segunda-feira, 24 de novembro de 2014

PAULO SORIANO | A perseverança do raro: entrevista com Camilo Prado





Camilo Prado é escritor, tradutor e editor.  É o responsável pela Edições Nephelibata, que tem publicado, ao longo de mais de  dez anos,  verdadeiros tesouros literários, inclusive no âmbito da literatura fantástica.  Conforme ele mesmo afirma, “seguindo o temperamento dos poetas simbolistas do século XIX e o espírito punk do ‘faça você mesmo’, a Edições Nephelibata se insere entre as ‘independentes’, editando livros em pequenas tiragens, destinados a um seleto número de leitores, insistindo em alguns títulos estranhos de autores obscuros por raro gosto estético e, sobretudo, por ter nascido, e permanecido, à margem”. De Santa Catarina, Camilo Prado nos concedeu, gentilmente, a entrevista:

PS | Qual a gênese de Edições Nephelibata?

CP | A gênese veio de algumas inspirações distintas: de um livro que o Celso Braida (que depois foi o primeiro autor publicado pela Nephelibata) fez ele mesmo em sua casa; daquele exotismo dos simbolistas de publicarem edições limitadas; também sempre admirei o fato de William Blake reproduzir e colorir seus próprios livros; enfim, fui punk, e aprendi a dificílima sabedoria do faça-você-mesmo. Então fiz. Daí nasceu essa anomalia que é hoje a Nephelibata. Cada título publicado é um paciente processo de impressão, dobras, costuras, prensagem, cola, secagem, corte... Fora a impressão, todo o restante é um processo artesanal. Mas no início a idéia era normal, ou seja, de criar uma editora como qualquer outra, mandar livros para gráfica, etc. Mas como isso demanda muito tempo e dinheiro, e havia essas “inspirações” pairando em minha volta, a idéia artesanal venceu. Tínhamos também um projeto de revista de literatura e filosofia que acabou não saindo. Enfim, eu fazia fanzines de poesia e política lá por 1990, e sempre fui um ávido leitor de tudo (nos últimos anos mais de literatura), também trabalhei com livros usados quando iniciei na universidade, tudo isso acabou, de uma maneira ou outra, contribuindo para o nascimento da Nephelibata.

PS | Na Nephelibata tudo parece excêntrico, singular. Muitos dos autores são obscuros, vários títulos são raros e estranhos, as tiragens são pequenas, os volumes são produzidos com o esmero de um artífice para o deleite de um seleto número de leitores igualmente excêntricos. Poder-se-ia dizer que a Nephelibata é um poema simbolista em forma de editora?

CP | Excêntrico? (risos). Se se fosse fazer uma enquete sobre minha pessoa aqui pela vizinhança, aqui na cidadezinha onde moro, certamente que meus vizinhos diriam de mim coisas do tipo: “sujeito estranho”, “esquisito”, “meio louco”... De modo que talvez a Nephelibata seja um pouco reflexo disso. Mas... a Nephelibata como um poema simbolista... Que idéia estranha! Um poema-objeto simbolista. Não sei. Porém, sinto-me completamente deslocado no tempo e no espaço, e tenho para mim que alguns títulos da Nephelibata poderiam fazer parte da seleta biblioteca de des Esseintes... e na Paris da década de 1880 eu teria sido um editor muito querido pelos decadentes e simbolistas, e certamente beberia muitos absintos no Rat Mort, no Chat Noir, na Brasserie des Martyrs, e zombaria junto com Villiers dos mercadores de livros de Paris...

PS | Villiers de l’Isle-Adam, Ambrose Bierce, William Hope Hodgson, Marcel Schwob… Qual o móvel que o leva a traduzir e/ou publicar autores tão malditos, estranhos, raros, obscuros?

CP | Antes de ser editor, tradutor, sou leitor. Um “leitor insano”. Que já roubou livros, que já passou fome para comprar livros, que já fez muitas e muitas peregrinações por bibliotecas e livrarias atrás de títulos que não conseguia encontrar. E não sou bibliófilo, não. Bibliófilos gostam de livros apenas enquanto objetos, eu gosto de livros para lê-los. Há mais de vinte anos atrás eu morava numa pequena cidade chamada Piçarras, no litoral de Santa Catarina, e dali eu ia a pé até o município vizinho, Penha, só para pegar livros emprestados na biblioteca de lá. Caminhava mais de doze quilômetros, ida e volta, de minha casa até a biblioteca só pelo prazer de ter um livro para ler. Por outro lado, já faz alguns anos que me causa enfado aquele tipo de literatura pseudo-intelectual cultivada em meio dos “eruditos”, principalmente os universitários. Literatura que trata de “problemas do ser”, “condição humana”, “a vida como ela é” e outras futilidades. E aos poucos fui descobrindo que autores como Hoffmann e Allan Poe possuem uma irmandade muitíssimo grande. De 1850 até 1950 encontramos um século de rial para mim ler “títulos estranhos de autores obscuros”. Na verdade, a maioria deles não são realmente “obscuros”, apenas são desconhecidos no Brasil. Por exemplo, nestes últimos dias li contos de Edward Page Mitchell, Kurd Kasswitz, Émile Goudeau, Gabriel de Lautrec. Neste momento, aqui do meu lado tenho Jean Lorrain, Claude Farrère e uma edição espanhola de The monk de Matthew G. Lewis (um clássico do romance gótico inglês inédito no Brasil). Na cabeceira da cama estou com uma edição francesa de histórias fantásticas de Gustav Meyrink. E há alguns dias traduzi dois contos de Charles Cros para uma antologia. São todos autores conhecidos em seus respectivos países e em boa parte do mundo, mas aqui são pouco conhecidos (e a culpa não é minha). Além disso, também leio outros que são de fato um pouco obscuros, mesmo em seus países de origem. Estou a mais de um ano organizando e traduzindo uma antologia em três volumes de Contos decadentes franceses, hispano-americanos e brasileiros. Para o volume francês selecionei 40 autores, alguns contistas são obscuros mesmo para os leitores franceses, como, por exemplo, Marc de Montifaud, Léo Trézenik ou Louis-Numa Baragnon. Há dois anos atrás pedi para um amigo, que foi para a França, comprar-me um exemplar de Le Docteur Lerne - sous-Dieu de Maurice Renard (que futuramente pretendo editar). De Paris o cara me escreveu dizendo que estava difícil encontrar o livro porque lá “ninguém conhece esse autor”...
Bem, fico então lendo esses autores que ninguém conhece, alguns deles me agradam, traduzo e publico (... e ninguém compra). Enfim, o enfoque nesses autores pouco conhecidos reflete, de alguma maneira, meu gosto como leitor. Para os próximos anos tenho projetos mais insanos: o mexicano Alberto Leduc, o guatemalteco Enrique Gómez Carrillo, o hondurenho Froylán Turcios, o peruano Clemente Palma, além dos malditos franceses: Lorrain, Mirbeau, Schwob, Gourmont, Allais, que lá na França são até um pouco conhecidos... Mas não me esforço para isso, quero dizer, não procuro “autores obscuros”. Na verdade, tenho a impressão de que são eles que me procuram... surgem em minúsculas notas de rodapé em livros de críticos literários, se lançam na minha frente quando vou a bibliotecas, saltam dos cestos de promoção nos sebos. Talvez haja alguma sintonia mística nisso, talvez seja porque eu também sou obscuro. Não sei...
E quanto à “margem”... Eu não nasci para ser empresário. Não gosto dessas coisas de documentos, assinar papéis, ir a cartórios. Quando jovem trabalhei em escritórios. É um saco! Eu gosto de literatura. Vivo entre livros e por livros, negócios não é o meu negócio! De modo que a Nephelibata começou marginal e segue marginal, e duplamente, já que boa parte dos autores que publica estão, eles também, na margem da “literatura oficial”. Além disso, por uma questão de lógica, “sucesso editorial” não pode ocorrer com livros em pequenas tiragens, assim, como insisto no processo artesanal, a margem é o meu lugar.


PS O que me move então em direção a esses autores é, por um lado, minha ânsia de leitura, por outro, uma vontade de transformar o percurso que faço como leitor em algo material, ou seja, em livros. Normalmente são autores que publico na Coleção Nimbus, que é o espaço mais “pradiano”, digamos assim, dentro do catálogo da Nephelibata. Eu sempre gostei de coleções: os livros do “Lado B” da editora Estampa (Portugal), a extinta coleção “Rebeldes & Malditos” da L&PM, a “Bibliothèque Marabout - Fantastique” da Marabout (Bélgica), a invejável “Valdemar Gótica” do editorial Valdemar (Espanha). Não sou lunático a ponto de tentar comparar a Nephelibata a esses editoriais, mas tenho como norte ampliar a Coleção Nimbus numa direção cada vez mais ao meu gosto. Na verdade é como se fizesse a coleção para mim mesmo, daí a publicação de autores “malditos, estranhos, raros, obscuros”. Sei que alguns títulos podem despertar algum interesse e vender, mas é sempre um pequeno interesse, um pequeno número de leitores. E isso me parece algo muito simples de entender. Dentro desse minúsculo número de leitores que tem o Brasil, quantas pessoas estariam interessadas em ler algo assim: “Então gritei e corri em direção à cama; o rosto era uma máscara de cera sob a qual se via a carne hediondamente roída; sem nariz, nem lábios, nem bochechas, nem olhos: os pássaros da noite tinham-lhe enfiado seu bico acerado, como se fossem ameixas. E cada mancha azul era um buraco em funil onde brilhava no fundo uma placa de sangue coagulado; e não tinha mais coração, nem pulmões, nenhuma víscera; pois o peito e o ventre estavam recheados com punhados de palha.” (Marcel Schwob)? É sempre um pequeno número de leitores que aprecia essa estética decadente, sempre foi, sempre será. E eu sou um deles, e podendo publicá-los, publico-os!

PS A Nephelibata está no mercado há mais de dez anos, com mais de meia centena de autores e títulos já publicados e tantos outros a publicar. Ela é uma prova de que há, no mercado, espaço para editoras independentes?

CP | Eu não gosto da palavra “mercado”. No mercado há mercadorias, bugigangas, quinquilharias, bibelôs. Livro é um objeto que contem arte, arte que proporciona prazer. Não consigo concebê-lo como mercadoria. Mas compreendo a questão (afinal, também há mercados de arte e de prazer) e a resposta é: sim, há espaço para as independentes. Mas editoras realmente independentes são coisas raras... Pois a maioria que se diz independente é completamente dependente do sistema capitalista que rege as publicações. Não diferem em nada, no procedimento, das “dependentes”. Existem até umas que se dizem “anarquistas” que são risíveis. Em suas páginas na web elas têm “carrinhos de compra” e trabalham com o “Visa” e o “Mastercard”. Estão todas dentro de um esquema “Anarchy for sale!”. São todas micro-empresas comerciais e a cada publicação elas informam, obrigatoriamente, aos ingleses o que estão publicando (via “isbn”). De qualquer maneira há espaço para todos, para tudo. Essa é a grande graça do liberalismo político. De modo que, na verdade, a única editora independente que conheço, junto com a Nephelibata, é a Sol Negro Edições, de Natal, com cujo editor, Márcio Simões, tenho uma parceria em alguns projetos em andamento. É claro que muitas pequenas editoras desenvolvem projetos interessantes. A Não Editora de Porto Alegre e a Antiqua de São Paulo são dois exemplos recentes de publicações diferenciadas.

PS O esmero na escolha dos títulos, a busca na qualidade das traduções, o empenho na confecção dos exemplares... Tais são os principais elementos que firmam a Nephelibata no mercado editorial?

CP | Talvez, junto com o “excêntrico” mencionado acima, seja um motivo. A Nephelibata teve a sorte de ter bons tradutores desde o início, acho que isso tem seu mérito. Mas eu sou suspeito para falar disso, quero dizer, de “méritos” da Nephelibata. Mas posso dizer que ser “pequeno” e “independente” é passível de ser criticado. Há bastante pré-conceitos entre leitores. Por exemplo, algum tempo atrás teve um sujeito que comprou uma plaqueta da Nephelibata, de Kaváfis, e depois fez uma postagem na web, onde transcreveu um poema da plaqueta, acrescentando um comentário sobre a tradução que dizia: “mas como se trata de uma pequena editora (...) fica a dúvida quanto à qualidade da tradução”. Como se uma coisa tivesse relação com a outra! (E logo do Kaváfis, cujos tradutores: um, além de ser grego, é professor de semântica, de inglês e de grego, e os outros dois são genialidades em idiomas: além do grego, falam russo, alemão, turco, árabe, guarani e mais uma dúzia de idiomas que eles nem gostam de dizer que sabem, como o francês, o italiano, o inglês, o espanhol... sem falar que Miguel Sulis fez mestrado, doutorado e pós-doc sobre a obra de Kaváfis). Há, então, com relação às pequenas e independentes editoras, preconceitos os mais variados, como o desse ingênuo que mencionei. Mesmo sendo do conhecimento de todos que grandes editoras, que publicaram grandes autores, já fizeram grandes plágios e publicam muitas traduções questionáveis. Mas continuam por aí e os ingênuos gostam porque são “grandes editoras”! Eu vi uma palestra de uma executiva de uma dessas grandes editoras em que ela explicou como funciona certa coleção “pocket” muito popular. É um esquema empresarial: paga-se o tradutor para traduzir o texto, que tem de evitar o máximo notas de rodapé, usar linguagem simples, usar travessões (excluindo as aspas nas falas, de uso comum em alguns autores), ou seja, manter o nível do texto dentro de um certo baixo padrão exigido pela editora, o que faz com que todos os autores fiquem parecidos; paga-se outra pessoa para fazer uma apresentação; paga-se outra para fazer a capa e, em alguns casos, paga-se até uma quarta pessoa para escrever o texto da contracapa! Ou seja, o meio empresarial dos livros não é nenhum reino encantado da literatura, é um negócio! Mas a ingenuidade do brasileiro é grande e a maioria é engambelada pela arma maior do “mercado”, a propaganda...
Por outro lado, há pessoas que se sentiriam ofendidas, diminuídas, se tivessem que ler um livro do qual foram feitos apenas 50 exemplares. Porque a maioria gosta de fazer parte do grande número, fazer parte do rebanho, da multidão. Para esses, só o que é “pop”, aquilo que todos têm, o que é “comentado”, é o “melhor”. É algo que certamente Freud explicaria. Mas eu não sei explicar (também estou à margem da multidão). E, obviamente, para esses a Nephelibata é uma coisa horrivelmente ruim: além de ser pequena e independente, faz tiragens de 50 exemplares de autores de quem “nunca ouvi falar”... Mas apesar disso, tem despertado o interesse e a curiosidade de diversas pessoas (inclusive de grandes escritores) em todos os cantos de nosso imenso país. Para os que gostam de criticar, encontram quem criticar, para os que gostam de ler coisas diferentes, têm onde encontrar. De minha parte, apenas sigo o meu caminho, fazendo o que gosto, da melhor maneira que me é possível.

PS | Como é possível publicar livros de qualidade – tanto no conteúdo quanto na apresentação gráfica –, em pequenas tiragens, a preços tão acessíveis?

CP | Isso se deve ao fato de não haver intermediários entre os livros e os leitores. Se os livros passassem por distribuidoras, fossem vendidos em livrarias, seriam mais caros. Mas a internet me possibilita um contato direto com os leitores. Alguns não confiam, mas fazer o quê? O fato também das tiragens serem pequenas inviabilizaria uma distribuição. Só seria possível distribuir os livros da Nephelibata em pontos estratégicos, em livrarias de capitais, por exemplo. Já tive algumas oportunidades nesse sentido, mas não quero. Como disse um sábio ladrão (Meneghetti): “o comerciante é um ladrão que tem paciência”. E os livreiros são, 99 por cento, comerciantes. E eu não gosto de ladrão. Compreendo o funcionamento do meio, já fui livreiro (quero dizer, já fui ladrão). Não vale pegar livros para vender sem ganhar, no mínimo, 25%. As livrarias de maneira geral cobram um mínimo de 30% sobre o valor do livro. Grandes livrarias, como a Saraiva e a Cultura, tiram no mínimo 50% sobre cada livro. É claro que eu poderia jogar essa porcentagem sobre os livros da Nephelibata alegando a “pequena tiragem” e o “artesanal”. Mas isso não me atrai. Sei que pessoas que vão se interessar, aqui no Brasil, por Baldomero Lillo, Alfonso Peña, ou Seféris, são leitores, de alguma maneira, especiais, “raros” e “excêntricos” se quiser. Pessoas, portanto, que vão ser um pouquinho parecidas comigo. Não tenho o objetivo de explorá-las. É por isso que (já disse isso em outra entrevista, e repito aqui) prefiro me considerar um artesão, e não um editor. A palavra “editor” passa logo a idéia de “empresário”. Não gosto disso. É evidente que tenho um custo para confeccionar os livros, é evidente que, procurando viver de livros, deles tenho que tirar meu pão de cada dia, mas isso não me parece justificar uma supervalorização sobre o trabalho que faço. Tenho um custo material (e pago imposto sobre todo o material que uso para fazer os livros; só o imposto sobre o papel é de 17%) e tenho o trabalho de confecção. Esse “custo” e esse “trabalho”, mais alguns exemplares que o autor ou tradutor ganham, dão o valor de venda do livro, que, em alguns casos, chega a ser quase a metade do valor de livros de grandes editoras que são produzidos em série como se fossem santinhos de candidatos políticos.

PS | Autor, tradutor, editor. Qual, dentre estas, é a faceta mais cara a Camilo Prado?

CP | Sem dúvida o autor. O tradutor e o editor de alguma maneira trabalham para os outros. O autor trabalha para si mesmo. Ainda que obscuro (entre os obscuros), eu gosto do que escrevo (caso contrário não escreveria). Há tempos que escrevo sob a necessidade de leitura: sinto desejo de ler alguma história com determinado clima, que se desenvolvesse em determinado ambiente e tal, e depois de dias, procurando e não encontrando algo assim para ler, eu escrevo aquilo que queria ler. Muitas vezes já me basta o simples fato de imaginar, rabisco alguns parágrafos e se sacia o desejo, outras vezes acabo concluindo um conto. Assim, tenho alguns livros editados, outros para editar e outros tantos para terminar, com o que me ocupo sempre que tenho ânimo e tempo para tal. Mas como leio bastante, e tenho também traduzido bastante nos últimos anos, tenho escrito pouco. Ainda que, como disse, gosto do que escrevo, só escrevo por necessidade de leitura. Sou um grande leitor de mim mesmo. O que é algo meio absurdo, mas real. Por outro lado, ao traduzir, e ao ler muito para escolher o que traduzir, me leva a ter sempre muita coisa boa para ler e deixo de ter uma razão para escrever, ainda que isso me seja muito querido. Ou seja, isso que me é o mais “caro”, a “autoria”, é também secundário em relação a minha insanidade como leitor.

PS | Sem dúvida, o seu esforço em traduzir e/ou editar obras e autores magníficos, mas pouco conhecidos ou divulgados, é digno de efusivos encômios. A Irmandade despede-se, agradecendo o seu esforço em prol da Literatura – sobretudo a fantástica – e a gentileza na concessão da entrevista. Há coisas que não se encontram em qualquer lugar. Vale a pena perseverar no que é raro?

CP | Grato, e vida longa à Irmandade! E... por falar em literatura fantástica e aproveitando a oportunidade... Além de alguns títulos “fantásticos” prontos para sair em breve pela Nephelibata e uma antologia, O homem do haxixe e outros contos de paraísos artificiais, a sair pela Sol Negro Edições, no início deste ano concluí uma pesquisa de pós-doutorado sobre literatura fantástica e metafísica; é um texto que estou deixando maturar e que lá para o fim do ano retomarei para transformar num livro, que se chamará algo como Literatura fantástica, numinoso e metafísica. É uma desgraça que no Brasil se conheça sobre o assunto quase que exclusivamente a Introdução à literatura fantástica de Todorov, que é uma excelente obra, mas concebe a literatura fantástica de uma perspectiva demasiadamente limitada. Há autores muito mais interessantes e mais perspicazes que escreveram sobre o assunto, como Louis Vax ou Irène Bessière, por exemplo. Meu texto explora a relação da literatura fantástica com a metafísica (filosofia) e com o sagrado (religião), mas apesar desse enfoque mais específico creio que abre para perspectivas mais amplas sobre o fantástico, sobretudo pela gama de autores aos quais tive acesso. Paralelo a esse livro iniciei uma história da literatura fantástica, uma breve história, claro, já que desde Horace Walpole, considerado o precursor, até os dias atuais temos mais de dois séculos de história sobre essa literatura, que se confunde com a literatura de horror, a de terror, com a ficção científica, o grotesco, coisas que não se pode resumir num único volume. De início me senti um petulante, parecia algo de extrema arrogância de minha parte pensar em escrever tal história, mas depois fui percebendo não apenas a absoluta falta de uma obra sobre a história da literatura fantástica, como também uma carência de textos sobre o fantástico com alguma base histórica no meio intelectual brasileiro. A maioria dos textos acadêmicos no Brasil que versam sobre literatura fantástica é baseado em Todorov. No entanto, minha idéia é pouco pretensiosa, com o que denomino Literatura fantástica: um itinerário pretendo fazer um percurso histórico sobre o que conheço dessa literatura. O que não é muito, mas como atualmente há uma grande falta de erudição no meio literário, me sinto capaz de pelo menos poder apontar um caminho para se conhecer tal história, que, aliás, é muito mais ampla do que a concebe o limitado Todorov.
“Perseverar no que é raro?” Em se tratando de arte, acho que eu não saberia perseverar em outra coisa, além do raro, do obscuro, do estranho...

Paulo Soriano (Brasil, 1962) Um dos editores da página web A Irmandade (www.airmandade.net), onde a presente entrevista foi originalmente publicada em junho de 1913. Contato: paulosoriano@gmail.com. Página ilustrada com obras de Nelson de Paula (Brasil), artista convidado da presente edição de ARC.



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