energía. La enseñanza, que nos trasmite, consiste básicamente en disminuir la importancia personal, controlar el diálogo interno, por lo cual, hace un símil conparar el mundo” y evitar las emociones desgastantes.

AP | En el libro De Einstein a Castaneda, vos ponés en práctica una licencia poética “Los metálogos”, que son diálogos imaginarios entre vos y CC, no obstante, ya habías sostenido diálogos “en tiempo real con él”, ¿lograste tu objetivo?

CZ | En los metálogos, (Tercer Destello, en el libro), trato de reproducir algunos de los diálogos que tuve la suerte de tener con Carlos, en “tiempo real”, como vos decís. Sin embargo, por los años transcurridos, no tenía la posibilidad de citarlos textualmente, así que adapté la esencia de los mismos, en esa licencia poética.
 Respecto a si logré, o no, el objetivo, ha sido la fidelidad, a la enseñanza, en la práctica diaria, además de las conversaciones maravillosas, y la lectura y relectura, completa de su obra y otros libros de personas y amigos que compartieron con Carlos, lo que me ayuda a reforzar y tener siempre presente, el uso o abuso, que hago de mi propia energía.
Como en esta enseñanza, nos movemos, en una realidad paralela, donde el conocimiento, no es mediatizado por la razón, yo estoy segura, que su energía, sigue nutriendo mis sueños y luchas y el propósito inflexible de lograr la impecabilidad del guerrero.

AP | Vos declarás, que vivís al “ritmo de la hamaca”; siempre lo exteriorizás y está escrito. Me imagino, que en tu hamaca, en Cocles, de Puerto Viejo, acompañada del rumor del mar, tenés unos viajes por el inconsciente sorprendentes, me imagino que en ese ámbito sui–generis, –que tengo la dicha de conocer–, se fraguan tus Utopías, ¿podemos conocer en que trabajás en la actualidad?

CZ | La hamaca, es el mejor sitio, –que conozco–, para recrear y endulzar, permanentemente, los buenos momentos, así como también darle vuelo a la imaginación, construyendo proyectos y diseñando estrategias, que ayuden a lograr nuestros propósitos. Mi actual intento, está dirigido, a tratar de salvar, con la participación de gente valiente, los pueblos del Caribe Sur Talamanqueño, condenados –absurdamente–, a desaparecer.
 Por disposiciones legales,  que prohíben, construcciones en la zona marítimo- terrestre, precisamente, donde se fundaron estos pueblos en el pasado, la Contraloría General de la República ha girado órdenes, a la Municipalidad de Talamanca, para que proceda, a ejecutar desahucios y demoliciones.
Irónicamente, fueron los abuelos de los actuales pobladores, quienes con sus propias manos, convirtieron en tierra firme, viejos pantanos, donde construyeron, sus viviendas.
Sumado, a esta amenaza, existen intereses económicos, que pretenden convertir la zona, en un destino turístico de gran escala, en lugar del acogedor y cálido turismo familiar, que constituye, parte del encanto de estos pueblitos y que garantiza, la preservación. de una cultura, con hondas raíces afrocaribeñas.
No hay duda, de que la tarea que nos corresponde, es extraordinaria. Sin embargo, en eso estamos con mucha energía y confianza, ya que se trata de un segmento de tierra, donde la belleza, la magia y el “bien común”, han hecho maravillas, para deleite y gozo, de quienes tenemos el privilegio de ser sus huéspedes.

AP | Algunos de tus congéneres te llaman –con respeto y admiración– “La chamana”, ¿concuerdas?

CZ | Ja, ja, ja. Ese “huipil”, me queda demasiado grande.


ALFONSO PEÑA (San José, Costa Rica). Narrador, editor y ensayista. En la actualidad, junto a la artista Amirah Gazel, organizan la muestra surrealista Las llaves del deseo (Octubre, 2015), primera en Centroamérica. Dirige la revista Matérika (www.arteandromeda.com). Contacto: manija05@yahoo.es. Página ilustrada con obras de J. Karl Bogartte (Estados Unidos), artista invitado de esta edición de ARC.
  

Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 11 | Junho de 2015
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ANTÓNIO CÁNDIDO FRANCO | Mário Cesariny e Luiz Pacheco: a polémica


As relações de Mário Cesariny e de Luiz Pacheco constituem dentro do surrealismo português, ou das suas adjacências, no período que vai de 1966 a 1974, um verdadeiro campo de batalha. Nenhuma polémica foi dentro do movimento, e até fora dele na mesma época, tão prolongada, tão violenta e tão extensa como esta. Nenhuma outra contribuiu como ela para dividir os surrealistas portugueses, ou os próximos, em dois campos sem reconciliação – os que ficaram com Cesariny e os que seguiram Luiz Pacheco. Mas nenhuma outra apresenta também o choque catártico que nela em profundidade se desvela. Os dois conheceram-se em 1946, em Lisboa, no Círculo dos Amigos do Teatro, no quadro das actividades juvenis oposicionistas do MUD mas o seu convívio só se tornou próximo e efectivo no final da década e sobretudo no início da seguinte, em que Luiz Pacheco orientou a actividade da sua chancela, Contraponto, criada em 1950, para a edição dos surrealistas dissidentes que se haviam agrupado, desde o final de 1948, em volta de Cesariny e António Maria Lisboa.
Luiz Pacheco publicou em 1953 opúsculo de António Maria Lisboa, Isso Ontem Único, e no mesmo ano, o do falecimento deste poeta aos 25 anos, deu ainda a lume o manifesto do grupo dissidente, A Afixação Proibida, com colaboração de Pedro Oom, de Lisboa, de Cesariny e de Risques Pereira e que foi distribuído no ano seguinte. Esta última edição constituiu a primeira fricção nas relações entre Luiz Pacheco e os membros do grupo, logo Mário Cesariny, pois em nota editorial, em extra-texto intitulado “Rompimento Inaugural”, o responsável pela edição desvincula-se dela, parecendo seguir de perto o que já O’Neill dissera na nota prévia da sua estreia poética em livro, Tempo de Fantasmas (1951) – a aventura surrealista não tinha em Portugal significado. Não obstante esse ponto de perturbação, que podia ter originado uma quebra duradoura, as relações de Pacheco e de Cesariny recompuseram-se e correram, nos anos seguintes, próximas e sem dissídio. Luiz Pacheco foi nessa época, e num período ainda considerável que vai de 1952 a 1957, o primeiro editor das obras de Mário Cesariny – que antes apenas dera a lume um poema em opúsculo, Corpo Visível (1950), edição de autor. Quatro obras fundamentais do Cesariny poeta são editadas nessa meia dúzia de anos pela chancela de Luiz Pacheco, Contraponto: Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (1952), Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (1953), Manual de Prestidigitação (1956) e Pena Capital (1957).
Por sua vez Mário Cesariny, que entre 1958 e 1962 se responsabilizou por um conjunto de livros a que chamou “a colecção em 1958”, foi o primeiro a editar em livro, ou em opúsculo, nessa colecção, o escritor Luiz Pacheco, com Carta Aberta a José Gomes Ferreira, edição que tudo indica ser de 1958 – é este ano que João Pedro George aponta para o opúsculo na biografia que escreveu de Luiz Pacheco (Puta que vos Pariu, 2011: 581). É também nesse período, o dos encontros no café Gelo, que Cesariny e Pacheco aparecem juntos na revista Pirâmide. É ainda aí, no café Gelo, que Cesariny organiza a colectânea Surreal-Abjeccion-ismo, que aparecerá em 1963, com importante colaboração “neo-abjeccionista” de Pacheco.
Tudo aponta pois para uma colaboração estreita entre os dois entre os anos de 1952 e 1963, não obstante a fricção que foi o extra-texto “Rompimento Inaugural” em 1953, a que se deve somar em 59 a troca por Cesariny da editora Contraponto, de Pacheco, pela Guimarães Editores, de Cunha Leão, levando também consigo a obra António Maria Lisboa, o que não podia agradar, nem agradou, ao proprietário de Contraponto, que fora o primeiro editor dos dois. Meteu-se pois com ele, no momento da publicação do livro Nobilíssima Visão (1959), mas à defesa, com moderação, num texto dedicado à primeira exposição plástica de M. Cesariny, que aconteceu no Porto, em 1959, na Galeria Divulgação, num texto ambíguo, “Cesariny ou do Picto-Abjeccionismo”. Mais grave foi a edição em 1962 dos dois volumes de António Maria Lisboa, feitos por Cesariny na editora de Cunha Leão. Aí Luiz Pacheco carregou nas tintas, publicando um folheto paródico, “Cesariny muito cansado”, em que moteja as ligações de Cesariny com a Guimarães.
A discórdia entre os dois, a sério, sem reposição, só acontecerá porém em 1966, com um conjunto de pontos de discórdia, que não mais reverterão e tocarão depois, em 1968, o pico. A edição de Lisboa na Guimarães foi água que passou, como se vê nas cartas que ambos trocam depois disso e na colaboração que Pacheco deu à antologia de 1963. Pouco depois de Mário Cesariny publicar em Janeiro de 1966 o poema A Cidade Queimada, este já na editora Ulisseia, Luiz Pacheco compõe e publica em Abril um panfleto, “Comunicado ou Intervenção da Província”, em que se refere à prisão de Cesariny em Fresnes no final de 1964. Relendo hoje o texto, que tem expressões como “somos nós, nós que nos queixamos e protestamos, o Cesariny em verso e eu em prosa”, não se esperaria que fosse ele o primeiro ponto sério e irreversível de ruptura dos dois. Mas foi. Cesariny não gostou de se ver associado a Fresnes e fê-lo em carta depois incluída no Jornal do Gato, e que será a derradeira que escreveu a Pacheco. Este respondeu com duas cartas, próximo do indignado. Não mais as relações dos dois se recomporão.
Nesse período, entrada de 1966, está Cesariny a ultimar aquela que podemos tomar como a primeira tentativa de fazer a história do surrealismo em Portugal, A Intervenção Surrealista, que sairá no final da Primavera. Pacheco fez recensão do livro no Jornal de Letras e Artes (n.º 251, 7 de Setembro de 1966, p. 21), “O Caprichismo Interventor do Senhor Mário Cesariny”. Na colectânea de Cesariny, A Intervenção Surrealista (1966), a presença de Luiz Pacheco é pouco menos do que inexistente. Na cronologia que abre o livro, chama-se ao episódio de 1953 “edição abusiva e distractiva”. A recensão, pelo fosso que abriu, pela guerrilha continuada e depois intermitente a que deu lugar, pelo arregimentar de partidários dum lado e do outro, tendo por consequência uma divisão irremediável nos que se agrupavam em torno do surrealismo em Portugal, merece atenção. O texto, como logo se tira do título, parte dum equívoco atribuído a Mário Cesariny, o capricho, ou o sistema dele – capricho que o dicionário define como uma “vontade súbita e irreflectida”, uma “variabilidade de gostos e de ideias” e um exagerado “sentimento de amor-próprio”. Segundo o crítico, a acção de Cesariny no domínio da historiografia do surrealismo em Portugal não passaria de frustrada precipitação, sem consequências sérias, práticas ou teóricas. Estava encontrado o mote ou o justificativo para o tom ácido e corrosivo, com que L. Pacheco avaliaria a partir daí a criação de Cesariny. A republicação do postal “Cesariny muito cansado” (Jornal de Notícias, 31-8-1967) é porventura o momento em que o embate entre Luiz Pacheco e Mário Cesariny começa a subir de tom, para vir a atingir o seu pico, pouco depois, em 1968.
Nesse mesmo ano de 1966, Luiz Pacheco publica o seu primeiro livro em circuito comercial, Crítica de Circunstância, na editora Ulisseia (a mesma que edita, pela mão de Victor Silva Tavares, A Intervenção Surrealista), com prefácio de Virgílio Martinho, logo seguido no ano seguinte por Textos Locais, este com chancela Contraponto. Virgílio Martinho, que na época, por convite de Mário Cesariny, exercia crítica regular no Jornal de Letras e Artes (é notável por exemplo a crítica que em Março de 1968 fez a livro de Agustina Bessa-Luís), transformado então em revista mensal, entregou nota sobre o livro Textos Locais para ser publicada e que acabou recusada ou esquecida por interferência de Mário Cesariny, que por essa altura deu as melhores pastas à publicação, uma dedicada por exemplo à XIII exposição internacional surrealista, que ocorreu na cidade de S. Paulo, em 1967 (n.º 258, Dezembro de 1967). No número de Maio de 1968 (n.º 261, p, 17), talvez o melhor de sempre do jornal, aparece um texto, “Esclarecimento necessário”, que muito ajuda a perceber os meandros a que o livro de Luiz Pacheco deu lugar. Reproduzimo-lo: A propósito de certos rumores que chegaram ao nosso conhecimento, desejamos comunicar o seguinte: por termos verificado pelo último trabalho que nos entregou – crítica a Textos locais de Luiz Pacheco – que a sua orientação e concepção da crítica não coincidem com as que são preconizadas pela direcção do Jornal, esta, e quantos nele trabalham, resolveram, por unanimidade, deixar de confiar ao escritor Virgílio Martinho a secção permanente que tinha a seu cargo. Cumpre-nos assinalar que tal facto não afecta a consideração pessoal e artística que Virgílio Martinho nos merece, pelo que esperamos continuar a contá-lo entre os nossos colaboradores, embora de futuro apenas a título eventual. A nota, que aparece ao lado dum poema desenho de António Maria Lisboa, não está assinada mas pode-se, sem erro, assacá-la a Mário Cesariny.
Virgílio Martinho vê-se assim afastado do Jornal de Letras e Artes, a que não regressará. Em resposta à nota dá a lume uma folha crítica violentíssima, “As funções de Cesariny”, que será distribuída mão a mão. Virgílio e Cesariny haviam sido próximos desde 1955 ou 1956, altura em que se conheceram no café Royal ou no Gelo, tornando-se Cesariny, na colecção “a antologia em 1958”, com Festa Pública, o primeiro editor de Virgílio. A folha “As funções de Cesariny”, sem data, mas dada a lume ainda em Maio de 1968, no rescaldo imediato do “Esclarecimento necessário” acima transcrito, é hoje quase desconhecida e vale por isso a pena ser transcrita: Mário Cesariny de Vasconcelos, secretário do Jornal de Letras e Artes, no exercício das suas funções de empregado escritor deste jornal resolveu suprimir arbitrariamente a crítica referente a Textos Locais de Luiz Pacheco, conquistando assim um posto policiário que o integra no senso comum e o reabilita definitivamente na ordem cultural daqui. Ou por outras palavras: Sabia que foi poeta dos bons/ Sabia que foi surrealista/ Sabia que é também pintor/ Sabia que se António Maria Lisboa/ estivesse cá ele não era assim/ Sabia que é estratega das letras e artes/ Sabia que foi do Marquês de Sade/ Sabia que mete a tesoura no Breton e até no Arthur Miller/ Sabia da sua inclinação patriótica pela Vieira da Silva/ Sabia que a Fundação Gulbenkian o queria/ Sabia que está cadáver exquisito/ Sabia que ganha a vida com surrealismo de cá/ e lá por grosso e a retalho// Sabia mas achei sempre graça/ Porque não sabia que ERA CENSOR// Agora que sei e por haver muitos/ comunico da sua recente profissão/ Virgílio Martinho.
A folha de Virgílio Martinho funcionou como um combustível incendiário nas relações entre Luiz Pacheco e Mário Cesariny. É a partir dela que se pode desenhar o ponto alto desta polémica. Virgílio Martinho terá sido a primeira vítima do tiroteio entre os dois; as relações de Virgílio e Cesariny, boas até aí, ainda em 1966 (Outubro) os dois assinam texto a propósito da morte de André Breton, não mais se recomporão. Luiz Pacheco utiliza o momento a seu favor para voltar a demolir a antologia de 1966 de Mário Cesariny em texto dado a lume no Jornal de Notícias (23-5-1968), “Da Intervenção à Abjecção”. Aproveita o texto para dar a conhecer em termos públicos episódio recente ocorrido entre Mário Cesariny e os amigos, episódio este exterior ao que aconteceu no Jornal de Letras e Artes e que nos obriga a regressar a 1965/66.
Assinalam-se neste período, final de 1965 e início de 1966, duas edições de Fernando Ribeiro de Melo, na editora Afrodite, propriedade sua, que acabam por se intrometer, ao menos a primeira delas, nas relações de Cesariny e Pacheco. Falamos de Filosofia na Alcova de Donatien Alfonse François de Sade, com prefácio de Luiz Pacheco e ilustrações de João Rodrigues, que se suicidaria de seguida, em 1967, e de Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, organizada por Natália Correia e em que Cesariny colabora. Ambos os volumes foram incriminados na justiça, por abuso de liberdade de imprensa e ofensas à moral pública, com processos demorados e penosos, que resultaram, no caso de Sade, na condenação em finais de 1967 do editor, do tradutor e do autor do prefácio, e no caso da antologia, na condenação em 1970 do editor, da organizadora e dalguns colaboradores, um deles, Mário Cesariny. Ora a propósito do primeiro, por causa do processo judicial a que deu lugar, correu já no princípio de 1968, ou ainda no final do ano de 1967, um baixo assinado sobre Sade, Affaire Sade Ici, que foi assinado segundo a informação de Luiz Pacheco por Ricarte Dácio, Virgílio Martinho, António José Forte e Ernesto Sampaio. Solicitado a subscrever, Cesariny recusou, o que levou a novas picardias de Luiz Pacheco no texto do final de Maio do Jornal de Notícias já atrás referido.
Vale a pena citar do texto de Luiz Pacheco o passo que se refere a este episódio, já que dele resultará um texto quase desconhecido de Mário Cesariny. Diz Luiz Pacheco: E quando a presença de Mário Cesariny de Vasconcelos é solicitada para o seu não discutível (e nobre, repito) anterior papel de Papa (nem havia de ser preciso solicitar-lha; devia ser ele o promotor, o primeiro a correr, a assinar), Sua Eminência Parda desliga o telefone, e por medo; caso passado há poucos meses, do qual invoco, como testemunhas, porque não assisti ao “fenómeno”, Ricarte Dácio, Virgílio Martinho, Ernesto Sampaio, António José Forte, signatários responsáveis pelo dito manifesto. Concluindo: da intervenção, Mário Cesariny passou à abjecção.
Cesariny, se deixou passar em branco, sem resposta, a folha de Virgílio, não ficou quieto ante as diabruras de Luiz Pacheco no Jornal de Notícias, produzindo de imediato, ainda no mês de Maio, um panfleto de três páginas, sem título, sem indicação de tipografia e de tiragem, assinado por Mário Cesariny/ Maio-1968. É um texto raro, de seis parágrafos e quatro notas finais, que reproduzi na íntegra no epistolário de Mário Cesariny, Cartas para a Casa de Pascoaes (2012, pp. 27-30), já que nunca havia sido reproduzido pelo autor em qualquer livro seu. Trata por um lado da crítica demolidora de que A Intervenção Surrealista foi alvo no texto do Jornal de Notícias e por outro do manifesto a favor de Sade, que se recusou a assinar. A propósito deste acaba por tocar ou mesmo impugnar a edição portuguesa de Filosofia na Alcova de Donatien Alfonse François de Sade, que é o segundo livro de Sade a surgir em Portugal, sendo primeiro uma edição de Luiz Pacheco na Contraponto, Diálogo entre um Padre e um Moribundo (1959), em tradução de José Manuel Simões. Cito: É realmente como cidadão que achei uma conversa de pássaro bisnau aquele papelinho e o seu propósito de dignidade, como acho uma borrada das maiores a operação portuguesa que lhe deu origem, a autêntica associação de malfeitores que promoveu a primeira e já agora única edição mundial idiota de La Philosophie dans le boudoir, de Sade, filha maneta de um comerciante excitado, de um prefaciador em apuros, de um tradutor merdoso que despacha para o preto que eu não sei quem é e de um ilustrador a milhas de distância.
Fernando Ribeiro de Melo, o “comerciante excitado” que produziu a segunda edição portuguesa de Sade, não se ficou. Em Junho de 1968 faz sair novo panfleto, As Avelãs de Cesariny, duas folhas tipográficas e três páginas de texto. É uma das peças mais cruéis deste tiroteio cruzado e múltiplo. Para defender a edição que fez de Sade, cita a folha de Virgílio Martinho acusando Cesariny de censura e resvala para a homofobia contra Cesariny e Cruzeiro Seixas (tratado por Cuzeiro Seixas), que nesta guerra ficou na trincheira de Cesariny, o que nem sempre aconteceu noutros embates. Conheço e tenho cópia do folheto, que deve ser raríssimo e de que citei uma ou duas passagens no volume Cartas para a Casa de Pascoaes (2012, pp. 114-115). Abre do seguinte modo: De Mário Cesariny de Vasconcelos, grande poeta surrealista-funcionário-Censor do Jornal de Letras e Artes, ex-delegado-delegou-se do Breton para o Café Gelo (…). E termina: Muito bem, Sua padreca! O tópico machista da homofobia é em exclusivo seu, pois nem Pacheco nem Virgílio o usam nas diatribes contra Cesariny.
Depois disso o fogo suspendeu. Fale-se em trégua. É a altura em que o processo movido a Ribeiro de Melo, a Natália Correia e a Mário Cesariny avança em tribunal plenário, levando à condenação dos três em 1970. Luiz Pacheco continua porém de quando em quando, nos jornais, a atirar uma seta ervada contra Cesariny, como se vê no texto “O que é feito do Argelino” (Diário Popular, 24-8-1972). Não passam porém de pequenas faíscas soltas, que não chegam para reatar a saraivada de bala que cortou em várias direcções em 68. Cesariny, tanto quanto se percebe, permanece impassível, não dando sinal das pequenas ferroadas que de vez em vez Luiz Pacheco lhe ferrava.
No início de 1974 surge a publicação de Pacheco Versus Cesariny, vasta compilação dos materiais que constituem o terreno minado desta guerra. Pelo volume, pela transcrição das cartas pessoais que aí se apresentam, pela organização e notas o livro terá demorado o seu tanto a organizar, tanto mais que Luiz Pacheco fez neste período as primeiras desintoxicações sérias de alcoolismo, e foi decerto pensado no rescaldo da mortandade de 1968. Reúnem-se no livro algumas das peças fundamentais das relações de Luiz Pacheco e Mário Cesariny. O livro abre com o extra-texto de 1953, “Rompimento Inaugural” e fecha com uma carta de Manuel de Lima (20-11-1972) a Luiz Pacheco. Além de transcrever muitas cartas de Cesariny, de Virgílio Martinho, de Cruzeiro Seixas, de António José Forte, de Manuel de Lima, de Bruno da Ponte, de Victor Silva Tavares e de Ricarte Dácio, republicam-se os textos cruciais de Pacheco sobre Cesariny, desde “Cesariny ou do Picto-Abjeccionismo” até “Da Intervenção até à Abjecção”, passando por “Cesariny muito cansado” e pelo “Caprichismo Interventor do Senhor Mário Cesariny”, todos atrás referidos. Ao conjunto acrescentam-se textos pouco conhecidos, ou mesmo inéditos, mas de grande pertinência para a polémica, como esse paródico “Cesariny, o Esfrangalhador?... Homessesa!”, que termina com um muito cáustico grito de guerra: Real, real, por Dom Cesariny I, o Esfrangalhador de Portugal! Ou do Freixial. Por um momento a labareda parece voltar a pegar em palha seca. Cesariny sente-se incomodado, deixa cair o perfil impassível que mantivera nos últimos tempos e organiza o seu volume de controvérsia, a que chamará Jornal do Gato e a que dará subtítulo contribuição ao saneamento do livro Pacheco versus cesariny edição pirata da editorial estampa colecção direcções velhíssimas. Mais tarde, substituirá este letreiro por um mais simples e eficaz, Jornal do Gato (resposta a um cão). A polémica parece subir de tom mas tudo o que encontra é o seu símbolo zoológico. Desse ponto de vista as emoções baixam enquanto as imagens sobem, acabando por tomar conta do espaço e do tempo.
Que ficou desta polémica? Tal como por ora está, pode dizer-se que este embate, nos seus diversos momentos, na polifonia das suas vozes, dá a conhecer alguns dos intervenientes do surrealismo em Portugal, ajudando a perceber melhor as questões por eles tratadas. Não é por um acaso insignificante que a literatura de Sade se torna a peça fundamental do jogo, aquela que está na origem do seu momento mais explosivo, em 1968. A carta crucial deste jogo parece-me reveladora antes de mais da liberdade sem peias nem teias do grupo.
Uma guerra tão desgastante como a que opôs Pacheco e Cesariny pode levar o leitor desprevenido a encará-la como divisão inconsequente dum grupo pequeno e fechado, que assim perdeu alcance e força diante doutras correntes culturais do tempo, em primeiro lugar o neo-realismo, em cujo seio estavam proibidos, por ordem superior, os dissídios internos, e sobretudo a sua pública exposição. Vale a pena consultar a revista Vértice, o órgão do grupo neo-realista que se publicou a partir de 1940, e onde a polémica interna é por sistema evitada e, quando existe, parece que se processa de forma surda, quase às escondidas. O que interessava ao neo-realismo era aparecer como um bloco frentista sem fissuras, com uma aparência de coesão e de unidade que nada podia quebrar. As polémicas internas são por isso abafadas. No grupo dos surrealistas passa-se o contrário. A desavença entre Pacheco e Cesariny rachou a meio, na praça pública, aos olhos de todos, com folhas volantes e artigos em páginas de importantes jornais, os surrealistas. A situação foi aproveitada com gosto pelos neo-realistas, que assim puderam acusar de fratricidamente degradante um grupo rival. Em voz baixa ou mesmo alta fazia-se passar a ideia que um colectivo onde estalavam as biscas de Pacheco e de Cesariny não merecia qualquer crédito como oposição à cultura dominante.
Encarada desta forma a polémica perde porém o seu núcleo mais característico. Trata-se em primeiro lugar de libertar a verdade instintiva, de falar sem calar, de expressar sem recalcar, dando assim origem a uma franqueza interior total, sem censuras, base fidedigna dum diálogo leal e sem hipocrisias. É por esse motivo que esta vasta e demorada polémica entre dois dos mais talentosos escritores do século XX português pôde libertar uma riquíssima inventiva linguística, com essa anedota sublime que é o esfrangalhador do Freixial e esse momento poético, quase trágico, que é jornal do gato. Deste ponto de vista a polémica mostra um aspecto individual libertador que seria lastimável esquecer e ganha ainda um suplemento de catarse sublimatória, caso raríssimo no género em causa, muito marcado, mesmo em meio burguês e convencional, por uma improvável liberdade de linguagem mas também por uma subalternação que depressa leva esta liberdade ao esquecimento.
Na verdade, para bem dizer, Pacheco e Cesariny são dois dos raros que em tempo de censura, a do regime e a do neo-realismo, que não admitia fissura, tiraram a mordaça e disseram o que lhes dava na real gana. Nesse sentido o embate ficará para a história e para a memória com um dos exemplos mais gratificantes de libertação verbal, ganhando assim o estatuto de acto poético.

ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO (Portugal, 1956). Poeta, ensaísta e editor. Estudioso do Surrealismo e da obra de Teixeira de Pascoaes. Em poesia publicou Murmúrios do mar de Peniche (1977), Corpos celestes (1990) e Estâncias reunidas: 1977-2002 (2002). Entre os títulos ensaísticos destacam-se Viagem a Pascoaes (2006) e Notas para a compreensão do Surrealismo em Portugal (2012). Atualmente dirige a revista A Ideia. Contacto: acvcf@uevora.pt. Página ilustrada com obras de J. Karl Bogartte (Estados Unidos), artista convidado desta edição de ARC.

Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 11 | Junho de 2015
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