sábado, 10 de junho de 2017

S47 | O RIO DA MEMÓRIA | FLORIANO MARTINS [Parte 2]


De 25 de junho a 17 de agosto de 2012, o Espaço Cultural Citi, em São Paulo, recebeu a exposição Na mão de Adão cabem todos os sonhos, fotografia digital de Floriano Martins, sob a curadoria de Jacob Klintowitz. Esta 2ª parte do tríptico O RIO DA MEMÓRIA | FLORIANO MARTINS, reproduz imagens do vernissage da mostra. Todas as fotos levam a assinatura de Fábio Chiba. Abaixo transcrevemos o texto escrito para o catálogo, autoria do curador. Reproduzimos uma nota de agenda da assessoria de imprensa do espaço onde se realizou a minha primeira individual fotográfica: “O Espaço Cultural Citi é a galeria pública visitada mensalmente por cerca de 50 mil pessoas que trafegam pela Avenida Paulista e região. O espaço mantém desde 2005 a sua vocação de mostrar obras de arte no centro vital de São Paulo. Passaram por ali as obras de nomes consagrados, como Marcello Grassmann, Rubens Gerchman, Luiz Paulo Baravelli, Gregório Gruber, Romero Britto, Newton Mesquita, Odetto Guersoni, Ivald Granato, Takashi Fukushima, Caciporé Torres, Sérgio Lucena, Antonio Peticov, Maurício de Sousa, Claudio Tozzi, Marcello Nitsche, Odilla Mestriner, Aldemir Martins e Shoko Suzuki, além de jovens que se firmam como Luciana Maas, Maurício Parra, Carola Trimano e Manu Maltez.” Sempre cabe recordar que esta é a segunda parte de um tríptico que toma por base o livro O hábito do abismo, organizado por Márcio Simões e publicado em 2011 pela ARC Edições, em seu catálogo virtual. Meus agradecimentos a todos aqueles que me acompanharam na primeira vazante de nossa aventura: Adlin Prieto, Alvaro Alves de Faria, Ana Marques Gastão, Belkys Arredondo, Jorge Ariel Madrazo, José Anderson Sandes, José Ángel Leyva, Lira Neto e Manuel Iris. Especialmente ao Márcio Simões. Abraxas

*****

NA MÃO DE ADÃO CABEM TODOS OS SONHOS | Quem poderá saber quais novas galáxias Floriano Martins ainda inventará para apaziguar a sua curiosidade febril e aumentar a nossa surpresa e o nosso prazer? Floriano Martins não é exatamente um fotógrafo, mas um inventor de imagens fotográficas. A máquina, o computador e o laboratório, são seus instrumentos, da mesma maneira que o pincel e o pigmento são instrumentos do pintor. Ele constrói minuciosos cenários, planeja todos os detalhes das cenas ao ar livre e, simultaneamente, se deixa conduzir pelo improviso, pelo que a paisagem, os modelos humanos e a sua imaginação, sugerem. É deste cadinho, que ferve substâncias variadas, que emergem estas encantadoras cenas. Ao mesmo tempo em que parecem infinitas em suas possibilidades de auto-modificação, estas fotografias têm uma inquietante estabilidade. Estas estranhas cenas e a sua inesperada beleza, vieram para ficar.
A misteriosa mão estendida, recoberta de barro, constituída de barro, mão cerâmica, tem um aspecto ancestral, como se viesse de tempos imemoriais. E é a marca desta série. Mesmo que cada foto seja independente em si mesmo, ainda assim a força da imagem da mão – intuímos que seja capaz de inventar e moldar – simboliza a capacidade de gerar e tornar os sonhos em ficções poéticas e objetivas.
Mão feita de barro, como o mítico primeiro homem da nossa espécie, o homem feito de barro e animado pelo sopro. O pó da nossa matéria e a alma instalada pelo sopro divino. O barro queimado tornado homem cerâmico pelo vento ardente, o Pai Adão. É neste mito, e à semelhança do mito, onde navega a anima de Floriano. Ele mistura, combina, desconjunta, embaralha, estabelece relações entre imagens diversas e inventa novas visualidades.
E nem poderia ser diferente com a produção destas imagens. Floriano Martins é um criador incansável e múltiplo. Ele criou e dirigiu por 10 anos a Agulha Revista de Cultura, das mais lidas da língua portuguesa. E o Projeto Editorial Banda Hispânica, no qual estabeleceu um diálogo intenso entre as culturas dos vários países de língua espanhola. E é um profundo historiador do Surrealismo na América Latina. E é um poeta editado em vários países. E um crítico de cultura, narrador, tradutor e autor de letras de canções com variados parceiros.
Quem é Floriano Martins? Trata-se de um Mestre do Inusitado.

[Jacob Klintowitz]

*****

ÍNDICE

JORGE ARIEL MADRAZO | Palavras preliminares

ALVARO ALVES DE FARIA | Sábio imprevisto

JOSÉ ÁNGEL LEYVA | Uma Agulha na rede da mestiçagem

ANA MARQUES GASTÃO | Somos o que buscamos

BELKYS ARREDONDO | A outra máquina do mundo

LIRA NETO | Uma conversa com o curador da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará

JOSÉ ANDERSON SANDES | Festa da mestiçagem

MÁRCIO SIMÕES | Opção pela dissidência

MANUEL IRIS | Nascendo todos os dias

ADLIN PRIETO | Todas as coisas à minha volta a partir de uma perspectiva da poesia




*****

Imagens reproduzidas nesta página:
2011 Origem esquecida
2012 Entrada da exposição, pela Av. Paulista, São Paulo

*****

Organização a cargo de Márcio Simões e Floriano Martins © 2017 ARC Edições
Artista convidado | Floriano Martins (fotografia digital)
Imagens © Acervo Resto do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

1 PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO SURREALISMO, I
3 O RIO DA MEMÓRIA, I
4 VANGUARDAS NO SÉCULO XX
5 VOZES POÉTICAS
6 PROJETO EDITORIAL BANDA HISPÂNICA
7 VIAGENS DO SURREALISMO, II
8 O RIO DA MEMÓRIA, II
9 SEGUNDA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

Visite a nossa loja






ADLIN PRIETO | Todas as coisas à minha volta a partir de uma perspectiva da poesia


Floriano Martins (Fortaleza, 1957) es un hombre que no necesita presentación. Su pasión por la literatura hispanoamericana, especialmente por la poesía, ha rebasado las fronteras genéricas, geográficas, lingüísticas y temporales. Poeta, ensayista, traductor, editor, agente cultural, crítico e historiador de la literatura contemporánea es autor de los libros: Escritura Conquistada (Diálogos con poetas latinoamericanos, 1998) y El inicio de la búsqueda (El surrealismo en la poesía de América Latina, 2001) por nombrar sólo algunos. Entre sus libros de poesía sobresalen: Alma en llamas (Brasil, 1998), Cenizas del sol (Costa Rica, 2001), Estudios de piel (Brasil, 2004) y Tres estudios para un amor loco (México, 2006). En la actualidad dirige, junto a Claudio Willer, Agulha Revista de Cultura, publicación de circulación virtual que este año recibió el Premio Antônio Bento de la ABCA –Asociación Brasileña de Críticos de Arte– como mejor vehículo de comunicación cultural del país, y es coordinador del proyecto Banda Hispánica, del Jornal de Poesia. Dentro de su importante labor de difusor de la literatura, coordina la próxima Bienal Internacional del Libro de Ceará que se realizará en noviembre de 2008. [AP]

AP A pesar de ser un hombre tan polifacético, el oficio de poeta priva en usted por sobre los otros. ¿Por qué?

FM Quando digo que sou essencialmente poeta evidente que isto não me restringe à criação de poemas. Significa dizer que lido com todas as coisas à minha volta a partir de uma perspectiva da poesia. Significa dizer que pragmatismo ou lucidez organizativa são aspectos que não seriam possíveis em mim se antes não houvesse um sentido poético avançando firme. Desta forma, o trabalho como produtor, pesquisador, ensaísta, tradutor, editor persiste de forma complementar ao poeta que sou, e não como uma atividade à parte ou de caráter mais decisivo em minha vida.

AP Su obra poética está signada por la “tradición” barroca y surrealista, es decir, por un espíritu de libertad, por la experimentación formal, por el exceso (en el mejor sentido del término), por una apuesta y un compromiso por/con la creación. ¿Cómo se relaciona esto con sus otros roles?

FM Eu sinceramente não creio que o espectro possa definir-se somente no âmbito do barroco e do surrealismo. Há uma variedade de referenciais identificáveis por mim e há também a parte inconsciente que fala independente do que pensemos a respeito. Há também as referências não-literárias, que eu diria são ainda mais fortes em minha poesia. Todo aquele mundo espectral que salta das gravuras de um William Blake ou das síncopes dos concertos de Keith Jarrett. Este ir e vir no tempo, referências pan-temporais. Estruturas cênicas. Uma paixão especial pelo enredo (narrativa, teatro, cinema, comics), pela trama. Todos estes são aspectos essenciais para a minha poesia. As demais atividades em que estou envolvido são como diversos pontos necessários para se fiar uma teia existencial. Minha relação com todos estes pontos está na raiz do Abraxas com que habitualmente me despeço dos amigos: um sinal de integridade em tudo o que faço.

AP ¿Sus reflexiones sobre la dimensión política del arte responden a la relación de intimidad que el surrealismo proponía entre vida y obra, al humanismo poético?

FM Ah o humanismo poético de que falava Enrique Molina, este magnífico poeta argentino, cuja poesia, com aquele caudal imagético que é intensamente amazônico, um mergulho na selva do ser, com uma profundidade que não se separa em momento algum do que lhe é exterior, um equilíbrio magnífico alcançado entre o léxico e a vertigem das imagens. Sim, o político é parte de nós, e deve sê-lo com a mesma intensidade do erótico, do místico, enfim, a mesma intensidade orgânica, porque não há metafísica sem seu correspondente orgânico, assim como não há arte que seja verdadeiramente expressiva sem sua consciência de atuação.

AP Sus collages apuestan por un discurso otro alejado de las limitaciones de la disposición tipográfica. Pienso en Estudios de piel (2004) y Alma en llamas (1998) por ejemplo. ¿Cómo se vincula este tipo de imagen, que al fin y al cabo sigue siendo una representación de la escritura, con la palabra poética?

FM A princípio tratava-se de um diálogo entre duas formas de manifestação criativa, porém do ponto de vista do poético. Mesmo quando eu fazia colagens não necessariamente para incluí-las em meus livros, eram sempre pensadas como uma conversa com este ou aquele campo de visão da linguagem poética. Hoje o diálogo permanece. Evidente que ganhou maior cumplicidade, porém com um equilíbrio mais nítido entre o poético e o plástico. As duas linguagens funcionam hoje como representação uma da outra, em igual intensidade. E se representam igualmente estando ambas em um mesmo cenário ou atuando em separado. Penso agora finalmente em fazer uma exposição somente com as colagens, por exemplo, o que antes me parecia algo improvável. Assim como o poema foi buscar para si recursos do teatro, da crônica policial, do romance, as colagens se apropriaram de recursos ligados à escultura e ao vídeo.

AP Alma en llamas (1998) es un libro donde el ser palpita y las pasiones galopan sin menoscabo de la razón e incluso de lo filosófico. Lo trágico y lo lírico también están presentes, sobre todo en el extenso poema titulado Los tormentos miserables del lenguaje y las seducciones del infierno en los instantes trágicos del amor de Barbus y Lozna. ¿A qué respondió la escritura de este poema en español? ¿Por qué decidió publicarlo en portugués e incorporarlo a este texto? ¿Cómo se vinculó con el resto de la publicación?

FM A decisão veio da constatação de que o exercício criativo começava a dar sinais de repetição, quando as soluções poéticas davam volta em torno delas mesmas. Escrever em outro idioma forçaria a eliminação desses pequenos vícios retóricos. Foi uma decisão valiosa, que resultou em um acento mais forte dessa relação entre os recursos líricos e trágicos de minha poesia. Este largo poema, Los tormentos miserables del lenguaje y las seducciones del infierno en los instantes trágicos del amor de Barbus y Lozna, permitiu uma aproximação maior de meus escritos em relação ao teatro. Foi inclusive decisivo na publicação de um livro intitulado Teatro Imposible (Venezuela, 2008). O poema situa-se nos domínios do amor impossível sob vários aspectos. A parelha que é separada pela morte de um de seus componentes também pode ser uma leitura do mito do Andrógino. O livro Alma em chamas (Brasil, 1998) está armado como um cenário multifacetado dos grandes conflitos existenciais. Supondo a existência de um protagonista único que atravessa todo o livro, as variações se dão na forma de capítulos, passando por dilemas como a perda dos familiares, o amor impossível, os tormentos da linguagem, as fraturas sociais etc.

AP ¿Qué significó escribir en una lengua otra un poema propio y traducirlo luego al idioma materno?

FM Não foi propriamente uma tradução. Como se tratava de um poema meu, pude então alterar passagens em que melhores soluções foram encontradas sugeridas pela nova sintaxe. Além disto, quando fui publicar a versão original, que integra o livro Tres estudios por un amor loco (México, 2007), uma vez mais surgiram novas opções no caso de várias passagens.

AP ¿Por qué traducir, fungir de traductor? ¿En su caso hay algo lúdico en ello, en el acto de trocar las palabras para convertir el texto que es en el que va a ser?

FM Em geral, tradutores tendem a considerar-se, em relação aos autores que estão traduzindo, cúmplices na criação. Não há dúvida que se trata de cumplicidade, embora na maior parte dos casos se trate mesmo de um negócio. O negócio da tradução. Agora, não estou bem certo de que a cumplicidade possa ser entendida no sentido de uma criação paralela, como se a tradução fosse um gênero literário. A diversidade cultural está, sob vários aspectos, fundada na diversidade linguística. E não me refiro à língua pura e simplesmente, porém a seus matizes e acentos, o que faz com que se distinga o modo de expressar-se de vários povos que falam a mesma língua. Há ainda as distinções de natureza estilística, do grau de experimentação do léxico e da ortografia etc. Muito disto naturalmente se perde na tradução. Muito mais do que os aspectos ligados a ritmos e rimas, por exemplo. Eu me sinto um cúmplice do autor que estou traduzindo mais no sentido de que assim contribuo a reduzir o abismo que o separa de leitores do meu próprio idioma. E o faço com toda a honestidade que a cumplicidade requer. Nada mais. Quando ao aspecto lúdico que mencionas, eu diria que a tradução permite uma intimidade maior com a obra que estamos lendo. Seria algo mais intensamente erótico do que a leitura. Creio que quando traduzimos um texto é quando verdadeiramente vamos para a cama com ele.

AP En cuanto a la relación lengua/arraigo, ¿comparte la postura del novelista carioca Per Johns: “El arraigado es uno con su lengua. El bilingue es dos y ninguno”?

FM Este é um ardil. Pobre poliglota, o que seria então? (risos) Evidente que a língua nos distingue, nos permite a multiplicidade cultural, por exemplo. Porém a diversidade de caráter percebido dentro de uma mesma comunidade linguística nos leva a pensar que falta algo na consideração do Per Johns. De uma maneira geral somos dois e nenhum independente da condição bilíngue. Somos dois e nenhum porque a realidade em nosso tempo, particularmente em nossos países, nos leva a uma condição existencial no mínimo ambígua. A rigor, nos leva a um esfacelamento do caráter. Vivemos em sociedades atônitas que não sabem (mais) dar uma resposta equilibrada à avalanche de ansiedades que nos são cotidianamente impostas. De alguma maneira, o grande exílio hoje se verifica dentro da língua, ou mais: dentro do ambiente cultural em que age cada língua.

AP ¿Cómo se despierta su interés por la traducción? ¿Responde, de alguna manera, a sus vinculaciones con la literatura en español?

FM Sim, eu comecei a traduzir exatamente do espanhol, motivado por uns livros que ganhei de presente cujos autores eram desconhecidos no Brasil. Foi meu primeiro impulso: traduzir alguns poemas para publicar na imprensa em meu país. Não recordo bem se César Vallejo ou Vicente Huidobro ou Oliverio Girondo. Logo surgiram possibilidades de traduzir autores ingleses, italianos e galegos. Aos poucos fui conhecendo melhor o idioma espanhol e, sobretudo, me apaixonando pela diversidade estética de suas literaturas, algo impressionante. Até que passei a traduzir somente do espanhol, já com um propósito distinto, que assumia uma conotação política e me distanciava da condição de tradutor apenas em seu âmbito mercadológico, de contrato editorial. Eu quero recordar aqui uma aventura que foi de grande importância para mim: quando eu morava em São Paulo, na primeira metade dos anos 80 do século passado (ah como é estranho falar em século passado), tive a ousadia de propor a um grande poeta do meu Estado (Ceará), Francisco Carvalho (1927), um exercício de tradução que, a rigor era um exercício de convívio mais intenso com a obra em questão, do livro Altazor, do chileno Vicente Huidobro. Carvalho é um poeta fundamental, cuja poesia foi de grande importância em minha adolescência, de maneira que sua concordância possuía para mim um significado à parte. Ao longo de alguns meses traduzimos os 7 cantos de Altazor, conversamos a respeito etc. Jamais pensamos em publicar o livro. Para nós, o que estávamos ali realizando era um ritual de intensificação de nosso conhecimento do espanhol e da poesia em si. Foi uma valiosa experiência.

AP ¿Desde cuándo y por qué ha establecido vínculos con escritores de habla española?

FM Vamos diversificar o sentido do que chamas “vínculos”. Há o sentido do conhecimento através da leitura, assim como outros: o convívio pessoal, a correspondência epistolar e até mesmo a aproximação por natureza contratual. Na infância não era comum acesso a literatura de língua espanhola, de maneira que demorei muito a conhecer qualquer literatura neste idioma. Seguramente Cervantes foi o primeiro. Porém o impacto maior foi quando li Federico García Lorca. Li Pablo Neruda antes, porém não me causou a mesma impressão. É curioso que eu tenha lido primeiramente, em português, autores que depois foram traduzidos por mim. Dois exemplos: o próprio García Lorca e o cubano Guillermo Cabrera Infante. Outro vínculo fundamental foi de natureza epistolar. Creio que o mais importante destaque aqui é minha extensa correspondência com o crítico espanhol Jorge Rodríguez Padrón, que me ensinou muito a respeito de poesia hispano-americana. A partir deste diálogo pude conhecer muitos autores, dando início a um extenso contato epistolar que define todo o trabalho que sigo realizando. Pela ordem, o último vínculo é o do abraço físico, da troca de olhares, da amizade finalmente conquistada e definida. Este vínculo não é possível sem a presença das viagens. Conheço praticamente todos os países de língua espanhola. E tenho me encontrado com inestimáveis expressões literárias desses países nos diversos encontros internacionais que compartilhamos. É fundamental destacar a existência desses eventos, que permitem o diálogo, a descoberta, a confirmação, a continuidade de uma série de projetos sem os quais nosso abismo cultural seria ainda mais intenso e violento. Ainda me indagas o motivo para tudo isto, para meu vínculo com esta literatura. Embora eu ache que está bastante implícito em nossa conversa destaco que havia uma biblioteca na casa de meu pai, que foi responsável pela minha formação literária em um primeiro momento, e que quando comecei a ouvir nomes da literatura de língua espanhola soavam estranhos para mim, todos desconhecidos. Isto significava uma falha de formação.

AP ¿Cómo circula la poesía de expresión española, sobre todo la latinoamericana, en Brasil?

FM Não circula. A ideia de circulação é o primeiro equívoco que deve ser explicado. Editar e circular são duas coisas distintas. Creio que isto se passa em grande parte do mercado editorial no mundo. Por vezes temos um convênio que permite a edição de um livro. Porém o livro não circula, não há distribuição, ou divulgação ou venda. O autor está publicado no país, e até tecnicamente impedido de que volte a ser reeditado, porém sem circulação alguma. Isto é o que se passa com a grande maioria da literatura de língua espanhola no Brasil, ou seja, à exceção de casos como Jorge Luis Borges, não há circulação. Nada. É preciso insistir neste detalhe: não conhecemos no Brasil a grande literatura de língua espanhola, com sua extensa e intensa diversidade, de épocas, estilos e países. Nada. Algumas editoras se interessam pelo tema, porém há em muitos casos uma imensa dificuldade na negociação de direitos autorais com a família, quando se trata
de autores mortos. Há um abismo cultural imenso entre nossos países. Uma possibilidade de se remediar tal situação? Apoio institucional. Não digo apoio financeiro isoladamente, mas sim, sobretudo, apoio na liberação de direitos autorais. A criação de coedições entre editora brasileira e governo desses países, isto seria brilhante. Já avançamos algo no que diz respeito a uma parceria com Portugal. Há editoras brasileiras interessadas na criação de coleções dedicadas à literatura hispano-americana. Mas precisam de apoio institucional. Há que pagar direitos autorais, tradutores etc. Tudo isto é fundamental.

AP ¿Más allá de las ferias de libros y las bienales de Literatura, hay un espacio dentro del campo cultural brasileño para la literatura escrita en español? ¿La academia brasileña la aborda como objeto de estudio?

FM Não, não temos a menor preocupação com o idioma espanhol, o que inclui sua literatura. Mesmo a atenção para acordos comerciais, acordos de fronteira, eles não consideram a importância do conhecimento da língua. A literatura em si é um objeto absolutamente à parte dentro deste ambiente de negociação de poderes de fronteira. Insisto no termo, porque não me parece que nossos países estejam interessados em uma vital cumplicidade de definição de espaço político de ação comum no sentido de autopreservação da América Ibérica ou algo similar. O mercado editorial no Brasil tem uma única porta aberta: para o que reza a intempérie dos mercados editoriais na Espanha e Estados Unidos. Esta minha experiência como curador de uma Bienal Internacional do Livro no Brasil me diz – e lamento profundamente ter chegado a tal conclusão – que não há interesse algum entre nossos países por uma aproximação cultural. O governo venezuelano está possuído por uma obsessão de controle continental à qual ele não corresponde senão de maneira impositiva. O governo brasileiro, por sua vez, até hoje não percebeu a importância de um diálogo com a América Hispânica. A Academia, segundo, tua pergunta, é um esteio insignificante, ela não representa nada que não seja a definição de um programa de governo. Acaso imaginas a Academia Brasileira de Letras propondo cursos de língua espanhola e uma série de conferências com autores de língua espanhola? Há isto na Venezuela, em relação a escritores brasileiros? Há um Centro de Estudos Brasileiros na Embaixada do Brasil em Caracas. O que ele tem feito pela difusão da literatura brasileira na Venezuela? Há algo assim na Embaixada da Venezuela em Brasília? O que se tem promovido ali? A relação cultural entre nossos países é meramente retórica, querida. Devo agradecer imensamente aos esforços da Fundación Biblioteca Ayacucho, pela publicação de vários autores brasileiros. Devemos isto aos venezuelanos. Porém as nossas academias, que essencialmente são os nossos governos, não estão interessadas no assunto.



*****

Entrevista concedida a Adlin Prieto. Originalmente publicada na revista virtual El Hablador # 16. Lima, Peru. 10/07/2010. ADLIN PIETRO (Venezuela, 1978). Profesora de Lengua Española y Literatura Latinoamericana adscrita al Departamento de Lengua y Literatura de la Universidad Simón Bolívar (Caracas). Investigadora del Programa de Promoción del Investigador (PPI) del Observatorio Nacional de Ciencia, Tecnología e Innovación (ONCTI). Foto de FM, ao lado de Norma de Oliveira, 2012 © Fábio Chiba.
Imagens reproduzidas nesta página:
2011 Tratado de harmonia
2011 Três irmãs
2011 Vestígio de sombras
2011 Vislumbre acidentado

*****

Organização a cargo de Márcio Simões e Floriano Martins © 2017 ARC Edições
Artista convidado | Floriano Martins (ensaio fotográfico)
Imagens © Acervo Resto do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

1 PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO SURREALISMO, I
3 O RIO DA MEMÓRIA, I
4 VANGUARDAS NO SÉCULO XX
5 VOZES POÉTICAS
6 PROJETO EDITORIAL BANDA HISPÂNICA
7 VIAGENS DO SURREALISMO, II
8 O RIO DA MEMÓRIA, II
9 SEGUNDA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

Visite a nossa loja






MANUEL IRIS | Nascendo todos os dias


Difícil es hablar de los amigos sin ser injustamente duro. Difícil es hablar de quien se admira sin ser injustamente lisonjero. Por ambos motivos, en lugar de hablar de él, me propongo dejar hablar a Floriano Martins. El presente diálogo es una repetición, ahora sobre el papel, de varias charlas sostenidas en Cincinnati, Ohio, lugar en el que nos conocimos –invitado por el poeta Armando Romero, Floriano fue mi profesor de un curso sobre Vanguardias y Surrealismo en América Latina durante los primeros meses del 2010– y compartimos una gran cantidad de conversaciones que hasta hoy se continúan.
Antes que con su biografía literaria y artística, quiero presentarlo con una anécdota: habiendo visitado la poblada y aleatoria oficina de Armando Romero, llena de ocultos papeles (manuscritos de varios poetas amigos suyos, ejemplares casi únicos de revistas ahora legendarias de todo el continente, libros dedicados por diversos escritores) Floriano se ofreció a ordenarla, y lo hizo hasta el grado de poner en orden alfabético cada uno de los libros. No pude evitar sorprenderme de lo que motivaba su gesto –necesidad de orden, de sistema– y le dije: ¿Por qué te pesa tanto ese desorden, no eres surrealista? Riéndose contestó: “Claro, cabrón. Yo no desordeno, pongo otro orden a las cosas y para eso tienen que estar ordenadas. Además, hay que saber construir lo que se pretende destruir.”
Creo que lo anterior da un claro indicio de su talante artístico, su rigurosa fiesta. Por lo demás, sus datos bio-bibliográficas son muchos, pero digo solo algunos: nació en Fortaleza, Brasil, en 1957. Poeta, editor, ensayista y traductor, se ha dedicado, en particular, al estudio de la literatura hispanoamericana, sobre todo en su poesía. Dirige el Proyecto Editorial Banda Hispánica. Es coordinador de la colección “Ponte Velha”, de autores de lengua portuguesa, de Escrituras Editora (San Pablo, Brasil), lo mismo que de la colección “O Começo da Busca”, de las Edições Nephelibata (Santa Catarina, Brasil). Curador de la Bienal Internacional del Libro del Ceará (2008). Profesor invitado de la Universidad de Cincinatti (Ohio, Estados Unidos). Fue parte del jurado que concedió, en el 2009, el premio de poesía de Casa de las Américas, al poeta Lêdo Ivo. Crítica sobre su obra, así como entrevistas y textos suyos de poesía o sobre música y plástica se han publicado en Brasil y el extranjero. Sin duda, Martins es una de las figuras más importantes del ambiente cultural brasileño contemporáneo.
Aquí dejo, pues, expuesto este diálogo.

MI No es secreto que además de poeta eres también narrador, escritor de letras para canciones populares, ensayista, fotógrafo y creador de collages; ni tampoco se ignora que como apreciador del arte eres apasionado del cine, el jazz y la plástica experimental que se extiende del grafiti hasta el comic y la novela gráfica. El rango de tus posibilidades creativas y apreciativas es amplísimo, lo que me lleva a preguntarte ¿has llegado a ello como resultado de una poética personal, o ha sido tu poética personal un derivado de esta diversidad creativo-contemplativa?

FM Mis recuerdos de infancia son un desborde completo en términos de experiencia y contemplación, incluso sin que las dos cosas se separen entre sí. Era como un desafío a la creación. La biblioteca alucinada de mi papá, con sus libros de varios temas y su desorden absoluto. La música distinta que disfrutaban papá y mamá. Los amigos reunidos alrededor de la radio en un primer momento y luego la llegada de la televisión, con la magia de la animación. La colección de fotonovelas de mi mamá con adaptaciones de los clásicos de la literatura, y la colección de comics de mi papá. Las mañanas de domingo en que mi papá me llevaba al cine. Ahí estaba yo naciendo todos los días, creando íntimamente. Mi mejor manera de expresión eran las copias que hacía, en una mezcla irregular de crayón y pasteles, de algunas portadas de novelas: uno debe siempre comenzar como copista, es lo mejor. Así es que mi infancia me ha dado la primera noción, aunque sea por pura intuición, de algo que luego descubriría a través del surrealismo: la intensa relación entre arte y vida. Pero también en esos misterios es imposible saber quién ha llegado primero, si el huevo o la serpiente.

MI Existen artistas que escriben un solo libro aunque hagan muchos pensemos en Roberto Juarroz y su Poesía vertical, o en la compacta obra de Pedro Lastray otros que cierran cada libro en sí mismo, siendo su obra completa un diario de navegación por distintos senderos pienso en Eugenio Montejo, por decir alguien. Visto así ¿cómo concibes tu obra? ¿Es una que se expande, o una sumatoria de haceres diferentes?

FM Yo sé que en la creación busco lo que se pueda llamar de pincelada única, según la definición del maestro Shintao. Creo en la seducción del carácter casi mediúnico de la creación, algo que necesita establecer una relación inmediata entre lo que llevamos adentro y lo que está afuera en deseo intenso de comunicación. Pienso en mi obra como una expresión automática de esa búsqueda. Y jamás pienso solamente en libros. Lo que más estimo ahora, por ejemplo, es justamente salir del libro hacia la plástica, la música, el teatro, lo que sea. Lo que no quiere decir que rechazo al objeto libro, que me sigue encantando, pero señala una búsqueda continua de expansión. Siempre la expansión. Los registros muy repetidos de una obra, lo mismo que la confiada obsesión por nuevos registros, son cosas que pueden dañar los secretos de su realización. Hago una distinción entre la repetición y las variaciones sobre el mismo tema. Sinceramente pienso hoy en la poesía del argentino Roberto Juarroz como algo muy aburrido, lo mismo que el brasileño Manuel de Barros. Sobre todo porque me parece que este abuso en la repetición de un mismo registro puede parecer un facilismo, cierta comodidad frente a la creación.

MI Es claro que los artistas actuales, en cualquier género, se esfuerzan por no ser clasificables y consideran un anacronismo la adhesión a cualquier escuela o ideología estética. Frente a ello te revelas surrealista y, queriéndolo o no, actualizas con ello la noción misma de surrealismo, cuya historia conoces mejor que nadie. ¿Por qué identificarse (adherirse, acaso) a una corriente estética en los escépticos tiempos actuales? ¿Cómo llegaste a ello?

FM Tal vez simplemente como una forma de rechazo a lo que llamas escépticos tiempos actuales. Mis primeras afinidades intelectuales con el surrealismo son fruto del descubrimiento de que en Hispanoamérica se hacía una brillante relectura del surrealismo sin que en nada tomásemos eso en cuenta en Brasil, al mismo tiempo en que allí se elegían como piezas de culto los experimentos de lenguaje, ya en la fase de aburrida repetición. Así, sentí la necesidad de ampliar un poco las posibilidades de lectura. Lo que pasa es que nunca en mi vida he pensado en las cosas solamente para mí, los regalos que recibo son parte de mi mundo y tengo la necesidad entrañable de compartirlos con los demás. No importa la forma de conocimiento, tengo siempre que pasarla adelante. Dos segundos después de haber leído al que fue para mí el primer poeta surrealista en español –no estoy seguro, pero creo que fue el peruano César Moro– pienso en traducirlo y publicarlo, que es una forma de compartir. No creo en la clasificación como un anacronismo. En las artes, muchas escuelas tienen todavía un inmenso potencial de aportes que pueden ser valiosos para los artistas de mi tiempo. Por supuesto lo que señalo no tiene que ver con la adhesión a estas escuelas, sino con tener cuidado de los vicios impuestos a los términos. La vigencia del surrealismo, por otro lado, es algo complejo, porque en mucho se parece a la reproducción poco inspirada de inquietudes pasadas. Hay muchísima mala creación (poesía y plástica) ofrecida como surrealismo que es realismo inconsecuente (risas). Yo no sé qué fijación es esa de imponer al surrealismo una falta absoluta de disciplina.

MI Eres un surrealista que hace sonetos y que gusta de Garcilaso. Eres también un poeta brasileño que conoce la tradición poética latinoamericana escrita en español como pocos poetas que nacieron hablando esa lengua. Por supuesto, conoces al dedillo la tradición literaria en lengua portuguesa. En tu poesía puede verse una hermosa mezcla de estas dos tradiciones, y de la música y la plástica de América y Europa. Pregunto entonces: ¿Te asumes como poeta brasileño, poeta en lengua portuguesa, poeta latinoamericano? O bien ¿de dónde, poéticamente, vienes? ¿Acaso importa?

FM (risas) Es que tenemos una idea equivocada del surrealismo, como si fuera una escuela inconsecuente de improvisaciones. La improvisación, al contrario, es algo que requiere un grado intenso de intimidad con la creación. La escritura automática siempre fue el motivo de toda esa mala lectura del surrealismo. Lo que le importa a toda la gente a quien no le gusta el surrealismo es desautorizarlo por el resultado de algunas obras. Por supuesto que en la creación artística lo que importa es el resultado estético. Pero en el surrealismo, como en cualquier otra circunstancia, hay de todo, lo mejor y lo peor, en términos de resultado. Además, hay esa cosa intensa de la relación entre vida y obra que permite que las malas intenciones digan de un tipo que es mal artista por haber sido mala gente. El mismo surrealismo incurrió en eso con la expulsión, en el período clásico, de muchos de sus grandes artistas, porque Breton los consideraba mala gente.
En Brasil Jorge de Lima y el mismo João Cabral de Melo Neto hicieron sonetos surrealistas. El segundo acabó por rechazar todo esto en su primer libro, que tenía el sugestivo título de Piedra de sueño. Yo no comprendo la pelea de los poetas –pienso que es una trampa que se alimenta solamente de los malos poetas– con las formas. El formalismo, así comprendido en su afinidad con el positivismo, se cumple no por el uso de la forma –al final todo es forma, incluso lo informe y dale filosofía de bodega–, sino por su tratamiento, la obsesión en presentar el mundo simplemente reducido a su forma, sin otra esencia que la forma.

El surrealismo ha tratado de recuperar las otras posibilidades de esencia de la creación, cuya fuente quemante es la vida y la vida percibida en su multiplicidad, gracias a la presencia del individuo. Y aquí recupero el tema de tu pregunta. Vengo de ese magma de la multiplicidad donde ya no importa mi color, credo o nacionalidad. En mi juventud había una colección que se vendía en quioscos, libritos que contaban un poco de la cultura de cada país, acompañados de un disco con la música y unas fichas con recetas de la culinaria de esos países. La colección se llamaba Pueblos y Países. Yo la hice completa y me encantaba conocer la música y la comida de países los más insólitos para mí. La música de Laos, la comida de México. Era riquísimo conocer todo eso. La primera vez que saqué un pasaporte fue para ir a Panamá. Ya sabía un poco de su música y su comida. La colección tenía entonces su magia que se convertía en realidad. Ya sabes que lo que escribo tiene un poco de todo eso, pero no funciona si no tiene la salsa que se llama Floriano Martins, especial solamente para mi culinaria, mi creación. Seguro que no sirve para más nada.

MI Al leerte se sabe que eres un poeta lleno de palabras, caudaloso y celebrador de la vida, la belleza y el placer. El erotismo es para ti celebración de la existencia y el cuerpo femenino ya en tu plástica, ya en tu poesía es un evento natural como el paisaje o la tormenta. Fuera de lo escrito, personalmente sé que eres un hombre que ríe y que sonríe, que gusta de vivir. Dejando fuera esa clara coherencia entre tú y tu obra, ¿cuál es la relación entre poesía y el mundo? ¿Cómo, poéticamente, te relacionas con la realidad?

FM La vaina tremenda del cotidiano. Me voy a la panadería, tengo buenas relaciones con el gerente del banco –aunque no le pida plata jamás–, cambio de carro cuando es necesario, tengo hoy la suerte de que mis hijos ya están crecidos y bien criados por mí, comparto mi vida con intensa afinidad con mi mujer, pero sobre todo he conquistado una condición valiosa: saber que a la realidad no le gusta mucho ser tratada como tal. Hasta aquí tenemos mi relación con ella, y me parece que lo que quieres saber es sobre el maridaje de mi poesía con ese personaje de la película de terror que se llama realidad, La Realidad (risas). Antes hay que preguntar lo que quiero con la poesía, y la tengo como un ejercicio de provocaciones que no alcanza nada si no despierta en uno la sensación de que le hace falta el piso. La sensación de asombro o desorientación en el arte me parece fundamental. No importa que se trate de un plan místico, sexual, político, sino que la resultante sea esa sensación de que aquí me hace falta algo. Un hoyo, un abismo, algo de mí que no comprendo. Es lo que busco en la realidad del arte, como creador o como espectador. Además la otra, la pobre musa de las películas trash, bueno, eso me recuerda una observación de Francis Bacon al decir que Magritte trastocaba la concepción usual de la realidad de manera que la hacía más perceptible. A veces la realidad está simplemente flotando en el aire, y el arte lo que puede hacer es decirle cuan real es.

MI Antes de ser poeta fuiste músico y siempre has sido un notable lector. ¿Cómo ha cambiado, de antes a ahora, tu relación con tu arte y con el arte en general? ¿Cómo resultan los reencuentros con obras de arte que alguna vez te sobrecogieron al contemplar o crearlas?

FM No me venga con la mala hierba del pasado. La música siempre fue parte de mis obsesiones. En la juventud me creía músico, lo que traigo felizmente al recuerdo por dos razones: la amistad que hice con músicos, algunas la mantengo hasta hoy y son de las más importantes de mi vida, y la vivencia entre ellos, el ambiente, teatros, bares, ensayos, todo eso enriqueció mi vida. Pero el arte es siempre un reflejo de la celebración de la vida. Ya sabemos que he comenzado bien, afortunadamente bien, con toda la improvisada disciplina de la multiplicidad. Ya no recuerdo donde leí a alguien diciendo que no creía en la lectura, sino en la relectura. Bueno, estoy de acuerdo, pero al mismo tiempo no creo en reencuentros, sino en encuentros. Hace poco en Cincinnati estuve frente a una obra de El Greco que había visto en libros por toda mi vida. No puedo decir que haya sido un reencuentro. Cuando estuve en Bilbao hace pocos años dentro de una amplia retrospectiva de Calder, por ejemplo, igual. Es como besar. Es lo que Borges no comprendía: es el mismo pero es otro. Pero también indagas sobre las obras creadas. Mi espíritu crítico comanda la fiesta y la primera sensación que tengo es la de encontrar un error mío. Soy adicto a eso: descubrir errores. Por eso finalmente descubro lo que me ha interesado más en Sade que en Lautréamont: la fijación del primero por desvelar errores.

MI A diferencia de lo que es costumbre de los poetas actuales, jamás te has dedicado a la academia. Sin embargo has sido invitado a la universidad de Cincinnati (EEUU) como profesor residente para dar un curso sobre surrealismo y vanguardias, al lado del poeta Armando Romero. Según sé, esta experiencia con la academia no ha sido dolorosa. ¿Cuál ha sido, pues, la historia de tu distancia con la academia, y cuál es tu evaluación de la experiencia en Cincinnati?

FM Yo no creo en poetas actuales. Los poetas son esencialmente inactuales. La academia no es propiamente dolorosa. A mí siempre me pareció más inútil que dolorosa. Yo creo en el aporte útil a la sociedad del escritor. Cierta vez he protagonizado una pelea, en un periódico en mi ciudad, con gente de la academia porque yo afirmé que esa gente era literalmente financiada por la comunidad y no le retribuía el beneficio de su supuesto saber adquirido. Es la cosa enfermiza de la mentalidad de semidioses. Estados Unidos tiene una particularidad en ese tema. Yo no tengo formación académica, pero tengo mi comprobado saber en el área en que trabajo. Las universidades en Estados Unidos aceptan mi comprobación de saber, valoran la realidad expresa en mi currículo, sin importarles las fuentes de mi conocimiento. Tú sabes que eso es imposible en nuestros países, adictos de las formas más sospechosas de promociones. La experiencia en Cincinnati fue reconfortante en el sentido de que se puede buscar en Estados Unidos otras oportunidades de seminario. La misma UC (University of Cincinnati) podría —como cualquier universidad— mejorar su lectura de la literatura de lengua española, actualizándola en términos de tiempo histórico y también buscando relaciones más estrechas con las culturas hispanoamericanas. La dirección de UC podría mejor invitar su núcleo de maestros a configurar los temas de cada periodo, para que los estudiantes, jóvenes como son y muy interesados en el estudio, descubran el puente posible entre la literatura clásica y contemporánea.

MI Atípicamente, eres un poeta que usa con destreza los medios electrónicos para la promoción de la literatura en general y de tu propia obra. Has fundado y dirigido revistas literarias completamente electrónicas que ahora son un referente en América Latina, y recientemente abriste una nueva cuenta de Facebook por tener ya 5000 personas agregadas en la cuenta regular. Por estos medios y otros muchos eres un gran promotor cultural que además prepara libros, elabora antologías, escribe prólogos etc. ¿En qué momento se puede hacer todo y cómo compaginar con ello las labores del artista?

FM ¿Esto es una propuesta de matrimonio? (risas) La pasión está por sobre el tiempo, es lo que siempre he pensado. Hace pocos días en una película alguien contesta una pregunta de igual naturaleza afirmando que la razón es que no tiene vida personal. Yo creo que siquiera la esquizofrenia puede ser tratada como vida impersonal. Lo peor de nuestro tiempo es el abismo que nos impusieron de que ciertas profesiones llevan una vida impersonal, como los políticos. Tal vez los farsantes son los que llevan una vida más personal que los demás, justamente por la comprensión de los mecanismos de despersonalización. Yo no creo en falta de tiempo. El tiempo es una medida de nuestra relación con el mundo. Si me hace falta el tiempo, es que me hace falta algo en mí. Por supuesto que no pienso en las 24 horas de los relojes.

MI Luego de hablar de medios de comunicación que involucran miles de personas te pregunto algo que jamás desaparece ¿qué hace un artista con su soledad? ¿Cómo es en ti la soledad del artista?

FM Es una dimensión muy peligrosa, especialmente por su ambigüedad. La mano con que se nos regala una cosa puede ser la misma con que se nos toma otra. Hay la frivolidad de la soledad. Hay la angustia de la soledad. Yo creo que nuestro tiempo tiene una idea confusa acerca de la soledad, dada por la estrategia de mercado de llenar la vida de sus clientes de oportunidades… de mercado. Es que vendemos de todo, lo único que hacemos hoy es vender cosas. Para la soledad, pastillas o recreaciones. Pero la soledad es una tecla explosiva en el ser humano. La soledad es un poco como la mamá del individuo. Es lo que creo que más hace falta en el arte actualmente.

MI El problema del tiempo ha sido abordado desde siempre como tópico poético. En tu poesía y en tu plástica se conjuntan la eternidad y el instante en la experiencia erótica, amorosa, siendo la materialización de ésta el cuerpo femenino o la observación del mismo. Sin embargo, quiero preguntarte aquí por otro tipo de tiempo, fuera de la literatura, o acaso dueño de ella: ¿qué opina Floriano Martins que pasará con su obra, cómo será leída su poesía en el futuro? Sobre esto mismo, ¿cómo lees al Floriano anterior? ¿Cómo cambia el tiempo a tu poesía?

FM No cuentes con verme dominado por la trampa de la presunción, querido. Sería absolutamente tonto decir que pasará con mi obra en el futuro. En general tomará el curso de buena parte de las obras, el camino de la desatención. En mi país, sobre todo. Pero no puedo tener ese tema entre mis preocupaciones. Observo lo que ha pasado con los demás, con muchos poetas con distintos grados de importancia, y simplemente no quiero preocuparme con eso. Lo que puedo es tratar de mirar mis exigencias, afinar mis obsesiones, lo que me lleva a buscar mejores definiciones estructurales para mis libros, cambiar versos, rever imágenes etc. La misma experiencia erótica que mencionas, por ejemplo, está poseída por varios fuegos a lo largo de los últimos 15 años, desde su acento místico en un librito publicado en 1992, Sábias Areias (sabias arenas), hasta la relación buscada actualmente de establecer un romance entre la figura y el paisaje.
Pero aquí te cuento una cosa. Este libro, Sabias Arenas, ya en su título nos lleva a una curiosidad. Es que en Brasil ya se puede hablar de una tradición de juego de palabras, trocadillos o canjes irresponsables de sonidos de pronto risibles pero sin aporte crítico o discusión aceptable. Como una broma, pero que puede llegar hasta un grado de influencia que comprometa la comprensión en serio de su objeto. Y ya no sabemos de qué reírnos. El chiste tiene un principio, sus reglas, su disciplina. Pero en Brasil tratamos de manera irresponsable al trocadillo, como si fuera la subversión de todo, incluso del mismo trocadillo. Cuando algo llega hasta este punto, lo que se comprende es que ya no sabe nada de sí, y pasa a copiar los manuales… de chistes, de obsesiones, de todo. Si no hay sentido en nada, pasemos a la gran revolución: crear una sociedad absolutamente sin sentido. Todavía no llegamos a eso en Brasil, pero si fuera por nuestros artistas, sobre todo la gente de las letras, ya seríamos pura ficción.

MI Comprendo lo que dices, pero no entiendo cómo salió todo eso del título de tu libro, Sabias arenas.

FM Es verdad, el trocadillo no percibido del título es lo que le da sentido (risas). El adjetivo en portugués (sábias) corresponde al sustantivo (sabbia) en italiano, o sea, es una trampa en que las arenas se mueven por toda parte. Todavía más que un juego de palabras, nos lleva a una relación circular relacionada con la misma estructura del libro, una serie de mantras que asumen la forma de décimas, sugestiva relación entre la lírica de oriente y occidente. Es un libro curioso también porque trata de la conflictiva relación –incluso amorosa– entre el poeta y su madre. Lo que digo es que nada fue comprendido en este libro. Un crítico en España, Jorge Rodríguez Padrón, fue el único a señalar las relaciones aquí referidas. Evidente que no digo que el problema de la realidad brasileña tenga que ver con su mala recepción de mis libros. Mi referencia arriba tiene que ver con cosas que asumen una connotación cada día más grave. Escenario en que nadie me parece interesado en siquiera comentar a respecto.

MI Me consta la existencia de poetas jóvenes que te leen y admiran. Es quizá porque tu actitud poética y vital es plenamente juvenil, fresca, sin dejar de tener una raíz en cada una de las tradiciones de las que tu poesía abreva. A pesar de saber que es un lugar común, no rechazo preguntarte ¿qué consejo darías a los poetas jóvenes?

FM ¿En serio? Reservaste al final de la entrevista la peor impresión que los lectores puedan tener de mí. Lo que soy es toda mi vida. Yo no pienso jamás en el personaje, no llevo una vida en función de él, el tipo que escribe, que es famoso, que es mayor, no importa. Hace 53 años que tengo la misma edad (tal vez un poco menos hoy), lo que quiere decir que acompaño con naturalidad mis altos y bajos, el rostro sincero de cada sensación, todo. Lo mejor que puedo decir a un joven poeta es que si acaso nos encontramos trate de pagar la cerveza.



*****

Entrevista concedida a Manuel Iris. Originalmente publicada em Agulha Hispânica # 4. Fortaleza, julho de 2010. MANUEL IRIS (México 1983). Poeta y ensayista. Licenciado en Literatura Latinoamericana por la Universidad Autónoma de Yucatán (premio al mérito académico), y Master of arts in spanish por la New Mexico State University. Autor de Versos robados y otros juegos (PACMYC-CONACULTA 2004, UADY 2006), y Cuaderno de los sueños (Fondo Editorial Tierra Adentro, 2009). Foto de FM, entre convidados, 2012 © Fábio Chiba.
Imagens reproduzidas nesta página:
2011 Sala de emergência
2011 Segredo da esfinge
2011 Sonho do espelho
2011 Tempo entredito

*****

Organização a cargo de Márcio Simões e Floriano Martins © 2017 ARC Edições
Artista convidado | Floriano Martins (ensaio fotográfico)
Imagens © Acervo Resto do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

1 PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO SURREALISMO, I
3 O RIO DA MEMÓRIA, I
4 VANGUARDAS NO SÉCULO XX
5 VOZES POÉTICAS
6 PROJETO EDITORIAL BANDA HISPÂNICA
7 VIAGENS DO SURREALISMO, II
8 O RIO DA MEMÓRIA, II
9 SEGUNDA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

Visite a nossa loja