segunda-feira, 29 de maio de 2017

Agulha Revista de Cultura # 98 | Editorial


• O PECADO ALÉM DA CRENÇA

O lugar de se estar fora do mundo não existe até o momento em que compreendemos a exaustão interna. Mesmo o esgotamento de célula prepara uma metáfora da resistência que nos leva cada vez mais para o centro do dilema. O abandono possui uma carga pejorativa de fracasso. Somos de algum modo levados a aceitar que a indigestão de valores é sinal de fraqueza orgânica, do organismo individual e não de sua equivalência social. Hoje esteve aqui em casa uma querida amiga e me falou da morte de alguém íntimo nosso como um desastre cultural. Tratava-se de um grande compositor. Conversei com ela que não via desastre algum na situação. O desastre do ponto de vista cultural não é a morte de um autor e sim o extravio de sua obra. Já o desastre trazido para o plano pessoal somente se configura quando a perda é identificada com um acidente, de qualquer ordem.
A conversa era sobre a morte do compositor Belchior. Ela lamentava o desastre e eu insistia em sua inexistência. Disse-lhe que tinha mais inveja do Belchior do que lastimava sua morte. Mas não se trata aqui propriamente de morte. Em vida, Belchior levou a ferro e fogo a ideia de arte extrema, do exercício da criação como se fosse a última prova de existência do homem. Não apenas apontada por seus versos, mas pela mais secreta obsessão, de alguém que se sentia determinado a realizar umas e outras tantas coisas. Não importam quais. Trata-se de um estágio de determinação, que reconhece a implicação de seus obstáculos. Vem daí sua crítica tão lúcida ao ambiente deteriorado da poética da canção popular brasileira. Mais ainda, do comportamento de nossas vedetes.
Vamos nos dever comentários perenes acerca da essência poética de sua obra, ao mesmo tempo em que veremos escoar sua memória pelos escaninhos da mídia pelo simples fato de que o espaço vence o tempo. Belchior, em uma de suas letras referiu-se a Newton, mas agora seria oportuno recordar Einstein. Afinal, o tempo acabou resultando não ser mais absoluto. Estamos julgando nossa presença em vida como um componente errático na definição da história. O lugar de se estar fora do mundo requer a compreensão de qual espécie de evento geramos, na mecânica existencial, que defina a ânsia, o que nos completa ou decepciona. O verbo afirma o que temos para por em movimento.
Volto a pensar na amiga que seguiu comigo até aqui. Sob sua inspiração rascunho essas notas. A morte tem um componente natural de egoísmo. Pranteamos nosso morto sem indagar sobre o próprio sentimento em relação à morte. O que fazemos com o morto é outra rasteira que costumamos dar no tempo. Quanto nos vale um morto? Quais as circunstâncias de sua morte que podem atender a quantos e quais parentes? O morto, sob quaisquer circunstâncias afetivas, vale menos que sua evocada expressão cartorial. Herdeiros se ajustam ou infernizam a vida um do outro, a depender da extensão do espólio. Quem dera o morto pudesse levar consigo toda a carga de sua existência. Fazer desaparecer, com o simples último suspiro, a realidade de sua obra. A morte é uma overdose de existência, transbordamento de uma série infinita de fatores, éticos e estéticos, que tornariam mais fácil a vida cotidiana, caso aceitássemos nossos erros em cada linha de espólio. Nem pensar. A vida se multiplica graças à convicção do erro. Apenas isto: o erro, o erro, o erro…
Assim vamos lendo a vida. Este número da Agulha Revista de Cultura afina a ponta do lápis ao abordar as relações que a vida acaba não evitando enfrentar quando da morte de alguns de nós. Tanta persistência do Catolicismo em tecer uma espécie de consciência sob medida, velho truque que impede o participante de um jogo acesso ao que se passa fora dali, e de repente a morte de um padre revela seus guardados que anotavam uma dinâmica espiritual no sentido inverso. O que fizemos com a morte de Jean Meslier ou Murilo Mendes? Repetiremos agora com a morte de Belchior? E aqueles de nós que teimam em não morrer? O que fazer com a história? O diretor sul-coreano Jong-Pil Lee trouxe à grande tela, em 2015, a biografia de Jin Chae-Seon, a primeira mulher cantora de uma tradição popular de seu país equivalente ao nosso romance de cordel. O ambiente do filme – século XIX – não difere muito se nos concentramos na rejeição ao poder transformador da arte. Obstáculos criados em torno de gênero, preferências religiosas, devoções políticas etc., tais foram sempre o mesmo recurso destinados a impedir a renovação do espírito.
A pergunta persiste: o que fazer com a história? Confiar cegamente nos historiadores? Serão mesmo despidos de engates de qualquer natureza, a ponto de apontarem aclimações e declínios quando não só confirmam como reincidem declínios e aclimações? Há certa ideia de crença, não importa a extensão de seus deuses correspondentes, que estima a aceitação do pecado como uma ação natural. Errar é um modo de antecipar o acerto. Trair é postergar o mito. Quantas vezes mudamos aqui, ao menos os móveis de lugar? A vida que temos em nós não sai do caminho uma jarda que seja. Como podemos errar?
A história é uma perspectiva humana que perdemos pela ausência de sinceridade com que nos tratamos intimamente.

Os editores


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ÍNDICE

• ALESSANDRA GALIMBERTI | Diálogo com Susana Wald

CARLOS BARBARITO | Las muchas voces de la poesía

ESTER FRIDMAN | Jean Meslier, o padre ateu

JUAREZ FONSECA | Belchior e o poder da arte

LUIS FERNANDO CUARTAS ACOSTA | Actos de desmesura, embriaguez, genialidad y locura

• MARIA LÚCIA DAL FARRA | Duas vezes Florbela Espanca

• OMAR CASTILLO | Un instante en la escritura de Alfonso Peña

PAULA VALÉRIA ANDRADE | Murilo Mendes

• RICARDO H. RODRIGUES E T.W. JONAS | João Pinheiro na Interzona

• ZUCA SARDAN & FLORIANO MARTINS | Balaio de Gulliver

Artista convidado: Nelson Screnci | JORGE COLI | Nelson Screnci, imagem e pintura
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/05/jorge-coli-nelson-screnci-imagens-e.html









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Página ilustrada com obras de Nelson Screnci (Brasil), artista convidado desta edição de ARC. Agradecimentos a Valdir Rocha.

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Agulha Revista de Cultura
Número 98 | Maio de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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JORGE COLI | Nelson Screnci: imagens e pintura


A grande multiplicação das imagens, constatada com insistência, e a ideia moderna da “picturalidade da pintura”, entendida como núcleo essencial, são dois opostos complementares na sensibilidade contemporânea. Eles permitem, em ensaios ilustres ou no lugar comum das colunas jornalísticas, o efeito repetido que concebe as reproduções enquanto esvaziadas de substância, por um lado, e por outro, a celebração, às vezes quase mística, dos originais.
As atitudes determinantes na produção de Screnci parecem encontrar-se em interstícios misteriosos, entre pintura e pintura. Pintura enquanto imagem, ao reproduzir o visível, inserida assim na grande tradição mimética da arte do Ocidente. Pintura, também, em certos casos, como história de si. E pintura ainda enquanto um conjunto de meios postos não apenas ao serviço da imitação, mas funcionando como interferentes como agentes de um resultado novo.
Nessas telas - quer o artista aceite, quer não – existe um princípio obsessivo de ordem, que determina, pela repetição, o lugar das imagens. Nada das destrezas próprias dos gestos líricos, das manchas que buscam dar uma dignidade “moderna” a colagens ou citações. Nada também do compor evidente e esperto, que permite inclusões harmônicas. Na arte de Screnci, a repetição surge como um dado de rigor.
O artista parece escolher uma falsa facilidade: ordenar e reproduzir. Nesta sequencia a ordem precede a imagem, que deve encontrar o seu modelo de inserir-se na ordem. Mas é justamente aí que a ideia de facilidade se dissipa e que começam, para quem busca analisar esta arte, as dificuldades sérias.
Screnci não utiliza as imagens repetidas como uma sinalética de cultura – seja ela a do quotidiano ou a dos museus, imagem do objeto ou imagem da imagem, da televisão ou de outros quadros. Sem resultado irônico ou irrisório, embora a crítica por vezes possa surgir dentro de uma densidade complexa, suas obras ignoram a simplificação emblemática ou a simplificação tout court. Primeiro, porque a própria organização dessas unidades determina-se de maneira altamente sofisticada, onde podem intervir desde a qualidade cromática do fundo até jogos especulares entre diferentes telas que assumiram imagens de quadros de outrem. Depois, porque as imagens recobradas são submetidas a um tratamento propriamente amoroso.
Cada vez que Screnci toma uma imagem, ele emprega o mesmo cuidado e minúcia de um monge com sua iluminura. Não, porém, para reproduzi-la de modo idêntico, pois não hesita em incorporá-la em si próprio para que o amor se faça fecundação. Ele desdenha o idêntico, a nitidez, as cores de origem, criando efeitos visuais e cromáticos, admiráveis em si e nas relações estabelecidas com o conjunto. Ele compreende a pintura, não enquanto desgastada picturalidade “essencial”, mas enquanto o campo de onde emergem imagens através de seus específicos meios de artista, que são contidos e controlados, habitados por uma espécie de prazer e de afeto silenciosos. Nesse campo, as imagens afirmam-se e subtraem-se: as camadas de pigmentos, de tintas e de vernizes encarregam-se de ocultar e assim revelar como o faz a ordem, que a um só tempo torna visível e relativo.
As mil e uma imagens e a sequência: I A princesa no espelho, II O encontro nos espelhos, III A negra no espelho – obras de um nível tão excepcional que algum museu mais clarividente deveria adquiri-las sem hesitar – encontram-se em situações opostas. A primeira contém exatamente mil pequenos retângulos inscritos em uma grande tela; a segunda consagra-se a evidenciar amplamente dois grandes ícones da pintura e a metamorfoseá-los, em pares que se refletem, através de inesperadas superposições. O contraste de escala, em um e outro caso, não modifica a atitude do artista, que permanece a mesma: nem citações, nem referências, nada de exterior, mas incorporação dentro de um campo afetivo que se assenhoreia, adquire o direito da permanência ou da transformação. A decorrência é indiscutível: essas imagens são claramente nova arte – arte de Screnci.
Basta percorrer a obra de Screnci desde os seus inícios para perceber que ele não busca nunca a astúcia, o truque, e que, ao invés, suas telas, muito controladas, são fruto de uma efetiva necessidade da qual parecem não conseguir escapar. Dessa maneira, Screnci é indiferente tanto às ortodoxias modernas quanto às seduções duvidosas de uma qualquer pós-modernidade. Sua picturalidade não é um “em si”, suas imagens não são esvaziadas. Bem ao contrário, a primeira confere substância às segundas, e ambas criam um prazer incessante de descoberta, prazer que liga a inteligência ao coração. Situadas no campo do afeto que as respeita e modifica, essas imagens fecundadas trazem uma jubilação ao espectador, pois elas também lhe são familiares, pois ele pode identificá-las e saborear suas mudanças.
A regularidade e o comedimento da arte de Screnci paradoxalmente favorecem essa alegria calma, prenhe de prazeres sutis e silenciosos.

CURRÍCULO ARTÍSTICO

NELSON SCRENCI
São Paulo - SP, 1955

FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA

1982 Licenciatura Plena em Artes Plásticas - Fundação Armando Álvares Penteado FAAP
 Leciona Educação Artística e História da Arte desde 1972

CURSOS E PALESTRAS MINISTRADOS

1979 “Arte e Recreação” - Biblioteca Municipal de Presidente Prudente, SP
1981 “Ludoterapia e Artes Plásticas” - Faculdade Metodista de São Paulo
1983 Projeto “Traga sua Arte” - Centro Campestre do Sesc
1984 “Atividade Artística” - Escola O Outro Lado da Lua
1989 “História da Arte para Idosos” - Sesc Carmo
1990 “O Século XIX e a Arte Contemporânea” - Escola de Arte Canson d’Arte
1991 “História da Arte Moderna” - Museu de Arte Moderna MAM
1993 “História Geral da Arte” - Núcleo Internacional de Arte
1995 Projeto “Artistas da Cidade” - Fundação Cultural de Jacareí, SP
1996 Workshop “Atuação Artística” - Sesc de Ribeirão Preto, SP
1999 “Arte Recente no Brasil” - Projeto Ponte Cultural Brasil-Alemanha
 “Atividades Profissionais em Museus de Arte” - Faculdade Montessori de Artes
2000 ”Mostra do Redescobrimento para Monitores” - Fundação Bienal de São Paulo
 ”Arte Pós-Moderna” - Faculdade de Artes FAAM/FMU, SP
 ”O Grupo Cobra” - Casa da Cultura Andrade Muricy, Curitiba, PR
2001 ”O Artista e a Obra” - Abertura da Semana Cultural Famec, SP
2002 ”História da Arte”- Museu Brasileiro da Escultura MUBE
2003 “História da Arte no Brasil” - Museu Brasileiro da Escultura MUBE
2004 “A Construção de uma Pintura” - Fundação Armando Álvares Penteado FAAP
 “Releituras” - Conjunto Cultural da Caixa
2005 “O Processo Criativo em Pintura” - Conjunto Cultural da Caixa
 “Arte e Ciência” - Liceu de Artes e Ofícios, São Paulo
2006 “História da Arte Brasileira” - Museu Brasileiro da Escultura MUBE
2007 “História da Arte Ocidental” - Museu Brasileiro da Escultura MUBE
2008 “História da Arte Sintética” - Museu Brasileiro da Escultura MUBE
 “Caminhos da Arte” - Espaço Cultural Citi, SP
2009 “A Formação do Artista” - Faculdades Metropolitanas Unidas FMU
 “História da Paisagem” - Casa da Cultura, São Bento do Sapucaí, SP
 “Semana de Arte” - Artista Palestrante Convidado - FMU
2010 “História da Arte Atual” - Casa da Cultura, São Bento do Sapucaí , SP
 “Arte Contemporânea” - Centro Cultural Brecheret , Atibaia, SP
2011 “História da Arte Brasileira” - Casa da Cultura, São Bento do Sapucaí, SP
2013 “O Olhar Estrangeiro” – Ponte Cultura – Brasil/Alemanha, SBS, SP
 “A Paisagem na História da Arte Brasileira” , MUna, Uberlândia, MG
2015 “Arte Moderna e Arte Contemporânea – Limites” – Casa da Cultura de Ubatuba, SP
2016 “Fronteiras entre Arte Moderna e Contemporânea” – Espaço Cultural Eugênia Sereno, SBS, SP
 “Pintura e Poesia” – Espaço Cultural Eugênia Sereno, SBS, SP
 “História da Arte Afro Brasileira – Espaço Cultural Eugênia Sereno, SBS, SP

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

1982 Exposição de Desenhos em Pastel - Biblioteca Municipal Mário de Andrade
1987 Exposição “Formas e Fôrmas” - Galeria Sesc Paulista
1988 Mostra “Rasgados e Construídos” - Paço das Artes
1989 Exposição “AdverCidades” - Galeria de Arte Blue Life
1990 Mural “Liberdade” - Avenida 23 de Maio, São Paulo
1995 Exposição “Realidade Ilusória” - Ana Cláudia Roso Escritório de Arte
1997 Exposição “Rever” - Ruy Sant’Anna Galeria
1998 Exposição “Paisagens da Memória” - Galeria Múltipla de Arte
2001 Exposição “Eldorado” - Paço das Artes
2002 Exposição “Contraposições” - Galeria Múltipla de Arte
2003 Exposição “Florestas das Cores” - Galeria Arte Aplicada
2006 Exposição “Releituras” - Caixa Cultural
2010 Exposição “Metamorfoses” - Lugar Pantemporâneo
2012 Exposição “Acordes Cromáticos” - AM Galeria Horizonte, Belo Horizonte, MG
2013 Exposição “Caminhos” – Galeria Arte Aplicada
2014 Exposição “A paisagem em si” – Museu Universitário de Arte – Muna, Uberlândia, MG
 Exposição “Bibliotecas & Outras Disciplinas” – Biblioteca IFCH/UNICAMP, Campinas, SP
2015 Exposição “A Montanha Mágica” – Galeria Arte Aplicada
2016 Exposição “Bibliotecas e outros horizontes” – Galeria do Instituto de Artes/Unicamp, Campinas, SP

EXPOSIÇÕES COLETIVAS

1976 Encontro Cultural de Ribeirão Pires - Prêmio em Desenho
1981 VIII Salão Internacional de Humor de Piracicaba - Centro Cultural de Piracicaba, SP
1982 IX Salão de Arte Jovem - U.C.B.E.U. de Santos, SP - Prêmio em Pintura
 Salão de Arte Contemporânea - Fundação Bienal de São Paulo - Prêmio de Participação
1983 Exposição “Avenida Paulista” - Galeria Sesc Paulista
 Exposição Prêmio Pirelli 1983 - Museu de Arte de São Paulo MASP - Prêmio em Pintura
 6º Salão Nacional de Artes Plásticas - Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, RJ
1984 47º Salão Paulista de Belas-Artes - Fundação Bienal de São Paulo
 XI Salão de Arte Jovem - U.C.B.E.U. de Santos, SP
1985 Exposição do II Prêmio Pirelli 1985 - Museu de Arte de São Paulo MASP
 18º Salão de Arte Contemporânea - Casa das Artes Plásticas, Piracicaba, SP
1986 Exposição “A Trama do Gosto” - Fundação Bienal de São Paulo
1987 Exposição “Coletiva de Novos” - Espaço Cultural Cásper Líbero
 Mostra Internacional de Arte Postal - Clube de Criação de São Paulo
1989 Exposição do Prêmio Metropolitana-Fiat - Espaço Cultural Metropolitana, São Paulo
 5ª Exposition Internationale “Petit Format de Papier” - Cul-des-Sarts, Couvin, Bélgica
1990 VIII Salão Paulista de Arte Contemporânea - Fundação Bienal de São Paulo
 6º Salão Brasileiro de Arte - Fundação Mokiti Okada M.O.A.
1991 International Print Exhibition 6 - Galleri Gamlebyen, Fredrikstad, Noruega
1993 4ª Bienal Nacional de Santos - Centro Cultural Patrícia Galvão, Santos, SP
 13º Salão Nacional de Artes Plásticas - Funarte/Ibac, Rio de Janeiro, RJ
1995 Brasilplast 95 - Escultura em evento industrial internacional
 Exposição “Arte na Ferrovia” - Painel na Estação Júlio Prestes, São Paulo
 Exposição “Filhos do Abaporu” - Galeria Arte do Brasil, São Paulo
 Exposição do Acervo - Adriana Akel Escritório de Arte, São Paulo
 Exposição “Brasil Japão Arte” - Fundação Mokiti Okada M.O.A.
1996 Mostra do Acervo Sudameris - Sudameris Galleria, São Paulo
 International Print Exhibition 8 - Galleri Gamlebyen, Fredrikstad, Noruega
1997 II Mostra do Acervo Sudameris - Sudameris Galleria, São Paulo
 New International Artists - Lewarne Galleries, Vancouver, Canadá
1998 ”A Biblioteca Ideal” - Livraria Cultura, São Paulo
 Projeto “Arte na Lata” - Globodisk, São Paulo
1999 Coletiva de Abertura - Prado e Associados Galeria de Arte, São Paulo
 XXXI Exposição de Arte Contemporânea Brasileira - Chapel School, São Paulo
2000 10ª Exposition Internationale “Petit Format de Papier” - Cul-des-Sarts, Couvin, Bélgica
 “Almeida Júnior, Um Artista Revisitado” - Pinacoteca do Estado
 “Dois Olhares Sobre a Natureza”, com Benedito Calixto - Galeria do Paulistano
 “Mostra do Redescobrimento - Brasil + 500 Anos” - Fundação Bienal de São Paulo
 “Obra em Contexto - A Negra e o Caipira” - Museu de Arte Contemporânea MAC/Sesi
 “A Figura Humana na Coleção Itaú” - Itaú Cultural, São Paulo
2001 “O Negro de Corpo e Alma” - Casa França Brasil, Rio de Janeiro, RJ
2002 ”São Paulo dos Modernistas - 22 Antes Depois” - Sesc Ipiranga, São Paulo
 11ª Exposition Internationale “Petit Format de Papier” - Viroinval, Bélgica
 ”APAP 2002” - Espaço Cultural da Assembléia Legislativa de São Paulo
 I Mostra Caixas Assinadas - Casa da Bola, São Paulo
2003 Exposition Piero della Francesca - Sessione, San Sepolcro, Itália
 2ª Mostra dos Ateliês - Museu Brasileiro da Escultura MUBE, São Paulo
2004 12ª Exposition Internationale “Petit Format de Papier” - Viroinval, Bélgica
 22ª Exposição de Artistas Contemporâneos - Sociarte, São Paulo
 XIII Encontro de Artes Plásticas de Atibaia - Secretaria da Cultura de Atibaia, SP
 “Pequenas Grandes Obras” - Pinacoteca Municipal de Atibaia, SP
 “Arte & Artistas 2004” - MASP Centro, São Paulo
2005 “Mostra Vladimir Herzog 30 Anos” - Estação Pinacoteca, São Paulo
 III Mostra Darcy Penteado de Arte - Museu do Café, Santos, SP
2006 “Alma de Artista” - Sesc Pompéia, São Paulo
 “14 Bis, 100 anos - A Evolução” - Museu da Energia, São Paulo
2007 Exposição “Itaú Contemporâneo” - Itaú Cultural, São Paulo
 “Pequenas Grandes Obras” - Sesc Santana, São Paulo
 “Fauna e Flora Revistos pela Arte” - Espaço Cultural Farah Service, São Paulo
2008 Exposição “Paisagens” - AM Galeria, Belo Horizonte, MG
2010 Autorretratos e “Autorretratos” - Lugar Pantemporâneo, São Paulo
2011 Exposição “Perfil” - AM Galeria Horizonte, São Paulo
 Exposição “Asas” - Lugar Pantemporâneo
 “1911-2011 Arte Brasileira e Depois, na Coleção Itaú” - Palácio das Artes, Belo Horizonte, MG
 “1911-2011 Arte Brasileira e Depois, na Coleção Itaú” - Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ
2012 Exposição “Paisagem (Landscape)” - Galeria Horizonte, São Paulo
 Exposição “Interiores” - Casa da Cultura, São Bento do Sapucaí, SP
 Exposição “Passato Immediato” - Memorial da América Latina, São Paulo, SP
2013 3º Encontro Ponte Cultura e. v. – Brasil e Alemanha em SBS, SP
2016 Exposição “Apap 35 anos I – Fundação Benedito Calixto – Santos – São Paulo, SP
 Exposição “Apap 35 anos II – Memorial da América Latina, São Paulo, SP
 I Bienal das Artes – Sesc DF – Brasília, DF

ACERVO PÚBLICO

1987 Fundação Cásper Líbero, São Paulo
1988 Fundação Alcan, Canadá
1989 Musée du Petit Format, Bélgica
1991 Museum of International Contemporary Art, Noruega
1993 Sesc Pinheiros, São Paulo
1995 Estação Júlio Prestes, São Paulo
1996 Fundo de Investimento do Sudameris, São Paulo
 Museum of International Contemporary Art, Norsky, Noruega
2001 Museé du Petit Format, Bélgica
 Museum für Völkerkunde Frankfurt, Alemanha
 Itaú Cultural, São Paulo
 Pinacoteca do Estado, São Paulo
2004 Museé du Petit Format, Bélgica
2006 Museo Ralli, Uruguai
2009 Museu Afro-Brasil, São Paulo
 Museu de Arte de São Paulo MASP, São Paulo
2013 Museu Universitário de Arte MUna – Uberlândia, MG
2014 Biblioteca Octávio Ianni – IFCH/UNICAMP, Campinas, São Paulo

LIVRO PUBLICADO

2010 “Decálogo de um Pintor” - Pantemporâneo, São Paulo



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JORGE COLI (Brasil, 1947). Professor titular em História da Arte e da História da Cultura, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Página ilustrada com obras de Nelson Screnci (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.

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Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 28 | Junho de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80






ZUCA SARDAN & FLORIANO MARTINS | Balaio de Guliver


O estrondoso e escaldante sucesso do livro O Iluminismo é uma Baleia (Fortaleza: ARC Edições, 2016), trilogia teatral de Zuca Sardan e Floriano Martins, tomou o curso fluvial de todas as mídias, incluindo as redes sociais e os satélites de lata. Achamos por bem que os leitores de Agulha Revista de Cultura desfrutariam uma conversa entre os dois autores e como a sorte não cai em conversa mole eles próprios nos presentearam com o capítulo inaugural de um novo livro que ambos estão preparando, cujo título nos foi revelado com um indisfarçável pedido de sigilo: Trombone Tropical. Ao adentrar nosso estúdio virtual Zuca & Floriano já estavam apontando os lápis enquanto tagarelavam sobre qual o título do encontro. “Já que vamos escrever um livro sobre os grandes vultos de uma história imaginária, nada melhor do que começar com a Baleia da Relatividade”. Muito exponencial o entrecho metafísico, que se registrava sozinho: “O problema da escolha de um título deve ser o momento propício para jogar nossos dados”. O acaso espirra daqui, a realidade estrebucha de lá. “BALEIA de DIDEROT… Ou BALAIO do SOBRINHO de DIDEROT… Ou ainda NARVAL do FILHO DE GEPETO…” Um ouvinte telefona sugerindo A vida nada secreta do Capitão Ahab. A realidade se envaidece ao ser tratada desse modo: “Assim acabaremos por criar a revolucionária entrevista-realidade-realmente instantânea”. Na Rádio Zíngara soava o refrão: “bring to me, lambretinha do capeta,/ bring to me, o melhor pastel de feira do além”. Olhos à obra, pois!

ZC | Floriano, se você clicar no Google "iluminismo e baleia" ou vice-versa, aparece nosso livro e uma série de outras coisas sobre o iluminismo e baleia. Numa dessas variações, aparece “Moby Dick e o Iluminismo”, e a seguir Kant que também fala no iluminismo e na baleia, o Bonifácio de Andrada, e vários outros filósofos, falando do Iluminismo e da Baleia… Ztamos famosos!… O-Ro-Ro-Roooooooooooooooo… Você poderia colocar assim como quem não quer nada vários desses itens numa página da Agulha sobre o livro, como comentários à obra. Aproveitar a deixa será o máximo do Surrealismo!…

FM | Mais interessante é que nosso livro é o primeiro da lista. Que coisa mais curiosa. Somos agora uma nova referência, seja para Iluminismo, seja para Baleia. Agora temos que inserir Einstein e o Grilo Parlante em nossos diálogos. O Dalí Salvador que nos perca de vista, porém o Surrealismo somos nós. Alguém duvida? Nós temos muitas parecenças na vida. Uma parte de afinidades cósmicas. Outras tantas justamente daquela liga que une os contrários. Não tanto pela diferença de idade, pois não temos mesmo idade alguma. Mas queria saber em detalhes algumas coisas tuas. A música, por exemplo, desde a infância, que música te atrai mais, o que escutas, enfim. Falemos dela, da música em nossas vidas.

ZS | Música é um mundo interminável, e em constante mutação, é como o mar que é sempre diferente e o mesmo todos os dias. Música, Gráfica e Magia são as três origens da criação do Homem e da Civilização.

FM | Mas algo do mundo da música teve interferência valiosa em tua criação? Um canto, um gênero, uma notação, uma voz, uma obra, algo?

ZS | Muita coisa, sacra e profana, de Lamartine Babo a Mozart, de Vicente Celestino a Sebastian Bach, de Paganini ao Condor Pasa… – a música é de todas as artes a mais entranhada na vida e no destino pessoal de cada vivente, do pardal ao Pavarotti, da Maria Callas ao rouxinol. A música teve interferência na minha poesia: o ritmo e a sonoridade o som e a entonação. A criança começa a pensar pelo som que ela entoa… A música chega antes da palavra.
Espanta-me a extensão assombrosa de tua bibliografia. Você supera a Cyclopédia Labrosse!… Sem contar que teus ensaios e entrevistas além de variadíssimos, com centenas e centenas dos mais contrastantes artistas, são sempre ilustrados por centenas de outros artistas. Trata-se, pra mim, de um fenômeno assombroso e inexplicável.

FM | O mundo é valentemente feito de espantos, Zuca. Eu também me espanto com o que tenho produzido, e tenho até receio que possa parecer a saga de um mero intrometido. No entanto, são desdobramentos, em mim, de uma intensa naturalidade, retrato fiel de minha própria natureza errante. O palco seguinte, em minha curiosidade, seria referente à gráfica, afinal onde realizas uma substanciosa alquimia entre verbo e traço. Por andam tuas reminiscências quando pensa no ambiente gráfico de tua criação?

ZS | Comecei a desenhar aos quatro anos de idade, e segui desenhando a vida toda… Talvez representasse na minha infância uma espécie de alquimia, que me dava um poder secreto, face ao mundo autoritário dos adultos. Percebo, hoje, uma analogia entre os desenhos do menino que escondia seus cadernos, e a arte rupestre, secreta, de nossos antepassados, executada em fundos inacessíveis das cavernas. E hoje, já de barbas brancas, continuo com este mesmo sentimento de haver um poder mágico no desenho. Isto, pra ti, certamente soa familiar, pois tens também, em tua gráfica, uma forte dose de manifestação de forças do inconsciente.

FM | Há certamente um poder mágico na criação, essa ideia valiosa de por as coisas de pé, de gerar uma mecânica até então inesperada. Isto sempre me encantou: como lidar com os elementos constitutivos de cada criação, suas partículas originais: letras, símbolos, cores, notas, fazendo esse mundo aparentemente desconexo convergir para um novo significado. A minha infância foi habitada por estímulos bem variados: livros, música, o rádio, fotonovelas, comics, a chegada da televisão, o cinema, naturezas mortas, tudo isto atuava em conjunto e me desafiava a tirar dali algo que me identificasse como cúmplice de tanta magia. E vejo o destaque que dás justamente à música, à gráfica e à magia. Porém as letras, seja a narrativa, a lírica, o teatro, como a imagem gráfica foi aos poucos abrindo espaço para o verbo?

ZS | A literatura sublime, apresentada nas antologias escolares, tal a clássica De Laet, era a única a que eu tinha acesso, existindo em casa só as artes exclusivamente plásticas, meu pai sendo então conhecido arquiteto, e que pegou a pintura como se pegava um touro pelos chifres Um seu associado no escritório de arquitetura, Kaolino, era pintor paisagista de fins de semana em Correias, perto de Petrópolis, onde a empresa tinha um loteamento, ele convidou o Saldanha a que também pintasse. Eis que o Pido (meu pai), s'embalou, e passou de golfista de chácara a pintor paisagista, e logo foi se dedicando mais e mais (durante a década dos 40s) à pintura; e descobriu com seu amigo arquiteto-pintor Ernani de Freitas, o Cubismo!… Que era o máximo da audácia na pintura modernista daquele tempo, onde ainda imperava o Academismo, com seus grandes astros. A arte modernista estava relegada a uma salita do cantinho… do Salão anual, realizado no edifício das Belas Artes, no Rio de Janeiro, o-ro-rô… Enfim, pr’encurtar a estória, meu desenho de bonecos-em-quadrinhos nada tinha a ver com meus desenhos-sérios, que eu aprontava pra entrar no Museu de Arte Moderna, onde (felizmente, hoje me dou conta), fui quase sistematicamente relegado. Fracassando também no desenho de projetos na Faculdade de Arquitetura (conforme já te contei em outra de nossas conversas), cheguei a um ponto em que, pra me salvar, descobri… ao ler Les Fleurs du Mal, de Baudelaire, por incentivo de minha querida professora de francês, Louise Jacquier… descobri meu destino e bradei: “Sou Poeta!!!”… No que até hoje sigo acreditando… O-Ro-Ro… Mal se compara tal processo de formação literária com o teu, mergulhado nos mares da biblioteca colossal de teu pai.

FM | São apenas duas formas de uma salutar intransigência. A biblioteca de meu pai foi valiosa, porém ela sozinha não teria funcionado, não fosse aquele espantoso mundo de novidades que aqui mesmo já mencionei. Mas a biblioteca em si tinha o seu charme, porque ela era a expressão de uma gula intelectual. Só depois eu percebi o quanto meu pai tinha uma fome de conhecimento e o quanto que ela era desordenada. Para minha alegria, ali havia de tudo e pude ir tocando uma manada de cabeças as mais variadas. Era como se de repente alguém me pusesse à mão todos os instrumentos de uma sinfônica. A adolescência trouxe ainda mais diversidade, incluindo o teatro, a plástica, a música. O poema propriamente dito foi o último vagão desse trem de maravilhas. Ainda hoje desconfio um pouco da existência de certa predestinação, porque resultou que ao passar por todo aquele caudal de opções acabei me definindo por ele, o poema. A escola não me atraía para nada, de modo que não fui moldado pela Antologia Nacional que mencionas. Eu tinha predileção pela narrativa e também pelas invenções. Na infância eram frequentes em casa também as diversas opções de enciclopédias, Delta-Larousse, Barsa, Caldas Aulete, Conhecer etc. O mundo ia assim me habitando por incontáveis janelas. E nesse desenfreio de aprendizado eu fui desenhando meu próprio método, o que naturalmente entrava em contraste com os modelos acadêmicos. Além disto, havia a sedução da época, onde a vida nos cobrava toda sorte de experiência. A rua era mesmo uma grande escola. A minha adolescência se deu quase duas décadas após a tua, de modo que participamos de mundos bem distintos na idade de ouro da formação.

ZS | Um dos esportes mais sofisticados, nos 40-50s no Rio: pegar ou sair de bonde andando. O bonde era uma estrutura oca de extraordinária beleza, com dois estribos paralelos, que iam de ponta a ponta do veículo, verdadeira gaiola aberta, de que os longos estribos davam acesso aos passageiros, que pra subir se apoiavam num balaústre e entravam num dos bancos de ripas de madeira que iam do lado de entrada dos estribos até o outro lado, terminando por uma gradinha que corria ao longo de todo o lado esquerdo. O mestre da arte tinha de entrar ou sair com o mínimo de gestos, e sempre de costas à direção do veículo. Na saída em salto de costas, em alta velocidade, o mestre da arte, ao tocar no chão, corria pra trás. Naqueles tempos, anteriores à televisão, as filas de cinema eram intermináveis, davam a volta do quarteirão. E todos os filmes eram americanos, porque a guerra acabara com a produção europeia. A única exceção ao monopólio ianque era o Cantinflas, um cômico mexicano, com a grande especialidade de falar sem parar engavetando umas frases nas outras. E suas obras primas foram paródias de clássicos, de que a de maior sucesso foi Romeu e Julieta, diálogo em versos. O primeiro europeu que surgiu foi o Totó, de que os filmes, quanto mais improvisados pela falta de recursos, mais geniais se tornavam. Ao longo dos 50s começa a aparecer a tevê, as novelas. Mas, já no finzinho dos 30s, com a vinda de Le Corbusier no Zepelim, a convite de Lúcio Costa, pra dirigir a preparação do projeto do Ministério da Educação, teve início a nossa Arquitetura Moderna, havendo então surgido Oscar Niemeyer. Na poesia, afora os grandes mestres ainda ligados à Semana de 22, Bandeira, Drummond, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Cabral, durante os 30-50s não se falava em mais nada, salvo o Frederico Schmidt e a Geração de 45. Enfim, por volta de 1952, o Jornal do Brasil lança o suplemento dominical Caderno-B, que sacudiu o marasmo poético, com apresentação dos grandes poetas europeus posteriores a Rimbaud e Verlaine… e… servindo de plataforma de lançamento do… Concretismo. Pouco depois se cingindo no Concretismo paulista dos irmãos Campos, e no… Neo-Concretismo carioca, sob a liderança do crítico Mario Pedrosa, com o Ferreira Gullar na poesia e na pintura o Volpi, a Lygia Clark e… outros a seguir. Também nos 50s surgiu a Bienal de São Paulo, que na mostra de 1952 trouxe vastíssima coleção de Picasso, e boa sequência de artistas importantes da época. Na política, o Getúlio Vargas, que, em virtude da Guerra, quando apoiou os Estados Unidos e seus aliados, prolongou sua permanência no Palácio do Catete, cedendo às pressões liberais democráticas logo após o desmoronamento do Eixo, passando o poder ao Marechal Dutra, seu antigo Ministro da Guerra, e, descansando no período de discreto afastamento, bebendo mate-chimarrão em São Bórgia, voltou e, com apoio maciço do Povão, ganhou as eleições do Brigadeiro Eduardo Gomes. Mas a seguir vem o Carlos Lacerda, que com seus candentes ataques na Televisão, empolgou a classe média e Getúlio, pressionado, se suicidou. A partir daí, meados dos 50s, começa um novo período, liberal-democrata com Juscelino e construção a jato de Brasília, e findará em 1964, com o golpe militar e… o nascimento de Floriano Martins. O resto, após os 70s e primeira metade dos 50s, de televisão ufanística, você já então maiorzito, saberá melhor do que eu, o que foi que aconteceu.

FM | Por pouco não roubei a cena da Dieta Militar. Recordo bem o espanto de meu pai ao ver na televisão o anúncio do fechamento do Congresso. Cresci em meio à plenitude da melhor safra do recém-nascido rock e a munição sagrada de suas guitarras e baterias, de certo modo, não deixou ecoar em mim os ruídos da política. Talvez pelo afã adolescente, as receitas fabulares de drogas e sexos, o milagre brasileiro não interferiu na cota que fazíamos entre amigos para bancar gasolina, cigarro e cuba libre em nossas peregrinações pelos bares onde se mesclavam artistas, intelectuais e fãs. O meu dirigível que regia as melhores doses de maravilhas era uma mescla de Frank Zappa, Led Zepellin e The Alman Brothers. Até que aos 18 anos a música me deu uma chacoalhada no íntimo, ao por na vitrola um presente de aniversário que me dera um primo: o disco A música livre de Hermeto Pascoal. São desses meteoros que se chocam conosco e nos fazem renascer, a exemplo das leituras de Macbeth e Crime e Castigo, ou dos inúmeros encontros que eu tive, levado por meu pai, nas manhãs de domingo, com os filmes da dupla O Gordo e o Magro (Laurel and Hardy)… Este disco do Hermeto foi uma experiência alquímica, a fusão de tradição e ruptura na música instrumental feita no Brasil. A partir daí passei a matutar que não tinha mais graça em separar esses dois elementos. Retomei então o convívio com muita coisa que ia deixando para trás, livros lidos, música que ouviam meus pais etc. E fui me encantando cada vez mais pelo teatro e as artes plásticas. Embora intuitivamente naquele momento, este disco influiu demasiado em mim, definiu toda uma estratégia estética, algo com um impacto só comparável, décadas depois, à leitura do livro Os testamentos traídos, do Milan Kundera, que fortaleceria em mim o ambiente estrutural de minha criação. De algum modo, eu e o país tomamos rumos bem distintos. A minha política foi florescendo mais empenhada em descobrir uma América Hispânica desprezada pelo intelectual brasileiro, ao mesmo tempo em que do ponto de vista estético eu jamais senti a menor atração por nosso ambiente lírico que me era contemporâneo. Descobri no idioma espanhol um modo de acesso a um vastíssimo mundo editorial que não vinha dar em terras do Uirapuru. Esta conquista deves também ter sentido, quando de tua residência fora do país.

ZC | Andei do Caribe a Zanzibar, da Ilha do Fogo ao Delta do Mekong, do Vesúvio ao Ararat, sempre às voltas com carimbos, vistos, ofícios, mapas… e sem possibilidades de me enturmar com  turma concreta, senão mantendo por cartas e telefone contato com os amigões mais teimosos, que insistiram em não me esquecer. Meu acesso se concentrou assim no mundo fantástico interior, que procurei enriquecer no convívio da filosofia antiga, da simbologia, mitologia, alquimia, magia, e o surrealismo, que me deram uma familiaridade fraterna com figuras históricas e míticas, além de outras de meus mitos pessoais que se foram desenvolvendo, e aos quais sentia ter acesso, e com eles e elas sigo em contatos que se cristalizam em meus escritos e desenhos.

FM | Os livros sempre foram a razão de minhas viagens. Primeiramente ao mergulhar em suas páginas, logo saltando delas para a entranhável estação dos carimbos, quando a América Hispânica se abre como uma flor de lótus e de uma tacada só revelam-se dois segredos: o de uma poesia inesperada e de minha natureza errante. Nos dois casos, uma fonte perene de vitalidade. Viajei por praticamente todos os países do continente. Os encontros se multiplicaram na forma de leituras de poemas, conferências, edições de revistas e livros, organização de antologias… Inscrevem-se aí parcerias que já ultrapassam a marca de três décadas e permanecem intensamente ativas. Um dia uma inesperada varinha de condão me tornou curador de uma edição da Bienal Internacional do Livro em Fracaleza Drinks e pude então trazer essa América inteira para um evento múltiplo que despertou, dentre outras coisas, a falta de generosidade da comunidade intelectual local. Prova de que o mundo nem sempre é imprevisível. Mas eis aqui outra de nossas adoráveis afinidades, o interesse por “simbologia, mitologia, alquimia, magia e surrealismo”. Dá-me então enorme curiosidade de te ouvir falar da quase total ausência deste último item em terras alemãs.

ZS | Voltamos aqui ao drama do Iluminismo e da Baleia… Hitler, embora um ignorantaço, tinha sobrenatural poder hipnótico e mesmerizou a população inteira da Alemanha, que se lançou louca a seus pés, as mulheres de loiras tranças  de Valquírias, e os jovens de calças curtas e camisas marrom, todos embasbacados pelo grandioso senso mítico-teatral  que os nazistas souberam criar, com marchas de archotes, bandeiras que eram verdadeiras mandalas com a cruz suástica, grandiosos cerimoniais heroico-patrióticos, com Hitler no papel de Sumo Sacerdote. Justamente, a mente racional-iluminista, que havia expulsado do consciente a noção de mito e magia, como ignaras superstições, estava completamente indefesa  face ao enfeitiçamento coletivo  em escala nacional. O Iluminismo procura explicar o domínio de Hitler pela simples força bruta da Tirania Fascista. O Fascismo militarista antidemocrático teria, à força, escravizado toda a população. Ninguém assume que  o Povo alemão abraçou o Nazismo porque… estava hipnotizado. Do mesmo modo foram os comunistas hipnotizados por Stalin e, atualmente, todo o povo norte-coreano está totalmente hipnotizado pelo seu ditador. Aliás, talvez te lembres, um filme em que trabalhava o Sinatra, e que o plot girava justamente em torno da hipnotização, pelos técnicos norte-coreanos, de um político norte-americano candidato à Presidência da República. Lembras-te deste filme?…

FM | Ah este filme… The Manchurian Candidate (1962), do John Frankenheimer. Em 2004 teve um remake assinado por Jonathan Demme. As duas versões brasileiras levavam o título Sob o domínio do mal, da tradução do romance homônimo de Richard Condon que o inspirou. É sobre a técnica milenar da lavagem cerebral, que os governos de exceção costumavam utilizar antes da invenção da televisão, hoje mecanismo amplamente absorvido pelas indústrias da comunicação. A lavagem cerebral, embora ainda recurso utilizado na formação militar, tornou-se um trunfo imenso nas mãos do grande mercado. Mesmo considerando que Max Ernst era alemão de nascimento, me parece que o Expressionismo foi o mais próximo que a Alemanha chegou do Surrealismo. Mas o maquiavelismo nada sutil que impôs aos valores humanos uma hibernação em fundo falso da história, graças ao sagaz desempenho do Ministro da Propaganda de Hitler, teria sido mesmo a boa explicação para a inexistência de vida surrealista em território alemão? A Polônia teria absorvido na forma de arte todo o nonsense das duas guerras, sobretudo se pensarmos no cinema de Walerian Borowczyk e Wojciech Has. Bom, também em outros países europeus, os espólios da violência foram alquimicamente moldados em ouro estético (sobretudo no cinema e na poesia), seja através do Dadá ou do Surrealismo. No Brasil a lavagem cerebral parece ter operado mais em nome do clero. Pelo menos até o surgimento da Discoteca do Chacrinha, quando a televisão começa a aloprar em seus métodos de demência. Curiosamente, sempre tivemos aqui um ambiente demasiado propício ao Surrealismo, que só não se firmou porque é do caráter do brasileiro não firmar-se em prol de nada. Ou seja, entre nós não houve chance alguma seja para o Iluminismo, seja para a Baleia. Somos a mais pura balela, e nada mais.

ZS | O Gigante Pindorama pelo momento, dada a situação periclitante que ora atravessamos, finge que não sabe de nada, e prefere prolongar um pouco sua soneca… Em matéria de cetáceo somos modestões, ficamos com o Boto, que é pequenino, e boa gente… Só quer vestir seu terno branco, botar o chapéu panamá, e vir pro forró, onde sabe engambelar a cabocla distraída… Mas nenhum folclorista inda falou na Sereia Pirarucu, que tem lá seus avantajados encantos.

FM | Quando a exceção vira lugar-comum não há nada como convencer o Boto a vestir um abajur lilás e mergulhar nas águas da velha fonte do Alvorada Palace Hotel. Ardósia Buick distribuiu simpáticas latinhas das Farofas Mandacaru, enquanto Juca Retrancas passava o tempo afinando as cordas de seu alaúde, que ele jurava saber tocar. Todos sabiam que era só uma questão de semanas até o Pagode ser o modelo oficial de todos os truques palanquistas. As décadas foram se passando, até viramos um século, tudo como reinava no caderno Avante do velho Marechal Bacardi. Na adolescência li Gottfried Benn em espanhol, fundamental poeta alemão que ainda hoje não tem edição brasileira de sua poesia. Imensurável a lista de valiosos poetas que permanecem ausentes de nosso mercadão de livros. Mas quem liga? Quantos brasileiros mesmo até hoje leram Jorge de Lima ou Augusto Meyer? Por isto não te animes muito com os maracás luminosos do Google. Nossa Baleia iluminista talvez um dia desperte como uma peregrina sem nome. Enquanto isto, eu penso em tanto teatro automático que já escrevemos juntos e me veio a curiosidade: como imaginas esta nossa aventura dramatúrgica sendo levada ao palco?

ZS | Acho que você mesmo acabou de responder… “Não te animes muito”… Nosso Orixá Pindora segue na sua sesta multissecular deitado em beco esplêndido… O melhor é seguirmos fingindo que já somos famosos, e, com tua tarimba internética, darias umas furtivas ajeitadas nos diversos textos da página do Google “Baleia e Iluminismo”, em que encabeçamos em manchete todos os artigos subsequentes, onde se manifestam Dante, Pico della Pirandola, Gioconda, Bonifácio de Andrada, Capitão Ahab, Madame Curie, Champollion, Einstein, Jean Jacques Rousseau, Cleópatra, e todos eles, com tua manhosa revisão dos textos respectivos, seriam unânimes em confirmar o sucesso filosófico, político e dramático, na Sorbonne, Cambridge, Princeton, e nos mais famosos teatros do Oriente e do Ocidente, incluindo a Ópera Garnier e o Moulin Rouge, que nossa Baleia Automática recebeu, finalmente, mas sempre fora do Brasil, o sucesso merecido.

FM | Mas quem mesmo ia querer um Iluminismo que coubesse no estômago de qualquer baleia? Ou uma baleia que caísse na conversa de qualquer Lâmpada? O abade Lafão do Abacateiro tinha que ser mesmo um galgo do Porto, ao confundir nossa baleia com essa virulência azul disfarçada de ritual satânico que se espalha pela internet. Mas foi o único. Madame Curie profetizou que nosso Iluminismo atingiria o apogeu da moda e recuperaria o sentido extraviado do Barroco pelo Rococó. A nossa opulência seria um requinte de alma e não uma poluição de adornos. Bonifácio de Andrada queria proibir a pesca da baleia, segundo ele um abuso do progresso sobre a riqueza natural da espécie. Defendia que a baleia fosse concebida como o verdadeiro animal sagrado, aquele cuja imensidão atenderia a uma gradação infinita de propósitos, tanto políticos quanto econômicos, filosóficos e culturais. O grande crítico de cinema, Ron Alfarrábio, enrolou a língua e disparou que a baleia está para o Iluminismo assim como o próprio Iluminismo está para a baleia. E mais não disse, porque a língua travou. Jean Jacques Rousseau matreiramente evocou a luta de classes entre baleeiros e filósofos e, na forma de um alerta quase desesperado, destacou que o bom vassalo não berra. Veio de Ahab a nota mais coerente acerca do tema: segundo ele a Belle Époque só teve o estrondoso sucesso que conhecemos porque o Povão não estava preparado para entender o aprimorado receptáculo de mistérios que a nossa Baleia iluminista esteve para presentear ao mundo.

ZS | Pois é, só Capitão Ahab, com sua lucidez instintiva, sacou a importância de nossa Baleia, que não é a Baleia Azul, dos Parques de Diversão da Disneyland, nem os monstrengos poderosos, mas mentecaptos, dos   atuais quadrinhos Mangas de Tokyo. Trata-se, a nossa, de uma Baleia Metaphysica, própria para um público seleto de luminares. Justamente de tais qualidades superiores vem a dificuldade de sua aceitação pela massa que não desgruda das obras diluidoras das novelas de televisão. O Tempo tem pernas tortas e a Arte… é muito difícil. Melhor talvez continuarmos com nossos furos de reportagens e entrevistas com personagens vivos ou mortos, de modo a oferecer a nossas charmosas leitoras e engajados professores novas trilhas que nos conduzam pelos secretos caminhos dos mistérios e transcendências, tal a Loba Carcanella, que levou Dante às portas do Inferno.

FM | E as luzes da ribaltinha Pipoca-Lixo espocaram uma vez mais ao entrar em cena o Padre Ateu com suas peculiares memórias. Trazido pelas manhas da filósofa Ester Fridman, o padre Jean Meslier, é o nosso entrevistado do mês. A própria Carcanella lhe faz a primeira pergunta: – Padre Feio, de que nos serve a verdade quando não a podemos evocar? Meslier nem pisca e contesta: – Serve para lapidar os falsos mistérios até que eles explodam de tanta benevolência. Serve para carpir os fardos do alto clero até que seus representantes tropecem em seus erros mais comuns. E feio, antes que eu me esqueça, é o fruto do vosso ventre. A filósofa não contém o riso trocista. – Trotskista? O mundo está repleto de trotskistas, é verdade, e a Religião é a Ciência do Povão. A Loba investia com seus dotes reformistas. E antes que Kant-Lá indagasse ao Padre Ateu o que é iluminismo, entram as macacas garbosas dourando a pílula dos anunciantes.

ZS | Terrrrrível explosão!!! Esfacelada, cai a cortina sobre o palco, mais uma vez destroçado, do Circo Cyclame.
 
FIM (ao final das contas)



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ZUCA SARDAN (1933), FLORIANO MARTINS (1957). Capítulo 1 do livro Trombone Tropical, verdadeira saga de traquinagens metafísicas ainda em curso. Página ilustrada com três imagens mesclando fotografia e desenho, feitas a quatro mãos pelos dois artistas.

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Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 28 | Junho de 2017
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