quarta-feira, 18 de maio de 2016

ROBERTO PIVA | Claudio Willer: meditações de emergência


Em 1997, a FUNARTE, órgão cultural vinculado ao Ministério da Cultura, promoveu uma série de entrevistas por Roberto Piva, intituladas “Meditações de Emergência”. Uma delas, comigo, foi realizada em 31 de março. Essas entrevistas estavam disponíveis no site da FUNARTE, que parece ter sido desativado. Por isso, resolvi torná-la disponível na Agulha Revista de Cultura, a bem de pesquisadores e outros leitores a quem tudo isso pode interessar. Acrescentei notas, tornando-a mais inteligível para quem não acompanhou os acontecimentos em São Paulo na década de 1960. Muito do que está registrado na primeira metade desta entrevista também pode ser encontrado em outros lugares, especialmente no documentário Uma outra cidade, de Ugo Giorgetti, e na longa entrevista comigo feita por Floriano Martins, gravada em Espéculo. Já a segunda metade contém material mais virgem, menos divulgado. [C.W.]

RP - Estamos com Claudio Willer, poeta, tradutor, ensaísta. Willer, eu queria que você começasse dizendo daquele começo dos anos 60, em que víamos muitos filmes japoneses na Liberdade [1]; em que você tinha um veleiro em Eldorado, na represa… que você contasse para as pessoas um pouco daquela época, do seu ponto de vista. Aquele período, para o pessoal entender a gestação do seu primeiro livro, que foi Anotações para um Apocalipse.

CW - Então, vamos por partes, pois isso é um monte de coisas. Nos anos 60, realmente havia um ambiente cultural muito interessante em São Paulo, composto por artistas de vários tipos, poetas novos, e tudo isso gravitava bastante ao redor do Massao Ohno e da Coleção Novíssimos. Eu já conhecia o Piva antes, mas muita gente com a qual viemos a ter amizade, até criar uma espécie de grupo ou confraria, nós conhecemos naquele contexto, direta ou indiretamente ligado à Coleção Novíssimos. Conheci o Piva mais ou menos em 59 ou 60, e já tinha ouvido falar dele antes. O Piva já era bastante famoso. No colégio onde eu estudava, o Dante Alighieri, eram muito comentadas algumas façanhas e características do Piva.
Naquela época, de repente me enturmei com um bando de excêntricos, o André, o Irco, o Feto. Era uma turma que dedicava metade do seu tempo a ouvir ópera e a outra metade a armar confusões. Conheci o Piva quando estava num bar com o Irco, o Olé, e o convidei para uns grupos de música que eu organizava na ACM [2]. Ele foi ver o que era, e disse: “Vamos fazer um ciclo, uma série de poesia!” Aí, você (Piva) chamou várias pessoas para falar sobre poetas. Acabou você falando sobre Sá Carneiro, eu sobre Augusto dos Anjos, o Salinas abriu sobre Antero de Quental, o De Franceschi sobre Cruz e Souza…

RP - O Victor Knoll sobre Murilo Mendes…

CW - O Paulo del Greco sobre Drummond, e não lembro mais quem sobre quem.
Bom, naquele grupo apareceram pessoas com quem viemos a ter contato regular, como Décio Bar, Carlos Felipe Moisés e mais esse pessoal que já citei. Na época, São Paulo tinha um centro, e um ponto aonde todo mundo convergia, atrás da Biblioteca, onde havia o mitológico Paribar, e o Leco ou La Crémerie, que era mais o ponto da minha turma, e onde, algum tempo depois, foi aberto o Barroquinho, onde lancei meu primeiro livro de poesia e você o seu segundo livro de poesia.

RP - Que foram respectivamente Anotações para um Apocalipse, que tem prefácio meu, e Piazzas. Nós lançamos no Barroquinho, que era do Zilco Ribeiro, que foi um grande diretor de teatro de revistas, da linha daquele Silveira Sampaio, e ele foi, aliás, assistente do Silveira Sampaio.
(público) - Quando a Galeria Metrópole foi inaugurada? Lá tinha o Ponto de Encontro, também?

CW - A Galeria Metrópole foi inaugurada em 63. Na verdade, freqüentávamos o lugar desde 59, porque já havia o Leco e o Barba Azul, o Paribar, muito anteriores… A gente percorria aquele pedaço, que ia desde aquele bar de cineastas perto da Sete de Abril até a outra esquina, fazendo o circuito do Paribar, do Leco e do Barba Azul.

RP - Com paradas magníficas no Hotel Cambridge, por causa da bossa nova, né?

CW - Isso foi em 64. O Cambridge com Alaíde Costa, Pedrinho Mattar e Johnny Alf.
Uma coisa muito certa, dita em um ciclo sobre a década de 60 que fizemos algum tempo atrás, foi sobre a viabilidade econômica de viver naquele tempo. Uma parte de nós trabalhava em emprego que dava pouco dinheiro; outra parte recebia mesada, e outra nem isso. Mas dava, por exemplo, para ir ao Cambridge Bar, quase toda noite, durante uma época, ir com uma namorada minha da época, me provisionar de três ou quatro Tom Collins - tomava-se muitos drinques, coquetéis - e ficar ouvindo Alaíde, para depois completar o restante da noite. Então, o orçamento da gente agüentava essas coisas. Outra coisa que havia era justamente isso, de São Paulo ter um centro. Evidentemente, São Paulo era extremamente provinciana, e nosso antiburguesismo militante tem a ver com o grau extremo de caretice, de moralismo, de provincianismo da burguesia paulista da época… isso foi se dissolvendo ao longo dos anos 60, depois, naquele período mais contracultural. O pessoal de hoje não imagina os níveis de caretice da época.

RP - Era um horror!

CW - Em 59, por exemplo, foi quando um filme como Les Amants, do Louis Malle - tinha uma cena em que eles estavam transando, e não aparecia nada, aparecia eles dando as mãos, o que significava o orgasmo - deu em censura, em polêmica sobre o filme, e por aí afora.
Mas, com tudo isso, ao mesmo tempo havia essa coisa de um centro, de lugares aonde você iria sabendo que ia encontrar as pessoas… o que se perdeu bastante. Quero dizer, houve um ciclo de lugares assim, e o último deles, já nos anos 80, foi o Pirandello na Rua Augusta, mas hoje em dia não há mais lugares ou espaços referenciais. Conseqüentemente, perde-se a dimensão da disponibilidade. Hoje, quando você sai para ir a algum lugar, é um programa, ou seja, você marca, você combina… Naquela época - isso é uma dimensão de que eu trato um pouco em meu livro Volta, mesmo falando mais da Paris do começo do século do que de São Paulo - podia-se sair sem ter nada marcado, sair ao acaso, e para mim isso era fácil, pois eu morava em um apartamento no Viaduto Major Quedinho, a quinhentos metros desse lugar que descrevi. Podiam acontecer os encontros, os episódios mais inesperados, desde conversar com amigos até conhecer alguém, ou até mesmo se envolver em aventuras que lembram alguns filmes da época, da Nouvelle Vague, do cinema italiano. Por exemplo, Os Primos de Claude Chabrol… aquela festa! Aquela festa naquele apartamento crepuscular, Jean-Claude Brialy segurar aquele castiçal, botar a mão no peito e começar a declamar: “Oh, meine mutter!” - naquela festa, nós estivemos… houve bastante daquilo.
Dolce Vita de Fellini, na segunda vez em que o vi, tive a impressão de que havia estado naquelas festas, e já não sabia mais se era por causa da primeira vez em que havia visto o filme - que me impressionou muito - ou se estava reconhecendo lugares onde tinha estado, por exemplo, aquelas festas do Albertito Martino, naquele casarão de Higienópolis.

RP - Exatamente! É até anterior ao Dolce Vita.

CW - É, mais ou menos em 60, por aí. Eram muito parecidas com aquelas festas naqueles palácios antigos, como em uma das cenas do Dolce Vita. Até os papos, as conversas daquele pessoal de Dolce Vita, no apartamento daquele intelectual que depois se mata, são muito parecidos com gente que também conhecemos.

RP - E que se matou, inclusive.

CW - Então, estou tomando a referência cinematográfica, porque é mais fácil alguém pegar o vídeo e ver. Até coisas mais bravas ou mais pesadas, lembrando filmes como A Longa Noite de Loucuras (La Notte Brava)

RP - Com o roteiro de Pasolini…

CW - …e direção de Bolognini. É um bando de garotos completamente loucos.
Público - E Os Trapaceiros?

CW - Os Trapaceiros, quando passou em 58, foi impactante, embora fosse um filme moralista. Foi com isso que a Nouvelle Vague rompeu, pois nela havia filmes que mostravam essa juventude transgressora, e que eram a favor da transgressão.

RP - Exatamente.

CW - Veio tudo de uma vez só, tanto a revolução formal de Alain Resnais, o Mariembad e Hiroshima, quando a subversão do conteúdo de um filme como Acossado (À bout de soufle) de Godard. Evidentemente, um filme de que gostamos especialmente, com aquele esplêndido anti-herói, um negócio que não existia antes. O que fazíamos e com quem convivíamos era muito parecido com o que está naqueles filmes. Não por acaso, pois a cinematografia europeia, em comparação com a americana, trouxe a vida, a vida imediata, a vida que as pessoas viviam, para o cinema. Era uma realidade muito próxima a nós. Isso, além de uma série de referências também presentes nesses filmes franceses: é evidente que Sartre, com todas as restrições que tenho a ele, na época era um autor referencial, e um monte de gente se dizia existencialista - a série Os Caminhos da Liberdadeera encontrada na biblioteca de todo mundo - e quando Sartre veio ao Brasil, eu e o Piva fomos vê-lo no Teatro João Caetano e no Cultura Artística. Tanto é que você (Piva) me apresentou ao Salinas nos seguintes termos: “Esse é o cara que se trancou por três semanas em seu apartamento para ler e estudar O Ser e o Nada.”. Você me apresentou o Salinas nesses termos. (risos)
Para exemplificar, éramos capazes de ir à casa do Vicente e Dora Ferreira da Silva, fazer uma leitura, capítulo por capítulo, daquele livro de Heidegger sobre Hölderlin, sobre a essência da obra de arte. A gente tinha um grupo de leituras…

RP - Eu fiz o Ser e Tempo.

CW - Quando o Piva diz: “Eu fiz o Ser e Tempo”, já dá a ideia de um certo tipo de densidade cultural que coexistia com esse ambiente, com a vida movimentada ou muito intensamente vivida que tínhamos. Então, éramos capazes de começar lá mesmo, na casa do Vicente e da Dora - Vicente era autoridade máxima no Brasil em Heidegger - e depois sair por aí afora para armar todo tipo de confusão e, eventualmente, continuar até o dia seguinte, de repente virar personagens do La Notte BravaGiornata Ballorda e coisas desse tipo. Havia disponibilidade, ninguém programava nada, as coisas iam acontecendo, e havia uma comunicação muito grande entre cultura e vida. Quando Zé Celso [3] fala, como falou na vez passada, quando fez aquela crítica à USP, qual foi mesmo a expressão que ele usou?

RP - Universotário, coisa assim…

CW - Então, talvez esteja se referindo, justamente, a essa cisão acadêmica entre cultura e vida. Para nós, ler Heidegger, ou de repente um puxar do bolso um poema que havia escrito e mostrar para o outro, e ao mesmo tempo fazer tudo a que tínhamos direito, não eram coisas separadas. Ao contrário. A descoberta de Allen Ginsberg foi reveladora porque significava tudo isso. Sentimo-nos uma espécie de reflexo do Uivo de Ginsberg, daquele painel geracional, Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, e tal… nós vivemos isso também!

RP - É claro!

CW - Quanto ao cinema japonês, acho que fui um dos iniciadores do modismo do bairro japonês, e levei para lá o Piva e vários amigos meus. Havia quatro cinemas japoneses, e esse era o departamento de esteticismo. Infelizmente, a cinematografia japonesa entrou em decadência… Eu vi séries completas de Tomu Ushida, por exemplo, que é o máximo do esteticismo de filme de samurai. Os sete filmes da série Myamoto Musashi, além dos três da série Myamoto Musashi de Hiroshi Inagaki. Ou aquela série da Espada Diabólica do Ushida, e por aí afora. Filme japonês, principalmente no Cine Niterói, era toda semana.
O Massao Ohno está nisso desde o início, porque, logo depois que conheci o Piva, o Massao lançou a Coleção Novíssimos, uma coleção por assinatura. Tinha alguém que levava os livros em casa e as pessoas pagavam, e aquilo viabilizava economicamente a série, na qual saiu um monte de poetas.
Só para completar: por volta de 62, 63, houve uma espécie de segmentação, e nós radicalizamos. Havia muitos poetas fazendo muitas coisas. Então, teve umas leituras que o Eduardo Alves da Costa organizou no Arena. Resolvemos fazer, então, a nossa leitura, uma sessão só com o nosso grupo. Fomos você (Piva), eu, Rodrigo de Haro e o Décio Bar. E nós nos especializamos mais ainda naquela fase de nos reunir regularmente, a fase do Sérgio Lima. Duas pessoas que conviviam muito com a gente eram Rodrigo de Haro e Sérgio Lima, mas alternadamente. Quer dizer, teve o período do Rodrigo de Haro, aí ele desapareceu, e aí teve um período de nos reunirmos muito com Sérgio Lima, e depois teve outro período em que Sérgio Lima saiu um pouco de vista e quem reapareceu foi Rodrigo de Haro. Agora, afora isso, eram o Décio Bar, o De Franceschi, o Regastein, o Ruggiero, o Guilherme de Farias, o Bicelli… o Bicelli e a Maninha pouco depois, já em 64, 65…

RP - Aliás, quem me apresentou o Bicelli foi você.

CW - Foi a Maninha quem me apresentou o Bicelli.
Daquele nosso grupo, inequivocamente, o pessoal que escrevia, ou seja, Rodrigo, você, Sérgio Lima, De Franceschi, Bicelli e obviamente eu, todos estão com produção aí, estão com obras. Então, foi um período seminal, que não ficou só no caos existencial, pois houve também uma troca de informações, importante para todos, e o início de um processo de criação, de pessoas que estão escrevendo, cada qual a seu modo, com todas as diferenças de estilo, de personalidade e de postura de cada um, mas que estão produzindo, fazendo literatura de qualidade até hoje, e vão continuar fazendo enquanto puderem escrever.

RP - E a casa de campo em Eldorado? E o barco? Sábados e domingos, fins de semana, semanas inteiras de veleiro.

CW - Meus pais haviam comprado uma casa de campo, e nos fins de semana em que eles não iam lá a gente se divertia bastante (risos). Aquela vez em que o Bicelli ficou pré-comatoso, e aí nós vimos, naquela espécie de abismo, pois era uma pirambeira até chegar à margem da represa, lá embaixo, uns setenta metros de jardim, meio parque, e aí nós vimos o Décio Bar e uma namorada dele transando em pé, pelados, iluminados pela lua, duas figuras completamente brancas debaixo daquela garoa fina e gelada (risos). Essas cenas são como flashes, certos lances de que a gente se lembra. É como se fosse uma colagem, um filme sem história, uma seqüência não-linear onde vão aparecendo cenas e situações.
Agora, o veleiro - era preto, categoria Vinte Metros… foram episódios cômicos, o meu cronista, Bicelli, conhece as histórias do veleiro. Tinha um amigo nosso, o Edmar, um colega de determinados tipos de expedições do Piva, que se agregou a nós e comprou por sua vez um classe Star branco. O meu veleiro se chamava Maldoror, o dele, ele apelidou de Mallarmé (risos). O veleiro é circunstancial, mas era divertido.

RP - Nós tínhamos um amigo, criminoso juvenil, delinqüente, o Li. Uma vez - ele (Willer) tinha um jipe - eu livrei a gente, de dentro do jipe, porque ele queria matar uma pessoa de dentro do jipe, na curva da São Luiz. De dentro do jipe, naquela curva, Basílio da Gama com São Luiz, e ele disse: “Olha aquele cara!”, e puxou o revólver, uma 7:65.

CW - Era uma coisa que havia muito na época, o bandido romântico. Li se comportava como um perfeito bandido e, ao mesmo tempo, não só gostava de Baudelaire, mas sabia de cor as Litanias a Satã das Flores do Mal. Chegou um momento em que realmente tivemos que parar, houve uma série de coisas que nos fizeram desacelerar. Primeiro, de 64 em diante certas coisas se tornaram mais perigosas, devido ao recrudescimento da violência policial E também chegou um momento em que não dava mais, pois começamos a ser chamados pela polícia para saber se tínhamos algo a ver com o que ele fazia. Aí, cortamos. O banditismo romântico foi muito interessante, mas chegou uma hora em que tivemos que cortar, porque, se não, iríamos ter aborrecimentos enormes.

(público) - Claudio, e o começo do grupo surrealista?

CW - Na verdade, nós éramos um grupo surrealista desde quando nos conhecemos. O Piva já conhecia bem, o Piva colecionava o surrealismo, a revista La Brèche, por exemplo. Poesia surrealista foi uma coisa seminal e formadora para todos nós. Agora, em 63, o Sérgio Lima veio de Paris, havia feito estágio de um ou dois anos na Cinemateca Francesa e participou pessoalmente, diretamente, do movimento surrealista. Conheceu André Breton, subscreveu manifestos surrealistas, correspondeu-se com Breton e teve contato com ele até sua morte em 66. Então, houve um período em que nós nos reuníamos em grupo, regularmente, uma ou duas vezes por semanas, em um bar, no estilo surrealista. Isso, essa fase sistemática de grupo, durou até 64. O grupo explodiu, e eu acho que nós não poderíamos e nunca conseguiríamos formar o tipo de movimento do surrealismo. Acho o surrealismo fundamental em dois níveis: como criação, e isso é o que realmente importa, a criação poética; e como movimento de ideias, como prosseguimento da rebelião romântica e tentativa de unir a rebelião romântica à transformação da sociedade. A junção do mudar a vida com otransformar a sociedade, de Rimbaud e Marx. É um movimento de ideias que teve mudanças ao longo do século, e que é fundamental. De tudo o que aconteceu naquele período vanguardista do começo do século, evidentemente foi o movimento mais significativo, mais importante, e, disparadamente, o mais consistente. Agora, para dar um exemplo, em 68, eu fui à França… - aliás, houve um episódio engraçado, eu estava em Paris, era fevereiro, e de repente dou de cara com o Zé Celso na Champs Elisées, fomos almoçar, aí o Zé Celso comentou comigo, porque já havia acontecido O Rei da Vela [4] e, obviamente, tínhamos gostado: “É, parece que tem um negócio agora, chamado tropicalismo, e estão dizendo que eu faço parte dele, que tenho algo a ver com isso.”

Público - O tropicalismo foi bem depois!

CW - Não. Foi em 67. Aqueles festivais do Caetano e Gil foram no final de 67, e o tropicalismo foi em 68.
Daquela vez, Paulo Paranaguá, cineasta surrealista, me levou à Universidade de Nanterre e havia um zunzum, um ambiente de qualquer coisa acontecendo, porque os estudantes estavam começando a se rebelar por causa de homem não poder entrar em alojamentos femininos: foi onde se iniciou uma coisa que foi crescendo, até dar nas rebeliões de maio de 68.
Voltando ao surrealismo, Paranaguá me levou a uma reunião do grupo surrealista, estava Elisa Breton, havia um monte de gente, estavam os surrealistas da época. E depois fomos ao apartamento do Vincent Bounure, uma das figuras de linha de frente, das mais ativas do surrealismo. E houve aquela coisa do francês, o francês nesse ponto é meio parecido com o português, de encarar o que os portugueses chamam de “polémica”, de começar a discutir e não parar mais, eles são muito passionais. Então, por causa da geração Beat…

RP - Eles têm grilos com isso aí. Tem uma parte que não tem, o José Pierre.

CW - É. Eu achava a geração Beat uma referência fundamental, e ele questionava seu valor literário. Isso deu uma discussão que foi, digamos, das onze da noite até umas três da manhã, no apartamento dele…

RP - O que eu entendi na época, do que você falou, me desculpe interromper, foi que esse grupo, Bounure, uma parte dele - por exemplo: havia um cara chamado José Pierre, que achava que pop-arte, Rauchenberg, eram continuação do surrealismo, e Alain Jouffroy, que era um surrealista, achava que Beat Generation é continuação do surrealismo, e você pega textos do Ginsberg, dos poetas Beats, aquilo é influência básica do surrealismo francês - mas tem esse pessoal, esse Bounure, que por moralismo, ficavam falando que era coisa de lama, que queria se sujar com a lama… Lembra de um negócio assim, que ele falava?

CW - Bem, o que aconteceu foi que eu falei que achava a Beat fundamental, decisiva como movimento, pois, de fato, foi a primeira vez em que uma rebelião poética se transformou em movimento social, um movimento coletivo mesmo, primeiro os beats e depois o ciclo da contracultura, e eu achava que Ginsberg era um grande poeta e Kerouac um grande prosador, e foi aí a divergência, na questão da importância literária. Aquela discussão pegou aí.
Mas, de qualquer forma, eu acho o surrealismo fundamental, e se formos, digamos assim, elencar os movimentos, as grandes revoluções culturais, eu ponho o surrealismo em primeiro lugar. Agora, sempre pratiquei uma certa heterodoxia, eu jamais poderia conviver com qualquer espécie de ortodoxia. Sempre fui uma pessoa de fazer frentes, e nunca me meti em nenhum partido ou organização específica, porque se tornam ambientes fechados. Então, na minha poesia é evidente a identidade com o surrealismo…

RP - Beat generation!

CW - Mas com o surrealismo, quer dizer, eu mesmo escrevo muito mais parecido, se for para fazer paralelos…

RP - Não. Eu queria dizer que a definição da sua poesia, de acordo com o Pasolini, a minha também, provavelmente a do Bicelli e outros… é magmática! Do magma do vulcão, que une minerais, cinzas, minérios e vários elementos da natureza, no caso do magma, assim como nós unimos várias correntes de pensamento da poesia. Você não acha isso?

CW - Com certeza. E, realmente, há essa ideia de reunir, de um ponto de convergência… Voltando um pouco atrás na década de 60, há um artigo meu que saiu na revista da Biblioteca Mário de Andrade, sobre movimentos poéticos do começo da década de 60: embora antagonizássemos fortemente o pessoal que nós achávamos que fazia poesias bem comportadas e que, de fato, fazia uma coisa bem comportada, como era o caso do Lindolf Bell e inúmeros outros poetas, tínhamos algo em comum. Primeiro de tudo, se definirmos negativamente, com relação à ortodoxia e às concepções artísticas do Partido Comunista, do Partidão, que eram extremamente dominantes na época; ou seja, com relação à estética do nacional-populismo. Com relação, igualmente, ao formalismo, à poesia concreta e às demais correntes formalistas que, de alguma forma, surgiram como ramificações da poesia concreta. E, também, tínhamos em comum duas características importantes: uma delas, a volta à poesia do “eu”, a poesia na primeira pessoa. O poeta engajado, dentro da estética nacional-populista, não está falando da subjetividade dele: está falando das grandes lutas sociais. O poeta formalista também não fala dele: o sujeito, o “eu”, está abolido em qualquer concepção formalista, seja de Eliot, dos poetas concretos, de quem for. Então, aquela foi a volta à poesia como expressão da subjetividade. Acontece que eram subjetividades diferentes em cada caso: a nossa era uma subjetividade que incluía o inconsciente, o inconsciente freudiano. Outra coisa, outro ponto em comum, também, foi o cosmopolitismo. Nós éramos uma geração que, se for para contextualizar, estava dentro daquele ambiente que caracterizou o governo Juscelino Kubitschek, de desenvolvimento, de uma abertura, de uma internacionalização da economia. Sentíamos que São Paulo viria a se tornar uma metrópole, como de fato se tornou. Um lugar com uma espécie de diálogo ou de contato com o resto do mundo, e não aquela província que São Paulo era na época. Então, tínhamos essa abertura, esse cosmopolitismo de nos interessar pelo que acontecia no mundo todo e, evidentemente, por manifestações com uma dimensão crítica, que significassem algum tipo de ruptura ou subversão. Isso tanto podia valer para determinados modos de assimilar o existencialismo, quanto para o surrealismo, quanto para uma Nouvelle Vague, quanto para, sem dúvida alguma, e com muito destaque, para a geração Beat. Estávamos antenados e sintonizados com o que acontecia no mundo e, olhando retrospectivamente, sem dúvida éramos extremamente atualizados. Com relação ao surrealismo, numa época em que se dava como certo que não existia mais, nós antecipamos uma revalorização do surrealismo que aconteceria mais tarde. Com relação à geração Beat, nem se fala! Fomos os primeiros no Brasil a falar disso e, principalmente, não só a falar ou a cultivar uma exterioridade Beat, que nem chegamos propriamente a cultivar, mas a ler, porque isso era o importante, a ler Ginsberg, Kerouac, Corso, Burroughs.
A ponto de, por exemplo, aquela leitura, aqueles espetáculos de leituras de poemas da geração Beat, que eu preparei junto com o Décio Bar, em 67, terem sido uma coisa única e pioneira, mesmo. Foi no Teatro da Rua, um teatro do Emílio Fontana onde era a boate Saloon, naquela galeria da rua Augusta. Décio Bar tinha uma boa cultura teatral, havia feito os seminários de Eugênio Kusnet no Arena. Eu fiz as traduções, nós preparamos os atores, três atores alunos do Fontana, e ficamos alguns meses em cartaz, às segundas-feiras.

Bicelli - Na segunda apresentação já foi proibido, foi uma luta junto com deputados para tentar liberar, você lembra?

CW - Na primeira apresentação. Na estreia. A censura naquela época era muito grande, se bem que piorou pós-68. Perdi bastante tempo com censores, tive sorte de pegar um dos menos mal-humorados. Agora, na primeira apresentação, faltavam alguns certificados e quiseram interditar. Então, dois políticos, amigos do Décio, o Perrone, esse da ECA, que era deputado, e o Jacinto Figueira Júnior, o ‘homem do sapato branco’, amigo do Perrone, os dois, o Perrone e o Jacinto estavam lá, intervieram e possibilitaram que o espetáculo não fosse interrompido…
No final dos anos 60, em 1970 - época em que traduzi Os Cantos de Maldoror - no pós-final de 68, houve um refluxo que durou até 76, e o grupo se dispersou um pouco, a gente desacelerou. Foi um período em que não publicamos, em que realmente havia um risco físico, até em se aventurar em manifestações puramente literárias. Eu, se algum dia for fazer autobiografia, faço um capítulo sobre as vezes em que não fui preso, ou por um motivo ou por outro. Havia duas categorias de motivos pelas quais você poderia ser preso, uma por causa de envolvimentos contraculturais, outra por causa de política, até por ser amigo de alguém ou figurar na caderneta de endereços de alguém. Houve gente que entrou em frias horripilantes por causa disso. Então, tivemos um período, até o final dos anos 60, que foi muito rico, muito intenso, mas que é um momento, um período circunscrito, limitado no tempo. Houve outro período, depois, em que as coisas se tornaram complicadas, além de assustadoras: saber que havia gente que conhecíamos sendo morta aos poucos, ou saber que alguém, por alguma bobagem qualquer, de repente teria sido preso.

Público - Você e o Salinas se falavam, esse Salinas foi preso várias vezes?

CW - Foi. E a morte dele teria sido por um aneurisma que ele contraiu na prisão, por o terem espancado, fica um coágulo, dez, vinte anos depois, de repente estoura o cérebro do sujeito.
Houve também as próprias transformações que São Paulo sofreu, esse descentramento, essa mudança do perfil da cidade. Eu não reclamo, não sou nostálgico, do tipo querer voltar atrás no tempo. E a caretice, o extremo moralismo da época, incomodavam muito. Basta dizer que, por volta de 63, tivemos dois amigo internados em clínicas psiquiátricas, aparentemente pelo fato de andarem com a gente. Quer dizer, parece que o motivo foi esse. Um deles, nós destruímos o consultório do psiquiatra que o internou. O outro, o *** [5] - eu entrei com um revólver naquela clínica psiquiátrica onde ele estava internado.

RP - O ***?

CW - É, o ***. Inventei uma história para entrar lá, de que eu ia internar alguém e queria ver a clínica. Eu estava com uma Browning aqui, debaixo da camisa, e meu jipe parado bem na porta. Eles mostraram quase tudo, a clínica toda, mas não mostraram o lugar onde ele estava. Se mostrassem, eu puxava o revólver, encostava na cabeça do cara e seqüestrava o *** tranqüilamente. A gente não conhecia limites, e eu teria feito isso numa boa, tanto é que entrei armado. De qualquer forma, é impressionante, e pego isso como exemplo de caretice. Quando…

Público - Não houve um outro seqüestro desses, famoso na época?

CW - Ah, sim, aquele seqüestro! O da Lígia Otto Jordan. Foi um enorme escândalo, quem sabe dessa história é a Lygia Fagundes Telles.
Quando líamos aqueles impropérios do Artaud contra psiquiatras, ou aqueles trechos anti-psiquiatras do Nadja do André Breton, sabíamos muito bem do que eles estavam falando. É estarrecedor um psiquiatra, um sujeito formado em medicina e que fez um juramento ético, permitir-se esse tipo de coisa. Parece século XIX, e vocês vêem como foi o tamanho da ruptura, de repente acontecer o contrário disso, Basaglia, anti-psiquiatria, abrir tudo, fechar hospícios, e as novas modalidades de terapia. Mesmo a psicanálise freudiana que se praticava na época era, para esse tipo de psiquiatria, uma coisa subversiva, quanto mais terapia reicheana. E a gente lia Wilhelm Reich, era leitura corrente. Realmente, aí há um antes e um depois, onde antes, de um lado, a qualidade de vida era muito melhor, você vivia muito mais tranqüilo, muito mais seguro, porém…

Público - Depois havia o seguinte, me parece: com a diferença da época, as drogas eram diferentes também, não é?

CW - As drogas eram outras, a paranóia com as drogas realmente se tornou pesada pós-68 também. Mas a gente nem se drogava tanto.

Público - O que eu estou falando é o seguinte: é que hoje, por exemplo, existe o crack.

CW - Esses alcalóides agora, se criou uma cultura das drogas nas grandes metrópoles em geral, e não é só em São Paulo. Você vai ao Hauptbahnhof (Estação Central) de Frankfurt, que é lugar de junkie, e a lugares assim, é deprimente o que você vê. Lá os junkies são mais de opiáceo, aqui são mais de alcalóides, mas, enfim…
Além dessa questão do dinheiro, de que tudo era mais barato, e naquela época você podia fazer muito mais coisas com menos dinheiro. Por outro lado, havia essa opressão pesada de uma sociedade burguesa, e havia algo curioso: se São Paulo tinha essa coisa fechada, careta e tudo, o Rio de Janeiro, com o qual a gente tinha algum contato, que era um Rio de Janeiro de Posto 6 e Ipanema, já era um ambiente e uma vida mais aberta. Embora, no meio de tudo, isso nós, em São Paulo, tivéssemos um certo tipo de densidade - essa história das leituras de O Ser e o Tempo é um exemplo, foi algo único.

(público) - Como o grupo do Vicente, que foi único, não é?

CW - Foi. Mas não era só o Vicente, éramos nós mesmos. Eu me lembro de uma vez, quando a gente estava começando a ter contato e a se enturmar. Uma noite, no seu apartamento (de Piva), estavam o Salinas, João Ricardo Penteado, Paulo del Greco, e, assim como a gente poderia ter saído para jantar ou para beber ou qualquer outra coisa, você (Piva) puxou da estante a edição da obra poética de Fernando Pessoa e lemos a Ode Marítima inteira, cada um lendo um trecho em voz alta, e aquilo perfaz uma hora e pouco de leitura de poesia. Fazíamos esse tipo de coisa com total naturalidade, sempre, regularmente.

RP - Willer, fale do seu primeiro livro, Anotações para um Apocalipse.

CW - O Anotações para um Apocalipse… Eu sempre gostei de literatura e de escrever, agora, fazer poesia mesmo e achar que era poeta, foi no contexto desse ambiente cultural. Durante uma época, quando eu li Saint-John Perse, fiquei escrevendo um monte de poemas, aquela coisa apoteótica, grandiosa, do Saint-John Perse, que é um poeta grandioso. Aí, descobri Lorca, principalmente o Lorca do Poeta em Nova York. Em um dado momento, isso tudo, leituras como, por exemplo, Henri Michaux; o Robert Desnos do Libertè ou l’Amour, aliás, foi você (Piva) quem me alertou para esse livro entre outras coisas, aquela narrativa em prosa poética, que é um exercício de liberdade, isso tudo, e várias outras coisas que estávamos lendo, se juntaram naquilo que eu senti como sendo um estilo meu, e que deu na série de poemas em prosa que estão nesse primeiro livro, que saiu em 64. Massao Ohno, muito generosamente, chegou: “Willer, quero te publicar!”. E publicou ao mesmo tempo o Piazzas do Piva; oAnotações, que foi prefaciado pelo Piva, e que tinha também um manifesto, uma espécie de declaração de princípios nossa, certas coisas muito precursoras, e que não eram pontos de vista apenas meus, mas da gente, daquele grupo de pessoas. Por exemplo, citava muito no manifesto aquela insistência do Allen Ginsberg na ampliação da consciência, e essa ideia de uma crítica ao mesmo tempo ao capitalismo, à sociedade burguesa, e ao Estado comunista, à URSS, a Cuba e à Tchecoslováquia, de onde Ginsberg foi expulso, mostrando que nenhum dos dois sistemas teria respostas para a questão da ampliação da consciência. Então, citava aquilo que ele falava na entrevista da Eco ContemporâneoA ordem é: ampliar a área de consciência.

(Público) - Ele abriu o caminho para a nova era, não é?

CW - É. Eu fincava muito o pé em uma posição que está muito bem expressa em um livro que líamos na época, de um autor que eu acho um dos grande pensadores do século XX, Octavio Paz. Para mim, Octavio Paz está para a segunda metade do século XX assim como Goethe está para o final do século XVIII, ou seja, como um daqueles grandes humanistas em quem convergem o conhecimento, a lucidez e a criatividade de uma época. Ele nem havia escrito outros livros que lemos depois; ele não havia escrito, por exemplo, Los Hijos del Limo, Os Filhos de Barro. Já tínhamos a ideia, que está, a meu ver, muito claramente expressa em O Arco e a Lira, da poesia como revolução.

RP - Aliás, não sei se você conhece o discurso dele na ONU, em que ele falava do surrealismo: “O Século XX será conhecido não como o século do marxismo, mas como o século do surrealismo.” Um prêmio Nobel ao surrealista, ao poeta da metáfora.

CW - Da metáfora e da imagem poética. É um dos autores, que para mim, são fundamentais. Talvez nesse ciclo que vai haver aqui também, oAutoria do Século, eu devesse ter pego, ao invés do Ginsberg - Ginsberg, também é um belo tema para palestras, de quem eu falo com prazer [6] - mas devesse ter pego o Octávio Paz, acho que não foi devidamente examinado por aqui.

RP - Você leria um poema para a gente, do Anotações?

CW - Eu estou com vontade sabe do quê, Piva? De você fazer um pouco mais de perguntas, e eu fazer um pouco de leitura de poesia no final, na ordem inversa, pegando primeiro alguns inéditos e depois retrocedendo até o Anotações.

RP - Então, esse foi o primeiro livro, o segundo foi o Dias Circulares?

CW - O Dias Circulares… Olha, houve uma coisa curiosa. Por algum tempo…

RP - O Dias Circulares é de… ?

CW - 76, foi lançado na Feira de Poesia e Arte, no Teatro Municipal, e esse lançamento é o capítulo 2 do meu livro Volta, onde mais ou menos eu relato como foi, e do qual o Piva fez parte muito ativamente.
Houve uma coisa curiosa: de 68 até 75, durante sete anos, parei de escrever poesia. Como poeta eu sou bissexto, escrevo pouco, tenho ciclos de fazer muita poesia e ciclos que podem durar anos de não sair nada. De um lado, foi um tempo em que a gente, nós dois e muitos amigos, nos encontrávamos menos, naquele período bravo de repressão pesada. A gente voltou a se ver mais naquela época de Feira de Poesia e Arte.

RP - Mas não por causa de repressão pesada. Eu fui ser produtor de rock…

CW - Você estava na Sociologia [7], e eu tinha empresa de pesquisa de mercado, e aí você reapareceu. E eu também dava aula na USP. Esse negócio de carreira acadêmica, uma coisa meio trabalho, meio atividade intelectual e meio diletantismo também, talvez me tivesse travado um pouco, isso de estar com um pé em uma coisa e um pé em outra. Então, de repente uma coisa mais burocrática, mais pragmática, trabalhar em pesquisa de mercado, na hora que eu dividi, digamos assim, a coisa do trabalho e a coisa da criação, a criação voltou. Pode ser isso, e pode ser também que eu sentisse os ventos de abertura e de reativação do ambiente cultural soprando.
Mas eu sei que o Massao Ohno disse que me publicava, ele sempre me publicou numa boa… Ele sempre foi extremamente generoso comigo, considerando ser alguém que vive de publicar livros de poesia e da remuneração desses livros, e não tem esquemas de vendas. Mas então ele chegou: “Willer, vou te publicar, mas você me organiza o lançamento de uns livros…”, e isso deu em um enorme acontecimento anárquico, que juntou milhares e milhares de pessoas e mobilizou muitos artistas, não só poetas, mas artistas plásticos, músicos, performers e coisa e tal. O livro, Dias Circulares, peguei alguns poemas pós-Anotações, ainda da década de 60 - uma série que eu acho muito bonita, gosto daqueles poemas em prosa - e alguma coisa que estava fazendo recentemente, uma espécie de exercício de estilo, quase de fragmentação da imagem, que depois fui juntando em um processo de criação muito pessoal, onde de repente entrou algo que não havia antes em meus poemas, o tema, a capacidade de fazer um poema de imagens, de associações livres e espontâneas, e ao mesmo tempo escrever sobre um tema. Foram os poemas que eu comecei a escrever em 76, que deram no Jardins da Provocação, que é meu livro de 81; poema sobre Dashiell Hammett, poema sobre a morte de García Lorca, poema sobre o mar, esse que eu transcrevo e conto como criei no meu livro em prosa, Volta. Minha poesia sempre foi lírica, lírica nos dois sentidos: lírica no sentido de poesia amorosa, e lírica também no sentido que a palavra lirismo tem em teoria literária, como expressão do sujeito. A poesia lírica é a poesia da expressão pessoal, diferenciada da épica ou da epopeia; a poesia que está narrando ou relatando algo exterior ao narrador. Mas, enfim, sempre fui lírico. De qualquer forma, pelo menos uma parte dos poemas do Jardins da Provocação, até um poema descrevendo uma noite orgiástica, aquela que houve depois da leitura da Livraria Lorca, e coisas desse tipo, é de poemas quase narrativos, e ao mesmo tempo também com as características dos poemas em prosa do Anotações para um Apocalipse e do Dias Circulares. É como se houvesse um processo de criação, onde comecei sem tema nenhum e criando só com imagens; no Jardins da Provocação já tenho vários poemas temáticos, e agora fiz uma narrativa em prosa, Volta, onde estou contando uma história. Se bem que é uma história não-linear, e que, ao contrário do que se espera de uma história, não chega a lugar algum. É uma história, uma narrativa, mas tem uma estrutura de poema, já que ela é circular, não-linear, e o discurso é linear, tem uma seqüência. Como diz Octavio Paz: O discurso vai em linha reta e a poesia se move em círculos. Nesse aspecto, minha narrativa em prosa tem estrutura poética, embora os textos sejam em prosa, e até haja textos ensaísticos, mas também textos em prosa poética. O que não me impede de estar escrevendo poemas também, evidentemente diferentes, pois você nunca escreve igual, mas com características semelhantes aos poemas que eu fazia na década de 60, e também poemas temáticos, e pretendo reunir tudo, tenho vontade de fazer uma espécie de Selected Poems com esses poemas recentes e uma boa parte do que tem no  Jardins da Provocação, no Dias Circulares e no  Anotações para um Apocalipse. Vai se chamar Estranhas Experiências, e talvez eu publique este ano, se eu conseguir sair desta coisa interminável que é preparar a obra completa do Lautréamont, que eu não consigo parar, estou até tirando férias da Secretaria… [8]

RP - Quando vai sair?

CW - Quando eu conseguir terminar. O Samuel León (Editora Iluminuras) está preocupado, porque estou complicando a programação dele, que significa programar gráfica, revisor e tal. Já era para ter entregue, mas não consegui parar.

RP - Mas você não consegue parar o quê?

CW - O ensaio… Eu fiz duas traduções do Lautréamont, a de 70 e a de 86, e havia feito prefácios e, já que estava citando autores, resolvi citar corretamente, dizer de onde eu havia tirado, assim: Lautréamont de Gaston Bachelard, Librairie José Corti, Paris, 1934. Fazer uma coisa decente em matéria de informar direito o leitor. E isso foi aumentando, pois é claro que eu tenho mais coisas para falar sobre Lautréamont agora do que tinha antes. Esse prefácio virou quase um livro, se eu detalhasse mais um pouco virava livro. Do jeito como está, vai dar quarenta ou cinqüenta páginas, só o prefácio, e o troço todo vai dar quatrocentas páginas. De qualquer modo, há uma tradição de Lautréamont ganhar prefácios imensos, o de Maurice Blanchot, Lautréamont et Sade, foi publicado como livro e também como prefácio de uma das edições da Obra Completa, não lembro se a de José Corti ou qual delas.

RP - Falávamos do Dias Circulares. E o Jardins da Provocação, é de quando?

CW - É de 81. Aí, entrei em um período de escrever muito, muitos poemas. Tem até coisa que sobrou, que está engavetado e talvez eu publique. E foi essa coisa de juntar a criação espontânea, a criação imagética surrealista, e o tratamento do tema. Também coloquei um manifesto com algumas ideias, inclusive a ideia do poder mágico da palavra poética, que tentei traduzir nos termos da semiologia e da teoria literária, e hoje acho que esse texto ficou um pouco acadêmico. Então, retomei isso nesse livro que eu escrevi agora, Volta, de uma forma mais clara. Quer dizer, a relação entre magia e poesia, onde a poesia é magia.

RP - Como assim?

CW - O incidente fulcral, que é central nesse meu livro, Volta, é a história de André Breton no Amor Louco. Ele conhece uma mulher que era dançarina, que tinha um número que era muito comum nos cabarés na França, de mergulhar em um aquário e ficar se exibindo dentro dele. Ele havia estado em um restaurante antes, onde havia ouvido o seguinte trocadilho: Ici l’on dîne (aqui se janta.), Ici l’ondine (aqui a ondina). Aí, ele percebe que essa mulher era a ondina, pois estava dentro d’água, era aquática. Marca um encontro depois de ela sair do cabaré, faz uma caminhada com ela, saindo de Montmartre, percorreram um pedação de Paris, daquele pedaço de Place Pigalle até a zona do Quartier Latin, e o trecho que vai do Les Halles, passando pelo Hôtel De Ville, atravessando Notre Dame, entrando no Quartier; e ele percebeu, depois, que tudo isso estava referido, que havia um monte de alusões e de referência até claras a esses lugares e situações em um poema que havia escrito muitos anos antes, em 1923, GirassolTournessol. Então, ele havia feito, sem perceber, um poema profético.

RP - É curioso, o Ginsberg tem um poema para o girassol também.

CW - Ginsberg tem o Sutra do Girassol. E também tem episódios assim na biografia dele, de poemas que depois se transformaram em acontecimentos, de experiências de revelação ligadas à criação poética. Você tem uma conexão, magia e misticismo, evidentemente magia é uma coisa, e misticismo é outra, e ocultismo é outra, mas elas se comunicam, e poesia de outro lado, que é riquíssima. Então, eu pego duas situações ou dois exemplos, e coloco um ao lado do outro. Um deles, é o caso da poesia que vai chamando a magia. É evidente que os surrealistas gostavam de magia, gostavam de ocultismo, gostavam de astrologia, estudavam, mas não eram iniciados.

RP - O Artaud era, veja o Taraumara.

CW - Não. Aí é que está, ele se iniciou depois, à maneira dele, no rito Taraumara, que é outra coisa, outro departamento, que é justamente o xamanismo. Os surrealistas tinham as referências culturais daquela tradição ocultista ocidental, dos Iluminados, de Martinez de Pascalis, uma tradição que começa no final do século XVIII e provavelmente continua até hoje, e que foi fundamental para Baudelaire, para Gérard de Nerval, principalmente para os simbolistas. Mallarmé talvez fosse um iniciado, e os simbolistas liam, estudavam e freqüentavam grupos iniciáticos, um tipo de ambiente que é muito bem retratado naquele livro do Huysmans, Lá Bas, um autor que Breton adorava, diga-se de passagem. Enfim, havia tudo isso, mas os surrealistas não eram iniciados, e nem poderiam ser, pelo caráter anárquico do surrealismo. O que acontecia muito era de os poemas terem uma face, um componente mágico - como foi nesse caso que contei, do Girassol - ou ocorrerem coisas meio mágicas, meio sobrenaturais na vida deles, mas fora dos quadros da disciplina iniciática. Então, eu os coloco frente a frente, diante de exemplos de poetas iniciados como Yeats, um poeta grandioso, eu acho a poesia dele luminosa. Sem dúvida, numa época de movimentos vanguardistas, Yeats é um tradicionalista, eu digo que é como se fosse um poeta do século XIX que invade o século XX. Pois Yeats, desde o começo, freqüentava mesmo: começou freqüentando Madame Blavatsky, depois a Ordem da Aurora Dourada, e depois mais uma de que eu não me lembro agora. E há uma coisa curiosa na poesia do Yeats, ele melhora à medida que vai avançando no esoterismo; além do que, a poesia dele é consciente e propositadamente esotérica. Yeats deixou claro que não se devia ler sua poesia apenas como operação com símbolos esotéricos, principalmente com símbolos do Tarô, mas ele fazia isso, e fazia propositadamente. Aquele pessoal da Aurora Dourada trabalhava muito com o Tarô, assim como os maçons e outros grupos iniciáticos mexem muito com o Tarô e os arcanos, e Yeats usava essa simbologia nos seus poemas. Foi um poeta esotérico mesmo, fazia poesia hermética e ocultista, embora não se deva reduzi-la apenas a uma transcrição do ocultismo ou esoterismo. Com isso, melhorou como poeta, e cresceu à medida que se aprofundou e ganhou graus de iniciação. Aquele episódio espantoso do livro dele que sua mulher escreveu,  A Vision - ela escrevia em transe, em escrita automática, e, ao mesmo tempo, se pegarmos os ensaios do próprio Yeats e as suas ideias anteriores a esse livro, ideias sobre a busca de uma tipologia humana com base esotérica, então A Vision é o que Yeats estava tentando fazer, e que de repente a mulher dele, como se fosse uma sibila, lhe deu. É um episódio notável. Esse contraponto, colocar frente a frente, imaginariamente, essas duas figuras, Breton e Yeats, ambas presentes no meu livro, eu acho fascinante.

RP - Tem uma pergunta do Bicelli, ele quer que você fale sobre sua iniciação na Umbanda Omolocô da Mãezinha, onde freqüentávamos todos. Eu relatei a um pai de santo, ele falou que a Umbanda Omolocô é um sincretismo do Candomblé e Umbanda, e ele sabe da história que, quando ela incorporava, o galo de São Benedito cantava. Isso está em livros de Umbanda, ele me falou.

CW - Eu acho que foi muito enriquecedor, pois Cidade Dutra era pura periferia de São Paulo, havia umas poucas casas no meio dos terrenos baldios, e nós conhecemos outros lugares e pessoas. Íamos regularmente a Cidade Dutra, e conhecer São Paulo é sair do circuito que, hoje em dia, vai da Avenida Faria Lima ao Centro, e ver que existem bem mais coisas que isso. Essa experiência humana foi riquíssima. Vimos coisas, e vi coisas em mesas espíritas, em Candomblé, em ocultistas. Já vi coisas “pra burro”, mas nunca, mesmo freqüentando com regularidade, eu me filiei. Eu sou eclético e heterodoxo e, evidentemente, é muito difícil aceitar tal e qual, qualquer que seja, alguma das cosmogonias, seja a cosmogonia da tradição ocultista, seja a cosmogonia afro-brasileira, aquela genuinamente africana do Candomblé, com toques sincréticos, seja o sincretismo da Umbanda, que na verdade é um sincretismo brasileiro com diferentes influências africanas, tanto da Nigéria quanto da região mais embaixo, do vale do Congo, Zambeze, onde tem esses cultos mais animistas que no Candomblé não são admitidos, a ideia de falar com mortos, e também influências da tradições esotéricas, do espiritismo; quer dizer, a Umbanda é a religião mais antropofágica de todas, no sentido de haver pego elementos e símbolos de tudo quanto é lado, e tê-los combinado à sua maneira. É um tipo de devoração antropofágica, culturalmente falando e, de todas as religiões, é a mais genuinamente brasileira. Tenho a impressão que surgiu mais em Minas Gerais do que na Bahia. Sou conhecedor fragmentário, mais que iniciado. Mas o desfile de tipos, de situações e histórias, é de uma riqueza impressionante.

RP - O que você viu lá que o impressionou?

CW - Vi muita coisa. É curioso que, em muitos desses centros terreiros, há uma espécie de pacto, ao mesmo tempo com Deus e o diabo. A linha branca e a linha negra ao mesmo tempo. O homem da linha negra da Quimbanda era o Vô. Um dia, entre outras coisas, vi ele, em transe, tirar a camisa, pegar um punhal e, bem na minha frente, a uma distância pequena, riscar o peito, sair sangue, e ele sair do transe, olhar o peito com aqueles cortes, passar uma toalha, e rapidamente o sangue e os cortes irem desaparecendo. Havia outro tipo, o Lindolfo, talvez o mais competente que eu já tenha conhecido, que trabalhava de um modo totalmente diferente, não era sessão, não era gira. Ele passava a mão na cabeça da pessoa, e ia dizendo coisas. Não havia ritual de Umbanda, apesar de usar a simbologia da Umbanda. Era um psíquico, aliás, todos eles são, se é que a gente pode chamá-los de psíquicos. Vou explicar esse negócio, como é, vou explicar por alto, dar uma hipótese. É uma questão de forma e conteúdo. O mesmo tipo de energia, seja o que for essa energia, se a pessoa estiver em um ambiente judaico cabalista, pode se tornar um cabalista; se estiver em um ambiente umbandista, pode se tornar umbandista; se estiver no ambiente de candomblé, ou espírita de mesa branca, ou maçom… Ou seja, há capacidades que talvez estejam íntegras no sentido de orientação de algumas espécies animais, que é algo meio sobrenatural, inexplicado. Essa hipótese é de Colin Wilson, o autor de O Oculto: há uma espécie de radar interno que persiste no ser humano. E isso precisa, eu penso, de um contexto, de uma simbologia, ou seja, de uma linguagem para se traduzir. Então, tudo isso, seja umbanda, candomblé, cabala ou maçonaria, dependendo das inclinações da pessoa e também do contexto, do grupo social com que se relaciona, é que fornece o repertório para manifestar essa paranormalidade, ou xamanismo, que é a forma original, a matriz de tudo isso, direta ou indiretamente. Além dos casos em que o xamanismo se conserva como tal até hoje.
Voltando ao Lindolfo, que era um típico psíquico, que apenas usava a forma ritual da Umbanda - isso era muito evidente, tanto é que ele não tinha uma linha de médiums, nem nada disso -, fazia anos que eu não ia lá, era em Santo André, e resolvi ir. Eu estava publicando livros, tinha aquela série Feira de Poesia, em que saíram o Piva, a Marilda Pedroso, e outros poetas que publiquei. Uma espécie de sucursal de Massao Ohno que estava me tomando muito tempo e dinheiro. Cheguei lá, depois de uns anos que não ia, entrei, botei a mão na cabeça dele, ele falava de uma forma infantilizada, uma mistura de Preto Velho com criança, olhou para mim e disse: “Livrinho! Livrinho! Está fazendo livrinho! Vai dar certo! Vai dar certo! Vai dar certo, viu!” [9]. Nem era o que eu queria perguntar a ele.
Então, há coisas inquestionáveis, e eu contaria mais uns dez ou vinte episódio desses, que, contudo, a meu ver, não justificam a adesão, a não ser por uma vocação pessoal, uma coisa íntima. Por exemplo, não dá para você criticar Yeats por haver entrado na Aurora Dourada e ter-se tornado ocultista, pois, se não, ele não teria sido quem foi. Aquele foi um componente fundamental da sua identidade e da sua criação. Então, qualquer pessoa que se enriquecer, em qualquer dessas manifestações, isso é ótimo. Excelente. Acabei tendo um contato muito pluralista, eclético e heterodoxo, sem me fixar em nada. Conheci Umbanda, Candomblé, espíritas, ocultistas de vários naipes e vários tipos de seitas iniciáticas. Agora, repito e volto a insistir - e isso é uma coisa que o Piva assimilou muito bem na poesia dele, pós-Quizumba [10] principalmente, embora já estivesse evidente antes: essa questão dos diferentes modos de conhecer o Brasil. Trata-se de mediações, de instrumentos de contato com aquilo que se poderia se chamar de “realidade brasileira”, fora das grandes generalizações sociológicas e da pobreza e aridez acadêmica. Uma coisa é você falar do povo, do proletariado lato sensu, falar disso como categoria, e outra coisa é ir lá, ver eles, e ver não só no ritual, mas ver no dia-a-dia deles, porque isso é indissociável, como nós víamos.

Público - E o Fernando Pessoa? Não era discípulo de Crowley?

CW - Não. Fernando Pessoa tem um poema em homenagem a Crowley e traduziu Crowley. Agora, isso é controvertido, porque Fernando Pessoa era fechado. Parece que foi um grande estudioso de astrologia, teosofista de Madame Blavatsky e rosacruz. Mas isso não é nada extraordinário em si, quero dizer, o quanto tem de esoterismo na poesia dele - e tem muito, Ricardo Reis é poesia de fundo metafísico e esotérico ao mesmo tempo, sem dúvida alguma, e pode haver coisas em Bernardo Soares e Fernando Pessoa ele mesmo que sejam iniciáticas, mas eu teria que dominar esses códigos melhor do que domino, para fazer o estudo mais conclusivo, e quanto à biografia de Fernando Pessoa, ele era recluso, havia aquilo de entender a criação literária como mascaramento, a ideia dos heterônimos, talvez aquela ideia rimbaudiana do eu é um outro, talvez, então, a ideia de Pessoa fosse que o “eu” são muitos - assim, o que sabemos sobre Fernando Pessoa leva mais a crer que ele fosse um rosacruz e um teosofista de Madame Blavatsky, o que não é, em si, nada de extraordinário [11]. Extraordinário é o modo talentoso, genial, como Fernando Pessoa recodificou isso poeticamente, pois todo mundo era teosofista ou iniciado em alguma coisa. A gente tem que levar em conta, quando falamos em Yeats, em Crowley, em Pessoa ou em Mallarmé, o caldo de cultura esotérica em que o ambiente cultural estava mergulhado naquele período Acho que diálogos com esses esoterismos, de diferentes modos -: o modo de dialogar do surrealismo é um; o modo de dialogar dos simbolistas é outro; e dos irlandeses e ingleses do começo do século era outro - são diálogos enriquecedores, por causa dessa relação muito íntima que existe entre poesia e magia, a começar pelo fato de ambas pertencerem à ordem do mítico, do pensamento mítico, da percepção mítica do real, da lógica analógica, contraposta ou diferenciada da razão discursiva e cartesiana.
Isso existia muito mais, talvez, na Antiguidade, mas na modernidade está presente no Romantismo e nesses pós-românticos, nesse período fascinante de loucura que é o final do século XIX francês, por exemplo. Uma espécie de simbolismo ou coisa parecida que na verdade continha uma quantidade de poetas e prosadores completamente doidos, genialmente criativos, como Rimbaud, Lautréamont, Tristan Corbière, Laforgue, e de quebra Villiers de l’Isle Adam e Huysmans. Um período de ebulição, que acho único na história da cultura. Quando dizem que o surrealismo é delirante, eu discordo. Quer dizer, o surrealismo é delirante; agora, com relação ao tamanho da loucura daquela gente, do período que vai de Baudelaire até Dada, eles estavam tentando pôr a casa em ordem, estavam tentando sistematizar, traduzir aquilo em ideias políticas e filosóficas. Um empreendimento impossível, é evidente, e fracassado, mas grandioso, e de uma extraordinária riqueza. Mas o delírio para valer aconteceu antes. O que Breton fez foi assimilar esse delírio, aceitá-lo e tentar uma recodificação.

Bicelli - Claudio Willer, quero te pedir desculpas pela pergunta que farei agora. Porque quem está aqui está vivendo esta profunda emoção transmitida pelo teu depoimento, e quero te propor algo que poderá parecer prosaico, mas vamos lá: Sei que você sempre procurou fazer uma reflexão política sobre a experiência humana. Você continua se interessando por política?

CW - Essa pergunta é fundamental. Eu acho que tinha que falar em política, porque há uma dimensão revolucionária da criação poética que nunca conseguiu se transformar até hoje em movimento político. De certa forma, os reflexos disso estão presentes na contracultura, que foi um movimento político, evidentemente. Mas, na hora em que a contracultura tentou se organizar politicamente, em 68, fragmentou-se, pois caiu nos impasses e problemas da organização política, naquela contradição entre a burocratização inevitável em qualquer movimento político, e a busca da liberdade. Foi no momento em que houve o racha do SDS [12], em 68. Foi então que acabou a contracultura. Aquilo que parece ter sido o apogeu da contracultura, 1968, na verdade foi o seu canto do cisne, embora a contracultura tenha perdurado, em um ambiente contracultural que sempre achei ótimo, muito divertido, ao longo dos anos 70.
Contudo, o que aconteceu com o surrealismo, as tentativas de dialogar com as diferentes correntes políticas, o Partidão primeiro, os trotskistas depois, e os anarquistas finalmente, e que nunca deram certo, é exemplar e paradigmático de uma contradição real e profunda que existe entre poesia e política, a militância política e a prática política e até o pensamento político. Quando eu falo de política no sentido amplo, e digo, por exemplo, que a poesia é revolucionária, isso é política em outro sentido. Então, há uma relação contraditória mesmo. É absolutamente natural que nunca nos tivéssemos vinculado a partido políticos. No caso específico da nosso geração, uma das expressões disso que eu critico como caretice burguesa - o Zé Celso tocou no assunto, ele já deixou isso bem claro na sessão passada - era, sem dúvida alguma, o Partido Comunista. A priori, para nós, era uma coisa inviável, muito mais inviável do que foi para o Zé Celso, que tentou uma espécie de esquerda temática, extra-Partidão e extra Teatro de Arena, na fase de Vida impressa em dólar. Não tinha como, porque era a caretice burguesa e mais o bitolamento da criação artísticas. E meu relacionamento com aquela militância mais à esquerda, com algumas correntes, foi muito ruim. Eu me lembro que, na época das leituras da geração Beat, 1967, houve um boicote ostensivo de algumas correntes e movimentos estudantis. Cheguei para o pessoal que estava, na época, no TUSP (Teatro da USP), e que só fazia Brecht, era só Brecht direto, era cartilha brechtiniana e tinha que ser Brecht, então, cheguei para os caras em um restaurante, e disse: “Por que vocês não encenam aquela peça do Günther Grass.”- é uma em que Brecht é o personagem principal, onde Grass critica a omissão e calhordice do Brecht durante os levantes de Berlim, aquelas manifestações da Alemanha Oriental em 54, tentando se libertar, que precederam o levante húngaro. Eu fazia essas coisas também, na lata! (risos) Ao mesmo tempo, outros grupos, a Iara Iavelberg, que era muito minha amiga, e por osmose o José Dirceu [13], que na época era namorado dela, mobilizaram os respectivos centros acadêmicos para vender meu espetáculo, e levaram os alunos para assistir a encenação da geração Beat. É evidente que havia muita gente de mente aberta, como Iara Iavelberg, que já estava com um pé na militância para valer. Gente militante de esquerda que era nossa amiga, pessoas que militaram radicalmente, mas que tinham uma percepção crítica daquilo.
Talvez a última tentativa de diálogo com a esquerda tenha sido o período da livraria Kairós [14]. Aliás, a penúltima. O que acontecia foi que os trotskistas eram excelentes pessoas, o Castilho de Kairós é um sujeito encantador, uma pessoa com quem converso com o maior prazer, e não tenho qualquer preconceito contra alguém ser quadro militante, fundador de qualquer organização de esquerda, o PT inclusive. Insuportável mesmo, porque havia uma pressão dogmática, era o Partidão. O Partidão até tinha gente simpática e interessante - o Mautner tinha uma visão delirante do Partidão, e o Regastein também chegou a se aproximar. Mas o Mautner nunca foi o quadro típico de Partidão. Ele se dizia comunista, mas é evidente que era um discurso pessoal, uma reinterpretação pessoal do comunismo. Ele se aproximar do Partidão foi um gesto delirante. De qualquer forma, voltando ao episódio dos trotskistas da Kairós, a livraria virou um point nosso, pois os trotskistas, por antagonismo com relação aos comunistas do Partidão, cultivavam muito aquela coisa de aproximação com o surrealismo, herança de Trotsky, da visão de Trotsky pós-União Soviética, porque se tivesse sido Trotsky no lugar de Stalin, poderia ter sido tão pesado, parecido ou pior sob certos aspectos, quanto com Stalin. Trotsky, afinal de contas, foi quem esmagou os revoltosos de Kronstad e quem partiu para cima do anarquismo de Nestor Makhnó.
Teve aquela fase da livraria Kairós, e depois a fase Versus, com a Convergência Socialista, que era uma versão piorada do Libelu [15]. E houve o episódio feio de estragarem uma boa publicação cultural, o trabalho do Marcos Faerman noVersus, e nos obrigarem a nos defenestrar de lá, com o ‘aparelhamento’ do jornal Versus. Foi uma pena, se bem que, se não tivesse acontecido isso, o Versus cumpriria o ciclo da imprensa alternativa dos anos 70, ou seja, acabaria. De qualquer forma, tive total distanciamento de organizações políticas, nunca tive paciência para a militância, e mesmo o paradigma marxista, eu tive um distanciamento maior que algumas pessoas do nosso grupo durante aquela época, inclusive um entrevistador e também poeta das minhas relações, que eu acho que está presente aqui (Piva), e que em alguns momentos chegou a se proclamar como muito mais leninista do que eu (risos). Quero deixar claro o seguinte: o radicalismo é fundamental. Os radicalismos do Piva são indissociáveis da criatividade dele, não dá para querer que ele não seja radical no seu modo de manifestar ideias políticas ou antipolíticas. Eu acho, também, que a provocação, de se fazer passar por mais reacionário do que é, também é um instrumento político. A provocação é uma das modalidades da sátira.

Bicelli - Percebe-se uma coisa. Esse tipo de caminho que você adotou, ele é corajoso, e ao mesmo tempo você paga um preço por isso, num certo sentido. Porque a grande parte da imprensa é comunista, de esquerda, etc., até hoje. Se você se diz antiburguês, então você já tinha naquela época o Estadão contra você. E se você se diz, ao mesmo tempo, anti-Partidão, crítico em relação a isso tudo, porque tem grandes nulidades no Brasil que se fizeram no Partido…

CW - Olha, eu tenho um manifesto de 65, Bicelli, que nós dois assinamos, o texto básico eu escrevi, onde questionávamos em primeira instância, evidentemente, o regime militar. Aí, todas as frentes, com tudo quanto fosse organização de esquerda, evidentemente valiam. Realmente, era com o que não se podia transigir. E eu nunca aceitei muito aquele discurso anti-esquerdista, e valia uma política de frente, pois nós não estávamos em um regime soviético, mas em um regime militar brasileiro. Que, aliás, acabou construindo o Estado burocrático com características soviéticas, que hoje em dia está difícil de transformar, em parte por causa do corporativismo e da oposição da própria esquerda, que acha que o Estado dentro do paradigma soviético pode trazer algo de bom. Quer dizer, no momento em que os militares, depois de controlarem a política, as instituições políticas, passaram a tentar controlar a economia, através da criação de empresas estatais e da estatização de setores produtivos, principalmente na infra-estrutura, então caminharam para uma espécie de sovietismo de militar brasileiro, que não prosperou porque o fato de haverem entrado em crise econômica, e o projeto ter fracassado, alertou setores maiores da população, fortaleceu a oposição e levou à democratização.
Então, nós assinamos um manifesto, em 65, reclamando em primeiro lugar do regime militar, mas reclamando também das bitolas do Partidão, dos críticos fascistas de cinema, do Lindolf Bell, e, da minha parte, eu não alteraria nenhuma linha do estava escrito lá. O que eu acho, para completar, é que, de um lado, Marx tinha razão em uma série de aspectos da sua produção teórica que os próprios marxistas não entenderam. Todo o processo de globalização, essa expansão capitalista de hoje em dia, essa internacionalização, essa dinâmica capitalista, essa capacidade de se transformar, isso tudo está claramente em Marx, até naquela metáfora de que no capitalismo tudo o que é sólido se desmancha no ar. É um modo de produção e conseqüentemente uma sociedade dinâmica, ao contrário de outras sociedades, feudais, etc., que são fechadas, querem-se estáticas. O caráter aberto do capitalismo foi melhor entendido por Marx, do que pela maioria dos marxistas, à exceção de Gramsci e de figuras divergentes, como Marcuse. Se bem que Marcuse é brilhante em Eros e Civilização e maniqueísta, a meu ver, em Ideologia da Sociedade Industrial, assim como todo o grupo de Frankfurt. Enfim, feito o reconhecimento desses aspectos da contribuição de Marx, acho que a política tem que ser repensada em suas bases, e ainda precisa haver algum tipo de compreensão teórica que avance sobre Marx, pensando alternativas ao capitalismo, à sociedade burguesa, e também um pensamento que possa traduzir e recodificar em termos políticos aquilo que a contracultura tentou fazer e não conseguiu, a revolução poética, a rebelião romântica, transformadora da sociedade. Neste ponto, aquilo que você (Piva) falou de Octavio Paz, de que o século XX vai ser lembrado, não como o século do comunismo, mas sim do surrealismo, nisso ele tocou no nervo, ou na veia, seja onde for, pelo seguinte: a rebelião romântica, da qual o surrealismo é a expressão mais elaborada e mais complexa, é tão ou mais transformadora da sociedade quanto a revolução socialista.
Quando eu acentuei a caretice e a repressão pesada que vivíamos em São Paulo, sem chegar a falar de outras épocas, como o século XIX vitoriano, é para acentuar a importância da liberdade individual, e o quanto nós devemos a essas conquistas, sem dúvida alguma a essas várias expressões da rebelião romântica, inclusive o surrealismo, geração Beat, contracultura e o impacto de Antonin Artaud sobre a contracultura. Tudo isso ainda está para ser traduzido em termos de teoria política. Eu vejo lampejos ou esboços dessa teoria em Octavio Paz, e, de uma forma diferente, talvez em pensadores como Michel Foucault. Mas não há uma tradução para o pensamento político disso que acontece ao longo da história da sociedade burguesa e é político.

RP - Só queria lembrar que e eu falo sempre para o pessoal, nas conferências, que o PT deve gostar muito do General Geisel, que criava uma estatal por dia, e, em segundo lugar, lembrar aquela frase do Artaud: “Todo ato individual é anti-social”.

CW - Muito bem lembrado.

RP - Depois disso, gostaria que você lesse os originais pra gente.

CW - Eu ia propor isto, fazer uma rodada de poesia e outras de perguntas de vocês. Voltando ao plano imediato, à imanência, o Estado burocrático é a pior praga que existe. Por enquanto, estou conseguindo sobreviver psiquicamente numa organização burocrática, mas de boa qualidade, Secretaria de Cultura na gestão Konder. Eu me lembro de quando o Bicelli, que é um quadro muito competente na administração pública, chegou lá, e viu como o pessoal que trabalhava comigo fazia os contratos e aquela burocracia toda, ele se virou pra mim: “O jeito como esse pessoal trabalha, nem parece funcionário público!” (risos). Na primeira, ele flagrou isso, porque sabe como é o estado burocrático. Eu não tenho nenhuma confiança em uma capacidade do capitalismo e da empresa capitalista de evoluírem e produzir progresso por si. Acho que as esquerdas, comunismo inclusive, deram uma grande contribuição ao pressionarem o capitalismo na direção de uma ampliação de direitos sociais. É provável que sem comunismo, e tudo isso, tivéssemos hoje um quadro semelhante ao que Victor Serge descreve em Memórias de um Revolucionário, de como era a vida do operário no começo do século. As esquerdas em geral, comunismo inclusive, obrigaram o capitalismo a reconhecer sindicatos, melhorar salários, dar direitos trabalhistas, e acabaram contribuindo decisivamente para a expansão e prosperidade do próprio capitalismo. Duvido que a empresa capitalista, em si, tivesse essa dinâmica, se não fosse essa polaridade. Essa polaridade desaparecer, de uma lado abre uma nova era, tira da frente algumas coisas desagradáveis, já que ninguém tem a mínima vontade de ver pela frente um estado burocrático, mas talvez faça desaparecer um tipo de situação contraditória que, no mínimo, obrigava o capitalismo a se renovar. Acho essa nova era preocupante. Não a vejo com otimismo e não dou de barato, de jeito nenhum, qualquer possibilidade do capitalismo, da sociedade burguesa capitalista, evoluir por si mesma. Mas, de qualquer forma, descontando tudo que teria de ser dito sobre empresa capitalista e o capital monopolista, sem dúvida alguma a pior praga que existe é o estado burocrático. Pára tudo, atrasa tudo, o estado corporativista.
Então, se for para fazer militância política… é claro que não dá para endossar nenhum tipo de ideologia neoliberal. Se for para discutir política, a questão do estado burocrático, da desburocratização inclusive, pois desburocratização é democratização, é devolver para a sociedade - e é curioso como tem gente que faz discurso de participação da sociedade, da democracia, e, ao mesmo tempo, defende a coisa mais antidemocrática que existe, que é o estado burocrático, e o corporativismo, a corporação dentro do estado. Corporativismo fora do estado, até que tem efeitos positivos. Dentro do estado só dá em atraso. Então, isso de desburocratização do Estado, e conseqüente democratização, é sem dúvida nenhuma, um grande tema político hoje em dia… e que eu topo discutir, pois sei o que é.

[LEITURA DE POEMAS - Willer lê vários poemas de seus livros, e também alguns inéditos - ao final da leitura, um dos participantes pede que seja lido, ainda, um poema de Dias Circulares sobre Paris - e, depois de mais essa leitura, faz uma pergunta sobre Paris]

CW - Olha, uma vez eu passei de raspão pelo Bois de Boulogne, e nem fui, até hoje, às Buttes Chaumont, aquele jardim que Aragon descreve noCamponês de Paris, que ele achava um lugar estranho. Até hoje não fui [16]. Acho que, se ficasse seis meses lá, ainda ia ter o que ver, porque é muita coisa. Muita coisa no seguinte sentido: coisas que, culturalmente, são para se ver - grandes concertos, exposições de alta qualidade - e coisas simbólicas. É o que eu digo no meu livro, Volta: Paris é a cidade escrita, cidade de referências literárias. Por exemplo, o lugar que eu quero ver na próxima vez, aonde nunca fui, e é perto da onde eu fico em Paris, perto do Marais, é esse museu da ciência ou coisa que o valha que tem lá, eu nem havia reparado que existia, onde está o Pêndulo do Foucault. Pois o livro do Umberto Eco, O Pêndulo do Foucault, é muito bom, é muito inteligente.

(respondendo a mais uma pergunta, sobre a relação de sua poesia com o romantismo alemão):

CW - Eu acho o seguinte… Octavio Paz falou uma coisa certa em Os Filhos do Barro: aquele período de loucura francês é erradamente chamado de pós-simbolismo. Segundo ele, o pós-simbolismo é continuação do romantismo alemão. Novalis é tremendamente denso, agora, o que mais me fascinou nesse período (do romantismo alemão) foi aquela fase longa de esquizofrenia do Hölderlin, com aqueles poemas fragmentários, que são extremamente modernos. Por que são modernos? Ou por que Gérard Nerval é moderno? Um psicanalista importante, Isaias Mehlson, estava me dizendo que, para ele, o inconsciente é uma consciência não-discursiva. Aí, percebi a razão da modernidade de um Hölderlin na fase de loucura, ou um Nerval de Aurélia: como eles estavam loucos, faziam um texto não-discursivo. Algo que hoje em dia, pós-vanguardas, é normal, a ideia do texto não-discursivo, que está completamente incorporada à cultura. Naquela época, a poesia era discursiva. A loucura, a não-discursividade do inconsciente que aflorava nas psicoses deles, os tornou, além de serem grandes escritores e grandes poetas independentemente disso, quero dizer que, sem loucura, tanto Hölderlin quanto Nerval seriam grandes, mas na loucura deram um passo adiante e criaram obras vanguardistas, por causa do caráter não-discursivo antecipando-se à vanguarda, por ser uma escrita do inconsciente.

(público) - Eu vi um prefácio seu muito interessante do Subterrâneos, que você fez, sobre o Kerouac. Eu acho um prefácio muito legal, em que você evidencia as qualidades dele como prosador. Eu queria saber o que você acha dele enquanto poeta? Se você gosta dele enquanto poeta e se ele tem qualidades como poeta?

CW - Tem. Naquele prefácio, porque se criou muito estereótipo em cima da geração Beat, principalmente naquele prefácio, e em algumas outras coisas que escrevi sobre geração Beat, eu bati muito na tecla do intertexto. Todo mundo fica vendo a Beat como rebelião individual, uma rebelião neo-romântica contra o establishment americano, contra o academicismo da literatura que se fazia na época, e ninguém dá atenção ao quanto eles eram extremamente cultos. Subterrâneos é transcrição de Dostoievsky. Então, pego isso, nesse prefácio. E escrever é escrever o que você leu, também. Um bom exemplo disso, nós temos no Piva.

NOTAS
[1] Bairro oriental em São Paulo.
[2] ACM: Associação Cristã de Moços.
[3] Zé Celso Martinez Corrêa, realizador teatral, entrevistado por Piva na seção anterior do “Meditações de Emergência”.
[4] Peça teatral do modernista brasileiro Oswald de Andrade.
[5] Como o personagem é conhecido, e não o consultei, omiti seu nome (CW).
[6] Ginsberg morreu cerca de três semanas depois. A palestra sobre Ginsberg na série Autoria do Século, ciclo de palestras também promovido pela Funarte, tornou-se homenagem póstuma (CW).
[7] Escola de Sociologia e Política, na qual Piva efetivamente se graduou.
[8] Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, onde eu trabalhava, fazia programação literária.
[9] Observação adicional: eu nunca, nas poucas vezes em que havia estado lá, havia dado qualquer indicação de que era escritor ou teria alguma atividade editorial.
[10] Livro de poesias de Piva publicado em 1983.
[11] Hoje (em 2003) já não diria o mesmo – o neopaganismo em Pessoa (em Alberto Caeiro) tem afinidade com o pensamento de Crowley, e no ortônimo (ele mesmo) há muita poesia hermética, de influência ocultista.
[12] SDS é a sigla de Students for a Democratic Society, a grande organização estudantil americana dos anos 60.
[13] Atual Ministro-Chefe da Casa Civil do governo Lula.
[14] Em 1977/78.
[15] Libelu: Liberdade e Luta, tendência trotskista do movimento estudantil; Convergência: a Convergência Socialista, outra tendência trotskista.
[16] Fui, mais recentemente. 



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Organização a cargo de Floriano Martins © 2016 ARC Edições
Artista convidado: Jorge de Lima
Imagens © Acervo Resto do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

1 PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO SURREALISMO
3 O RIO DA MEMÓRIA

Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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