Dominique Fernandez, de origem mexicana, nasceu em 1929 na cidade de Paris, onde cursou a Escola Normal Superior. Graduado e doutorado em língua e literatura italiana, foi nomeado professor do Instituto Francês de Nápoles em 1957, tornando-se depois professor universitário na França. Desde 1959, é membro do comitê de leitura da editora Grasset. Escreve regularmente para as revistas Le Nouvel Observateur, L’Express e La Quinzaine Littéraire. Ganhou, em 1974, o Prêmio Médicis com o romance Porporino ou les mystères de Naples (“Porporino ou os mistérios de Nápoles”) e, em 1982, o Prêmio Goncourt com o romance Pela mão do anjo – na verdade, uma psicobiografia, novo gênero inventado por ele, do cineasta Pier Paolo Pasolini, que o revelou ao leitor brasileiro em 1985. Outras obras suas, como O amor, O ouro dos trópicos e A corrida para o abismo circulam no Brasil. Em março de 2007, foi eleito para a Academia Francesa, qualificando-se como “o primeiro acadêmico abertamente gay” e declarando-se favorável à união civil entre homossexuais.
La perle et le croissant (A pérola e a meia-lua) é o nome do álbum sobre o barroco que o escritor Dominique Fernandez fez com o fotógrafo Ferrante Ferranti. A pérola, no caso, diz respeito ao barroco; a meia-lua, à figura que delimita no mapa da Europa um império barroco homogêneo, cuja ponta a sudoeste se encontra na Itália meridional e a nordeste em São Petersburgo, na Rússia.
Fernandez escreveu seu primeiro livro sobre o barroco, Le banquet des anges (O banquete dos anjos), em 1984, quando o barroco ainda era na França “uma causa a ser defendida, uma batalha a ser ganha” por aí se considerar que o românico e o gótico eram forçosamente melhores do que uma arte feita de volutas, dita luxuriosa e decadente.
Depois desse livro, também ilustrado com fotos de Ferrante Ferranti, lançou em 1993, ainda sobre o mesmo tema, O ouro dos trópicos, que focaliza o barroco português e brasileiro.
A pérola e a meia-lua não resulta de um conhecimento abstrato sobre o barroco europeu, porém de um saber que só a observação reiterada das obras propicia. Inscreve-se na tradição da viagem literária.
Para ouvir Fernandez falar sobre um estilo que a arte brasileira privilegia e não cessa de se reproduzir no Brasil, fui entrevistá-lo num dos muitos escritórios da editora Plon, no bairro de Saint-Sulpice.
BM O barroco surgiu como uma expressão da Contra Reforma para combater o protestantismo. Seria possível falar sobre isso?
DF A arte do barroco é, no início, uma arte política. Calvino e Lutero proscreviam as imagens nos templos. Os católicos, para se opor à Reforma protestante, fizeram uma política inteligente de imagem, construindo igrejas suntuosas, com muitas estátuas e muitos quadros. Procuraram ganhar os fiéis por meio da sensualidade, do sentimento, da emoção – em suma, pela arte. Isso a gente vê claramente na Itália e no sul da Alemanha, na Baviera, onde existem as abadias mais ricas, que são verdadeiras fortalezas de imagens contra o ponto de vista da Reforma. Os católicos se apoiaram no prazer para se opor aos calvinistas e luteranos, que se apoiavam exclusivamente na Bíblia e na reza. O barroco unifica a Europa formada por Itália, sul da Alemanha, Áustria e Boêmia (República Checa). Trata-se de uma Europa cuja identidade cultural não tem nada a ver com a da Europa reformada, Inglaterra, Prússia e Basileia (Suíça).
BM Por que você diz que o barroco é uma categoria do espírito?
DF O espírito barroco é o do prazer e é por isso, aliás, que deu tão certo no Brasil, um país voluptuoso e alegre, onde existe uma arte extraordinária.
BM Por que a recusa do barroco na França?
DF Trata-se do único país católico que recusou o barroco. Isso porque a França não é um país do prazer, contrariamente ao que se pode pensar. Pigalle não é a França, é para os turistas estrangeiros. A França é um país de puritanos, severo, é o país de Pascal, de Corneille, de Bossuet.
BM E a gastronomia francesa não tem nada a ver com o prazer?
DF A cozinha francesa é seca, não é voluptuosa. Os doces não são sensuais, não são os doces dos gulosos. A França, para mim, não é um país do prazer.
BM E o vinho?
DF Sou filho de mexicano e não gosto de vinho. Talvez pelas minhas origens eu goste tanto do barroco. Gosto por atavismo e também porque vivi na Itália, em Nápoles, que é tão barroca quanto Salvador da Bahia. Nápoles é uma antiga capital decadente, um labirinto, uma loucura e uma beleza. Adorei a Bahia, foi o que eu preferi no Brasil. Assistindo a um candomblé, tive a sensação de que se tratava de uma ópera. As roupas são Luís XV. São suntuosas as roupas que as baianas usam para receber o santo.
BM Qual a particularidade do barroco brasileiro?
DF Ele é originário da Europa. Mas o barroco, no Brasil, foi retomado por descendentes de negros e de índios e, com isso, se modificou, tornou-se muito mais ingênuo, mais rústico, mais imaginativo, mais colorido, com sabor de fruta. Eu simplesmente adoro.
BM Rústico e colorido, como aliás as alegorias do Carnaval… O senhor diria que o Carnaval brasileiro é uma forma de manifestação do barroco?
DF Não fui ao Carnaval, tenho horror da massa e sobretudo da massa de turistas. Mas acho que deve ser, porque há o teatro, as fantasias, não deixa de ser uma forma de ópera.
BM Uma ópera de rua, é assim que um dos nossos grandes carnavalescos, Joãosinho Trinta, o define. E qual é a particularidade do barroco nos outros países onde ele se desenvolveu?
DF O barroco italiano é o barroco de base, são os grandes arquitetos, Bernini, Borromini, mestres absolutos. Na Alemanha, o barroco é sobretudo decorativo, é estuque. Na Boêmia, e principalmente em Praga, trata-se de um estilo imposto pela Áustria, é a expressão da dor que predomina. Na Rússia, é a suntuosidade que impressiona. No México, o barroco europeu foi retomado pelo índio, e eu vi um São Miguel que era um cacique, tinha plumas e flechas.
BM Você lançou recentemente no Brasil, pela editora Record, O último dos Médicis, e, numa das entrevistas, disse que o artista é um pária, retomando aliás uma noção romântica do século XIX. Você acha mesmo que o artista é necessariamente um pária?
DF Acho que ele é sempre um marginal. É preciso que a gente se sinta rejeitado por uma ou outra razão para se tornar artista, para escrever. Não é espantoso que os criadores sejam tão frequentemente homossexuais, porque são marginais natos, como, por exemplo, os judeus da Europa central, tradicionalmente rejeitados. O sentimento de ser um excluído torna mais agudas a inteligência e a sensibilidade, faz o artista. Nem todos os homossesuais são artistas, mas quase todos os artistas são homossexuais. A bissexualidade é indispensável para que alguém seja artista. A um indivíduo que é exclusivamente heterossexual, com família, filho etc., falta algo para ser um criador. Claro, existe Tolstói…
BM Entre os seus contemporâneos franceses, existe Nathalie Sarraute, que teve marido, três filhas, e está na Pléiade. Qual é o autor brasileiro que você prefere?
DF Guimarães Rosa.
BM Mas, em O ouro dos trópicos, você diz que não gostou do fim do romance, da revelação súbita de que Diadorim não era um homem, e sim uma mulher.
DF O final me parece uma concessão inútil à moral.
BM O seu comentário me surpreendeu muito. Nunca me ocorreu que Guimarães Rosa tivesse revelado a feminilidade de Diadorim para negar a paixão homossexual. Quando Riobaldo descobre que Diadorim não é um homem, ele percebe que estava enganado quanto ao sexo biológico do amado, mas isso não obriga o leitor a concluir que Riobaldo, na verdade, amava uma mulher. Ele amava Diadorim, uma mulher que se apresentava como um homem, e, à sua maneira, era um andrógino. Acho que Grande sertão: veredas mostra o quão indiferente a paixão é ao sexo biológico e o quanto ela não prescinde da máscara, da ambiguidade.
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Betty Milan (Brasil, 1944). Romancista, ensaísta e dramaturga. Colaborou nos principais jornais brasileiros e atualmente é colunista da revista Veja. Sua bibliografia inclui títulos como O papagaio e o doutor (1991), Paris não acaba nunca (1996), Fale com ela (2007), e Quem ama escuta (2011). Esta entrevista integra o livro A força da palavra. Publicação original na Folha de S. Paulo, julho de 1996. Contato: bettymilan@free.fr. Página ilustrada com obras do artista Eugenio Granell (Espanha).
El período de enero de 2010 hasta diciembre de 2011 Agulha Revista de Cultura cambia su nombre para Agulha Hispânica, bajo la coordinación editorial general de Floriano Martins, para atender la necesidad de circulación periódica de ideas, reflexiones, propuestas, acompañamiento crítico de aspectos relevantes en lo que se refiere al tema de la cultura en América Hispánica. La revista, de circulación bimestral, ha tratado de temas generales ligados al arte y a la cultura, constituyendo un fórum amplio de discusión de asuntos diversos, estableciendo puntos de contacto entre los países hispano-americanos que posibiliten mayor articulación entre sus referentes. Acompañamiento general de traducción y revisión a cargo de Gladys Mendía y Floriano Martins. |
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Dominique Fernández & o barroco | Betty Milan
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