Beijando a urze triste dos outeiros.
Nas ravinas do monte andam ceifeiros
Na faina, alegres, desde o sol
nascente.
Cantam as raparigas brandamente,
Brilham os olhos negros, feiticeiros;
E há perfis delicados e trigueiros
Entre as altas espigas d’oiro
ardente.
Florbela Espanca,“Alentejano”
E revejo sentadas no patamar
as velhas a soltar dos laços
os cabelos de estopa amarela,
castanhos e perfumados nos dias
longínquos
de feno e de trevos
e as mulheres tagarelas na dobadoura;
oh vós, pálidas oniromantes,
a interpretar os sonhos da noite
cardando a giesta;
e com imponência de Vestal,
a feiticeira, celebrar o ritual
murmurante contra a desgraça,
o sal
cuspindo nos umbrais.
Ada Saffo Sapere, “Calábria” [1]
Creio
que apenas ao apresentar para vocês estes dois excertos, um de Florbela Espanca,
do poema “Alentejano”, e outro de Ada Saffo Sapere, do poema intitulado “Calábria”,
torna-se possível esboçar as respectivas ambiências regionais e psicológicas onde
se movimentam tais poéticas que, aqui, num esforço comparativo, vou me aplicar em
aproximar.
No soneto de Florbela, o sol forte e afetuoso
da sua terra alentejana contracena com a tristeza das urzes que, por sua vez, entra
em dissonância com a alegria delicada mas transbordante das raparigas que ceifam
o trigo, e cujos perfis morenos concorrem em beleza (e em contraste) com o esplendor
das altas espigas loiras. Temos, então, um cromo lírico, uma paisagem campestre
que encontra ressonâncias mútuas de familiaridade entre forças humanas e inanimadas,
animizando a natureza, em ambas insuflando uma existência compartilhável e comunitária.
No extenso poema de Ada, não são as jovens
o alvo do seu olhar e da sua receptiva memória, mas as velhas que, apesar da idade,
ainda se acham na labuta diária – tanto quanto as raparigas de Florbela. Vê-se logo
que os anos que separam umas e outras não poupam as idosas das atividades de sobrevivência:
o trabalho é uma função que iguala mulheres alentejanas e calabresas, sem distinção
de idade. As anciãs de Ada se debruçam sobre a dobadoura ou desembaraçam as giestas,
penteando nos cabelos (que, pela cor e tessitura, exalam parentesco com a seda que
fiam) a lembrança do tempo bom do trabalho campestre, pois que despertam neles o
perfume dos fenos e dos trevos. Enquanto as moças de Florbela cantam, as velhas
de Ada, no entanto, tagarelam – talvez rebaixadas a uma função oral um tanto depreciativa,
que o desgaste do tempo parece lhes ter reservado, mas que, no transcurso do poema,
exibirá outro e surpreendente matiz.
Os grupos femininos estão situados em ambientes
diversos, que o contexto dos poemas vai esclarecendo, e que se mostram, ao mesmo
tempo, profanos e sagrados. Em Florbela, todos recebem as “bênçãos dulcíssimas dos
céus”; em Ada, as velhas estão ocupadas num “ritual”. As moças de Florbela se encontram
na planície, as de Ada numa geografia rochosa e inóspita, próxima ao mar.
Por outro lado, as alentejanas se desempenham,
juntamente com os rapazes, numa atmosfera de afazeres mistos, sensual e protegida
pelos céus, que permite insinuar gritos arrastados ou desgarrados no meio da cantoria
(em que a própria poetisa se inclui), num diapasão de azáfama comum:
A
terra prende aos dedos sensuais
A
cabeleira loira dos trigais
Sob
a bênção dulcíssima dos céus.
Há
gritos arrastados de cantigas...
E
eu sou uma daquelas raparigas...
E
tu passas e dizes: “Salve-os Deus!” (p.172)
As velhas de Ada são solitárias, não têm companhia
– estão sós no extenso patamar onde se ajuntam. Talvez a menção (nos versos complementares)
do “Stromboli que finge dormir”, [2]
dos terremotos, dos furacões e das enchentes a derrubar casas e a arrastar os homens
para depois abandoná-los em praias medonhas “entre troncos sobrepostos como cruzes”
– possa preencher essa lacuna ao lado de cada mulher.
Ricordo
i terremoti
e
le lingue di fuoco dei bivacchi
pennellare
le tende,
lo
Stromboli che finge di dormire,
gli
uragani improvvisi, le derive
che
svellono le case
che
travolgono gli uomini
e
li abbandonano
sulle
spiagge paurose,
sul
limo dei torrenti cancellati,
fra
tronchi sovrapposti come croci.” (p.12)
Aparentemente viúvas, elas contrastam diametralmente
com as prometidas e casadoiras donzelas ceifeiras alentejanas, muito embora ambas
(tanto as jovens portuguesas quanto as velhas italianas) estejam investidas de igual
poder: são todas, a seu modo, feiticeiras! O que me permite reconhecer nesse atributo
um dado culturalmente feminino, seja tanto para um, quanto para outro universo poético.
Em Florbela, esse “feitiço” é qualidade dos
brilhantes “olhos negros” das raparigas – “Brilham os olhos negros, feiticeiros”,
diz o soneto – referindo diretamente a sedução que emana do mito feminino ancestral
e paradisíaco de Eva ou de Lilith que, na atmosfera de Ada, toma contornos complementares
diversos e locais. Nesta, as anciãs são ditas “pálidas oniromantes”, mulheres intérpretes
de sonhos, que, tal como a sibila, futuram sobre a vida, assegurando um dom que
ultrapassa aquele dos comuns mortais, pois que penetra nos segredos e mistérios
mais recônditos da existência humana. As velhas de Ada vaticinam.
Dentre as idosas, Ada elege uma: a imponente
“Vestal” que, segundo a tradição, deve ser virgem e casta, pois que responsável
pela permanência do fogo sagrado que, na acepção de Robin Wildfang, sintetiza o
fundamento da existência da Cidade. A Vestal é, na cultura romana, a guardiã do
Império, capaz de exorcizar com o sal as ameaças de desgraça que porventura pairem
sobre a sua terra. As prerrogativas da Vestal, reconhecida claramente no poema de
Ada como sendo “a feiticeira”, excedem os conceitos restritos do feminino, pois
que lhe conferem um poder mais alto. A Vestal é livre da vigilância patriarcal,
da autoridade familiar e paterna; é respeitada pelos magistrados (nos processos,
tem ela até o privilégio de depor como testemunha, o que é vedado às mulheres) e,
ao mesmo tempo, emancipada para decidir sobre os seus próprios bens e testamento.
[3]
Ou seja: no mundo arcaico, a Vestal é uma mulher dona do seu nariz – desde
que mantenha o voto que a marginaliza da vida sexual, pelo menos por 30 anos.
Portanto, já agora enfocando simultaneamente
as duas poetisas, posso cogitar que, na poética de Florbela, é a promessa da juventude,
do cio e da fertilidade que podemos ler nos versos sobre o seu Alentejo, por meio
da insinuação dos valores da sensualidade e do deleite das sensações, na faina da
safra que também é protegida pelos céus. Por outro lado, na Calábria de Ada, é a
permanência da lembrança da colheita (o que se fia é fruto da safra, do dia; e o
que se interpreta é fruto da noite, o sonho) que transforma a aridez da idade em
experiência e saber na figura das dobadouras e das oniromantes. Do grupo de mulheres
idosas se extrai, no entanto, essa imagem de suprema autoridade, a Vestal, que,
para exercer sua função, tem, no entanto, de abdicar de suas prerrogativas femininas
e sexuais.
Assim, se, a partir do trabalho, é a volúpia
o valor mais alto do feminino em Florbela, em Ada é a ausência da sensualidade ativa,
que todavia se desloca para o conhecimento, para a memória e para a segurança e
proteção do seu povo, que erige a força da mulher. Por isso mesmo, a sociedade que
submerge à poética de Florbela desenha aqui um patriarcalismo, enquanto em Ada,
é do matriarcalismo que se trata.
E já agora, graças a tais alicerces internos
fornecidos pelos poemas, posso apresentar a vocês estas duas mulheres-poetas – Florbela
Espanca, a portuguesa alentejana, e Ada Saffo Sapere, a italiana calabresa.
A diferença de idade entre uma e outra é de
apenas um ano, sendo Ada a mais velha. Florbela, nascida em 8 de dezembro de 1894,
dia de Nossa Senhora da Conceição (de quem também herda o nome Florbela D’Alma da
Conceição Espanca) suicida-se no próprio dia em que completaria 36 anos, portanto,
em 8 de dezembro de 1930. E é nesse ano que ela passa a ser divulgada na Itália,
através das traduções e dos artigos de Guido Battelli, professor genovês formado
em direito pela Universidade de Parma e em filosofia pela Universidade de Florença.
Battelli fora introduzido à obra de Florbela
em Portugal, quando lá estivera a partir de 1930, como professor convidado para
a regência de História da Literatura Italiana na Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra. Desse seu súbito e intenso arrebatamento pelos poemas da escritora alentejana
nasce uma correspondência entre ambos, encetada em 14 de junho, que se prolonga
até 5 de dezembro do mesmo ano – véspera da morte da poetisa. São vinte e quatro
as peças da lavra de Florbela, pertenças dessa epistolografia, que passam a ser
integralmente lidas apenas depois de 1941, quando liberadas da cláusula imposta
por Battelli ao depositá-las na Biblioteca Pública de Évora, em 1931, quando retorna
à Itália. Livia Apa, a maior conhecedora de Florbela Espanca na Itália, entrevistou
a sobrinha de Battelli, Anna Vitaletti, e tem rico material a respeito desse professor
que ficara responsável pela publicação de Charneca
em Flor, o que de fato ocorre um mês após a morte da poetisa. [4]
No entanto, Battelli não só traduz poemas
de Florbela buscando apresentá-la ao público italiano, como também conduz a obra
da alentejana a escritoras italianas – dentre as quais Ada Negri, a Condessa di
Fiumi e Sibilla Aleramo – levando da mesma forma à Florbela as obras destas escritoras
italianas. Battelli faz, desse modo, a ponte intelectual internacional entre a portuguesa
e as italianas, pondo-as em contacto direto por carta.
Assim, de Lisboa (em 18 de junho), comentando
a “língua dulcíssima da grande e genial Ada Negri”, Florbela confessa a Battelli
que a considera “a maior poetisa do mundo. Tão longe de mim, meu Deus, tão longe!”.
[5] Já de Évora, a 27 de junho, ela narra
ao professor italiano que havia entrado em contato com (cito) “os versos de Ada
Negri através de traduções francesas e um estudo de Shuré. (…). [6] De Itália, além dos grandes de outrora,
é claro, conheço apenas, e sempre através de traduções, Leopardi, Guido de Verona
e d’Annunzio. Nada mais. É sempre difícil conhecer-se a literatura dum país de que
se não sabe a língua.” [7] Já em 10 de
julho, depois de ler outros versos de Ada Negri enviados por Battelli, Florbela
há de referi-los ao amigo italiano como “soberbos”, acrescentando: “Como nós sabemos
sofrer de diferente maneira! A dor de Ada Negri usa um manto de púrpura sobre os
ombros, a minha veste de burel e anda descalça”. [8]
De Juana de Ibarbourou, a uruguaia também
enviada por Battelli para que Florbela a leia, a poetisa portuguesa dirá ter apreciado
muito os poemas: “É uma panteísta, vibrante e sincera. Tem versos soberbos de audácia,
coloridos como certas paisagens ásperas e ardentes da minha terra.” Outras duas
italianas referidas, Sibilla Aleramo e Maria Luisa Fiumi-Petrangeli, serão objeto
de nova carta a Battelli. [9] De Sibilla
Aleramo, [10] Florbela comenta o “talento”
e a “beleza”, considerando que as “fadas não foram avaras junto do seu pequenino
berço”, embora mais tarde mostre-se um tanto desencantada com sua poesia, confidenciando
que seus versos “francamente, não me entusiasmaram!” [11]
Da Condessa di Fiumi, comenta um tanto comicamente
com Battelli (em 6 de outubro) a desinformação e a confusão em que a escritora italiana
anda metida. É que a Condessa italiana atribuíra em carta à Florbela um texto que
a alentejana não escrevera. De maneira que a alentejana assegura muito lhe custar
“a impossibilidade de lhe ser agradável, dizendo em público as coisas agradáveis
que a ‘A Encantadora’ me sugere, pois não tenho nenhum jornal à minha disposição
para o fazer.” Em compensação, na missiva de 14 de outubro, Florbela combina com
Battelli a recensão sobre um livro da Condessa di Fiumi, que deverá ser publicada
pela revista Portugal Feminino, escrita
por uma sua amiga, mas não por ela. [12]
Todavia, não é só nesses papéis de agente
cultural para o universo italiano que Guido Battelli tem desempenho proeminente,
mas muito mais sobre a maneira como a própria obra de Florbela chegará aos leitores
portugueses. Os textos imediatos de Battelli sobre Florbela aparecem, logo em seguida
à morte da poetisa (ainda em dezembro de 1930) em Coimbra e no Porto (no Correio de Coimbra e no Jornal de Notícias), e em Lisboa, no Portugal Feminino, em janeiro de 1931. São
também enfatizados e citados por Celestino David no Diário de Notícias de Lisboa, tanto no mês de dezembro de 1930 quanto
em janeiro de 1931.
É através das suas apresentações, comentários,
testemunhos e informações que aquela longínqua poetisa alentejana (que vivia na
altura em Matosinhos, no Porto, onde morreria), quase invisível à crítica portuguesa
(não fosse pelo destrato de um jornal católico ao seu último livro editado em vida)
– será conhecida pela posteridade. [13]
Battelli ficara responsável pela edição póstuma
de Charneca em Flor, expectativa que permanece
em pauta ao longo da epistolografia entre ambos. Florbela, no entanto, falece quando
começa a rever as primeiras provas do livro, de maneira que Battelli, sem poder
contar com a presença dela, fará de tudo para que a amiga seja divulgada e apreciada.
Com esse intento, as versões que o professor oferecerá, implícita ou diretamente,
acerca da morte tão precoce da escritora, terão forte impacto sobre a leitura que
o futuro perfará não só da biografia dela, mas também de seus poemas e de sua prosa.
Numa palavra: Guido Battelli influenciará sobremaneira a fortuna crítica de Florbela
Espanca, imprimindo a esta um olhar peculiar onde perpetua a sua digital.
Nota-se a sua ascendência sobre tal obra já
em janeiro de 1931 aquando da primeira edição de Charneca em Flor que, naquela altura, constava de 56 sonetos. Este montante
será, aliás, acrescido por ele de mais 28 outros inéditos, a que o professor intitula
“Reliquiae”, aos quais, na edição seguinte, ele ajunta mais 5 outros também inéditos
– alguns deles trazendo, inclusive, alteração de títulos. Se seguirmos, durante
a correspondência entre ambos, as indicações de Florbela sobre tais poemas, veremos
que a poetisa alentejana os havia suprimido da edição.
Nos exemplares de Charneca em Flor, Battelli apresentava também, três trabalhos da sua
lavra: um “In Memoriam” à Florbela, as suas “Tradizoni” de 11 peças da alentejana
(alterando o título de duas delas, aliás), além de um texto intitulado “Irmã de
Ariel”, espécie de estudo sobre a poetisa.
As duas primeiras publicações do livro póstumo
ocorrem em 1931 e atingem um expressivo boom
editorial. Para tal convergem ainda outros eventos editoriais cunhados sob a mesma
égide de Battelli. É o caso do volume que ele publica, intitulado Juvenília: versos inéditos de Florbela Espanca,
onde reúne poemas dispersos da jovem poetisa, colhidos em colaborações a jornais
ou revistas de província ou através da correspondência de Florbela com Júlia Alves
(em 1916), com quem o professor entra em contacto na altura. É ainda o caso das
ditas Cartas de Florbela Espanca à Dona Júlia Alves e a Guido Battelli
(cartas que ele, aliás, publica incorretamente cortando trechos, e interpolando
outros), mas que consistem nas primeiras peças epistolares de Florbela conhecidas
em volume. [14] E, ainda, dado curioso,
é o caso da presença de Battelli também na primeira edição de um volume de prosa
de Florbela. Trata-se de As Máscaras do Destino,
provavelmente o último dos dois volumes em prosa a ter sido composto pela escritora,
posto que dedicado à memória de Apeles, seu único irmão, falecido em 1927 – e que
vem à luz ainda no mesmo ano de 1931, em dezembro e, precisamente, pelas mãos de
Battelli. [15]
De fato, Battelli torna-se o responsável (desde
a segunda metade de dezembro de 1930 e durante o extenso ano de 1931) pelas duas
edições de Charneca em Flor; pela edição das referidas Cartas; pela
edição de Juvenília; pela de As Máscaras
do Destino e também pelas segundas edições (dos já então há muito esgotados)
Livro de Mágoas (1919) e
Livro de Sóror Saudade (1923), enfim,
de quase toda a obra existente de Florbela Espanca. Faltou-lhe publicar apenas o
montante dos originais que seriam conhecidos só cinqüenta anos depois: o do Diário
do Último Ano (editado em 1981) e do outro livro de contos, O Dominó Preto
(editado tão-somente em 1982).
Se Florbela foi, portanto, apresentada aos
italianos e traduzida para esse universo cultural, Ada Saffo Sapere não gozou do
mesmo privilégio em relação à língua portuguesa, tendo sido só recentemente vertida
para o português por Cleide Stieljes Yasoshima, para uma publicação brasileira que
ainda se conserva inédita.
Nascida a 17 de março de 1893, um ano antes
que Florbela, em Reggio Calábria, em Catanzaro (capital da província), Ada é já,
aos 16 anos, professora primária em Pazzano (onde permanecerá até o início dos anos
trinta) e (simultaneamente por um período) professora de francês em Polistena. Durante
essas décadas, ela foi presidente da UDI, da União das Mulheres Italianas da Calábria,
e colaborou em diversos jornais e revistas, tais como La Roma Letteraria, La Vita Letteraria,
La Rivista Adriatica, La Vita Nazionale, La Rassegna Letteraria,
Quaderni di Poesi. Mario Gastaldi, diretor
dessa revista derradeira revista (Quaderni
di Poesi) e autor de Donne luce d´Italia
(Panorama della letteratura femminile contemporanea), publicada em Milão em
1936, dirá de Ada que se trata de “apreciada colaboradora da minha revista, com
uma produção verdadeiramente digna de ultrapassar as fronteiras dos periódicos nos
quais habitualmente colabora”. [16]
Erudita e intelectual, de uma “nobre e alta
poesia”, cujos versos, segundo Idilio Dell´Era por serem “impecáveis e harmoniosos”,
possuem uma (sic) “digital masculina”, [17]
Ada é, por outro lado, coincidentemente reconhecida por uma leveza de ave, tanto
por Oreste Dito, que a considera “uma águia da nossa melhor literatura”, quanto
por August Bertsch, que a concebe como “a cotovia calabresa”. Com este último, Ada
traduz do alemão, em 1933, o romance de Anette Von Droste-Hülshoff, Die Judenbuche, que ganha o título italiano
de Il faggio dei Giudei, e que vem apresentado
com um prefácio da lavra dela. [18]
Creio que é em 1926, quando o poeta Salvatore
Quasimodo se estabelece em Reggio Calabria, que ambos passam a conviver numa profunda
amizade, cuja estima perdurará, embora permeada pela distância, até a morte dele
em 1968. Em meados da década de trinta, Ada
se transfere para a Bélgica, onde se casa com Henri Stieltjes, migrando posteriormente
com a família, nos anos sessenta, para o Brasil, e estabelecendo-se na cidade de
Botucatu, minha terra natal, onde eu a conheceria. Ada recebe, em 28 de junho de
1980, do Ministro da Cultura Italiana, o prêmio de “Melhor Poeta de 1979”, pela
publicação de sua antologia intitulada Poesia,
editada em Polistena, cidade calabresa que a honra desde então, ostentando na Biblioteca
Comunitária o seu nome.
Se algum suposto indício pode ligar, ainda
que longinquamente Ada e Florbela, tudo leva a crer que tal vínculo possa ter sido
estabelecido justamente por Salvatore Quasimodo que, em 1935, manteve um relacionamento
tempestuoso com Sibilla Aleramo (1876-1960). Esta poetisa italiana carteava, como
sabemos, com Battelli e, por intermédio deste, lera Florbela. [19] Aliás, no Arquivo de Sibilla, sob a responsabilidade de Marina Zancan e Cristiana
Pipitone, encontra-se não só uma edição dos Sonetos
Completos de Florbela pela Livraria Gonçalves, datando de 1936, como também
o volume de Versi di Florbella Espanca,
tradotti dal portoghese da Guido Battelli, editado no Porto, pela Imprensa Moderna,
em 1934. [20]
Se Salvatore Quasimodo, o Prêmio Nobel de
Poesia de 1959, declara já em 1930, em sua obra Acqua e Terra, [21] que “Ada
Saffo Sapere é aquela que mais se avizinha do trabalho do meu espírito” [22] – é de se supor que Sibilla teria tido,
por intermédio dele, notícias de Ada, tanto quanto esta dela. O que também não torna
impossível que Ada tivesse tomado contato com a poesia de Florbela em italiano,
uma vez que Battelli havia transformado o suicídio de Florbela numa espécie de fait divers poético a que não faltava sequer
um certo suspense que apenas a leitura da sua obra poderia solucionar. Por outro
lado, é difícil saber se, por intermédio de Battelli, Florbela também teria tido
notícias de Ada Saffo Sapere que, afinal, era sua contemporânea, tanto quanto Ada
Negri, Sibilla Aleramo e a Condessa de Fiumi, as poetisas italianas mencionadas
nas cartas de Florbela a Battelli.
Ada falece no Brasil, na cidade de São Paulo,
em 28 de setembro de 1983, com 90 anos de idade.
E, agora que já tracei o contexto histórico
onde as poetisas atuam, retomo a aproximação entre Florbela e Ada, sublinhando que
as referências à terra natal, o Alentejo de um lado e a Calábria de outro, são muito
curiosas e, por vezes, desencontradas na intenção poética.
Florbela descreve a sua charneca rude, de
quem se diz “filha”, e que se estende por outeiros, ravinas, combros, cheia de atalhos
na planície onde medram as flores do campo, os giestais, os rosmaninhos, os nardos,
as verbenas, as urzes, as alfazemas, os tomilhos. Nela, cantam a toutinegra e o
rouxinol, e bandos de andorinhas polvilham de passagem os céus. Nesse ambiente de
sonho e de perfumes, há fontes, há bezerritos que “bebem lentamente/Na tranqüila
levada do moinho”, como delicadamente registra o seu soneto juvenil “Paisagem” (p.66).
Também há cigarras, há lavouras de trigo colhidas pelos ceifeiros, e montes, lugarejos
que se estendem, povoados onde o fumo, aconchegante, se evola, ao entardecer, do
colmo dos casais. Por vezes, no entanto, a planície é um brasido, e as “árvores
sangrentas” têm perfis enigmáticos, e a própria Florbela se devaneia uma “Esfinge
olhando, na planície enorme...”
Sou
filha da charneca erma e selvagem:
Os
giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo
os olhos d´oiro, p´los caminhos,
Desta
minh´alma ardente são a imagem. (p.185)
A charneca é deveras a sua imagem e, em “Árvores
do Alentejo”, soneto dedicado a Battelli, Florbela se irmana às árvores da sua terra
e, como essa vegetação sedenta, também pede a sua gota d´água (p.246). Como se constata,
o Alentejo é, assim, o espaço onde Florbela se mira, se espelha e se reconhece.
Num segundo poema a Battelli, intitulado “Évora”,
a portuguesa estabelece, já na dedicace,
a igualdade entre si e a estimada cidade alentejana onde viveu e estudou, que é,
segundo assegura, “como eu soturna e triste...”. De maneira que os versos sublinham
a sua alma fantasma que, por cada viela, continua a passar “menina-e-moça” (p.269).
Aliás, num soneto ainda de 1916, dedicado à amiga Beatriz Carvalho e nomeado “Escuta...”,
Florbela reconhece a si mesma como a alma penada presa na “humilde casa” da rua
em que morou, assegurando que lá ainda permanece, “a arrastar grilhões como um fantasma
triste”, murmurando uma canção de amor (p.105).
Persistindo nessa identificação espelhante
com a sua terra, em “Charneca em Flor”, soneto que faz a abertura do livro homônimo,
Florbela confidencia que já não é mais, nessa pujante estação de renascimento, aquela
dolorosa Sóror Saudade que fôra, pois como a charneca, despiu a sua mortalha, o
seu burel: “Olhos a arder em êxtases de amor,/Boca a saber a sol, a fruto, a mel:/
Sou a charneca rude a abrir em flor!” (p.209). Em “Primavera”, quando, junto com
o campo, Florbela despe a sua veste de estamenha, e recende, como este, a “rosmaninho
e a nardo”, ela avisa que anda “agora tonta” à espera do amado: “Pus rosas cor-de-rosa
em meus cabelos.../Parecem um rosal! Vem desprendê-los!/ Meu Amor, meu Amor, é Primavera!...”
(p.276).
Também referências à história portuguesa se
sobressaem nos seus poemas, tais como as grandes navegações, as caravelas, os expressivos
episódios nacionais, as lutas medievais, Nun´Álvares, a Primeira Grande Guerra,
e favoritos escritores como Garcia de Resende, Bernardim Ribeiro (e nestes a relação
com o Alentejo é evidente), Antonio Nobre e Camões, de quem, aliás, ela se vale
de um verso para compor um grupo de 10 sonetos presentes no livro derradeiro e que
são uma verdadeira jóia.
Os indicativos emblemáticos e culturais de
Portugal também surgem nos poemas por meio dos cavaleiros andantes medievais, dos
castelos, dos mistérios e das vozes do mar, das epopéias, dos Descobrimentos, do
Fado, da Saudade. A sua terra de origem é, pois, o lugar para onde pretende regressar.
E, de fato, obedecendo à sua vontade, seus amigos hão de lutar por trazê-la de Matosinhos
(no Porto, onde faleceu), para Vila Viçosa (onde nasceu), mas só o conseguirão 34
anos após o seu desaparecimento, devido às enviesadas repercussões da versão de
Florbela disseminada por Battelli, que vai favorecer uma alongada polêmica em torno
da alentejana. [23]
E faz muita impressão o poema que ela dedica
a Vila Viçosa, sua terra de origem, e que se encontra em Charneca em Flor, justamente porque Florbela reconhece no seu rincão
todas as suas pertenças: o seu “pão”, a sua “casa”, a sua “planície” que nunca viu
“o mar”, o seu “anel de rubis”, o lugar onde nasceu-lhe o “irmão”, onde a sua “mãe” amou e foi amada.
E, por fim, como se batesse na porta dessa sua eterna e receptiva morada, ela lhe
suplica: Truz... truz... truz... – Eu não tenho onde me acoite,/Sou um pobre de
longe, é quase noite,/Terra, quero dormir, dá-me pousada!...” (p.251)
Também Ada se diz “filha” da Calábria e, no
poema “Il mio Paese”, dialogando com Goethe, há de enaltecer a sua terra como sonho
e aspiração de outros Alpes, “perfumada de flor de laranjeira” e “de cedro”. Cito
o texto original:
Questo
é il paese mio, Wolgango Goethe,
di
quei d’oltre Alpi sogno, aspirazione,
profumato
di zagare, di cedro,
di
quel che amavi tu, sommo Poeta.(IN.)
Todavia,
sobre a sua pátria, Ada tem um pressentimento amargo: sabe que a ela nunca mais
voltará, e por isso mesmo se reconhece como a “filha pródiga”, a que “permanecerá
sem retorno” (p.6). Essa “terra de antros e de refúgios”, de “olhos vigilantes/dos
corações que batem até romper” (p.11), parece inóspita diante da planície ardente
(também por vezes rude) de Florbela. No entanto, é essa mesma aridez que, no contexto
do poema “Calábria”, se revela uma nativa, inigualável e extraordinária qualidade!
Porque foi essa “terra escavada”, “repartida pelas cunas dos penhascos”, com sua
“charneca íngreme”, desenhada por mosaicos de “pedregulhos soantes como castanholas/ao
toque de aço dos coturnos/das unhas dos rebanhos” – que impediu Alarico, o visigodo
rei invasor, de tomar para si, no século V, a Reggio Calábria (p.5):
Ben
Alarico spingere volle
contro
i tuoi faggi l´ispida chioma
e
l ´infernale cavallo
e
conficcar l´alabarda
nel
suolo del Crati ove forse riposa (p.11)
Por todas essas razões, Ada concebe a sua
terra como a “magna Cila” – a figura mitológica associada a Caríbdis, ambas mulheres-monstros-marinhos,
que habitam os lados opostos do estreito de Messina, e que guardam emboscadas memoráveis
aos navegantes das epopéias desde Homero, desde o poema de Ovídio. [24] Vale a pena tocar aqui na emblemática
feminina embutida nesse mito ancestral trazido à cena por Ada como representativo
da sua terra.
Lembro que a parte sensível do corpo que torna
Cila uma mulher fica ocupada por serpentes e por cabeças de ferozes cães que não
lhe permitem quaisquer aproximações, e que a assaltam e habitam o seu corpo da cintura
para baixo. É como se o lado penumbrento do feminino, aquele culturalizado como
assombroso e inopinado, o seu valor obscuro, enfim, isso que diz respeito, no feminino,
a seu “continente negro”, a tivessem tomado como refém, convertendo-a em dúbia,
dupla, contrastante, ambivalente e, por isso mesmo (como Eva ou Lilith), objeto
de desconfiança do mundo masculino. Segundo explica o mito, parte de Cila foi possuída
por uma entidade que a torna ostensivamente perigosa, e nesse sentido, essa mulher
se aproxima do conceito expresso por Monique Schneider em De l´éxorcisme à La psychanalyse. Le féminin expurgé. [25]
De fato, nesta obra, compreende-se que a figura da “possessa” é a que melhor
expressa culturalmente o feminino.
Porque a possuída está a meio caminho entre
a feiticeira e a histérica, e o que a sociedade pretende expulsar nela, enquanto
padrão social relativo tanto ao homem quanto à mulher, é aquilo que é dito pertencer
à esfera do “feminino”: o imaginário, o noturno, o desconhecido, o desenfreado,
enfim, a desordem. De maneira que a figura da possessa não passa de uma refém entre
duas potências antagonistas que a disputam (o bem e o mal, Deus e o Diabo, a beleza
e a feiura, o normal e o monstruoso, e daí por diante). A possessa é, afinal, uma
seqüestrada, um lugar, um puro receptáculo. Ao contrário da feiticeira, e apenas
porque não é, como esta, um princípio ativo, a possessa é salva permanecendo à margem
da fogueira. No entanto, ela simboliza um assédio que é, no mínimo, espiritual.
No caso de Cila, trata-se de uma violação propriamente física, pois que consiste
na acolhida, contra a sua vontade, de seres palpáveis e estrangeiros que a acometem,
que a tomam de assalto, fazendo com que se afaste da sua vocação primeira de mulher-amante.
Fiz este ligeiro excurso para buscar esclarecer
a marginalidade mítica em que se encontram as mulheres de Ada: Cila, a possessa,
se junta, agora, às já enfocadas feiticeiras, oniromantes e à Vestal. Certamente
há aí, neste forte matriarcado, um poder inusitado conferido ao sexo feminino, que
excede, em muito, os limites do puro gênero.
Mas, retornando ao Estreito de Messina, lembro
que ele separa, como sabem, a Calábria da Sicília, ligando o mar Jônico ao Tirreno.
E é ali que ocorre, na sua maior dimensão, a ilusão ótica conhecida como “Fata Morgana”
(também não por acaso um nome feminino), miragem que se deve a uma inversão térmica
e que confere aos objetos avistados no horizonte uma aparência outra. [26]
Talvez sob o sortilégio da Fata Morgana e
mercê da lonjura de onde rememora a sua terra, Ada transfigure os arriscados e ameaçadores
percalços da sua terra (o dissimulado Stromboli, os terremotos e tantas adversidades
decorrentes do perigo dos altos penedos e rochedos expostos à fúria do mar) em paz
de murmúrio de água.
A água descrita por Ada irrompe das fontes
e verdeja as avencas, as samambaias, os brotos das plantas, as conchas de Roccella,
e se iguala, portanto, às primícias, à “paz/dos primitivos arados e das bicas” (p.12).
No entanto, muito embora milhares de “cantores alados” se ofereçam para o concerto,
malgrado a “prata” ou “a escura turquesa” dos seus lagos, malgrado os “pares de
figos perfumados como incensos” oferecidos por sua terra ao forasteiro, [27] malgrado as idosas que se reúnem para
o artesanato e para o vaticínio – a Calábria não mais terá de volta a sua poetisa...
Ela só pode tudo rever, “com boas palavras”, através da memória, e desejar “com
um gesto de mão (...) alisar as rugas de tantas frontes”, tão envelhecidas quantos
os sulcos dessa geografia difícil, sobre os quais penetram as lágrimas que ela verte,
de longe, sagrando, assim, o “suor humano” – o trabalho interminável dos seus:
Tutto rivedo; e con parole buone,
con un gesto di mano
vorrei spianar le rughe
di tante fronti – al Capricorno – prone
sui solchi, entro cui goccia come lacrime
cadenti ad una ad una
sacro
il sudor umano. (p.13)
Das aldeias da sua terra natal, Ada nomeia,
com muita alegria, as casas apinhadas, o vilarejo empoleirado sobre a rocha, os
“moinhos mortos /entre o odor áspero das flores de pistache”, a vegetação de ambrósias,
pervincas, orobancáceas, sabugais, urzedo, murtas, manjericões, girassóis, amoreiras,
amendoeiras, assim como as “humildes rosas” (p.28). E a poetisa, nostálgica, lembra
os ventos, a tramontana, as constelações, o firmamento, o Capricórnio, o Héspero,
a Lua “parada” sobre o povoado (p.29). Escuta as vozes das crianças, das mães, dos
violões ao luar, das “flautas pastoris, consolo das alturas” (p.22); sente os “arranhões
da galinha choca”, deplora as “corolas mortas”, assiste ao movimento das rocas,
das “mechas cortadas”, dos “anciãos ao sol, o girar dos fusos, as bolas em agitação”
(p.28). Canta as fontes, os riachos, as pequenas hortas, as eiras; revê o campanário
e os lampiões da aldeia sem eletricidade, os mortos “sob duas camadas loiras de
rochas” (p.28); recorda as personagens típicas como o pároco, as velhas, as crianças,
o carreteiro, os pastores, os ceifeiros, os pescadores e suas redes, os homens armados
com pás e tridentes. Convoca os animais e os rebanhos, as galinhas, as ovelhas,
os bois, os sapos; os insetos como o besouro, a joaninha; as aves como o papa-figo,
o cuco, a rolinha, o rouxinol; as conchas de Roccella, os corais, “feitos de sangue,/de
cochinilhas feitos e de cinabre” (p.20).
Por entre tal profusão de natureza, de tipos,
de indícios da sua vida, transcorrem o folclore calabrês, as lendas cheias de panteísmo,
os ditados, as histórias populares relativas ao ciclo natural do tempo, as superstições,
as adivinhas populares, o diálogo da menina com o cuco (sobre a existência, sobre
o casamento, sobre a morte, pp.16-18), a história do “casaco e do charco” (pp. 14-15),
da flor, da árvore, do “ninho sobre a sebe” (pp. 22-23), narrativas que perscrutam
o mistério das coisas e testemunham o maravilhoso, como por exemplo, a história
do “galo camponês” (pp.30-31) que, mesmo degolado, se despede da alvorada. E Ada
segue, no crepúsculo, os trabalhadores que retornam dos campos. Assim,
como
alabardas
fora
da parada
pás
e tridentes,
o
cortejo mudo [que] surge dos campos,
mirando
adiante
e
olhos tem somente para um brilho longínquo –
o
tênue lume da sua cabana
que
fala ao coração dentre todas as luzes! (p.23)
Em Ada, sempre o privilegiado é o povo, os
carentes, o trabalhador, o migrante, aquele que retorna solitário e mendigo, depois
de ter saído da sua terra apenas pobre. A ênfase da sua poesia sobre o trabalho
e a falta de perspectivas oferecida pelos meios sociais da sua terra demonstram
a índole política de Ada, que foi, aliás, uma das primeiras mulheres socialistas
da Reggio Calabria. Ela conviveu com Don Martino Siena Ceccuzzi (mais conhecido
pelo seu pseudônimo de Idílio dell´Ere, através do qual ele dá testemunho sobre
a a sua poesia), intelectual muito próximo de Paul Claudel. Ceccuzzi foi acusado,
já ao final da guerra, de ter ajudado os guerrilheiros, tendo sido salvo da sanha
dos fascistas apenas graças a seus paroquianos.
Ada também freqüentou o grupo de Giovanni
Patari, em Catanzaro, fundador do jornal “U monacheddu” em 1902, que fora amigo
de Edmondo de Amicis. Patari também verá nela (sob o pseudônimo de Alfio Bruzio)
“uma poetisa e escritora de valor não comum, alma de artista nobilíssima”. Ela também
conviveu com Roberto Taverniti, morto prematuramente durante a Primeira Guerra,
fundador do jornal Terra Nostra e chefe
de redação de Il Devenire Sociale. De
maneira que não é excessivo sugerir que a poesia de Ada traga em si, impressa, essa
digital dessa cultura local e a antecipação do neo-realismo italiano, de que também
se revestem filmes inaugurais desse movimento, o Stromboli, Terra di Dio, de Roberto Rosselini (realizado em 1950) e
La Terra Trema, de Luchino Visconti (1948),
este baseado no romance do siciliano Giovanni Verga (1840-1922), intitulado I Malavoglia (1881).
A temática das almas simples, do imigrante
e dos desvalidos também comparece em Florbela, mas toma de fato assento nos seus
contos, tal como no “Regresso do Filho” de O
Dominó Preto. Neste, as terras para onde se abalaram, e que lhes causam febres,
roubos, doenças, faltas de recursos e de assistência, muito embora sejam férteis
e generosas nos seus frutos, levam os emigrantes a lamentarem, como diz Florbela,
“do mais fundo da sua cismática e austera alma alentejana, os seus campos incultos,
as suas charnecas bravias, o cheiro a feno, a ervas amargas, a tostado, os seus
pequeninos prados”. (p.187)
Uma grande parte dos contos de Florbela se
dedica ao campesinato e às classes mais humildes, numa preocupação de registrar
situações relativas ao estrato regional de origem alentejana. As narrativas são
atravessadas por algumas inquietações de ordem social, recobertas por um falar típico
dessa província, num apego às raízes locais, à cultura, à paisagem dessa terra que
insufla sempre, com raras exceções, a cor local e a ambiência dos seus restantes
contos. Leia-se, a esse propósito, o lírico “Carta da Herdade”, que data de junho
de 1930, e que foi publicado ainda no último ano de vida da poetisa, pela revista
Portugal Feminino.
Diante de Florbela, Vitorino Nemésio constata
que “estamos em presença – creio que pela primeira vez na literatura portuguesa
– de uma poetisa musa. Mais do que isso: de uma divindade ou de um duende, um ser
mitológico de que já alguns poetas (Manuel da Fonseca, por exemplo) se apoderaram
para dele fazerem a alma da planície alentejana, genius loci errante entre o piorno e as estevas” [28]
Em Ada, esse expressivo traço também é sublinhado
pelo escritor Paolo Apostoliti, que repara como ela “sabe bem exprimir o trabalho
do emigrante”, e por Alfredo Pedullà Audino, que se declara “profundamente tocado
pela maneira de pensar e de dizer” de Ada. A “sua poesia é fresca e sincera, tem
toda a variedade de tinta do nosso céu, a cor do nosso mar, a nostalgia da nossa
terra”. Exemplifico tais pareceres citando um trecho do poema “Piccolo Borgo”, onde
Ada faz um lírico instantâneo do seu povoado:
Ó
arbustos cerrados em fila
debaixo
de um grande arco de céu sarraceno,
abrigados
sob um guarda-chuva
feito
de estrelas,
quem
vos plantou? Talvez uma criança
que
desejava fazer sua pequena horta? (p.28)
Na fotografia de uma outra aldeia, que Ada
surpreende iluminada apenas uma vez por mês, e sempre pelo pontual luar, considera
que os de Titi (é este o nome do lugarejo) são mesmo obstinados, visto que
permanecem
pacientes
a
ouvir as rãs e o papa-figo;
que
um sobre a colma
e
o outro nos pântanos
sem
instrumentos
cantam
as ninas e fazem as serenatas. (p.29)
Em Ada, é mais o sentimento doído de uma irremediável
diáspora pessoal que marca tanto a proximidade quanto a distância da sua terra,
enquanto que em Florbela é o movimento de uma remissão permanente ao Alentejo, uma
certeza fiel de retorno real às origens, que faz finca-pé nas suas lembranças provincianas.
Apaixonada por estas duas poetisas, eu poderia
continuar a abordá-las para sempre – mas não exatamente aqui, pois que não há mais
tempo. No entanto, queria ainda me valer de, pelo menos, um poema de cada uma para
buscar arrematar as minhas cogitações sobre esse feminino, tão facetado por ambas.
E trago justamente um soneto que Ada intitula “Solidão” (p. 73) e um de Florbela,
que tem por título “Renúncia” (p.194).
Em Ada, a sensação de aprisionada (que abre
o poema) se explica pela “misantropia” que a assalta e que a põe à margem de todos,
e longe da mesa da família, isolando-a no quarto. Mas fechada entre essas quatro
paredes, a sua fantasia responsabiliza tal prisão ora como produto de uma “emboscada”,
ora como plano de um ser “maldoso”. Leio os dois quartetos de “Solitude”:
Ne
l´ora cupa di misantropia
La
mensa familiar fuggo ed i lieti;
in
câmera la cena mi s´invia;
dolce
m´é rimaner coi miei segreti.
E
se vivo talor di fantasia,
soletta, chiusa fra le mie pareti,
or d´un tristo mi sento in prigionia,
or d´un tranello presa ne le reti. (p.73)
Em Florbela, o encerramento que, para o caso,
é identificado como sendo figurativamente o da sua “mocidade”, se dá por vontade
própria, isolando-a num convento, que é o da “Tristeza”. Mas essa renúncia ao mundo
à volta tem de ser muito acautelada, visto que tanto a Lua quanto a Natureza representam
perigo iminente quanto a essa decisão de retiro, de maneira que, da tranqüilidade
do interior da cela, passa-se à inquietude da tentação que a espreita fora dela.
Como entidades femininas, a Lua e a Natureza são diabólicas e sedutoras – são “Satanás!”,
de modo que exibem, pela beleza e por esse viés, os seus dons provocadores. A Lua
se desdobra, assim, “em requintes de Beleza”; e a Natureza é “como um beijo ardente”
que transforma a cela de Florbela num “rio de luz”. Leio os dois quartetos de “Renúncia”:
A
minha mocidade outrora eu pus
No
tranqüilo convento da Tristeza;
Lá
passa os dias, noites, sempre presa,
Olhos
fechados, magras mãos em cruz...
Lá
fora, a Lua, Satanás, seduz!
Desdobra-se
em requintes de Beleza:
É
como um beijo ardente a Natureza...
A
minha cela é como um rio de luz... (p.194)
Também em outros poemas seus, Florbela faz
menção a tal clausura, e lembro que o seu último livro publicado em vida traz justamente
como título tal imagem, Livro de Sóror Saudade,
muito embora a esse arquétipo tenha se dedicado desde o seu livro de estréia, o
Livro de Mágoas, em 1919. Neste, no soneto
chamado “Castelã da Tristeza”, é a Dor quem ergue para si um castelo ou uma cela
em que Florbela chora, lendo, “toda de branco, um livro de horas/à sombra rendilhada
dos vitrais” (p.134). Em outro poema do mesmo volume, a sua Dor é dita “um convento
ideal”
Cheio
de claustros, sombras, arcarias,
Aonde
a pedra em convulsões sombrias
Tem
linhas dum requinte escultural. (p.138)
Na tradição literária portuguesa, Florbela
incorpora, como sóror, a vestição de Mariana Alcoforado (séculos XVII e XVIII) que,
aliás, usa o claustro para se insurgir contra a mudez a que foi relegada como freira,
de modo a exercer a sua voz na manifestação do interdito, para expor as suas prerrogativas
de mulher contra a ordem estabelecida. E sua ousadia é ainda mais significativa,
visto que ela se assenhora de um instrumento considerado culturalmente masculino:
a escrita. Em Mariana, assistimos, pois, à rebelião, irreverente, audaciosa, desafiante,
da mulher que se debate contra o que lhe foi imposto, fugindo do cativeiro em que
se encontra, relutando contra seus grilhões, e produzindo, por meio das suas cartas,
o engendramento literário do seu amor e dos seus sentimentos adversos. Assim, a
passividade própria da condição de freira, de Sóror, se metamorfoseia, em Mariana,
em ação vital – maneira de exorcizar a inércia e a resignação atribuídas à histórica
condição feminina. A escrita torna-se, para ela, o parto que a faz nascer de si
mesma para uma outra vida, para uma existência efetiva, muito embora o que as cartas
revelem seja de fato esse debater-se, esse dilaceramento dentro do próprio ato de
escritura.
É curioso como esta mesma cela de freira faz
história na obra de Florbela que, no Livro
de Sóror Saudade, a havia concebido, antes, como um “claustro das quimeras”,
o que nos leva a suspeitar da atração hipnótica que esse espaço místico exerce sobre
a literatura feminina em língua portuguesa, como uma espécie de ante-sala da explosão
erótica. [29] E Florbela se apropria desse modelo de Alcoforado,
utilizando-o justo para tal fim, que é, portanto, o da desvestição, com todos os
seus corolários de alforria, de libertação do protótipo cultural oferecido à mulher.
O desembaraçar-se da estamenha e do burel que, afinal, se revelaram “mortalha”,
leva ao enfrentamento do próprio corpo e dos seus desejos, ao conhecimento dele,
à sua apalpação, ao descerramento da sensualidade e da erótica feminina – componente
muito expressivo que, todavia, não possui, em Ada, o relevo que adquire em Florbela.
Daí a última incorporação espelhante da alentejana como a charneca em flor,
Olhos
a arder em êxtases de amor,
Boca
a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou
a charneca rude a abrir em flor! (p.209)
E é assim que Florbela oferecerá ao amado
o seu corpo “prometido à morte” (p.238). E é assim que a “cela” da alentejana será
substituída pela “nossa casa”, pela casa interior do erotismo, pelo corpo enquanto
casa, corpo em que Florbela mora
–
tão bom! – dentro de ti
E
tu, ó meu Amor, dentro de mim... (p.224)
É através do erotismo que Florbela descerra
plenamente a sua condição de mulher, pedindo ao amante que lhe mostre “a estrada
dos teus Novos Mundos!” (p.327). A alentejana descobre, assim, que é preciso “amar,
amar perdidamente!/Amar só por amar”, pois que o tempo foge e sujeita os sentimentos
à sua transitoriedade, levando-a à conclusão desta pequena verdade: “Quem disser
que se pode amar alguém/Durante a vida inteira é porque mente!” (p.232)
Como se constata, Florbela se faz sempre acompanhar,
para bem ou para mal, do amado; Ada quase nunca refere o seu par, substituído, de
maneira geral, pela sua aspiração de fraternidade, de desvelo pelos humildes e carentes.
Essa imagem de aprisionamento, da casa de
onde não se pode evadir, fica, portanto, colocada de outro modo, na obra de Ada.
Chama-se “A última Casa” o devaneio poético em que ela se vê morta. E, nessa peça,
ela quer para si uma “pequena casa como aquela/construída pelo feitor perto do terreiro
como o pombal,/para dar asilo aos pombos e aos pássaros.” E ela pede, pois, que
para o seu túmulo tragam água aos gerânios e grãos ao canário, para que eles possam
exprimir, por ela, o naufrágio das esperanças com que sonhou para os seus e também
o seu “pranto extinto”. Leio a estrofe final de “L´Ultima Casa” que entra em interlocução
com Musset, cujos versos em questão surgem logo como epígrafe do poema:
Canterán en le notte stellate
en ell’albe d’argento
le
fraterne speranze naufragate
ed
il mio canto spento.(IN.)
Em parelha com aquela casa que Florbela habitou
na infância (e em que ainda vive como alma penada), a “Vecchia Casa” de Ada, revelada
agora à distância do tempo e do espaço em que a poetisa calabresa a rememora, é
reconhecida como a morada deserta e devastada – encarnação de si própria. O velho
lar não pôde, no entanto, resistir às picaretas: um novo prédio foi construído nessa
habitação de memórias. Mas isso não impede Ada de recuperar, em cada fissura do
solar destruído, a lembrança que se esconde em cada uma das rugas da sua face. Malgrado
o desgaste do tempo, a casa guarda, como ela, esse “murmúrio que sobe das tumbas
abandonadas”. E Ada conclui que, mesmo assim, as andorinhas e os passarinhos virão
sempre até ela, buscando seus lugares secretos, suas calhas, seus esconderijos –
muito embora, debalde, em vão. Mesmo esses habitantes rotineiros não terão outro
recurso senão fugir desesperados da sua “Vecchia Casa”:
Ora dove tu stavi é sorto già
un edifício fatto sol di boria,
con i battenti chiusi alla bontà.
Le rondini ed i passeri verranno
alle grondaie note, ai buchi oscuri,
e
disperati se ne torneranno.(IN.)
Num poema em que
se descreve a si própria, denominado “Auto-retrato”, todo em decassílabos e rimado
em intercaladas e em alternadas, Ada fornece sinais físicos do seu semblante e do
seu espírito que, segundo ela, são contraditórios. Por exemplo: há no seu queixo
uma covinha maliciosa que contrasta muito com o seu rosto, que tarda a sorrir. Ela
é ora silenciosa e ora loquaz, mas muito audaciosa, sempre fustigando os covardes,
e preferindo sempre os poucos. Por isso mesmo, ela se conserva jovem, renascendo
das cinzas, tal como a flor do cardo imolada a São João (p.8). Para Ada, são tais
valores de justiça social que importam, e a sua identidade feminina integra tais
idéias como qualidades intrínsecas. Veja, então, como, num poema dedicado à flor
de São Jorge é possível ler a versão que ela fornece da condição feminina.
A flor a que ela
se refere dá cobertura aos cemitérios, aos sombrios muros dos “mortos pobretões”,
às ruínas, as “orlas abandonadas”, às “árvores truncadas”, enfim, a tudo o que precisa
de agasalho. Essa trepadeira é a “piedosa carícia”, espécie de “ verdes meia-luas” que recobrem até os “flancos dos barrancos”, até
as “terríveis escarpas”. E o seu ofício, o de oferecer permanentemente a sua “carnuda
frescura”, o que traz imortalidade a essa flor, visto que, mesmo apartada de si,
ela continua a viver. Cito as duas estrofes finais do poema:
E se una mano vandala recide
le tue corolle che paiono spere,
cosi ricche di polline e d´antere,
e poi ti butta e di fango t´intride,
come uom che alla sua schiva anima beve
tu, diveito da te, tu vive ancora,
come al ricordo d´una estiva aurora
scioglie il fringuello un canto
sulla neve (p.19)
Mas que o leitor
não se fie nesse angelical feminino que, neste poema de Ada, aparece em forma de
uma altruísta, dadivosa e esplendora flor-fênix que, prodigiosamente, ainda que
separada de si, prossegue a vida. E, para tanto, devo retornar ao soneto “Solitudine”,
que, no sentido de finalizar estas cogitações, comecei a ler com vocês.
Como se percebe
por meio das suas duas estrofes iniciais citadas, essa mulher ali descrita sobrevive
graças a seus segredos e fantasias, pois que se sente apartada, na sua solidão,
como uma prisioneira capturada pelas redes de um ser maldoso que a teria emboscado.
No entanto, a sua alforria se dá, ao menos, graças a sua fantasia – e quem diz fantasia
diz poesia... Esta lhe possibilita ser possuída por dois arquétipos femininos, aliás,
muito diferenciados entre si: Corday e Lucia.
Marie-Anne Charlotte
Corday d’Armont (1768-1793) assassinou, de forma deliberada e meticulosa, Jean-Paul
Marat, um dos mais exacerbados defensores do Reino do Terror na França, como o comprova
o manifesto escrito por ela “Adresse aux Français amis des lois et de la paix”,
que trazia consigo. No processo movido contra ela, Corday afirma que matou um homem
para salvar 100 mil. Quatro dias após o assassinato, Corday é guilhotinada.
Tudo leva a crer
que a Lucia referida por Ada possa ser identificada a célebre protagonista do romance
I Promissi Sposi, de Alessandro Manzoni
(1785-1873), Lucia Mondella. [30] Diversamente
de Corday, Lucia, que ama Renzo, não pode com ele se casar por determinação de Don
Rodrigo, e é feita prisioneira no Castelo de Innominato, assassino cruel que se
converte depois que a conhece.
Não há dúvida que
Ada focaliza, através de tais modelos de paixão, as duas faces do feminino: a da
mulher ousada capaz de se defender, e a da cativa da força masculina e da sociedade.
Corday atenta contra a vida de um homem e sequer se esconde ou se furta à responsabilidade
do seu crime: ela, aliás, o anuncia – ela é a própria agente da sua ação. Lucia
nada pode contra a arbitrariedade que a sufoca, mas é sua mansidão que transforma
o seu algoz e que o rende.
Ora. Tanto um modelo
feminino quanto outro aparece no soneto de Ada como possessões que, na fantasia,
a acometem na solidão. No entanto, diferentemente daquele “continente negro” que
é dito a mulher carregar em si (e do qual ela precisa se livrar para evitar as restrições
sociais), esses seres que a possuem (Corday e Lucia) são exemplos da força feminina:
da que se exerce pela violência e da que se exerce pela candura. Fazem parte, por
assim dizer, da utopia feminina, do dilema, da verdadeira aporia em que se encontra
a mulher.
De fato,
Se mi possede un demon battagliero,
penso: “Corday son´io, daí portamento
vindice: ó spento il più temuto
e fiero!”
E quando invoco il bello inobliato
amor lontano e soffro, ecco, mi
sento
Lucia prigione de l`Innominato. (p.73)
E, para encerrar,
creio que já agora podemos compreender, com maior amplitude, por que razão Ada teria
acrescentado a seu nome, como uma incisão feminina facilmente identificável (e no
centro dele), a marca da “primeira mulher-escritora lembrada pela literatura ocidental”,
daquela que é, no dizer de Jeanne-Marie Gagnebin, ao mesmo tempo “enigma e maravilha”.
[31] O da sua excelsa irmã Saffo. Muito
obrigada.
NOTAS
1. Sempre que indicar as páginas
entre parênteses de ambas as obras, refiro-me, de um lado, à edição de Poemas Florbela Espanca (ed. prep. por Maria
Lúcia Dal Farra). São Paulo: Martins Fontes, 1ª. ed. 1994; e, de outro, à edição
italiana Poesia de Ada Saffo Sapere. Polistena:
Edizioni Marafioti, 1979; sendo que utilizo em português as versões inéditas de
Cleide Stieljes Yasoshima, assim como poemas também inéditos da poetisa calabresa,
conservados e traduzidos pela citada tradutora. Quando se tratar de peças inéditas,
indico entre parênteses, em seguida à citação, “IN.”
2. O dito vulcão, um dos três em atividade na Itália, se situa numa pequena ilha ao norte da costa da Sicília, a 90 quilômetros da Calábria. Trata-se de uma das oito ilhas do arquipélago das Ilhas Eólias, no mar Tirreno.
2. O dito vulcão, um dos três em atividade na Itália, se situa numa pequena ilha ao norte da costa da Sicília, a 90 quilômetros da Calábria. Trata-se de uma das oito ilhas do arquipélago das Ilhas Eólias, no mar Tirreno.
3. Cf. WILDFANG,R. – Rome's Vestal Virgins: A study of Rome's Vestal priestesses in the late Republic
and early Empire. Routledge,
2006.
Cf. também ROSA, Cláudia Beltrão – “A Religião na Urbs”. MENDES, Norma Musco; SILVA, Gilvan Ventura da – Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro/Vitória: Mauad/EDUFES, 2006, pp. 137-159.
Cf. também ROSA, Cláudia Beltrão – “A Religião na Urbs”. MENDES, Norma Musco; SILVA, Gilvan Ventura da – Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro/Vitória: Mauad/EDUFES, 2006, pp. 137-159.
4. Trata-se do artigo “Guido
Battelli e La cultura portoghese”, publicada no Centro Virtual Cervantes no endereço eletrônico: http://cvc.cervantes.es/literatura/aispi/pdf/05/05_169.pdf.
5. Cf. Florbela Espanca. Afinado Desconcerto. Contos, cartas, diário (est.
introdutório, apresentações. org. e notas de Maria Lúcia Dal Farra). São Paulo:
Iluminuras, 2012, ed. atualizada, p. 345.
6. Aqui, Florbela cita uma uruguaia
e duas outras italianas que não nomeia. Todavia, nos próximos passos da correspondência,
é possível identificar a poetisa uruguaia como sendo Juana de Ibarbourou. (Carta
de Florbela a Battelli em 5 de julho de 1930, escrita em Évora). Afinado Desconcerto. Opus Cit, p. 348. Sempre
que citar as cartas relativas a tal correspondência, valho-me da citada obra.
7. Opus Cit. Carta de 27-6-1930, de Évora, a Battelli, p. 346.
8. Opus Cit. p. 351.
9. Sibilla é referida em 27
de julho e a Condessa di Fiumi na carta de 6 de outubro. Opus Cit. respectivamente às pp. 352 e 372.
10. Sobre esta poetisa e Florbela,
leia-se, de Patrícia Alexandra Gonçalves, a tese de doutorado intitulada Da narrativa da vida
à vida da narrativa: questões de escrita e autoria em Florbela Espanca e Sibilla
Aleramo. Niterói: Universidade Federal Fluminense,
defendida em 07/02/2014, sob orientação de Maria Lúcia Wiltshire de Oliveira.
11. Carta de 28 de outubro,
Opus Cit, p. 378.
12. Opus Cit. respectivamente p. 372 e pp. 374-375.
13. Trata-se de um artigo muito
depreciativo e acusativo acerca do Livro de
Sóror Saudade (publicado em 1923), escrito por seu diretor J. Fernando de Sousa,
vulgo “Nemo”, que Florbela manteve nos seus guardados (deixados em casa de António
Guimarães, seu segundo marido) e que se encontra no seu Espólio conservado hoje
na Biblioteca Pública de Évora.
14. Refiro-me às edições de
Charneca
em Flor. Coimbra: Livraria
Gonçalves, janeiro de 1931; Charneca em Flor (com 28 sonetos inéditos). Coimbra: Livraria
Gonçalves, abril de 1931; Juvenília: Versos Inéditos de Florbela Espanca. Coimbra: Livraria Gonçalves, outubro de
1931; Cartas de Florbela Espanca (a Dona Júlia Alves e a Guido Battelli).
Coimbra: Livraria Gonçalves,
agosto de 1931.
15. O volume contava com a revisão
do Dr. Cláudio Bastos e com a rubrica da Editora Marânus do Porto. Todavia, no seu
comentário a essa primeira edição, Celestino David, estudioso de Florbela e sempre
tão atento quanto bem informado da participação de Battelli, afirma no Diário
de Notícias de Lisboa (em 11 fevereiro de 1932 e referindo-se diretamente ao
professor italiano), que “este ilustre senhor acaba de nos dar a conhecer, com o
livro As Máscaras do Destino, o que Florbela foi como artista da prosa” (p.
11). Cláudio Bastos foi, com Augusto Martins e Pedro Vitorino, diretor da revista
bimestral Portvcale.
Também é autor de Foi Eça de Queirós um plagiador?, de A Linguagem de Camilo, O Doutor Diabo. Era, na ocasião, diretor da coleção “Biblioteca
Clássica” da mesma editora.
16. Na citada obra poética de
Ada Saffo Sapere, se lê tal afirmação às pp. 5-6, assim como as próximas que citarei,
intituladas “Giudizi sulla poesia di Ada Sappo Sapere”.
17. É curioso anotar que os
críticos, de uma maneira geral, sempre que querem exaltar os dotes poéticos de uma
mulher, utilizam para ela qualificações ditas “masculinas”, preconceito que ocorre
em qualquer cultura, aliás... No caso de Florbela, o editorial do Diário de Notícias de Lisboa, assinado por
António Ferro em 24 de fevereiro de 1931, logo após a morte dela, assegura, para
enaltecê-la, que Florbela é “uma grande poetisa, uma poetisa-poeta”. Por isso mesmo,
faço sempre questão de invocar para as mulheres o feminino de “poeta”, chamando-as
de “poetisas”, tal como para isso chamou a atenção, numa verdadeira campanha, a
poetisa Natália Correia, que faz o prefácio do Diário do Último Ano de Florbela.
18. Publicado em Bologna: L.
Capelli, 1933. Essa tradução é objeto do estudo de Magdalena Nowinska, que tem por
título Tradução e Sensibilidade, doutoramento
defendido em 2012 na Universidade de São Paulo (Brasil).
19. Sobre a relação entre Quasimodo
e Sibilla, cf. Lettere d´amore: Sibilla Aleramo,
Salvatore Quasimodo, de Paola Manfredi, prefácio de Bruna Conti, da Nicolodi
Editora, setembro de 2001.
20. L’ARCHIVIO SIBILLA ALERAMO.
Guida alla consultazione a cura di Marina Zancan e Cristiana Pipitone. Roma, Fondazioni
Istituto Gramci onlus, 2006.
21. Essa é a primeira recolha
poética de Quasimodo, publicada em 1930, pela Solaria
22. Na referida obra poética
de Ada Saffo Sapere, se lê tal afirmação de Quasimodo à p. 5.
23. Lembro que Battelli entra
em contacto com toda a imprensa portuguesa depois do suicídio de Florbela, e que
esta, convencida da “intimidade” do seu relacionamento com a poetisa, lhe dará fé,
divulgando, por todo o país, a versão que ele lhe passa, e que enfim pode ser sintetizada
na imagem de uma “Pobre de Cristo” injustiçada e incompreendida, título que ele
também saca, na sua edição de Charneca em
Flor, para substituir o título original de um poema inédito de Florbela – “A
minha Terra” (p. 251, que cito em seguida no corpo do texto). Mais tarde, em 1937,
Battelli terá de responder por isso, quando as sementes do que plantou lhe redundarão
adversas. Sobre essa polêmica que ele manterá da Itália, leiam-se “Através da obra
de Florbela Espanca I e II”, de Silva Júnior (Gil Vicente n. 13, vol. 3/4, Guimarães, março-abril 1937, pp. 33-40,
e n. 14, vol. 5/6, maio-junho 1937, pp.
68-77); “À propos du `narcisisme` de Florbela Espanca (lettre ouverte à M. Silva
Júnior)”, de Guido Battelli (Gil Vicente n.15,
vol 9/10, setembro-outubro 1937, pp. 135-136) e “Florbela Espanca e a crítica:
carta aberta do ilustre Prof. Dr. Guido Battelli”, de J. Silva Júnior (Gil Vicente n. 14, vol. 7/8 de julho-agosto
1938, pp. 113-116). Mas não me refiro apenas a este affaire entre Battelli e Silva Júnior. Faço menção a um mais amplo e
alongado litígio na imprensa que tem início logo após a morte da poetisa, e vai
envolver intelectuais simpatizantes salazaristas contra José Régio, Jorge de Sena
e Vitorino Nemésio, por exemplo, que tomam a defesa de Florbela, e que se conserva
pelo menos ativo até 1964, data em que os restos mortais de Florbela obterão licença
da Igreja para serem transladados a Vila Viçosa. Sobre tal assunto, leiam-se minhas
inúmeras publicações sobre Florbela, notadamente Florbela Espanca (Rio de Janeiro, Agir, 1995).
24. O poema reúne Glauco, Cila
e Circe, e conta a maldição de Cila que, fugindo de Glauco, é atingida pelo ciúme
de Circe, que a converte num monstro: a parte de cima dos quadris à cabeça mostra
uma belíssima e encantadora mulher; todavia, da cintura para baixo ostenta seis
cabeças de serpentes cada uma com uma fileira tripla de dentes, mais um círculo
de doze cães ladradores, tendo também ela doze pés. Cf. BRANDÃO, Junito – Dicionário Mítico-Etimológico, vol. !. Petrópolis: Vozes, 1991, pp. 211-213.
25. Cf. SCHNEIDER, Monique –
De l´éxorcisme à La psychanalyse. Le féminin
expurgé. Paris: Retz, 1979.
26. Com
efeito, sob este título, Werner
Herzog produz,
em 1970 (Alemanha), um documentário muito poético, filmado no Deserto do Sahara.
Sublinho que também esse nome feminino diz respeito a uma transfiguração semelhante
àquela flagrada em Cila, visto que impõe a quem olha uma metamorfose da categoria
da “desordem”.
27. Na epopeia de Homero, fala-se
também de uma “figueira negra” que se erguia ao alto do penedo de Cila, e que foi
a salvação de Odisseu.
28. NEMÉSIO, Vitorino – “Florbela”.
Diário Popular. Lisboa, 29 junho 1949. O poema referido por ele é o “Para um poema a
Florbela”, de Manuel da Fonseca, que figura em Poemas Completos. Lisboa: Portugália, 1969, pp. 121-135.
29. Em outro estudo me detenho
mais pormenorizadamente nestas questões. Cf. DAL FARRA, Maria Lúcia – A Dama, a Dona e Uma Outra Sóror. Santa Maria
: UFSM, PPGL-Editores, 2007.
30. Devo esta referência à perspicácia
de Guia M. Boni, da Università degli Studi di Napoli “L’Orientale”, que me advertiu
a respeito aquando da minha apresentação no “II Convegno di Studi di Genere La donna
in ambito italiano e nei paesi di lingua portoghese”, em 4 de novembro de 2015.
Eu supusera, erroneamente, que esta Lucia fosse a de Lammermoor, de The Bride of Lammermoor, de Walter Scott,
adaptada por Gaetano Donizetti para a ópera Lucia
di Lammermoor.
31. Cf. GAGNEBIN, Jeanne-Marie
– “Um rosto iluminado”. FONTES, Joaquim Brasil – Eros, tecelão de mitos. São Paulo: Iluminuras, 2003 (apresentação).
*****
MARIA LÚCIA DAL FARRA (Brasil). Conferência realizada em 2015.
Página ilustrada com obras de Valdir Rocha (Brasil, 1951), artista convidado desta
edição de ARC.
● ÍNDICE # 103
Editorial | Os horizontes não param de brotar
ESTER FRIDMAN | Como tornar-se uma obra de arte - a escultura de si mesmo
GABRIEL JIMÉNEZ EMÁN | Algunas variaciones sobre la metamorfosis de Franz Kafka
HAROLD ALVARADO TENORIO Piedra y Cielo 1936-1942
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/10/harold-alvarado-tenorio-piedra-y-cielo.html
LILIAN PESTRE DE ALMEIDA | O teatro de Aimé Césaire: Une saison au Congo
LILIAN PESTRE DE ALMEIDA | Pier-Paolo Pasolini et l’anthologie de Mario Pinto de Andrade sur la poésie nègre de langue portugaise
MARIA LÚCIA DAL FARRA | Florbela Espanca e Ada Saffo Sapere: Alentejo e Reggio Calábria no feminino
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/10/maria-lucia-dal-farra-florbela-espanca.html
OSCAR JAIRO GONZÁLEZ HERNÁNDEZ | En la muerte de Germán List Arzubide (1898-1998)
OSCAR JAIRO GONZÁLEZ HERNÁNDEZ | Meditaciones antimetafísicas
PIER PAOLO PASOLINI | La Résistance nègre
ROXANA RODRÍGUEZ | Rubén Sicilia y el Teatro del Silencio
ARTISTA CONVIDADO | VALDIR ROCHA | ELVIO FERNANDES GONÇALVES JUNIOR | Valdir Rocha, um olhar sobre o abismo
*****
Agulha
Revista de Cultura
Número
103 | Outubro de 2017
editor
geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor
assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo
& design | FLORIANO MARTINS
revisão
de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe
de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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