quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

FLÁVIO DE CARVALHO | Conversa com André Breton


Presentemente o Surrealismo acha-se em destaque em toda a parte, principalmente nos Estados Unidos. Breton em 1914 definiu o surrealismo como sendo automatismo psíquico puro pelo qual se exprime verbalmente ou por escrito ou de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. É um ditado do pensamento na ausência de todo o controle exercido pelo raciocínio e fora de toda a preocupação estética ou moral.
Os surrealistas se ligam as dois fantasmas do passado, os literatos Rimbaud e o conde de Lautréamont, este último uruguaio, antepassados comuns do grupo, espantalhos derrotistas que movem as manias presentes do grupo. O surrealismo é um dos movimentos mais interessantes e mais sugestivos que tem havido na história da arte.
Os principais elementos do começo do surrealismo são: Aragon, Baron, Boiffard, Breton, Carrive, Crevel, Delteil, Desnos, Éluard, Gé- rard, Limbour, Malkine, Morise, Naville, Noll, Peret, Picon, Soupault, Vitrac, e mais tarde os pintores Salvador Dali, Yves Tanguy, Valentine Hugo. O surrealismo sofreu duas dissidências: uma dissidência de direita com tendências a um plano artístico literário movido por Artaud, Desnos, Ribemont, Dessaignes, e uma dissidência de esquerda com as exigências de um militantismo político e movida por Aragon e Naville.
O surrealismo que ficou com Aragon e Breton quer e espera a liberação do homem pela revolução. Breton estudou medicina e psiquiatria e em 1918 desenvolveu esforços literários dirigindo as revistas O surrealismo a serviço da revolução, A revolução surrealista, Literatura, e escreveu diversos livros.

"O Surrealismo no começo foi poético e artístico e tornou-se depois psicológico. Nós achamos que o surrealismo é um processo de conhecimento. De 1919 a 1924 o lado social foi pouco desenvolvido como mostram as publicações surrealistas".

Pedi a Breton falar sobre a arte negra.

"A arte negra é uma coisa que eleva.., nós já a encontramos altamente colocada em certos artistas. Ultimamente insistimos sobretudo no lado poético da arte oceânica, mexicana, etc. O nosso interesse dirigiu-se mais sobre as artes da Nova Guiné, Nova Irlanda, Ilha da Páscoa, etc. muito devido ao caráter simbólico e poético dessas artes, o que as distingue da arte realista e material, da arte africana. A arte africana procura dar à maternidade uma colocação muito alta enquanto que a arte oceânica se utiliza de símbolos muito gerais."

E a arte dos loucos e das crianças?

"A arte dos loucos e das crianças nos interessa porque ela não se submete a nenhuma disciplina moral nem intelectual.., vem do inconsciente."

Falou-se em censura, na atitude do poeta em face da revolução...

"A censura faz com que as pessoas não compreendam o que fazem os artistas... a arte super-realista é puramente automática, vem das camadas profundas do inconsciente.
O problema do conhecimento é um problema independente do problema da ação e da propaganda social em geral. Estou de acordo com o que disse Malraux no Congresso dos escritores soviéticos. Não acho que a poesia deva se consagrar na hora atual a exprimir palavra de ordem política.
O poeta pode militar numa organização revolucionária, mas a expressão da palavra de ordem política é coisa indefensável. Como vivemos numa sociedade burguesa é piada querer poesia proletária porque a arte é afinal função do meio.
A arte automática fornece uma grande documentação que pode ser útil à psicanálise.
Gostamos da arte automática, não porque a achamos particularmente bela, mas porque fornece uma interpretação psicanalítica que em si é bela."

Perguntei a Breton se achava alguma relação entre as artes do negro, da criança, do louco e dos modernos...

"Existe uma relação entre as artes do negro, da criança, do louco e dos modernos.., todos são privados de censura."

Interroguei sobre o desaparecimento da arte...

"Após a realização da arte inconsciente teremos a crítica. As artes realistas têm uma tendência a desaparecer, a poesia e a pintura estão em relação direta com a afetividade e não poderão desaparecer. Uma das grandes razões que explica porque as massas não compreendem a arte moderna é porque a arte moderna utiliza da sua faculdade de negação e não da sua faculdade de invenção. O ciclo simbolismo, classicismo, romantismo se repete, o superrealismo está localizado na parte romântica (ciclo de Hegel)."

Perguntei a sua opinião sobre a arte abstrata.

"Sempre combati violentamente os esforços do grupo abstração, acho que são incompreensíveis, e em contradição total com tudo quanto sustento — a arte abstrata é mais uma coisa arquitetônica. A arquitetura é uma das formas de expressão menos evoluída e significativa. Para que se preocupar com arquitetura no momento em que o mundo começa apenas a mexer. O surrealismo tem uma atitude antirreligiosa forte, as principais criações são produzidas por pessoas anormais.., o mecanismo artístico é um de compensação."




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(BRETON, André — "Surrealismo. Entrevista a Flávio de Carvalho" — Cultura, a. 1, n? 5, São Paulo, fev.-mar. 1939, p. 9.)






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