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A LÍNGUA, A REDE & O DOMÍNIO DA IMBECILIDADE
Não é mais a fé que nos pesca, mas a própria rede.
Ester Fridman
Esta
edição de ARC elege um duplo editorial, pelo encontro coeso casual dos textos
assinados por Floriano Martins e José Ángel Leyva, dois poetas parceiros em
inúmeras atividades editoriais já há algumas décadas. Duas outras matérias,
assinadas por Leda Cintra Castellán e Nicolau Saião, igualmente afinadas
poderia constituir um editorial quádruplo. Também o que afirmam, singularmente,
Ester Fridman e Jacob Klintowitz. Esta sinfonia de antenas regida pela magia da
percepção torna algo especial este número 26
de nossa revista. Uma partitura que se completa com a valiosa colaboração de
Alfonso Peña, Alcebíades Diniz Miguel e Maria Lúcia Dal Farra, um trio que,
assim como os demais, já é parte de nossa imensa família. Sem esquecer a
grandeza da obra plástica de Ana Mendoza, a quem pude entrevistar e cuja arte
ilustra a totalidade desta edição. Vale ainda lembrar que atuamos na Net desde
1999 e que, somados os 70 números da primeira fase e os 12 números da entressafra em
que a revista se chamava Agulha Hispânica,
esta edição é, a rigor, a de número 108.
E outra centúria nós garantimos que está a caminho.
Os
Editores
FLORIANO
MARTINS | A língua e a rede
As comunidades
linguísticas são uma grande ilusão. Mas por vezes se definem por uma secreta
reserva de totalitarismo. Comunicar-se em um mesmo idioma é uma vantagem de
circunstância e não a base de construção de um mundo comum. Tampouco, por outro
lado, o poliglota está apto a decifrar os grandes dilemas humanos. Comunidades
linguísticas por vezes se investem de um falso carisma ao modo das comunidades
religiosas. Ou de uma falsa solidariedade ao modo das comunidades científicas.
Canadenses não se armaram de defesa linguística dividindo-se em face de seus
dois idiomas oficiais.
O Brasil, a
exemplo do Canadá e de todo o continente americano, era formado por inúmeros
dialetos e durante os primeiros séculos de formação (não apenas de colonização)
eram um ninho de múltiplos idiomas e dialetos, até o instante em que o Brasil
se fecha em torno de um idioma oficial único, resultando hoje em um dos países
com um intenso fluxo de desigualdade humana. Bom argumento em defesa da
importância de expandir uma comunidade linguística além das fronteiras
geopolíticas. O tema soçobra quando pensamos na América Hispânica, a maior
comunidade linguística concentrada em um mesmo continente, sem que, no entanto,
se tenha obtido ali o mínimo sinal de coesão social.
A União Europeia
é um verdadeiro caldeirão linguístico, porém de algum modo foi o único espaço
possível no planeta de acordo comum socioeconômico, ainda que repleto de
falhas. A religião fragmentou a Europa infinitamente mais do que sua
diversidade idiomática. A África é um caos social flamejante gerido pelos
sucessivos saques da comunidade europeia, ou seja, a África continua sendo uma
boa fonte de negócios da expropriação irrefreável. Os Estados Unidos da
América, a começar pelo cinismo oportuno da própria denominação do país, são o
único exemplo de um país colonizado que se tornou colonizador. Nem de longe
pensou em erradicar o idioma de seus algozes ingleses. Ao contrário, dele se
apropriou, o distorcendo de modo a simplificá-lo, empobrecendo-o, e impô-lo
como moeda adicional a seus truques de conquistas. O gigantismo asiático também
encontra na religião um fator de desagregação mais intenso do que na
diversidade linguística.
Do ponto de
vista de sua expressão cultural a língua portuguesa é um curioso ninho de
sociedades autóctones que não se comunicam entre si. Não há similaridades nas
artes ou na cultura. Menos ainda um senso de infiltração, influência ou
imposição. O mesmo se passa no caso do inglês, basta elencar países como
Austrália, Estados Unidos e Escócia. O Caribe é um exemplo de região enfant terrible, onde as afluências
linguísticas, por parte do período das colonizações, foram desmontadas e
refeitas a bel prazer, de modo que são distintos, com acentos muito
particulares, o francês, o inglês e o espanhol que ali se fala.
A religião
despedaçou o planeta de modo mais incisivo do que a diversidade linguística. Há
que reiterá-lo sempre. A ciência, mesmo a ciência da linguagem, opera de acordo
com o ambiente em que se instala. A cultura será sempre a afirmação de certa
alquimia de que os povos se utilizam para criar seus focos de identificação e
diferenciação. A world wide web não é
uma nova comunidade linguística. É, antes de tudo, uma formidável casa de
encontros, onde são transparecidas as nossas mais singulares evidências, de
todos nós, de todas as partes, não importa a língua que falemos.
Certa vez ouvi
de um português que os brasileiros pusemos o idioma para dançar. Achei uma bela
percepção do efeito de absorção da realidade. São muitos os acentos que se
distinguem entre si que percebemos ao viajar pela América Hispânica. O
argentino Jorge Luís Borges, criado em ambiente bilíngue graças à presença
inglesa de metade da família, disse certa vez que os estadunidenses danificaram
o inglês, o resumindo praticamente a uma verve monossilábica. Mas são
dissonâncias que se misturam, que oras atendem pelo nome do preconceito, outras
pelas inevitáveis variantes socioculturais. Há um caso que sempre o tenho na
casa do admirável: o modo como Porto Rico, oficialmente parte dos Estados Unidos da
América, resiste alimentando sua fantasia de país independente, e esta
resistência, que encontra reforço visível no ambiente linguístico, para mim
sempre esteve mais visível no fermento de sua cultura artística. O desastre
político e econômico de Cuba não interferiu na grandeza de sua música. A música
é a grande expressão artística de Cabo Verde e não há uma mínima relação
possível com a tradição musical de Portugal.
Os exemplos se
multiplicam à exaustão, como uma gangorra, onde afinal compreendemos que são
outras as peças que compõem um lado e outro dessa mecânica das relações
humanas. Agulha Revista de cultura,
em momento algum, se preocupou com a deflagração de um palco afeito ou contradito a
qualquer manifestação linguística. Antes de tudo tratamos de recordar que a world wide web não fala um idioma
específico e menos ainda se interessa por romper os particularismos de cada
idioma. Destacamos, portanto, que as artes não se afirmam pela defesa de uma
comunidade e sim do livre arbítrio de uma personalidade.
JOSÉ ÁNGEL LEYVA | "La invasión de los
imbéciles" en las redes sociales
Umberto
Eco afirma, con mucha razón, que el tonto del pueblo tiene voz en los espacios
cibernéticos como lo puede tener un Premio Nobel. Y sí, las redes sociales
abren espacio a los imbéciles, como lo hacen los celulares o móviles y uno
escucha en el espacio público las conversaciones más banales que se pueda
imaginar. Todos quieren ser vistos y escuchados, desde el vendedor ambulante y
el empleado más humilde hasta el Ministro de Estado. La tecnología
democratiza la estupidez. No hablamos, gritamos. El espacio público, como
internet, se ruralizan y cada quien, sobre todo en sociedades menos
reglamentadas y corruptas como la nuestra (México—puede ponerse el país de su
elección), la trasgresión y la imposición de verdades individuales son norma de
la selva.
¿Los tontos salieron de
los bares y entraron a eructar a las Redes Sociales? Quizás. Pero la imprenta
también le dio la palabra a los imbéciles, como lo hizo la radio, la telefonía,
el cine, y ahora Internet. La tontería o la trivialidad no podrán ser
contenidas en un área restringida de la inteligencia comunitaria. El sentido
común, la información, la sapiencia, y mucho menos la sabiduría tienen los
mismos niveles de aceptación que tienen los tontos o "listillos" de
la televisión. Por todos lados se escucha elevar el drama de una telenovela, de
un Reality Show o de la vida futbolera a niveles de inteligencia superdotada.
Los opinadores de Futbol son la materia gris del universo. La estupidez nunca
ha tenido las puertas cerradas a los dominios del poder. Presidentes de Estado,
ya no se diga monarcas, vienen y van dictando leyes y determinando destinos. La
gente votará por los tontos para ocupar cargos públicos, les celebrará sus
bufonadas, les dará categoría de iluminados.
La estupidez pues, no es
privativa ni nació con las Redes Sociales, no es tampoco el régimen de la
imbecilidad. Como la televisión, uno puede elegir o apagar. El problema
entonces es que en esa elección, por extrañas razones, siempre gana la
trivialidad, el exhibicionismo. Quizás la inteligencia debería de acampar más a
menudo en los terrenos donde los tontos parlotean, gritan, se mueven con sus
colores vistosos, se estacionan en doble o triple fila en las calles, se pasan
los semáforos en rojo, dictan sentencias, extorsionan, tuercen las leyes, conducen
naciones, incluso escriben libros.
Los tiranos escriben
poesía, los fascistas son tiernos con sus hijos, el avaricioso da la vida por
su perro, los defensores de animales piden la pena de muerte, y en las redes
sociales se elogia la “belleza” antes que la inteligencia. Los buenos deseos en
Facebook nada tienen que ver con las acciones, la pasividad y el narcisismo
carcome las entrañas de quienes no ven o no quieren ver que, mientras tanto,
unos pocos deciden sus destinos, que la virtualidad no es virtud ni el “amigo”
es entrañable, que el humor no es carcajada, ni el chiste es ingenio. Las redes
sociales son un instrumento de comunicación y de esparcimiento, de lucidez o de
babeante pasatiempo. Son prisión mental o puerta de acceso a otras conciencias.
No hay instrumentos buenos y malos, para idiotas y para sabios, el conflicto
empieza en el uso, en su intención, en la ausencia de responsabilidad de
quienes dejan en manos de los “listos” las herramientas de la enajenación.
¿Pero es entonces que los sabios dejaron de pensar, de cuestionar, de ironizar,
de ver y de escuchar, de aprender?
Durante siglos, El Quijote de la mancha fue un libro intrascendente, una humorada popular que escocía el paladar literario y filosófico de más de un hombre iluminado. En la calle, en la muchedumbre, en lo popular, en el argot, en la asquerosa realidad con sus vomitivos contenidos televisivos, en la banalidad cotidiana, en los “like” y en los “guapísima (o)” de las redes sociales, en las dosis mínimas de genialidad de los twiteros hay lo que cualquier persona inteligente puede convertir en materia gris, en sustancia reciclable para pensar de otros modos. Si los imbéciles se apoderan de los espacios y de los instrumentos de comunicación es porque la inteligencia se declara incompetente. No hay obra trascendente, no hay memoria que no abreve en esas tumultuosas corrientes de apariencia tonta, en esos espacios de parloteo y de ruido, de leyenda, de oralidad. No es el elogio de la trivialidad y la estupidez, sino la defensa de un espacio donde también pueden darse cita los que piensan.
Durante siglos, El Quijote de la mancha fue un libro intrascendente, una humorada popular que escocía el paladar literario y filosófico de más de un hombre iluminado. En la calle, en la muchedumbre, en lo popular, en el argot, en la asquerosa realidad con sus vomitivos contenidos televisivos, en la banalidad cotidiana, en los “like” y en los “guapísima (o)” de las redes sociales, en las dosis mínimas de genialidad de los twiteros hay lo que cualquier persona inteligente puede convertir en materia gris, en sustancia reciclable para pensar de otros modos. Si los imbéciles se apoderan de los espacios y de los instrumentos de comunicación es porque la inteligencia se declara incompetente. No hay obra trascendente, no hay memoria que no abreve en esas tumultuosas corrientes de apariencia tonta, en esos espacios de parloteo y de ruido, de leyenda, de oralidad. No es el elogio de la trivialidad y la estupidez, sino la defensa de un espacio donde también pueden darse cita los que piensan.
Zigmunt Bauman pone el
dedo en la llaga cuando advierte que las redes sociales son –no dice pueden
ser–, una trampa porque crean sustitutos de la comunidad, una falsa idea de la
amistad y del activismo, un entretenimiento en el que nadie se mueve. Como le
decía hace poco a un amigo que se dedica a la crítica literaria cuando apareció
su foto junto a un artículo suyo. Nadie le expresó algo sobre la inteligencia
vertida en su escrito, nadie elogió su agudeza mental, la mayoría manifestó que
se veía guapo. La seguridad se apoya más en la idea de lo físico, en la
apariencia, que en las ideas. Por ello es más fácil que el sujeto solitario que
busca compañía y el eco de sus deseos represente el papel del actor ante su
espejo: espejito espejito, dime quién es el… o la más… Si alguno de sus
“amigos” disiente, si manifiesta lo que piensa o lo que cree y es contrario al
eco esperado, el dueño de esa cuenta y de ese conjunto de nombres denominados
“amigos” pasa a ser personan non grata y por tanto es borrado o eliminado. La
intolerancia es entonces el símbolo más visible del individualismo y del
confort “intelectual” que busca la mayoría de quienes no desean pensar,
discutir, debatir, interactuar, pero sobre todo, pensar.
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ÍNDICE
ALCEBÍADES DINIZ MIGUEL
| De analogias e do
perpétuo choque da realidade (sobre Avalon Brantley)
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/04/alcebiades-diniz-miguel-de-analogias-e.html
ALFONSO PEÑA | Omar
Castillo: cantata en los filos de la ciudad
ESTER FRIDMAN | Viagem através da linguagem –
uma genealogia dos opostos
FLORIANO MARTINS | Max Harris e os
pinguins mais irados da terra
JACOB
KLINTOWITZ | Quantas vozes tem a humanidade?
LEDA CINTRA CASTELLÁN | A saga dos
autores falecidos, seus herdeiros e editores
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/04/leda-cintra-castellan-saga-dos-autores.html
MARIA
LÚCIA DAL FARRA | Novas Cartas para
as Damas. Leitura de A Dama e o Unicórnio,
de Maria Teresa Horta e de Vozes, de
Ana Luísa Amaral
MARIA LÚCIA DAL FARRA:
Um serviço de poesia: o Ofício e as Servidões de Herberto Helder
NICOLAU SAIÃO
| A realidade do livro
SUSANA WALD | En busca de Laurette Séjourné (Inicio de un primer
borrador)
Artista convidada
| ANA MENDOZA | FLORIANO MARTINS | Ana Mendoza: el arte en movimiento
Página ilustrada com obras de Ana Mendoza (Venezuela), artista convidada
desta edição de ARC.
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Agulha Revista de Cultura
Número 96 | Março de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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