Desde que traduziu Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez, Gregory Rabassa é conhecido nos Estados Unidos como “O” tradutor. Além de traduzir do espanhol, ele traduz do português para o inglês. Entre os seus autores estão Jorge Amado, Clarice Lispector e Machado de Assis. Gregory Rabassa, filho de um imigrante cubano, nasceu em 1922 em Nova York. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu como criptógrafo. Depois, formou-se na Universidade Colúmbia, onde foi professor por duas décadas antes de passar para o Departamento de Tradução do Queens College, também em Nova York. Prêmio Nacional do Livro de 1967 pela tradução de O jogo de amarelinha (Hopscotch), do argentino Julio Cortázar (1914-1984), e a Medalha Na cional das Artes em 2006. Em 1965, foi traduzido e lançado no Brasil seu ensaio O negro na ficção brasileira. Para saber o que significa traduzir do português para o inglês e quais as dificuldades que a literatura brasileira encontra para se impor no mercado americano, fui entrevistar Gregory Rabassa na sua sala do Queens College, que fica nos arredores de Nova York. [BM]
BM Quais autores você já traduziu?
GR Julio Cortázar, Gabriel García Márquez, Miguel Ángel Asturias, Jorge Amado e Clarice Lispector.
BM Você então traduz do espanhol e do português?
GR Estudei as duas línguas.
BM Você viveu nos países dessas línguas?
GR Estive no Brasil durante dois anos. Escrevi uma tese sobre o romance brasileiro. Entendo o português do Brasil, mas não o de Portugal.
BM Também eu tenho dificuldade em compreender os portugueses. Gostaria de saber o que há de comum em sua opinião entre os autores latino-americanos.
GR As lendas, o folclore. Acho que o conceito de América Latina é artificial. O Brasil é tão diferente da América espanhola quanto dos Estados Unidos. São três culturas diferentes. Parecem iguais por causa das origens étnicas e da arquitetura.
BM Qual é a especificidade das culturas latino-americanas de língua portuguesa e de língua espanhola?
GR Acho que é mais fácil escrever certas coisas em português do que em espanhol. A língua portuguesa do Brasil é uma língua em aberto. O espanhol é uma saia justa. A grandeza de um autor da língua portuguesa está em saber controlar a língua. A de um autor de língua espanhola está em conseguir romper com ela. São duas posições inteiramente diferentes. O Jorge Amado diz que ele se deixa levar pela língua. Já o Gabriel García Márquez precisa romper com ela.
BM Por que a literatura espanhola teve maior penetração no mundo do que a brasileira?
GR A geografia deve explicar isso. Porfírio Díaz, o ditador do México, dizia: “Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Os europeus veem a América Latina com os olhos dos americanos, que estão mais próximos do México e de Cuba. Seja como for, os melhores escritores que eu conheço são brasileiros: Machado de Assis, por exemplo. O que explica a maior penetração da literatura espanhola nos Estados Unidos é o contato maior que estabelecem. Isso, sim, é importante.
BM Autores como Jorge Amado e Gabriel García Márquez foram muito bem-aceitos no mundo inteiro. Por quê?
GR Vou responder com um clichê: escreveram bons livros. Além disso, existe o realismo mágico. O Jorge Amado faz a fantasia se tornar realidade, uma estátua adquirir vida. O engraçado é que a estátua é católica e, quando se torna viva, passa a ser um orixá. Ou seja, o santo católico é morto enquanto o africano é dotado de vida. Jorge Amado é um bom narrador e Gabriel García Márquez também. As pessoas projetam as suas próprias histórias nas de Márquez, fazem interpretações.
BM Quais os maiores problemas que você encontrou ao traduzir do português e do espanhol para o inglês? Que construções passam com maior dificuldade para o inglês?
GR É mais difícil traduzir do português pela liberdade dos brasileiros com a língua. Brincam com ela.
BM Talvez seja uma das razões pelas quais a nossa literatura é menos conhecida no mundo…
GR Guimarães Rosa é intraduzível.
BM O Rosa foi traduzido para o inglês…
GR Só que a tradução é ruim. O espanhol é mais fácil do que o português. Gabriel García Márquez disse mesmo que preferiu a versão inglesa de Cem anos de solidão ao original.
BM Estou aqui porque entrei numa livraria de Nova York, abri a sua tradução e fiquei extasiada ao ler a primeira frase… Mas, voltando à questão, gostaria de saber que problemas encontrou ao traduzir para o inglês.
GR No caso do português, o vocabulário. Com Jorge Amado, foi complicado traduzir as palavras relativas ao sexo do homem. Em português, há muitos termos. Em inglês, não, e eu precisava ficar me repetindo…
BM Isso porque a cultura de língua inglesa é puritana. A brasileira, não.
GR Verdade. Também é difícil traduzir as expressões populares. Elas não "passam" de uma língua para outra.
BM Isso quer dizer que é mais fácil traduzir autores que não usam a língua popular?
GR Claro. Um escritor que inventa, como Julio Cortázar, não é tão problemático. Porque a gente também pode inventar em inglês. Já as expressões idiomáticas, a gente não traduz, porque o contexto social é diferente. Em inglês, por exemplo, nós usamos a palavra bastard para xingar alguém. Nas outras línguas, "bastardo" não é um xingamento. Em espanhol, é a palavra cabrón que serve para injuriar.
BM Cabrón quer dizer o quê?
GR Um homem que foi traído pela mulher.
BM Cornudo.
GR Isso aí, cornudo.
BM Cabrón é xingamento em espanhol, porque, na cultura espanhola, a noção de honra é central. Há coisas que não podem ser traduzidas, porque não têm o equivalente cultural. Um francês se ridicularizaria se dissesse cabrón. O ciúme não é bem-visto na França.
GR Pois é.
BM O que o tradutor deve fazer para que a sua tradução seja boa?
GR Primeiramente, fazer o significado passar para a outra língua. Depois, o espírito. Às vezes, uma palavra tem o mesmo significado e não tem o mesmo espírito. Em terceiro lugar, a tradução deve soar bem. Não é fácil conseguir isso tudo. O García Márquez escreve tão bem que é bem traduzido. O grande escritor indica ao tradutor a direção a ser seguida.
BM O senhor também é professor de literatura. Na sua opinião, o que diferencia o escritor do crítico?
GR O escritor não procede como o universitário, muda o texto como um artista, como um pintor põe as cores no quadro. O escritor está para o crítico como o pássaro para o ornitologista, que não pode voar.
BM Por isso, o crítico não tem como impor uma obra… O senhor já traduziu poesia?
GR Só Vinicius.
BM Quais as grandes traduções do século XX para o inglês?
GR As traduções dos clássicos são boas. Fico satisfeito com isso quando me valho delas para ensinar. São boas, porque as pessoas estão dando mais atenção para a tradução, que vai se tornando mais precisa e artística.
BM Há muitas escolas de tradução nos EUA?
GR Não sei se a gente pode realmente ensinar tradução. Traduzir não é um ofício, mas uma arte. Podemos apenas ser bons guias, mas há departamentos de tradução no país inteiro.
BM E você tanto ensina literatura quanto tradução…
GR Gostaria de ensinar a traduzir do português, porém não há alunos.
BM Como é a situação dos tradutores aqui?
GR Está melhorando, só que existe hoje um problema comercial. Não há mais quem queira publicar traduções. Primeiramente, porque não vendem e, em segundo lugar, porque é preciso pagar pela tradução. É difícil introduzir um autor novo.
BM Na segunda metade do século XX, a literatura perdeu espaço. E agora, como vai ser?
GR Posso ser negativo demais na resposta… Acho que a leitura vai se transformar em hábito de uma minoria.
BM O que a literatura dá nenhuma outra forma de expressão artística pode dar…
GR A literatura faz pensar, porém as pessoas não estão mais tão interessadas nisso.
BM Então, só para os happy few…
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Betty Milan (Brasil, 1944). Romancista, ensaísta e dramaturga. Colaborou nos principais jornais brasileiros e atualmente é colunista da revista Veja. Sua bibliografia inclui títulos como Paris não acaba nunca (1996), Fale com ela (2007) e Trilogia do amor (2010). A presente entrevista foi originalmente publicada na Folha de S. Paulo, em 15/03/1998, e figura no livro A força da palavra (Editora Record, 1996). Contato: bettymilan@free.fr. Página ilustrada com obras do artista Ramón Oviedo (República Dominicana).
El período de enero de 2010 hasta diciembre de 2011 Agulha Revista de Cultura cambia su nombre para Agulha Hispânica, bajo la coordinación editorial general de Floriano Martins, para atender la necesidad de circulación periódica de ideas, reflexiones, propuestas, acompañamiento crítico de aspectos relevantes en lo que se refiere al tema de la cultura en América Hispánica. La revista, de circulación bimestral, ha tratado de temas generales ligados al arte y a la cultura, constituyendo un fórum amplio de discusión de asuntos diversos, estableciendo puntos de contacto entre los países hispano-americanos que posibiliten mayor articulación entre sus referentes. Acompañamiento general de traducción y revisión a cargo de Gladys Mendía y Floriano Martins. |
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Gregory Rabassa: traduzir é uma arte | Betty Milan
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