A bibliografia crítica sobre
Aimé Césaire cresceu exponencialmente em 2013, ano em que se comemorou na África,
na Europa, nas Antilhas e nas Américas o centenário do seu nascimento. Multiplicaram-se
os encontros universitários na França, na Martinica, no Senegal, nas Américas. Uma
importante atividade editorial acompanhou os colóquios, revistas, encenações, testemunhos
sobre o artista e o homem político. Novas Atas estão ainda por sair sobre os encontros
de Dakar, Fontevraud, Fort de France, Cérisy, Paris etc.
Dentre as muitas publicações
sobre Césaire, seria necessário destacar três obras importantes: a) os dois volumes
de Kora Véron e Thomas Hale, publicados em junho de 2013, intitulados Les Écrits d’Aimé Césaire. Bibliographie commentée
(1913-2008) [1] analisando o conjunto dos textos do autor e sobre o autor até
o ano de 2008; b) o ensaio de Daniel Maximin, Aimé Césaire, frère volcan [2] e no final do ano, c) a grande edição crítica da obra do poeta, dramaturgo e
ensaísta, coordenada por Albert James Arnold. [3] Em 2015, saíram dois outros volumes sobre o conjunto da obra
de Césaire, ambos publicados em francês, pela editora Königshausen & Neumann,
de Würzburg (Alemanha): a) o de Ernstpeter Ruhe, intitulado Une oeuvre mobile. Aimé Césaire dans les pays
germanophones (1950-2015) [4] e b) Césaire hors frontières. Poétique, intertextualité et littérature comparée,
de minha autoria. [5]
A produção teatral de Césaire
marcou definitivamente o teatro contemporâneo de língua francesa, não só do ponto
de vista textual como do ponto de vista da mise-en-scène.
Da e para a representação das suas peças surgiram companhias teatrais e revelaram-se
grandes atores negros. [6]
Por que escolher Une saison au Congo e não uma outra peça? Por
várias razões: a) Une saison ainda é a peça de Césaire menos
estudada pela crítica; b) ela nos permite fazer dialogar a produção do poeta antilhano
com a do congolês Sony Labou Tansi, seu principal herdeiro africano francófono (ser
herdeiro, no caso, não significa simplesmente seguidor ou epígono) e c) foi objeto
de uma encenação recente na França particularmente importante.
Note-se ainda de saída que Une saison possui, não três, mas quatro versões: [7] Seuil, 1966; Seuil, 1967, já com o
discurso final do joueur de sanza das
“duas garrafas”; Seuil, 1973; Désormeaux, 1976, esta coordenada pelo filho do poeta,
Jean-Claude Césaire. As duas edições do Seuil de 1967 e 1973, foram consideradas
“definitivas” sucessivamente pelo autor. Sem entrarmos em maiores detalhes, nossas
citações, por comodidade, fazem referência à edição Seuil, 1967, embora indiquemos
igualmente as páginas da edição crítica (Aimé
Césaire, Arnold) em notas de pé de página.
2. A documentação de Césaire sobre o Congo e o Kongo.
Je
peux me situer dans une culture qui passe au moins cinq frontières: je suis kongo.
Sony LABOU TANSI. Encre, sueur, salive et sang.
Seuil, 2015.
Césaire escreve a
sua peça, na realidade, a partir de uma muito sólida tríplice documentação: a) histórica
(documentação recente e antiga, abarcando o tempo da curta, média e longa duração),
b) antropológica e c) linguística.
2.1. A documentação linguística
e literária.
Um
pequeno cartão postal bilingue, distribuído pela delegação de língua portuguesa
num encontro internacional na Polônia ainda nos anos 50 do século passado, nos servirá
de ponto de partida para compreender o extremo cuidado de Césaire com a documentação
linguística e literária da sua peça sobre o Congo e a trajetória de Lumumba.
Em
1955, no festival internacional da juventude, em Varsóvia, a delegação portuguesa,
composta sobretudo por africanos das então colônias, [8] distribuiu aos participantes, um pequeno
cartão postal ilustrado: de uma lado, uma gravura [9] com duas angolanas, torso nu, pilando
juntas num grande pilão e do outro lado, um poema escrito em quimbundo, língua africana
do grupo banto, acompanhado da sua tradução em francês. O tema do poema: uma mãe
angolana chora o desaparecimento do seu filho, preso e enviado a São Tomé, porque
fora encontrado na rua sem documentos pela polícia portuguesa. O nome do autor do
poema (Mário Pinto de Andrade) não é indicado no cartão postal. Césaire, também
presente à reunião de 1955, guarda o cartão e a canção reaparece, onze anos mais
tarde, na sua peça teatral sobre Patrice Lumumba.
A
iconografia do volume Césaire hors frontières,
reproduz o cartão pertencente ao fundo Mário Pinto de Andrade da Fundação Mário
Soares, de Lisboa. [10] O poema “Chanson
à Sahalu” é com certa frequência reproduzido hoje em duas versões bilingues: em
quimbundo, acompanhado da tradução em português (nas antologias de poesia lusófona
africana) ou seguido da tradução em francês (aquela que foi distribuída aos delegados
dos diferentes países em Varsóvia).
Entre
o momento em que Césaire recebe e guarda o cartão nos seus papéis, e 1966, data
da primeira publicação da sua peça sobre o Congo, o poeta veio a conhecer e frequentar
mais de perto o intelectual angolano Mário Pinto de Andrade, em Paris. Este, exilado
de Lisboa, tornara-se o secretário de Alioune Diop, na editora e revista Présence
Africaine em 1955. [11]
Como
explicar a inserção do poema sobre Angola e São Tomé em Une saison? Duas razões são importantes: a) Césaire deseja evocar não
apenas o Congo belga, nação artificial nascida da colonização que isolou/separou
grupos étnicos, ignorando a geografia e as zonas culturais e b) busca ultrapassar
fronteiras que dividem etnias, fazendo entrar na sua peça não só a antiga zona cultural
banto (parte importante da África Ocidental) além de evocar o continente negro em
toda a sua grandeza e miséria. Isso explica ainda, por exemplo, que Lumumba ele
próprio canta, acompanhando-se numa guitarra, para sua mulher Pauline um poema em
swahili. [12]
Num
momento de melancolia, Lumumba dirige-se a Pauline que busca alertá-lo para os perigos
e as traições que pressente:
Ce
qui me vient à l’esprit est un air de tristesse.... Tu connais, Pauline, cette chanson
swahili?
La lumière descend doucement,
cependant qu’il chante sur la guitare.
T’appuierais-tu
même
du doigt
sur
un arbre qui pourrit?
Arbre
pourrissant, la vie!
même
du doigt
ne
t’y appuie!
(Une saison, ibid., p. 73)
Swahili,
lingala, [13] quimbundo, [14] kikongo: [15] de certa forma,
diferentes línguas do Congo emergem na peça de Césaire nas canções do tocador de
sanza e de outros personagens: além de
Lumumba, as mulheres do bairro africano, o primeiro carcereiro, Mama Makosi, o coro,
o hino do Katanga que faz secessão, os mercenários, até a voz ameaçadora da Guerra...
O
poema-canção em quimbundo de Mário Pinto de Andrade reaparece portanto, onze anos
mais tarde, na sua versão em francês, numa cena capital de Une saison: é uma maneira de fazer entrar mais um pedaço do antigo reino
do Kongo, tal como os cronistas portugueses do século XVI o descrevem. A passagem,
no texto césairiano, se insere no grande diálogo de Mokutu e Lumumba, dois antigos
amigos e aliados, agora adversários. Patrice Lumumba, numa longa tirada, evoca o
mapa doloroso da África, impresso na palma da sua mão:
.....Tu
y penses à l’Afrique, quelquefois? Tiens, regarde là! Pas besoin
de carte épinglée au mur. Elle est gravée sur la paume de mes mains.
Ici, la Rodhésie du Nord, son coeur le Copper belt, la Ceinture
de Cuivre, cette terre silencieuse, sauf de temps en temps, un juron de contremaître,
un aboi de chien policier, le gargouillement d’un colt, c’est un nègre qu’on abat,
et qui tombe sans mot dire. Regarde, à côté, la Rhodésie du Sud, des millions de
Nègres spoliés, parqués dans les townships.
Là l’Angola! Principale exportation: ni le sucre ni le café,
mais des esclaves! Oui, mon colonel des esclaves! Deux cent mille hommes livrés
chaque année aux mines de l’Afrique du Sud contre du bon argent qui tombe tout frais
dans les caisses vides de papa Salazar!
Y pendant comme un haillon, cet îlot, ce rocher, Sao Tomé
sa petitesse bouffe du nègre que c’en est incroyable! Par milliers! Par millions!
C’est le bagne de l’Afrique!
(Il chante):
Notre fils cadet
Ils l’ont envoyé à San Tomé
Parce qu’il n’avait pas de papiers
Aiué
Notre fils n’est pas revenu, notre fils
La mort l’a enlevé
Aiué
Ils l’ont envoyé à San Tomé
(Une saison,
Seuil, 1967, II, 9, p. 8081) [16]
Lumumba
canta a versão em francês do poema escrito pelo poeta angolano. O herói, depois
de referir-se a Angola e a São Tomé (ilha no golfo da Guiné, lugar de degredo e
punição no universo colonial português), resume o texto do Mário de Andrade agora
sob forma de canção, citando o início e o fim do poema do outro. Segue-se a lista
das tragédias de África: a África do Sul e outros países que ultrapassam largamente
a região dos Bantos (Gana, Guiné, Senegal, Mali, Benin, Camarões, Togo etc.).
O
testemunho de Daniel Maximin é interessante sobre os ensaios da peça: os atores
de Christian Schiaretti, vindos
de diferentes países africanos, emocionavam-se ao descobrirem canções dos seus territórios
de origem. Na encenação de Schiaretti, fez-se uma retradução das canções para as
diferentes línguas étnicas, realizada graças ao concurso do grupo do Burkina-Faso
chamado a colaborar: este é provavelmente um dos pontos altos do espetáculo de 2013. [17]
Geograficamente,
são evocadas na peça de Césaire as diferentes províncias dos dois Congos mais Cabinda
e o Katanga, com as suas variadas etnias, entregues à tentação sempre presente de
retorno ao tribalismo.
Do
ponto de vista estritamente linguístico, é interessante notar que o nº de palavras
dos diferentes idiomas bantos é muito mais elevado na peça de Césaire do que na
peça de Sony Labou Tansi que analisamos a seguir. Virando rapidamente as páginas,
encontramos sucessivamente: jikita, jibula
(dois tipos de vestidos femininos, ibid.,
p. 15), Makosi (= femme puissante, nome
da dona de um bar, ibid., p. 17), le matabich (ou seja o “matabicho”, a aguardente
que se toma cedo, o que confirma a presença de palavras do português, ibid., p. 22) com o desenvolvimento de outro
sentido figurado (o gorjeta ou suborno que ajuda a conseguir vantagens ilícitas),
bwana Kitoko (ibid., p. 23, p. 26 “le petit
roi blanc”), Uhuru (ibid., p. 29, ), kizola ko (= je n’accepte pas, ibid.,
p. 44), un Mbota Mutu ( ibid., p. 51), le malafu (le vin de palme, ibid.,
p. 64), la sanza (este belo instrumento
de marcha que os angolanos chamam quissange
e que aparece em pelo menos duas gravuras de Debret [18] sobre o Brasil do início do século
XIX), o n’golo congolais (ibid., p. 94), Mahdi (ibid., p. 94), nzambi (ibid., p. 112), etc.
2.2. A documentação antropológica.
A
documentação antropológica aparece em vários passos. Está ligada a gestos e ritos
que se referem ao nascimento, a antigas crenças, a textos iniciáticos.
No
Parlamento congolês, na primeira sessão da Independência (ibid., I, 6, p. 25-32), o resumo do discurso histórico de Lumumba é
acompanhado, na peça histórica de Césaire, pela evocação tradicional do nascimento
de uma criança. Os termos políticos (“camaradas”
ou “irmãos de combate”) são substituídos
pelo sentido messiânico do filho prestes a nascer. O Congo torna-se ao mesmo tempo
a Mãe dos seus filhos e o Filho, promessa de futuro, volta a ser grafado Kongo:
C’est
le jour où le monde accueille parmi les nations
Congo,
notre mère
et
surtout Congo, notre enfant,
l’enfant
de nos veilles, de nos souffrances, de nos combats.
Camarades
et frères de combat, que chacune de nos blessures se transforme en mamelle!
Que
chacune de nos pensées, chacune de nos espérances
soit
rameau à brasser à neuf, l’air!
Pour
Kongo! Tenez. Je l’élève au-dessus de ma tête;
je le ramène sur mon épaule
trois
fois je lui crachote au visage
je
le dépose par terre et je vous demande à vous; en vérité
connaissez-vous
cet enfant? Et vous répondez tous: c’est
Kongo,
notre roi!
Je
voudrais être le toucan, le bel oiseau, pour être à travers le ciel, annoceur, à
races et langues
que
Kongo nous est né, notre roi! Kongo, qu’il vive!
Kongo,
tard né, qu’il suive l’épervier!
Kongo,
tard né, qu’il clôture la palabre!
(Une saison, ibid., p. 28-29)
Interrompemos
a citação que poderia continuar ainda: o discurso de Lumumba, na peça Une saison, ultrapassa o nível simplesmente
histórico/político e alcança o simbólico, reunindo o Congo (RDC e RC, ou os Congos
belga e francês) do século XX e a evocação mítica do reino do Kongo, fundindo e
reinterpretando crenças ancestrais. Outras passagens, na peça de Césaire, realizam
essa mesma fusão e o leitor facilmente saberá identificá-las. [19]
Uma
personagem, além do próprio Lumumba, funciona como comentador, ora irônico, ora
lírico, ora sarcástico: é o tocador de quissange (“le joueur de sanza”). Misto de contador de histórias, de fool shakespeariano, de consciência crítica
ou ainda de feiticeiro tradicional, o músico-griot atravessa todo o texto. É dele o epílogo final na versão já de
1967, cantando a balada dos tempos ambíguos ou das duas garrafas:
Cependant
que le rideau tombe lentement, le joueur de sanza s’avance et chante en guise d’épilogue,
la ballade des temps ambigus, ou des deux bouteilles.
Le
sorgho pousse
L’oiseau
quitte le sol
pourquoi
refuser à un homme
le droit de changer?
Refuse-t-on à manger
à
celui qui a faim?
Pourquoi contrarier un pays
que tient une soif:
celle d’espérer?
Mais minute! Il ne faut pas s’emballer.
Un début n’est qu’un début
et les parties, c’est non pas à moitié,
mais
entières qu’elles se jouent.
Toi,
donc, si tu pousses
il
faut que droit tu pousses
et si tu quittes le sol
que ce soit pour planer.
Toute saleté déjoue la blancheur d’une bouteille
Maintenant que tu prends de la bouteille,
point de bouteille obscure!
Ce n’est point enfantillage
Blanche bouteille et bouteille blanche!
Ici finit mon babillage.
(Une saison,
III, 7, ibid., p. 115-116)
Por
fim a documentação histórica sobre a qual se constrói a peça é extremamente densa,
articulando, de forma sutil, acontecimentos antigos e recentes. A cada vez que se
aprofunda a pesquisa, o que parecia simples detalhe sem importância ou fruto da
imaginação, ganha forma, densidade e complexidade. Poderíamos multiplicar os exemplos.
Césaire, ao traçar através dos seus personagens em ação, o seu panorama congolês,
reúne elementos vindos da longa duração e da breve duração, segundo a lição de Fernand
Braudel. [20] Ao lado da história tradicional, de datas e acontecimentos precisos, dita “fatual”,
ou seja, das “oscilações breves, rápidas, nervosas” e da história cíclica e conjuntural
(história econômica e social) caracterizada por fases mais lentas, Braudel introduz a história quase imperceptível
e que escapa ao olhar, mesmo atento, do observador, interessando-se pelos fenômenos
extremamente longos (evolução das paisagens, a repetição imemorial da transumância,
o homem na sua relação com o meio, a emergência inesperada de crenças ancestrais,
aparentemente desaparecidas ou esquecidas).
Já adiantamos que os nomes dos personagens históricos são
levemente modificados, embora perfeitamente identificáveis: o rei Baudoin torna-se
Basílio; o general Jansenss, Massens; Mobutu, Mokutu; o presidente Joseph Kasa-Vubu,
Kala-Lubu;
Moïse Tshombé, Tzumbi; [21] etc. E há os que não mudam de nome: Patrice Emery Lumumba; Pauline Lumumba; Dag Hammarskjöld;
Okito; M’Polo: com exceção de Pauline, todos morrem em cena, são assassinados
ou desaparecem pouco tempo depois em acidente estranho. [22]
3. Entre Baudelaire e Rimbaud : La fête qu'assaisonne et parfume le sang e Une saison en
enfer.
O nome da peça de Césaire remetendo ao mesmo tempo
a um alexandrino saído de um poema de Baudelaire, “Le Voyage”, publicado em Les Fleurs du mal (1861) e ao título de um
volume de poemas em prosa de Rimbaud [23] (1873), é um
verdadeiro achado: conjuga conotações fundamentais, ao mesmo tempo, de lirismo e
massacre, desejo de evasão e revolta. Ganhou uma variação no volume de Présence
Africaine de 1967, num artigo de Frédérique Dutoit, intitulado “Quand le Congo ne sera qu’une saison que le sang
assaisonne”. [24] Na verdade, a frase surge do núcleo
central do segundo ato de Une saison:
depois do massacre dos Balubas pelos Luluas, numa terrível guerra tribal logo depois
da Independência, Lumumba decide fazer face e celebrar a tomada de Bakwanga, apesar
do massacre entre etnias e dos mortos.
O poeta que, segundo sua mulher
Suzanne Roussi, [25] nunca soube dançar e que tinha dois
pés esquerdos, compõe uma belíssima cena lírico-trágica sobre o dançar em que a
dolorosa presciência do desastre e da morte próxima já se anuncia. Numa espécie
de tango (ou cha-cha-cha) celebrando a vida e a morte ao mesmo tempo, Lumumba dança
com uma rapariga Lulua, Hélène Bijou, na penumbra rosa e verde do bar “Chez Cassian”.
Citamos apenas a conclusão da cena:
Lumumba:
C’est
bien, Bijou! voilà dansée la danse de ma vie!
Bijou, quando je ne serai plus;
quand
je me serai défait, comme dans
le ciel
nocturne, l’aveuglant météore aveugle,
quando
le Congo ne sera plus qu’une saison que le sang assaisonne
continue
à être belle
ne gardant
du temps épouvantable
que les quelques gouttes de
rosée qui rendent plus émouvant d’avoir traversé l’orage
l’aigrette du colibri.
Allons, amie, point de tristesse:
dansons jusqu’à l’aube et
me donne le coeur à marcher
jusqu’au bout de la nuit. (Une saison, II, 6. Seuil, 1967, p. 68)
Hélène Bijou, da etnia Lulua
(etnia que massacrou os Balulas, os chamados “judeus negros” da África), guardará desse tempo “épouvantable” apenas a “aigrette du colibri”, ou seja, a minúscula
coroa de penas irisadas do colibri.
Este pássaro aliás é um tema
importante na poesia de Césaire. Colibri é uma figura popular nos contos tradicionais
antilhanos: depois de morto e decepado pelos seus inimigos, revive e volta para
cobrar todas as suas penas perdidas e dispersadas. Césaire escreve, na revista Tropiques, sobre o herói popular um ensaio
importante juntamente com René Ménil [26] e fará um dos
seus mais belos poemas sobre Colibri, símbolo cifrado de resistência e de vitória
futura. [27]
Publicada cinco anos após a
morte de Lumumba, as primeiras leituras da peça Une Saison provocaram verdadeira comoção social em Bruxelas, com piquetes
à porta do teatro e polícia nas ruas. [28] Os primeiros
leitores e os espectadores da peça, inclusive da primeira encenação oficial em Paris,
tinham ainda na memória a fotografia que correra mundo: Pauline Opango, viúva de
Lumumba, seios nus, vestida apenas com um pagne
tradicional amarrado à cintura, caminhando nas ruas de Kinshasa entre uma turba
de homens prontos a humilhá-la, assim como a foto de Lumumba preso, num carro de
assalto, cercado de militares, com o olhar esgazeado, o rosto voltado para cima
porque um soldado o agarra pelos cabelos.
4. Intertextualidades.
Como sempre em Césaire, a análise, mesmo rápida,
da intertextualidade pode tomar caminhos aparentemente surpreendentes. A intertextualidade
abarca jogos com diferentes tipos de textos, do próprio autor ou de autores outros,
o que nos leva a considerar intra– e intertextualidade propriamente dita.
Na intra-textualidade césairiana,
um leitor atento perceberá facilmente certas constantes nas peças de Césaire. O
próprio poeta destacaria, numa entrevista, as relações entre Christophe e Lumumba:
“C’étaient tous deux des poètes (...) des
visionnaires très en avance sur leur époque. Pas plus
politicien l’un que l’autre, lancés derrière un idéal très noble, ils perdent contact
avec une réalité qui ne pardonne pas”. [29] No entanto, um leitor atento verá ainda facilmente
que:
a) o diálogo entre Lumumba e
sua mulher Pauline retoma, de certa forma, o diálogo entre Christophe e Mme Christophe,
a figura feminina vendo mais longe e mais claro que o herói, confiante na sua utopia;
b) o tocador de quissange corresponde
ao mesmo tempo ao comentador inicial da peça La Tragédie du Roi Christophe e a Hugonin, este o bufão autoproclamado
da corte real e também face inquietante de Baron Samedi, o loa da morte do vodu haitiano;
c) a cacofonia do senado congolês
em Léopoldville (Une saison, I, 11, p.
42-43) repete a confusão cômica e patética da assembleia de Pétion, na República
do Sul que se opõe ao reino do Norte em São Domingos (aliás Haiti);
d) palavras que aparecem pela
primeira vez em Une saison reaparecem
na peça seguinte de Césaire, Une tempête,
reescritura da última peça shakespeariana, como, por exemplo, o grito final de Caliban
vitorioso diante de um Prospero diminuído e repetitivo: Uhuru e
e) do ponto de vista das imagens,
apesar de uma adequação sempre atenta com a geografia, zoologia e/ou botânica da
região em causa (Haiti, Congo e seus rios, Antilhas), há articulações recorrentes
entre gestos e sobretudo animais simbólicos que perpassam toda a obra césairiana.
Esta é finalmente a intratextualidade mais sólida que se dá no nível mais profundo,
propriamente simbólico: é essa trama simbólica que dá a coerência de uma poética.
Na intertextualidade propriamente
dita, buscamos mostrar em nosso Césaire hors
frontières como textos aparentemente improváveis – a épica portuguesa, a leitura
de W. H. Auden ou da Bíblia, referências ocultas a Dante, ensaios eruditos de antropólogos
africanistas, a lembrança da Kundalinî saída do Mahabharata hindu, uma resposta lúdica a André Breton a partir de uma
publicidade de tabaco para cachimbo do Canadá francês, as telas de Wifredo Lam,
além de topônimos do Rio de Janeiro ou de Salvador da Bahia (sic), etc. – são referidos
na trama textual dos poemas. [30]
Sem desejar alongar muito a
questão, lembramos aqui, apenas a título de exemplo, três textos – aparentemente
surpreendentes – que dialogam conscientemente em Une saison au Congo: Calderón de La vida es sueño, mestre Eckhart e Saint-John Perse. Por outras palavras:
o teatro barroco espanhol, a Idade Média renana e a poesia das Antilhas francesas
no século XX.
A. Tshitungu Kongolo, professor
associado da Université de Lumumbashi (RDC), responsável pelo estabelecimento do
texto, notas e comentários de Une saison,
para a edição crítica dirigida por James Arnold, engana-se provavelmente quando,
em nota em pé de página (ibid., p. 1123)
explica a mudança do nome do rei dos Belgas de Baudoin para Basile, referindo Basílio
o Grande que, juntamente com Cassiano e Bento, foram os legisladores do monaquismo
da Alta Idade Média. Acrescenta ainda o crítico congolês que o Rei Baudoin fazia
questão de exibir e reivindicar a sua fé católica. A explicação de A. Tshitungu
Kongolo, em verdade, não explica muito: nada no texto de Césaire sugere qualquer
referência a um monge eremita dos primórdios do cristianismo oriental. Basílio,
no entanto, é o nome do terrível rei da Polônia, pai de Sigismundo, que encerra
o seu filho desde o seu nascimento numa torre porque um oráculo anunciara que Sigismundo
não podia ser livre por ser de índole perversa. Ou seja: Basile (pseudônimo do rei
Baudoin) remete à obra-prima de Calderón, La
vida es sueño (1635). O significado desta peça é o de uma aprendizagem do poder.
Aprendizagem dupla: do pai e do filho. Segismundo aprende a ser rei com o erro do
pai que o renegou e impediu-o de ser livre e tornar-se responsável; Basílio aprende
com o filho que não soube ser rei. A indecisão de Basílio, de Calderón, é a indecisão
de Baudoin, Rei dos belgas, pai simbólico de filhos coloniais e do Congo. A recusa
em acreditar que o filho (o Congo) possa ser livre é a recusa do governo de Bruxelas
(banqueiros e militares, ministros belgas e do seu rei).
A amplitude da leitura bíblica
é sempre surpreendente em Césaire, [31] mas primeira
citação do longo discurso do diplomata sueco Dag Hammarskjöld (secretário geral
da ONU, personagem sem mudança de nome) sai de um poema de Saint-John Perse, [32] prêmio Nobel da literatura em 1960:
“Je t’ignore
litige, et mon avis est que l’on vive!
Avec la
torche dans le vent, avec la flame dans le vent,
Et que
tous hommes, en nous, si bien s’y mêlent et s’y consument
qu’à telle
torche grandissante s’allume en nous plus de clarté... Irritable la chair où le
prurit de
l’âme nous
tient encore rebelles
Et c’est
un temps de haute fortune, lorsque les grands aventuriers de l’âme
sollicitent
le pas sur la chaussée des hommes, interrogeant la terre entière,
sur son
aire, pour connaître le sens de ce très grand désordre, interrogeant
le lit,
les eaux du ciel et les relais du fleuve d’ombre sur la terre
peut-être même s’irritant de
n’avoir pas réponse...” [33]
(in Une saison, I, 12, ibid., p. 45-46)
Ninguém aparentemente poderia
ser mais distante de Césaire, descendente de escravos negros da Martinica, de Saint-John
Perse, filho de uma linhagem aristocrática de békés, nascido em Pointe-à-Pitre, na Guadalupe. E no entanto, ambos
se encontram na memória de uma infância e de um tempo/espaço antilhanos, e sobretudo
na concepção de que a poesia ao utilizar o tesouro da imaginação, é instrumento
autêntico de conhecimento. [34]
Enfim, o embaixador sueco, enviado
pela ONU, ao Congo recita, no seu discurso, o texto do teólogo e filósofo dominicano
dos séculos XIII-XIV, Mestre Eckhart (c. 1260-c. 1328), conhecido como o primeiro
dos místicos renanos, buscando explicitar o seu modelo ideal do homem justo e neutro:
Ceux [...] qui sont complètement
sortis d’eux-mêmes; qui ne cherchent rien au-dessus ni au-dessous, ni à côté d’eux-mêmes;
ceux qui ne poursuivent ni bien ni gloire, ni agréemnt ni plaisir, ni intérêt, ni
sainteté ni recompense, mais se sont dégagés de tout cela. (in Une saison, I, 12, ibid., 46-47).
Mas resta saber se este ideal
de liberdade transcendental, longe dos conflitos da terra pode ser seguido por chefes,
políticos e diplomatas. O discurso do homem “neutro” e “justo” recebe um desmentido
brutal na peça de Césaire: o fracasso de Dammarskjöld na peça precede o fracasso
de Lumumba. Mas o feixe de textos religiosos pelos quais se guia esse protestante
culto faz parte da intertextualidade da peça.
5. Morte e metamorfose: Patrice Lumumba.
A terceira peça de Césaire introduz um elemento novo.
Até então, no seu teatro, havia uma oposição, por vezes discreta mas constante:
herói deitado/vencido fertilizando com seu sangue a terra vs herói de pé; herói agrário vs
homo faber; grão enterrado na terra vs semente da pedra. Este era essencialmente
o esquema nuclear do Roi Christophe com
a oposição Metellus vs Cristophe.
Essa oposição desaparece totalmente
em Une saison. Não há quem se oponha a
Lumumba.
Não é fácil imaginar o choque
de 1966 provocado pela nova peça: o Congo é independente e Lumumba, 1º ministro,
em 1960; tenta combater a secessão do Katanga; é destituído em 1961 e assassinado
no mesmo ano e apenas cinco anos depois, Seuil publica a primeira versão de Une saison, posta em cena em Bruxelas já
em março de 1967 por Rudi Barnet. Seguem-se os espetáculos de Veneza e a temporada
de Paris, por Jean-Marie Serreau.
Consideremos portanto Lumumba
na sua diferença como personagem césairiano. Sua morte em cena é o lugar de uma
metamorfose simbólica.
Lumumba, desde o início, é visto
pelos demais personagens como aquele que está sempre em movimento, agitado e febril,
voando de um lado para outro. Não tem nada de Colibri. Mais do que pássaro, ele
é asa que voa. Na grande cena 2 do ato III, ele dirá, frente à multidão, ao tocador
de quissange que lhe quer oferecer a pele do leopardo, símbolo do poder:
Un jour dans la brousse, j’ai
rencontré mon âme sauvage: ele avait forme d’oiseau! Et mieux qu’une peau de léopard,
c’est, élan et empan, d’un oiseau que tu ferais mon signe! L’oeil, le bec! Pour
entrer aux temps neufs, de l’ibis la remige mordorée! (Une saison, ibid., p. 93)
Lumumba é profeta, anuncia e
vê o futuro. Esta presciência dos tempos futuros coexiste, aliás, com uma certa
cegueira sobre a situação atual; sua mulher percebe melhor do que ele a traição
em marcha e a duplicidade dos que o cercam. Esse vidente parcialmente cego fala
muitas vezes por imagens e alegorias em que recita mitos ancestrais. Já fizemos
anteriormente alusão ao seu grande diálogo com Mokutu. Lumumba, depois de descrever
a África gravada na plama da sua mão (exemplo de geografia corporal em que o herói
contém todo o Continente) apela ao (falso) amigo afirmando que a neutralização pretendida
por Mokutu provocaria a morte de dois animais simbólicos: “l’oiseau arc-en-ciel” e “le double
serpent”. O texto parece misterioso e esotérico. Recordemos a passagem inicialmente:
Mokutu, sais-tu ce que tu t’apprêtes
à faire? Le petit
carré de lumière au haut de la cellule du prisonnier, tu tires là-dessus le rideau
d’ombre! Le grand oiseau arc-en-ciel, qui visite le plafond de cent cinquante millions
d’hommes, le double serpent, qui de part et de l’autre de l’horizon se dresse et
s’obstine pour conjoindre une promesse de vie, une attestation de vie et de ciel,
tu l’abats d’un seul coup de bâton et vois, sur le continent tout entier, tomber
les lourds plis écailleux des maléfiques ténébres! (Une saison,
II, 11, p. 82)
Mokutu lhe responde brutalmente:
Je ne te suivrai pas dans ton
Apocalypse!
Je n’ai pas à répondre de l’Afrique,
mais du Congo!
Et j’entends y faire régner
l’ordre, comprends-tu? L’ordre!
(Une saison, II, 11, p. 82)
Já analisamos com mais vagar
esse estranho par que aparece tantas vezes na obra de Césaire: o pássaro e a dupla
serpente. [35] Ele está presente, de diferentes maneiras,
não só no final do Cahier d’un retour au pays
natal [36] em que a serpente sobe como “lambedor
do céu”, como em outros poemas e nas peças teatrais. Um e outro ligam-se ao loa Damballah do Vodu haitiano e, de maneira
mais larga, à noção do Dan africano.
Um dos aspectos mais interessantes
de Une saison faz com que a peça possa
ser lida por Antilhanos e Africanos que nela reencontram seus mitos e/ou crenças
de origem. Uns e outros compreendem que a pretendida “neutralização” política de
Lumumba, seu afastamento imposto, sua prisão (e depois sua morte) correspondem a
uma diminuição da energia cósmica: o imobilismo estéril e maléfico daí resultante
explicando-se, do ponto de vista mítico, como um ataque ao grande deus-serpente
Dan e/ou ao poder do loa Damballah.
A cena da morte de Lumumba por
M’Siri é particularmente importante: um é o pássaro que inventa o futuro, manifestação
do Dan; o outro, a hiena, animal do passado
que come os mortos. M´Siri enfiando a baioneta no corpo do prisioneiro, pergunta:
“Alors prophète, qu’est-ce que tu vois?”
(ibid., p. 110). Lumumba, agonizante,
responde afirmando a sua presença nos campos e nas pastagens, nos montes e nos vales,
e como vidente anuncia o futuro:
Oh! Cette rosée sur l’Afrique!
Je regarde, je vois, camarades, l’arbre flamboyant, des pymées de la hache, s’affairent
autor du troc précaire, mais la tête qui grandit, cite au ciel que chavire, le rudiment
de l’écume d’une aurore.
(Une saison, III, 6, p. 111)
Lumumba se transforma assim
ao morrer. Dialeticamente, para que o vencido seja vencedor, ele deve transfigurar-se,
ou seja, mudar de essência e de forma: o herói que voava no momento de cair e morrer,
volta à terra. Sua cabeça, como árvore, cresce ainda mais e pela primeira vez, Lumumba
vê-se como árvore.
Pauline avança e recita uma belíssima estrofe ao
mesmo tempo surrealista e poética sobre Lycaon (Licáon ou Licaonte em português),
o mítico rei da Arcádia que insulta os deuses do Olimpo ao devorar e fazer servir
carne humana à mesa, sendo punido por Zeus que o transforma em lobo. Será o primeiro
lobishomem. Para Paulime é o momento do “alfabeto
do medo” e ela apela à “copulação dos
astros e dos desastres”. Segue-se o discurso sibilino do tocador de quissange
suplicando ao Nzambi, o deus supremo dos bantos, que coma com medida e moderação. [37] Assim, no texto césairiano, o canibalismo
cruel não só dos homens como dos deuses têm uma versão sintética em que lembranças
greco-latinas e crenças africanas se misturam e se respondem.
O enviado da ONU evoca o Cristo,
os chefes congoleses clamam suas boas intenções ou a sua moderação, Mokutu anuncia
que o nome de Lumumba será dado a um boulevar no que foi outrora Léopoldville e
uma estátua será erguida à sua memória anunciando “une nouvelle saison” (Une saison,
ibid., 115).
Na versão de 1967, o tocador
de quissange canta a canção das duas garrafas, que poderia ser traduzida em português
como a dos dois copos com água pelo meio: estão vazias ou cheias? Mas a partida
se joga sempre com duas garrafas: “blanche
bouteille et bouteille blanche”. Se lembrarmos da expressão corrente em francês,
já utilizada desde o século XVIII pelo menos, blanc bonnet ou bonnet blanc, [38] para apresentar
como diferentes, coisas ou pessoas no fundo iguais, sabemos o que o “babillage” do tocador de quissange nos coloca,
enquanto leitores e espectadores, diante de um final aberto e crítico, em que cabe
a cada um interpretar o que leu ou viu.
O final da peça césairiana levanta
um problema complicado de representação. O que fazer depois da morte do herói em
cena? As diferentes versões da peça oferecem assim um largo leque de escolhas [39] ao metteur-en-scène, o que nos permite
agora considerar de mais perto o espetáculo de Christian Schiaretti, de 2013.
6. A recepção do espetáculo de Christian Schiaretti, no TNP (Théâtre National Populaire, 2015).
Une saison au Congo, o drama histórico de Césaire sobre o Congo e Patrice Lumumba, com grande número
de personagens, é bastante longo em qualquer das suas diferentes versões e levanta
vários problemas evidentes para a sua encenação, mesmo numa cena nacional subvencionada.
Provavelmente, como no teatro de Shakespeare, a peça nunca é, e nunca será, objeto
de uma montagem em que se representa o texto integral sem cortes por vezes mesmo
invisíveis. A complexidade e própria “mobilidade” histórica do texto assim o indicam
e haverá forçosamente uma leitura do metteur-en-scène
que seleciona camadas de significação deixando de lado outras, menos exploradas
ou por ventura consideradas menos atuais.
Para quem lê os jornais, o número
elevado de intervenções dos diferentes governos franceses (de esquerda ou de centro-direita)
naquilo que se chama hoje ironicamente a “Françafrique” (ou seja a África de língua
francesa), apenas nos últimos 20 anos, é bastante revelador: contam-se facilmente
mais de 20 intervenções militares, entre pequenas e grandes, rápidas e longas, solitárias
ou solidárias (ou seja, a França juntamente com outros países europeus). A frequência
das intervenções armadas forneceu provavelmente um dos fios condutores à montagem
de Schiaretti. A sua encenação, seguindo a lição de Brecht, privilegia a luta entre
facções, as reviravoltas dos grupos em conflito e as ingerências político-militares
e econômicas. Um caco, introduzido, na representação de 2013, e retomado na temporada
de novembro em Sceaux, articula a peça com o famoso discurso de Nicolas Sarkozy
em Dakar, de 2007. [40]
O elenco da peça incluía atores-cantores, a maioria de
origem africana, por ordem alfabética de sobrenome: Joëlle Beli-Titi, Valérie Belinga, Stéphane Bernard, Yaya Mbilé Bitang, Olivier Borle, Paterne Boungou, Clément Carabédian, Mwanza Goutier, Safourata Kaboré, Marcel Mankita, Maxime Mansion, Bwanga Pilipili, Emmanuel Rotoumbam Mbaide, Aristide Tarnagda, Mahamadou Tindano, Philippe Vincenot, Marc-Antoine Vumilia Muhindo, Charles Wattara, Marius Yelolo, Marc Zinga. Este último representava Lumumba.
[41]
A recepção da peça pelos críticos
e público foi de certa forma preparada através da realização de um Cahier du TNP, o de nº 12, do qual constam
uma série de textos:
a) “Aimé Césaire”, por Daniel
Maximin, p. 3;
b) “L’Histoire hissée à la hauteur
des mots, regard de Daniel Maximin” (trecho do ensaio Aimé Césaire, mon frère volcan, a sair em junho de 2013 pelo Seuil),
p. 4-13;
c) “Mon théâtre, c’est le drame
des nègres dans le monde moderne”, citação da entrevista de Césaire ao jornal Le Monde no momento da criação da peça, a
7 de outubro de 1967, p. 15-19;
d) “Césaire, Vitez et la Comédie-Française”,
pequeno texto de Jacqueline Leiner no programa da Comédie-Française quando a peça
La Tragédie du Roi Christophe entrou oficialmente
para o seu repertório, p. 20-21;
e) “La
mort du héros. Trois exemples dans l’oeuvre
dramatique de Césaire”, com citação de passagens de Et les chiens se taisaient... (p. 22-23), La Tragédie du Roi Christophe (p. 24-25), Une saison au Congo (p. 26-27);
f) Citação de trecho de um poema
de Césaire, “Le temps de la liberté”, saído do volume Ferrements. Seuil, edição de 1994;
g) “Congo, une histoire. Les
années mouvementées de l’Indépendance, 1960-1965”, passagens extraídas do livro
de Reybouk, David van. Congo, une histoire.
Actes du Sud, 2012, p. 30-31;
h) “Lumumba à son épouse”, carta
integral de Lumumba, já na prisão, a Pauline, de 30 de janeiro de 1960, p. 32-33;
i) “L’heure de nous-mêmes a
sonné”, excertos do ensaio-panfleto de Césaire em que anuncia desligar-se do PCF,
Lettre à Maurice Thorez, Présence Africaine,
1956, p. 34-35;
j) a reprodução de página manuscrita
com o poema “Mot-macumba” e sua transcrição, do volume moi, laminaire... Seuil, 1994, p. 36;
k) um resumo assinado por Daniel
Maximin sobre “Césaire poète”, p. 37, seguido de uma passagem do Cahier d’un retour, p. 39; “1941: le regard
de André Breton”, p. 40-41; “1945: le regard de Suzanne Césaire, p. 43; “Césaire
poète: regard sur Wifredo Lam”, p. 45; “...regard sur Léopold Senghor”, p. 46; “...
regard sur Léon Damas”, p. 47; “... regard sur Frantz Fanon”, p. 48.
O dossier, didático e muito
bem feito, é uma excelente introdução à obra de Césaire nos seus diferentes aspectos
para o grande público. Foi evidentemente feito em colaboração com Daniel Maximin.
Sobre o espetáculo de Christian Schiaretti consultamos vários dossiers da imprensa: [42]
a) os jornais franceses nacionais
(Le Monde: Fabienne Darge e Odile Quirot),
Le Figaro (Armelle Héliot) , Le Nouvel
Observateur (Andrea Genovese), Les Inrocks (Fabienne Arvers), AFP mondial, Les Trois coups (Trina
Mounier), Les échos (Philippe Chevilley);
b) os jornais e sites culturais
de Lyon ( Le Progrès (Antonio Mafra, mais uma
entrevista com Marc Zinga, ator que incarna Patrice Lumumba), Le Petit
bulletin (Antonio Mafra), Le Tout Lyon (Antonio Mafra), Lyon plus (Guillaume Beraud), Lyon 1ère (Gérald Bouchon), Lyon capitale (Caïn Marchenoir), IC Couleurs (sem assinatura), La Tribune
de Lyon, Le Dauphiné, Hétéroclite ;
c) alguns jornais africanos
(Les Dépêches de Brazzaville (Rose-Marie Bouboutou) e
d) outras publicações (Le Quotidien du médecin (Michel Cavalca).
Enfim, falta-nos ainda consignar
que assistimos à encenação de Schiaretti na sua temporada no Théatre de Gémeaux,
em Sceaux, no outono de 2013 (temporada de 8-24 de novembro), o que nos permite
acrescentar algo à recepção da encenação.
Do ponto de vista pessoal, a
encenação nos pareceu absolutamente magnífica e coerente a partir da linha de leitura
adotada. No entanto, a solução de substituir o personagem do tocador de quissange
(le joueur de sanza) por uma pequena orquestra
ao vivo (piano, baixo, percussão e cantora) tocando música afro-cubana ou jazz,
presente durante todo o espetáculo, se por um lado deu força ao coro e ritmo à ação,
por outro lado eliminou não só uma referência intratextual de Césaire como igualmente
uma referência cultural africana importante.
A retradução das canções em
diferentes línguas da África Ocidental causou evidentemente impacto no público de
origem africana. Se pensarmos que no espetáculo de Jean-Marie Serreau, de 1967,
o joueur de sanza era representado pelo
mesmo ator que anteriormente tinha feito o rei Christophe – Douta Seck – percebemos
a importância que foi reconhecida à personagem pelo metteur-en-scène.
O griot oficia, há séculos, como comunicador tradicional em toda África
ocidental e o quissange é ao mesmo tempo o instrumento daquele que caminha (na floresta
ou na savana, à beira dos rios ou das lagunas) e do contador noturno de histórias
ao pé da fogueira. Le joueur de sanza,
imaginado por Césaire, era ao mesmo tempo um griot e um músico: estava ancorado fundo numa realidade cultural africana.
Ainda hoje a tradição dos griots está viva e atuante: o melhor exemplo
disso é o diretor, ator e contador burkinabé, Hassane Kassi
Kouyaté, atual diretor da nova cena nacional da Martinica, Tropiques – Atrium: nascido
em 1964, numa linhagem de griots mandingas
desde o século XIII, é o filho do ator mítico de Peter Brook, Sotigui Kouyaté (1936-2010). [43] O que significa isso? Se por um lado, a pequena orquestra de
Schiaretti foge ao “folclórico” ou o evita, segundo um dos críticos franceses, por
outro lado, o folclórico no caso só existe para quem não tem consciência histórica
de uma função secular africana. Gostaria de pensar que se Une saison fosse montada um dia na Martinica ou no Brasil, o tocador
de quissange não fosse eliminado como personagem. [44]
Uma última observação ainda pessoal: o papel de Pauline
Lumumba é mais importante do que o simples número das suas cenas poderia fazer supor.
Ela faz o contraponto ao marido e anuncia/profetiza o que virá: a traição. É ela
que num texto final, bastante opaco, reúne simbolicamente o canibalismo dos deuses
ao canibalismo dos homens. O problema que se põe, ao encenar a peça é: como fazê-lo
ressaltar isso para o público que ignora o texto? Criando uma cena ou uma presença
muda?
A encenação de Schiaretti tem pontos altos: a sua Une Saison au Congo constitui uma aventura baseada
na troca e no trabalho coletivo. Mais de trinta atores em cena: nove de origem africana,
de diferentes etnias, aliás com alguns já vivendo há anos em Bruxelas; seis saídos
do coletivo burkinabé Béneeré; três da troupe regular do TNP; dois da Maison des
comédiens du TNP e quinze figurantes recrutados na grande Lyon para uma coralidade
cenográfica. Isso significou uma certa diversidade de sotaques (belga, africano
etc.)
A presença ao lado do director
de um escritor amigo de Césaire, Daniel Maximin, -engajado ao mesmo tempo numa obra
de criação pessoal, critico/editor respeitado ligado à defesa e ilustração dos poetas
da negritude (Damas, Suzanne Césaire, etc.), ainda conhecedor da relação de Césaire
com os seus encenadores anteriores (Jahn e Jean-Marie Serreau) -, assegurou a Schiaretti
uma certa liberdade em relação ao texto publicado (aliás bastante móvel, como sabemos)
permitindo-lhe inscrever a obra no tempo contemporâneo ao memso tempo da África
e da França dos nossos dias.
O trabalho com o coletivo
africano nasceu em duas etapas. A proposta inicial surgiu do encontro entre Schiaretti
e o grupo burkinabé [45] Béneerée em agosto de 2012.
Um segundo encontro, de março de 2013, ocorreu na capital, Ougadougou. A proposta
foi enriquecedora para ambos: a) por um lado, o coletivo permitiu a retradução das
canções recolhidas em tradução e/ou escritas por Césaire para as línguas de diferentes
etnias; b) por outro lado, os atores convidados puderam adquirir outras bases
de trabalho, as de uma companhia nacional francesa (formação técnica essencialmente);
c) por fim, melhor integração dos diferentes grupos num conjunto homogêneo e diversificado.
Desse trabalho nasceu a proposta de abordar o texto de Aimé Césaire na sua dimensão
política e histórica assim como a sua estrutura de dramaturgia.
Representado num palco nu para o qual os atores levam,
quando necessário, accessórios vários (cadeiras, mesas, garrafas etc.), dentro de
um grande círculo cuja circunferência é pintada de branco sobre o chão, [46] tendo ao fundo à esquerda a pequena
orquestra de quatro músicos ritmando a ação e uma espécie de balcão elevado de onde
falam os dignatários antes de descerem à arena, o cenário muito simples e eficiente,
ajudado por um excelente jogo de luzes, oferece uma leitura inteligente e direta
dos diferentes espaços evocados. O espetáculo de Schiaretti é um modelo de concisão
e coerência, capaz de sustentar e fazer passar a poesia do texto de Césaire.
NOTAS
1. Paris, Champion, 2013,
891 p. Aí encontrará o leitor, uma bibliografia documentada e comentada sobre cada
obra de Césaire.
2. Seuil, juin 2013: a obra
interessa na medida em que um poeta, ensaísta e romancista, nascido na Guadalupe,
analisa a criação poética de um outro poeta antilhano francófono.
3. Aimé Césaire. Poésie, Théâtre, Essais et Discours. Edition critique. Coordinateur Albert James Arnold. AUF,
Présence francophone, CNRS Editions, ITEM, décembre 2013, 1805 p. Daqui para frente:
Aimé Césaire, Arnold.
4. Com 293 páginas, o texto
é particularmente importante porque descreve e analisa a mobilidade das obras teatrais
de Césaire, seu contexto de publicação e de representação, sobretudo a colaboração
do autor com seus diferentes metteurs-en-scène
e tradutores.
5.
Königshausen & Neumann, 2015, 402 p. Daqui para frente: Césaire hors frontières.
6. A colaboração de Césaire
com Janheinz
Jahn na Alemanha e Jean-Marie Serreau foi particularmente frutífera. Para
representar o seu teatro, surgiram companhias como Les Griots (com Sarah Maldoror, Toto Bissainthe, Samba Babacar, Timothée
Bassori e Robert Liensol) ou a Compagnie du
Toucan e revelaram-se atores como Douta Seck, Doura Mané, Yvan Labejoff etc.
7. Ver Aimé Césaire, Arnold, p. 1101-1182; Notes,
p. 1183-1188; Annexes, p. 1189-1193. O responsável pela transcrição, notas e anexos
de Une saison é o professor A. Tshitungu
Kongolo (da RDC). Ele ignora o texto de 1967 sem que haja uma justificação para
tal. Sobre a análise das modificações, – essencialmente acréscimos -, o texto fundamental
continua a ser RUHE, Ernstpeter. “Mokutu et le coq divinatoire”, in Soleil éclaté: mélanges offerts à Aimé Césaire
à l’occasion de son soixante-dixième anniversaire par une équipe internationale,
édités par Jacqueline Leiner. Tübingen, Günter Narr Verlag, 1984, p. 355-373. O
artigo de Ruhe tem ainda a grande vantagem de poder ser facilmente consultado pela
Internet.
8. Uma forte presença lusófona
impõe-se progressivamente a partir dos anos 50 até os anos 70 nos festivais mundiais
da juventude, organizados sob inspiração da antiga URSS.
9.
O desenho é da autoria de Antônio Domingues.
10.
Documento frente e verso de nºs 04354-001-004-001 e 04354-001-004-002, fundo Mário
Pinto de Andrade, Fundação Mário Soares, Lisboa.
11. Sobre a chegada a Paris
e as primeiras relações de Mário de Andrade nos anos 1954 – 1955, consultar a “Chronologie
parallèle”, in Césaire hors frontières,
p. 53 – 124. Essa Cronologia, bastante longa, busca articular, pela primeira vez
e de forma sistemática, a produção francófona com a produção de língua espanhola,
inglesa e portuguesa sobretudo nas Américas. Sobre as relações entre os dois homens,
Césaire e o angolano Mário de Andrade, consultar textos inéditos, ibid., p. 329 (“La récade de Césaire”) e
p. 331 – 336 (“Discussion de deux poètes et hommes politiques sur le Roi Christophe”).
12. O suaíli ou suaíle (Kiswahili),
também chamado Swahili (como está
em Une saison), é a língua banto com maior
número de falantes ainda hoje. É uma das línguas oficiais do Quénia, da Tanzânia
e de Uganda, embora os seus falantes nativos, os povos ditos “swahilis” pareçam
ser originários das regiões costeiras do Oceano Índico, na África oriental. É falada
por cinquenta milhões de pessoas no mundo, – além dos países que a têm como língua
oficial -, como uma língua franca, ou seja uma koiné, língua de comunicação e comércio, supranacional.
13. O lingala é língua banto
falada hoje na República Democrática do Congo (RDC), na República do Congo e ainda
na República centro-africana, com 2 milhões de falantes como língua materna e uma
dezena de milhões de locutores outros. Ao lado do francês, é uma das quatro línguas
nacionais do Congo-Kinshasa (RDC), ao lado do kikongo, do swahili e do tshiluba.
14. O kimbundu, quimbundo, dongo, kindongo,
loanda, mbundu, loande, luanda, lunda, mbundu, n'bundo, nbundu, ndongo ou mbundu do norte é uma língua, igualmente
do grupo banto, falada no noroeste de Angola, incluindo a Província de Luanda. O português possui muitos empréstimos lexicais do quimbundo, inseridos
no vocabulário durante a colonização do território angolano e/ou através dos escravos bantos vindos para o Brasil. Por outro lado, expressões populares do português, como mata-bicho, aparecem com o mesmo significado
em Une saison: pequena quantidade de álcool
(aguardente ou cachaça) que se toma em jejum, geralmente de manhã; em sentido figurado:
propina para facilitar um negócio ou transação, suborno.
15. O kikongo (ou cabinda, congo, kongo, kikoongo) é a língua falada nas províncias
de Cabinda, do Uíge e do Zaire, no norte de Angola, no Baixo Congo, na República Democrática do Congo e nas regiões limítrofes da República do Congo. É uma das línguas nacionais de Angola, tem diversos dialetos e era a língua falada no antigo Reino do Congo. O dramaturgo congolês Sony Labou Tansi que abordamos a seguir, foi alfabetizado,
numa missão protestante sueca, em kikongo.
16.
Aimé Césaire– Arnold, Une saison, II, 9, p. 1160. Na
transcrição do discurso de Lumumba a Mokutu, duas gralhas aparecem, inesperadamente:
as passagens “Regarde, à côté, la Rhodésie
du Sud,”
e “bouffe du nègre que c’en est” foram
cortadas.
17.
Voltamos à recepção da montagem de Schiaretti, de 2013, no final deste texto.
18. Um grande músico africano
da sanza foi Francis Bebey (Duala, Camarões,
1929 – Paris, 2001). Em Angola, o instrumento diz-se quissange. Em gravuras de Debret, de 1826, aparece a sanza/quissange, ver, por exemplo: “Passeio
no domingo à tarde” (em que um grupo de oito escravos, endomingados e descalços
no seu dia de folga, caminham ao som de duas sanzas) e “Carregadores de café” (em que um negro forte abre a marcha
de uma fila de escravos que descem ao litoral, carregando grandes sacas de café
às costas). A sanza é essencialmente um
instrumento de marcha ou de contador de histórias: precisamente um “lamelofone”, sendo classificado nos idiofones. É construído sobre
uma tábua com alguns centímetros de espessura, de forma rectangular, onde se fixam
uma série de lamelas (de 7 a 22), cada uma com um tamanho diferente produzindo notas distintas, presas a um cavalete metálico. Por cima do cavalete é colocado um travessão transversal apertado
por ganchos. As lamelas, regra geral, são espatuladas e ligeiramente levantadas
dos lados. A sua construção varia consoante a região e a etnia, podendo ou não usar
caixa de ressonância, as escalas também variam consoante o numero de lamelas. Estão identificadas,
pelo menos cinco variantes de quissange.
O mais disseminado é constituído por uma série de nove lâminas ficando a maior ao
centro e as restantes dispostas de cada lado, reduzindo-se o tamanho, do centro
para as pontas. O instrumento é seguro com as duas mãos e tocado beliscando as lamelas
com o polegar de cada uma. É um instrumento de som fluido, muito utilizado durante
caminhadas longas ou como acompanhamento quando um mais velho conta histórias à
noite, em volta da fogueira. Pode-se ouvir facilmente a sanza de Francis Bebey consultando o You-tube.
19. Na bibliografia especializada
sobre a peça, não foram encontradas análises mais aprofundadas sobre a documentação
antropológica de Césaire. O poeta leu sem dúvida nenhuma La Philosophie bantoue, do franciscano Placide Tempels, de 1945, expressamente
citada no seu Discours sur le colonialisme
e leu também, muito provavelmente, os volumes importantes do jesuíta Joseph Van
Wing sobre os Bakongos. Sugerimos para uma nova pesquisa uma leitura sistemática
de pelo menos três volumes: 1. Études bakongos:
Histoire et sociologie. Bruxelles, 1921; 2. Études bakongos: religions et magie. Bruxelles, 1938; 3. Légendes des bakongos orientaux. Bruxelles,
1940.
20. Em 1958, por ocasião da sua controvérsia com Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel aprofunda o que já fizera no seu magnífico
La Méditerranée et le monde méditerranéen à l'époque de Philippe II, explicitando o conceito da “longue durée”
num ensaio com esse titulo, in Annales. Économies,
Sociétés, Civilisations. 13e année, nº 4, 1958, p. 725-753, justificando o modelo
da pluralidade dos tempos históricos (estrutural / conjuntural / fatual). Por outras
palavras: a longa, a média e a curta duração. O modelo é retomado e explicado ainda
in BRAUDEL, Fernand. Écrits sur l’histoire. Flammarion, 1969.
21. Ernstpeter Ruhe commente:
“l’allusion au zombie du culte
de vaudou haitien, livré sans volonté propre au sorcier qui l’avait rappelé à la
vie, con-vient parfaitement au rôle de Tshombé, marionnette entre les mains des
banquiers qui, avec son aide, défendent leurs intérêts financiers au Katanga” (in “Le coq divinatoire”, op. cit., p. 358).
22. Dag Hammarskjöld falece a 18
de setembro de 1961 em Ndola, Rodésia do Norte (hoje Zâmbia), numa controversa queda
de avião. Na representação de Schiaretti, a personagem, logo após o seu discurso
em que exprime a seu sentimento de culpa, cai ao chão, sugerindo, aos espectadores,
a sua morte próxima.
23. Une saison en enfer
é o volume de poemas em prosa de Rimbaud, redigido em julho de 1873, depois
da crise vivida com Verlaine em Bruxelas e do retorno a Roche, a quinta familiar
perto de Charleville. O primeiro esboço do volume, começado alguns meses antes,
chamava-se Livre païen ou Livre nègre. Rimbaud é uma das grandes leituras de Césaire juntamente com Lautréamont: consultar
a respeito a revista Tropiques.
24.
In Présence Africaine, 1967, nº 64, p.
138 – 145.
25. Suzanne Césaire é a colaboradora essencial do marido
sobretudo durante os anos da revista Tropiques.
Foi nessa revista que Suzanne publicou todos os seus ensaios, editados por Daniel
Maximin, sob o título Suzanne Césaire : le grand camouflage.
Écrits de dissidence (1941-1945). Seuil, 2009. O casal teve seis filhos. Suzanne morre a 16 de maio de
1966. Sobre a colaboração entre Aimé e Suzanne, ver o meu texto “Suzanne Césaire
dialogue sur et avec Aimé Césaire ou Une autre diabase”, a ser publicado por Présence Africaine e que pode ser consultado
em Agulha Revista de Cultura.
06/01/2016 – LILIAN PESTRE DE ALMEIDA
| Suzanne Césaire dialogue sur et avec Aimé,... malgré son rôle très actif dans
la revue Tropiques pendant la guerre,
est,.... (prêt en 1943 et publié en 1947) et de Présence Africaine (de 1956).
26. In Tropiques, nº IV, janvier 1942: Aimé Césaire e René Ménil assinam
juntos “Introduction au floklore martiniquais”, em que lêm as aventuras de Colibri
assim como é contada nas vigílias antilhanas.
27.
Ver, sobre o assunto, Césaire hors frontières,
p. 300 – 301,
28. Ver, sobre a primeira representação da peça, o livro
recente de Ernstpeter Ruhe. As primeiras representações têm lugar em Bruxelas, de
20 de março a 5 de abril, sob a direção de Rudi Barnet, da companhia Théâtre Vivant.
Forma-se então um comité de apoio a Césaire e à sua peça de que fazem parte Sartre,
Beauvoir e Jan Van Liezde. Em agosto de 1967, os mesmos atores, dirigidos agora
por Jean-Marie Serreau, preparam a representação em Paris. Depois da Bienal de Veneza
(La Fenice), a peça é representada pelo Théâtre de l’Est Parisien (TEP). Nesta montagem,
Douta Seck representa o joueur de sanza. Um document da BNF (bibliothèque nationale de France)
dá a distribuição e toda a ficha técnica do espetáculo.
Représentation : Paris (France) : Théâtre de l'Est Parisien
– 04-10-1967. Contributeurs : mise en scène de Jean-Marie Serreau
; drame en 2 parties d' Aimé,..
29.
Entrevista várias vezes citada no dossier de imprensa, feito pelo TNP.
30.
Césaire hors frontières, p. 163-195; p.
209-217; p. 287-299; p. 307-314, etc.
31.
Ver sobre o assunto, in Césaire hors frontières,
p. 163-194.
32.
Cf. Vents, chant 5, p. 59– 60.
33.
O texto em questão, dito pelo personagem do secretário geral da ONU, aparece entre
aspas: é explicitamente uma citação.
34. No momento da morte de
Saint-John Perse, Césaire dedicou-lhe um poema-túmulo que analisamos in Césaire ou la rhétorique funèbre
sur les héros et les amis disparus”, in Mémoire
et métamorphose, p. 114-119, O texto de Saint-John Perse ao receber o Nobel
poderia ser articulado facilmente ao belo texto de Césaire pronunciado em Haiti,
em 1944 e reproduzido na revista Tropiques
nº 12, intitulado “Poésie et connaissance” (in
Aimé Césaire, Arnold, p. 1373 – 1395).
35. Mémoire et métamorphose. Aimé Césaire entre l’oral et l’écrit. Königshausen
& Neumann, 2010, p. 376-383.
36.
Aimé Césaire. Cahier d’un retour au pays natal,
2e édition. L’Harmattan, 2012, p. 56-62, p. 178-181.
37. Uma nota de A. Tshitungu Kongolo
(Aimé Césaire, Arnold, p. 1181)
informa que a invocação foi recolhida e traduzida por Van Wing em Etudes bakongo, sem indicar volume nem página.
De todas as maneiras, uma leitura aprofundada dos textos do jesuíta e etnógrafo
deveria trazer mais luz sobre a documentação antropológica de Césaire.
38.
Cf. o correspondente em inglês, two sides of the same coin.
39. Lembrar o final múltiplo
de Jacques le fataliste et son maître,
de Diderot, com a sua primeira edição em livro (póstuma) de 1796: o autor oferece
para a sua narrativa vários finais aliás bastante diferentes e se o leitor não gostar
de nenhum deles, deve pegar a pena e escrever o seu. O mesmo acontece de certa forma
com Une saison. Na versão de 1966, o tocador
de quissange volta-se para o público e entoa o grito de guerra congolês: Luma! Luma!, grito repetido por Pauline.
Em 1967, temos a canção ambígua das duas garrafas, já nossa conhecida. Em 1973,
Mobutu, no seu gabinete, prepara o fim do luto pelo herói morto. Em 1976, Mobutu
reabilita, em praça pública, Lumumba.
40. O discurso foi pronunciado
pelo presidente Nicolas Sarkozy e redigido pelo seu conselheiro Henri Guaino, no
dia 26 de julho de 2007, na Universidade Cheikh-Anta-Diop, de Dakar (Senegal) suscitou
várias críticas na França e por toda a África. Por um lado, a ausência da consciência
dos erros cometidos durante o período colonial e por outro lado, o paternalismo
visto como arrogante do presidente francês. Em 17 de setembro de 2008, o presidente
do Senegal, Abdoulaye Wade, defende ironicamente Nicolas Sarkozy, como “victime de son nègre”. Um dos sentidos de
nègre em francês é aquele que escreve
os textos assinados por outro. O discurso pode ser encontrado facilmente na Internet.
41. Ficha técnica por ordem
alfabética de sobrenome: Vincent
Boute (iluminação), Françoise
Chaumayrac (Penteados), Fabrice
Devienne (Música), Henri Dorina (Músico), Laurent
Dureux (Som), Mathilde
Foltier-Gueydan (Direção iluminação),
Fanny Gamet (cenografia), Baptiste
Guiton (assistente da mise en scène),
Jacques
Largent (Músico), Daniel Maximin (Dramaturgia), Moïse Touré (colaboração artística), Thibaut
Welchlin (Figurinos), Paul Zoungrana (Assistente da mise en scène) Fanny Gamet (Acessórios),
Françoise Chaumayrac (Maquiagem), Fabrice Devienne (Piano), Henri Dorina (Baixo),
Jacques Largent (Percussão).
42.
Indicamos entre parênteses os nomes dos autores das resenhas e críticas de cada
jornal.
43. Ator na adaptação do
Mahabharata de 1985, em seguida filmado. Atuou em muitas peças de Peter Brook, no
famoso Bouffes du Nord, em Paris: La Tempête
(1990), L’Homme qui (1993), Qui est là? (1996), Hamlet (2000), Le Costume
(2000), La Tragédie d’Hamlet (2003), Tierno Bokar (2004).
44. Um pequeno artigo recente,
publicado na revista eletrônica La Lettre
de Madinin'Art du 20 avril 2016, assinado por Roland Sabra transcreve o resumo
feito por Hassane Kassi Kouyaté sobre o papel do griot: “En Europe, on ignore ce que veut dire griot : pas
seulement un conteur, mais tout à la fois le dépositaire de la mémoire de son peuple,
mémoire uniquement orale, un maître de la parole, un généalogiste qui connaît toutes
les ascendances de chacun, le maître des cérémonies, gardien des traditions et des
coutumes, et, surtout, un médiateur. Le griot est celui qu’on épargne durant les
batailles parce qu’on aura besoin de lui ensuite pour faire la paix, celui aussi
qui tente de résoudre les conflits au sein des familles, là où le chef n’a pas à
intervenir.”
45. O Burkina Faso – literalmente “país dos homens íntegros” – é um país da África Ocidental, sem
acesso ao mar, cercado pelo Mali, Niger, Benim, Gana e Costa do Marfim. Sua capital
é Ouagadougou.
46.
A referência a Brecht é evidente.
*****
LILIAN
PESTRE DE ALMEIDA (Brasil, 1936). Ensaísta. Página ilustrada com obras de Valdir Rocha
(Brasil, 1951), artista convidado desta edição de ARC.
● ÍNDICE # 103
Editorial | Os horizontes não param de brotar
ESTER FRIDMAN | Como tornar-se uma obra de arte - a escultura de si mesmo
GABRIEL JIMÉNEZ EMÁN | Algunas variaciones sobre la metamorfosis de Franz Kafka
HAROLD ALVARADO TENORIO Piedra y Cielo 1936-1942
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/10/harold-alvarado-tenorio-piedra-y-cielo.html
LILIAN PESTRE DE ALMEIDA | O teatro de Aimé Césaire: Une saison au Congo
LILIAN PESTRE DE ALMEIDA | Pier-Paolo Pasolini et l’anthologie de Mario Pinto de Andrade sur la poésie nègre de langue portugaise
MARIA LÚCIA DAL FARRA | Florbela Espanca e Ada Saffo Sapere: Alentejo e Reggio Calábria no feminino
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/10/maria-lucia-dal-farra-florbela-espanca.html
OSCAR JAIRO GONZÁLEZ HERNÁNDEZ | En la muerte de Germán List Arzubide (1898-1998)
OSCAR JAIRO GONZÁLEZ HERNÁNDEZ | Meditaciones antimetafísicas
PIER PAOLO PASOLINI | La Résistance nègre
ROXANA RODRÍGUEZ | Rubén Sicilia y el Teatro del Silencio
ARTISTA CONVIDADO | VALDIR ROCHA | ELVIO FERNANDES GONÇALVES JUNIOR | Valdir Rocha, um olhar sobre o abismo
*****
Agulha Revista de Cultura
Número 103 | Outubro de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente
o pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução
de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80
Nenhum comentário:
Postar um comentário