quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

ANDRÉA CARLA SCANSANI | A insurreição da imagem ou quando o cinema visita Raoul Ubac

 


A imagem no cinema, na imensa maioria das vezes, se apresenta de maneira transparente, discreta e sóbria. Ela é elaborada em favor da narrativa que reina soberana e qualquer destaque dado às suas particularidades pode interromper a desejada fruição das ideias concatenadas na obra. Sua submissão ao mundo das histórias é incontestável e, compreensivelmente, conveniente. No entanto, mesmo que sua matéria não seja explícita, o que macularia seu caráter cristalino e servil, é sobre ela que a história do cinema se constrói. É nela (matéria) que os gestos cinematográficos (movimentos de câmera e de atores, cenários, cores, texturas etc.) são inscritos no filme e é através dela que sua força cinética é transportada. Uma matéria plástica, cuja maleabilidade se torna um instrumento de criação e que, ao longo da história da fotografia e do cinema, foi explorada das mais diversas maneiras. Ao falarmos aqui em matéria explícita, teremos em mente os procedimentos fundamentados sobre as técnicas fotográficas em prata e celuloide e, antes de seguirmos por esse caminho aparentemente antiquado (visto que há tempos fomos digitalizados), apresentamos nossas motivações para continuar avançando nessa direção. Acreditamos que, longe de ser uma experiência confinada no passado, a produção de filmes que retorna aos métodos fotoquímicos para a elaboração de suas imagens ocupa, hoje em dia, um espaço importante dentro da enorme diversidade que o cinema (lato sensu) [1] oferece. Para além do progressivo número de obras dessa natureza, o fato de estarem naturalmente afastadas da atual indústria cinematográfica (digitalizada) faz com que haja uma maior liberdade de intervenção, portanto de criação, nos procedimentos laboratoriais que lhe são disponíveis. A nosso ver, o caráter artesanal desse cinema e seu élan criativo podem ser comparáveis às férteis primeiras décadas do século XX, quando os avanços das técnicas cinematográficas ainda não haviam sido dirigidos, prioritariamente, à sedução do grande público e ao seu corolário: o sucesso comercial.

Se pensarmos no universo estritamente fotográfico (não cinematográfico), essa autonomia criativa sempre foi possível de ser praticada. No entanto, quando adentramos o espaço consagrado à fotografia do cinema, temos, em sua história, a predominância de um processamento pouco ousado, dependente dos parâmetros estabelecidos pelos influentes fabricantes de negativos, onde a alteração de um simples tempo de revelação, por exemplo, enfrenta grandes obstáculos impostos pelos laboratórios industriais. Revelar o negativo cinematográfico de forma equilibrada e homogênea não é uma tarefa simples, devido à sua extensão e à necessidade de um deslocamento constante durante todas as fases do procedimento. Sendo assim, a partir do momento em que são sedimentadas certas metodologias, parece que uma espécie de acomodação se instala nos espíritos. Algo como uma resignação com o status quo onde já não se corre riscos com caminhos mais tortuosos e criativamente mais prósperos. A partir do momento em que alguma alteração radical dessa conjuntura industrial acontece, como a que estamos vivendo nessas últimas décadas em razão da substituição dos procedimentos fotoquímicos pelos digitais, o cenário se transforma e outras trilhas são abertas. No recém-desmonte das estruturas tradicionais de processamento da imagem foto-cinematográfica (com o fechamento dos laboratórios profissionais e com a obsolescência de suas máquinas e de seus técnicos), podemos observar crescentes movimentos artísticos que navegam contracorrente, desde o ressurgimento de laboratórios caseiros a grupos que se apropriam dos aparatos abandonados pela indústria para dar-lhes uma nova sobrevida. Não estamos diante de algo novo se pensarmos na longa e artesanal trajetória do cinema chamado experimental. Esses grupos, longe de alimentarem o fetiche pela película cinematográfica ou mitificarem técnicas alçando-as à condição de entidades superiores ou opostas a outras, cumprem um papel chave no livre trânsito entre as práticas transmidiáticas contemporâneas, nas quais a manipulação fotográfica pode ocupar um lugar singular na construção do corpo da imagem fílmica.

A atuação desses grupos, organizados por artistas de toda sorte, vai ao encontro dos métodos utilizados pelos “inventores” dos primeiros processamentos químicos que foram, eles próprios, posteriormente desenvolvidos e aprimorados pela indústria então nascente. Com um caráter investigativo, retorna-se à artesania do ofício como forma de reapropriação do fazer cinematográfico. Mesmo que, para alguns, esses procedimentos possam parecer pouco profissionais (como o que transpomos abaixo), a retomada dos instrumentos de trabalho de tratamento da película pelo próprio artista acaba por ampliar a diversidade da produção cinematográfica e cria um espaço, literalmente, laboratorial de pesquisa técnica e artística.

 

As diversas operações de revelação, fixação, e lavagem dos filmes podem ser executadas comodamente em um simples balde com capacidade para uma dezena de litros […]. Para revelar, preparamos dois baldes […]. O filme, enrolado em um carretel, é sustentado acima do primeiro balde com o auxílio de uma haste cilíndrica que atravessa o orifício central do carretel. Essa haste – um lápis por exemplo – será segurada por um ajudante ou será fixada […] na parede do quarto escuro. A película, então, é desenrolada muito rapidamente e à medida em que se desenrola, vai sendo mergulhada no revelador. Quando toda a película é desenrolada, a movemos, sempre muito rapidamente, para o segundo balde. Tendo o cuidado de deslizá-la entre dois dedos para que a camada de revelador seja retirada de toda a superfície do filme e para eliminar as eventuais bolhas que provocam a interrupção da revelação […]. Em seguida, continuamos a passar o filme de um balde ao outro até que julguemos que ele tenha sido suficientemente revelado. Quando chegamos ao resultado esperado, mergulhamos o filme num balde cheio d’água onde ele irá ser lavado […]. O filme lavado é passado por um primeiro balde, e de lá para um segundo balde de hiposulfito de sódio a 25%. Uma vez fixado, ele é colocado num balde de lavagem onde a água se renova constantemente e onde ele permanece algumas horas. Se colocarmos o filme para secar logo após que saia da água, ele pode se curvar e sofrer alguma retração. Para evitar esse inconveniente temos que umectar sua superfície. Dois baldes do umectante serão enchidos e a película será mergulhada sucessivamente nos dois recipientes […]. A película umectada será colocada para secar suspendendo-a sobre uma barra de madeira em local seco a uma temperatura de 20o a 22 °C. Quando estiver seca, ela será enrolada no carretel e estará pronta para ser introduzida no Cinematógrafo. Serão tomadas precauções ao mover o filme de um balde para outro durante as várias operações de fixação, lavagem e umectação para evitar os desgastes mais frequentes de sua superfície […]. É difícil obter, pela revelação em baldes, imagens regulares e uniformes em toda a extensão do filme. Temos em nossa fábrica um material especial para a revelação que nos permite obter imagens com uma uniformidade perfeita e oferecemos aos nossos clientes a revelação, a um preço muito moderado, das vistas que realizaram. [2]

 

As instruções, razoavelmente didáticas, dadas pelos irmãos Lumière e publicadas em uma revista cultural de Lyon em 1897, oferecem uma pequena amostra das questões envolvidas no processamento do negativo cinematográfico. Para além do seu caráter marqueteiro, temos ali um momento da história do cinema em que uma única pessoa, com uma única máquina, possuía todos os meios para levar a cabo a realização e a projeção de um filme. Como é sabido, o cinematógrafo [3] que se tornou famoso nas mãos dos irmãos Lumière era, além de uma câmera, um projetor e uma “copiadeira” (printer), podendo também ser utilizado como uma truca (para efeitos especiais como fusões, ampliações etc.). Uma única máquina e alguns baldes de capacidade de dez litros pareciam ser suficientes para o cinema se lançar em seus primeiros passos públicos (tendo na fotografia seu modelo processual). É com esse espírito, no qual tudo é possível e onde tudo pode ser reinventado (ou pelo menos revisitado de uma outra forma), que alguns grupos de cineastas-artesãos começam a se organizar, no final dos anos 1990, de forma mais sistemática. Um dos grupos pioneiros desse movimento na Europa foi o Atelier MTK de Grenoble na França. No final dos anos 1980, o grupo Metamkine (La cellule d’intervention Metamkine) formado por dois cineastas (Xavier Quérel e Christophe Auger) e um músico (Jérôme Noetinger) realizava performances que associavam música eletroacústica a projeções cinematográficas em super-8 e 16mm. Com a necessidade de processar o material para o seu trabalho, eles criam um laboratório (1992) e nos anos seguintes começam a abrir suas portas para outros artistas. Com o aumento da demanda vinda de outros países, o grupo decide apoiar a criação de novos laboratórios replicando a experiência em muitos lugares. Hoje, são cinquenta grupos distribuídos nos cinco continentes que se organizam coletivamente através da rede Filmlabs. O diferencial dessa rede é que não há um serviço a ser contratado. A ideia é que haja um compartilhamento do conhecimento entre os artistas através de oficinas, onde os mais experientes ensinam aos novatos para que todos estejam capacitados a processar seus próprios filmes de forma criativa e autônoma.

 

O laboratório deve ser considerado um espaço de brincadeiras […] favorável aos cineastas que compreendem cada elemento do aparato cinematográfico [filmagem, revelação, copiagem, montagem, som, projeção] como uma fase potencial de criação a ser questionada à vontade, sem qualquer preocupação normativa (MTK, tradução nossa). [4]

 


Alguns filmes realizados com o apoio da rede Filmlabs têm no cerne de sua proposta artística o trabalho minucioso sobre o substrato fílmico. Essa disposição em dar visibilidade à matéria, com intervenções físico-químicas nos diversos materiais que compõem as etapas de elaboração de uma obra, apresenta uma outra forma de pensar o próprio gesto cinematográfico e amplia o diálogo estabelecido entre técnica e concepção artística. Ao olharmos para as possibilidades de manipulação direta da matéria fílmica, este gesto raro que se atreve a corromper a integridade da película e ao qual poderíamos chamar de gesto físico-químico, somos induzidos a logo pensar no chamado cinema experimental. No entanto, não somos ingênuos em acreditar que o gesto físico-químico tenha sido algo exclusivo de experiências visivelmente radicais, pois não há filme sem procedimentos químicos, ainda que eles sejam padronizados para tornarem-se imperceptíveis pelos mandos de uma indústria cinematográfica monoteísta. O gesto físico-químico está permanentemente presente e encontra-se, no mais das vezes, escamoteado em uma disfarçada representatividade figural do objeto filmado. Ou, nas palavras de Jacques Aumont “a matéria fílmica está sempre contida pela representação, ela nunca é autorizada a se exibir sozinha, mesmo que seus vestígios apareçam às vezes”. [5] Assim sendo, a subversão da forma no cinema, a explicitação de sua matéria, de sua carne, é legado do cinema experimental, salvo concessões esporádicas em momentos pouco ortodoxos de alguns cineastas. Um momento clássico dessa liberdade, ainda atrelada à narrativa, é aquele em que Alma (Bibi Andersson) resolve se vingar da traição de Elizabeth Vogler (Liv Ullmann) em Persona [6] (1966) dirigido por Ingmar Bergman e fotografado por Sven Nykvist. Nesse filme, a intervenção explícita na película é protegida e legitimada pela diegese. Quando há uma quebra de confiança na relação entre as duas mulheres a película também se rompe, [7] fazendo com que haja uma leitura evidente (quiçá simplória) do uso das ferramentas laboratoriais na expressão do gesto cinematográfico. Portanto, não parece ser no cinema narrativo que a matéria ou a imagem (figurativa) tem oportunidade de fazer sua insurreição.

A rara exploração artística das camadas de composição do negativo e da cópia cinematográfica encontra seus pares (e sua inspiração) não no cinema, mas na fotografia. Voltemos nossa atenção para o trabalho do belga Raoul Ubac (1910-1985) como forma de refletir sobre as possibilidades criativas da matéria fotográfica. O artista (gravurista, escultor, pintor e fotógrafo) fez parte do grupo CoBrA [8] e editou, junto a Magritte, a revista L’invention collective (1940). Durante sua permanência na França, na década de 1930, inicia uma série fotográfica sobre o tema do Combate de Pentesileia, a guerreira, rainha das Amazonas, morta em Troia pelas mãos de Aquiles. [9] A série traz imagens da batalha em vários procedimentos técnicos distintos como a fotomontagem, a associação de imagens negativas e positivas, a solarização ou as sobreimpressões aplicadas a fragmentos de corpos femininos nus que subvertem a lógica bidimensional da fotografia. O trabalho sobre os diversos materiais combinados vai, aos poucos, se transformando em esculturas. O resultado visual final, a nosso ver, está mais próximo dos painéis em alto relevo esculpidos em pedra, como o Amazonomachia [10] (batalha das amazonas) do que de uma fotomontagem tradicional. Parte da obra fotográfica de Raoul Ubac dessa época foi publicada na Minotaure [11] e, em sua edição de 1939, suas imagens são acompanhadas pelas palavras de André Breton:

 

Deve ser observado que, naquilo que ela tem de mais audacioso, de mais vívido, a fotografia seguiu o mesmo caminho da pintura e da escultura. Através do elo dourado de Ubac, as ruínas do passado se juntam às ruinas do porvir, renascendo sem cessar. Suas mulheres, brandindo lança e derrotas, são as irmãs da sombria Pentesileia de von Kleist. Elas são a incrível flor fóssil, a pecadora que domina as areias movediças. [12]

 

O relevo das esculturas fotográficas da série Pentesileia de Ubac é fruto de uma sucessão de “assaltos ópticos” [13] em muitos retalhos de um corpo nu. O corpo feminino, tomado por vários ângulos, multiplica-se em fragmentos de torsos, cabeleiras, braços e lanças. A proliferação das amazonas em combate se dá pela dilaceração de sua carne recortada das reproduções (positivas e negativas) e re-fotografadas inúmeras vezes. A cada etapa uma remontagem que, em camadas, dá à luz a novos relevos desnudos. Para além do mosaico montado com pedaços de mulher, esses mesmos corpos, ao serem revelados, são interceptados sucessivamente pelo atrevimento de uma solarização intencional. O caminho pouco ortodoxo de uma revelação descontinuada pela ação da luz – que ganhou notoriedade pelas mãos de Man Ray com O primado da matéria sobre o pensamento [14] –, é elevado à potência máxima. São “assaltos ópticos” à matéria cujos contornos se dissolvem fazendo com que os torsos mergulhem num mar de prata. Ou, no retrato em palavras de Breton, há nas imagens de Ubac um “elo dourado” na “incrível flor fóssil que domina as areias movediças”. A natureza rochosa de suas fotografias é conquistada pela combinação de muitas técnicas, sendo uma delas a impressão de uma imagem negativa sobre uma positiva, [15] numa espécie de mascaramento dos detalhes da figura. Os relevos dos contornos se sobressaem, como se os corpos fotografados tivessem sido petrificados. Sendo assim, a série fotográfica é elaborada em gradientes de fossilização que parecem ter atravessado as espessas camadas do tempo geológico. [16]

Em outras obras, como La Nébuleuse (1939-40), Raoul Ubac aposta menos na sobreposição de frações da matéria e mais na dissolução física da emulsão fotográfica que se funde à sua base. [17] Através do aquecimento (brûlage), num verdadeiro derretimento do negativo, ele modela os corpos fotografados na maleabilidade do material sensível e funde a anatomia de um (corpo humano) à estrutura do outro (fotograma). Ubac trabalha nas camadas de celuloide e prata de forma meticulosa, explorando o potencial de criação do suporte fotográfico e fazendo de seu laboratório “um espaço de brincadeiras” (com fogo) com as quais ele pode gerar seres de toda sorte.

Rosalind Krauss em seu texto Corpus Delicti (1985) comenta:

 

Ele [Ubac] explorou a infraestrutura técnica do processo fotográfico, submetendo a imagem do corpo a ataques químicos e ópticos. La Nébuleuse foi formada com o calor de uma pequena espiriteira. O derretimento resultante, que curva e contorce a foto, é frequentemente associado pela literatura acadêmica e crítica ao automatismo: a criação de imagens sugestivas através das operações do acaso. Mas o título deste trabalho supõe a desintegração ao invés da criação da forma, e o procedimento, cujo vestígio sugere a ação do fogo, é um dispositivo para produzir esse tipo de não-forma […].[18] Ele conduz seus procedimentos para a representação de uma delinquência violenta da matéria, à medida em que a luz opera nas fronteiras de um corpo que, por sua vez, dá lugar a essa invasão do espaço […] invasão de corpos engolidos pelo calor ou pela luz. Esse consumo da matéria por uma espécie de éter espacial é uma representação da reviravolta da realidade por aqueles estados psíquicos tão cultuados pelos poetas e pintores do movimento [surrealista]: devaneio, êxtase, sonho. [19]

 

Os procedimentos de desintegração da forma executados por Ubac, longe de participarem de um possível acaso são, em realidade, elaborados com o rigor dos métodos científicos de investigação dos materiais. A resistência e a ductilidade do substrato fotográfico são postas à prova até alcançarem seu ápice e lá, na fronteira entre a dilatação e a ruptura, a imagem nasce em meio à “delinquência violenta da matéria”. Delito premeditado que só pode ser colocado em prática pelas mãos hábeis de um exímio artesão. Por alguém que tem domínio sobre o conjunto técnico de seu métier e, em franca ousadia, transgride suas leis e introduz novos instrumentos (espiriteira) para atingir seus propósitos. A intervenção humana, através do empirismo inventivo de Ubac, molda a suposta aleatoriedade do encontro do fogo com o celuloide e acomoda a prata (prenhe de figuras latentes) na expansão da matéria otimizada pelo calor. Criar uma forma disforme, uma “não-forma” (formlessness), é conhecer intimamente a matéria que constitui os contornos, os volumes, a textura e a consistência das formas.

 


A reta razão me persuadia a suprimir qualquer resto de forma, caso eu quisesse conceber o informe absoluto; e eu não podia fazê-lo. Pois chegava mais rapidamente a pensar que uma coisa não existia, ao ser privada de toda forma, do que a conceber uma coisa que estivesse entre a forma e o nada, nem forma nem nada, uma coisa informe próxima ao nada […]. Dirigi minha atenção aos próprios corpos, observando mais profundamente sua mutabilidade, que os fazia deixar de ser o que tinham sido e começar a ser o que não eram. Suspeitei, quanto a essa própria passagem de forma a forma, que era em virtude de algo informe que ela se produzia, e não de um nada absoluto. Mas meu desejo era saber, e não suspeitar. [20]

 

O livro, dedicado ao “gaio saber visual” de Georges Bataille escrito por Didi-Huberman, abre suas páginas com as indagações de Santo Agostinho sobre o informe (excerto acima) retirada do décimo segundo livro de suas Confissões. Ao tratar da origem do mundo, Agostinho retoma a passagem da Sagrada Escritura: “No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra era invisível e informe […]”, e ao explorar os dois aspectos da criação, o espiritual ligado ao céu e o material à terra, o teólogo associa o segundo a uma matéria ainda desprovida de forma. A matéria informe seria, desse modo, um elemento primordial, ainda invisível, da criação e estaria atrelada à própria mutabilidade das coisas (dos corpos) que os faz deixar de ser o que tinham sido e começar a ser o que não são. Mesmo com as amarras de um pensamento indissociável de sua convicção em um deus criador, Agostinho nos apresenta um valioso instrumento para pensar as subversões da forma elaboradas por Ubac. Dando prosseguimento a seus questionamentos, Agostinho escreve: “é a própria mutabilidade das coisas que é suscetível de assumir todas as formas em que se configuram coisas mutáveis. E o que é essa mutabilidade?” […] “Seria uma espécie de espírito ou de corpo? Se pudéssemos dizer: um nada que é algo, ou o que é e não é, eu a chamaria assim”. [21] Sendo, ao mesmo tempo, nada e algo (ou o que é e o que não é) a mutabilidade nos coloca entre o estado das coisas, em sua lacuna, em seu intervalo. A terra informe do teólogo guarda em sua matéria a invisibilidade das possibilidades da forma, sua latência visual, onde todas as combinações ainda estão por acontecer. Através de sua mutabilidade (misto de “corpo e espírito”, ou de “nada e algo”) a matéria está sempre disposta a vir a ser. Sendo assim, o informe nunca deixa de ser forma, mesmo sem sê-la, do mesmo modo que a forma toma corpo pelos estados mutáveis da matéria.

Ubac, a nosso ver, parece materializar o pensamento de Santo Agostinho. Ao trazer o fogo como ingrediente técnico de criação, abre os espaços de mutabilidade da matéria através de sua literal dilatação e da consequente fusão de seus elementos. É no intervalo entre a forma e o informe, entre as camadas do negativo, entre o sólido e o líquido, entre as nuvens que se figuram em mulher ou entre a mulher que se desfigura em nuvens, que sua espiriteira atua, submetendo o próprio meio fotográfico a uma rigorosa provação. Sua nebulosa é conquistada na ardência da epiderme fotográfica moderada por sua própria perícia artística. A chama de sua espiriteira desorganiza a estrutura cristalina de seus átomos repletos de prata, transportando-nos para a rarefação da figura, da forma, do corpo; para uma nebulosa. Podemos lembrar, de maneira extremamente simplificada, que as nebulosas – aquelas nuvens interestelares que habitam o espaço sideral e rodeiam nossa galáxia –, podem tanto ser um aglomerado de gás e poeira que se transformará algum dia em estrela, quanto o seu inverso, pois na medida em que uma estrela consome sua carga energética, seu núcleo se contrai e quando toda a sua energia se esgota, ele entra em colapso e uma nebulosa (planetária) é irradiada. [22] Desse modo, La Nébuleuse de Ubac não recebe este nome apenas pela semelhança visual com as suas primas interestelares. Há, em sua concepção e elaboração, uma proximidade processual e uma correlação, porque não dizer filosófica, entre os elementos que se adensam em corpos (estelar e feminino) e se rarefazem em névoa.

É bem verdade que o informe do século IV (Agostinho) não é o informe do século XX (Bataille), época na qual La Nébuleuse tomou forma e quando George Bataille coloca o informe no centro da questão da arte surrealista. O informe de Bataille nos desloca do estado de classificação das coisas e nos arremessa direto na matéria. “O informe tem seu próprio legado a cumprir, seu próprio destino que é parcialmente o de liberar nosso pensamento da semântica, da servidão à temática”. [23] Em Documents, revista fundada pelo próprio Bataille junto a Georges Henri Rivière, ele escreve – dentro da programação iniciada em 1925 de constituição de um “dicionário crítico” –, uma espécie de glossário (“Glossário aí encerro minhas glosas”), [24] cujo propósito era soltar as amarras das definições e colocar as palavras mais próximas de seus aspectos concretos e de seu valor de uso.

 

Um dicionário começaria a partir do momento em que ele não mais desse sentido, mas tarefas às palavras. Assim, informe, não é somente um adjetivo com certo sentido, mas um termo que serve para desclassificar, exigindo geralmente que cada coisa tenha sua forma. O que ele designa não tem direitos em nenhum sentido e se faz esmagar por todos os lugares, como uma aranha ou uma minhoca. De fato, para o contentamento dos acadêmicos, o universo deveria tomar forma. Toda a filosofia não tem outro objetivo: trata-se de dar uma roupagem, uma aparência matemática ao queexiste. Por outro lado, afirmar que o universo não se assemelha a nada e que ele não é nada am de informe retoma a ideia de que o universo é como uma aranha ou um cuspe. [25]

 

“Alérgico ao conceito de definições”, [26] Bataille coloca a palavra em movimento e lhe confere um trabalho: subverter a lógica da forma, desclassificando-a, subtraindo sua categorização e chacoalhando seu significado. Não para recusá-la ou para transgredi-la enquanto tal, pois “a transgressão não é uma recusa, mas a abertura de um corpo a corpo, de uma investida crítica, no próprio lugar daquilo que acabará, num tal choque, transgredido”. [27] O informe, desse modo, não nega a forma, a abertura desse “corpo a corpo” coloca o informe no turbilhão das formas para evidenciar o distanciamento (uma roupagem, uma aparência matemática) que temos das próprias formas, de sua concretude, de sua potência material.

 

Transgredir as formas não quer dizer, portanto, desligar-se das formas, nem permanecer estranho ao seu terreno. Reivindicar o informe não quer dizer reivindicar não-formas, mas antes engajar-se em um trabalho das formas equivalente ao que seria um trabalho de parto ou de agonia: uma abertura, uma laceração, um processo dilacerante que condena algo à morte e que, nessa mesma negatividade, inventa algo absolutamente novo, dá algo à luz, ainda que à luz de uma crueldade em ação nas formas e nas relações entre formas – uma crueldade nas semelhanças. Dizer que as formas “trabalham” em sua própria transgressão é dizer que esse “trabalho” – debate tanto quanto agenciamento, laceração tanto quanto entrançamento – faz com que formas invistam contra outras formas, faz com que formas devorem outras formas. Formas contra formas e, vamos rapidamente constatá-lo, matérias contra formas, matérias que se tocam e, algumas vezes, comem formas. E o que terá constituído o desafio desse “trabalho”, desse conflito fecundo, não era nada além de uma nova maneira de pensar as formas, processos contra resultados, relações lábeis contra termos fixos, aberturas concretas contra clausuras abstratas, insubordinações materiais contra subordinações à ideia. [28]

 

Se aproximamos La Nébuleuse do informe de Santo Agostinho, na encarnação de um meio-termo entre a gênese e a desaparição ou entre a dissolução e a modelagem da forma, o informe de Bataille nos impõe outros desafios. Mesmo que possamos fazer alguns cruzamentos entre a potência de vida e morte nos dois informes, a distância temporal dos pensamentos (mais de mil e quinhentos anos), as convicções de cada um de seus autores e, principalmente, o tempo histórico com o qual cada um deles dialoga, faz com que a vida e a morte em Bataille portem uma provocação de outra natureza. A tarefa imposta ao informe (e às palavras encerradas em todo o dicionário), a nosso ver, é a de penetrar suas raízes (forma) e, uma vez em suas entranhas, destilar seus mais recônditos elementos para torná-los explícitos. As substâncias de cada palavra, de cada conceito podem, desse modo, ser exploradas tanto em seus aspectos fixos (definições) quanto em seus aspectos voláteis (transgressões). O mesmo serve para a imagem. Ubac, em seu laboratório foto-filosófico, destila a matéria, separa a forma do informe e expõe a ambos a partir de uma “crueldade nas semelhanças”. Em L’envers de la face (O avesso da face, 1939), por exemplo, o “conflito fecundo” entre matéria e figura nasce na absorção da forma pelos seus elementos constitutivos. Aqui, a face não conquista o espaço, não se expande como uma nebulosa. Ela está encerrada em seu próprio reverso, no consumo da densidade de sua matéria. Ubac, desse modo, nos oferece em imagem o embate das palavras de Didi-Huberman quando diz que as formas devoram e consomem outras formas constituindo insubordinações materiais contra as subordinações das ideias. Para além da autofagia da forma, o trabalho continuado com diversas técnicas faz com que O avesso da face encontre sua cruel semelhança em sua forma geológica, fossilizada, de A face petrificada, 1939. [29] A imagem fotográfica, nas mãos de Ubac, cultiva os caminhos da transgressão de sua própria vocação figurativa e, a partir desses percursos, talvez agora, estejamos prontos para retornar ao cinema, com a premissa de que a insurreição da imagem pode nos trazer um modo de viver a experiência cinematográfica sob outros parâmetros que não os da narrativa ou das ideias.

À medida em que percorremos algumas obras fotográficas de Raoul Ubac, colocando os informes de Agostinho e de Bataille em escorço, pavimentamos nosso caminho de volta ao cinema. No entanto,

 

o desejo de informe é coisa rara no cinema, onde reina, ao contrário, no mais das vezes, a obsessão da forma controlada. No máximo ele aparece, aqui e ali, na história dos filmes, em doses homeopáticas, e talvez vacinais, como que para melhor afastar a tentação. […] A a-forma, o surgimento de alguma coisa que não ainda “secundarizada”, que crie acontecimento, onde encontrá-la? Nunca no cinema inteiro, nunca sequer na escala de todo um filme, mas apenas em momentos particulares, frações de tempo ou frações de extensão, onde ocorre algo que o “grão-mestre das imagens” não havia previsto. [30]

 

Uma das doses homeopáticas, citadas por Aumont, foi apresentada acima com a emulação da queima da película no filme de Ingmar Bergman. No entanto, acreditamos que seja um pouco exagerado dizer que não há filmes que se valham do informe em toda a sua extensão. É bem verdade que Jacques Aumont, nesse texto, trata de um cinema específico onde não estão incluídas as experiências que navegam em sentido oposto às ondas da indústria. Parte dessas poucas práticas de um cinema “desclassificado” (nos termos de Bataille) é abraçada por cineastas-artesãos instrumentalizados pelos laboratórios compartilhados da rede Filmlabs. A seguir, nos concentraremos em três pequenos filmes manufaturados no Ateliê de cinema experimental l’Etna –, [31] nome dado em homenagem ao célebre texto do cineasta Jean Epstein, Le cinématographe vu de l’Etna, em que o autor se aproxima gradualmente da montanha em erupção e reflete sobre a chamada sétima arte: “paralelamente à enxurrada de lava e nas costas de mulas, nós subíamos em direção à cratera em atividade, eu pensava em você, Canudo, [32] que punha tanta alma nas coisas. Você foi o primeiro, eu creio, a sentir que o cinema une todos os reinos da natureza em um só”. [33]

Comecemos nosso percurso pela variegada sétima arte com a curta obra artesanal de Sarah Darmon. [34] A jovem realizadora toma contato com o cinema, mais particularmente com as técnicas artesanais do formato super-8, dentro do programa de Artes Plásticas da Universidade Panthéon-Sorbonne (Paris 1) com o então professor, também cineasta, Stéphane Marti. [35] A liberdade de um cinema sem duração específica, sem fórmulas pré-estabelecidas e possível de ser moldado ao sabor de seus criadores, faz do segundo filme de Sarah Darmon um projeto único. Em Ink (2001), [36] vemos (ou talvez apenas acreditamos ver) um corpo de mulher que parece despertar abruptamente de um pesadelo. Seu tronco ergue-se em um único e intempestivo salto e, ao levantar-se da cama, caminha lentamente em direção a uma moldura em vidro iluminada. Uma janela? Um aquário? Um espelho? Não temos como saber. Essa simples ação, decupada de maneira clássica, faz com que tenhamos a nítida sensação de estarmos testemunhando um espaço de dúvida entre um sonho ruim e uma realidade ainda não convincente. Aos planos dessa cena prosaica, são intercaladas imagens de um corpo enigmático, meio homem meio peixe, que parece atrair a mulher para esse lugar aquoso por detrás do vidro sobre o qual esse ser espalha tintas. O filme continua em sua narrativa convencional (mesmo que onírica) e, ao mesmo tempo em que a mulher parece ter atravessado o suposto aquário, ela olha para si mesma e assiste aos movimentos descontrolados do pintor anfíbio. Através de sua pequena janela iluminada, para a qual seu sono interrompido a levou, ela se multiplica em reflexo e em sonho. Ao término do filme, precedido do nome dos atores, lemos “a garota com medo” e “o pintor histérico” para logo aparecer a próxima cartela: “um pesadelo de Sarah Darmon”. Nada mais óbvio e desinteressante do que isso. A filmagem, de forma absolutamente linear, cumpre a circularidade narrativa de uma experiência trivial: um pesadelo. Ink não se preocupa com isso, sua expressividade não está na ideia, na narrativa. Ela aposta nos aspectos sensíveis da imagem cinematográfica a partir de certas transgressões ao padrão estabelecido.


Para lograr as sensações insólitas do tormento noturno, Sarah Darmon não recorre a ângulos inusitados de câmera, a recortes fragmentados de corpos, a falsos raccords ou a qualquer recurso que quebre a continuidade sensório-motora da ação. O que ela faz é uma seleção consciente do conjunto técnico utilizado e das possibilidades plásticas de seus elementos baseada em suas características físicas. Antes de começarmos a assistir ao filme sabemos, pelos créditos iniciais, qual o tipo de substrato a cineasta escolheu para plantar a sua composição. E é sobre uma película super-8, preto e branco e transcrita para o formato Scope [37] que seu imaginário nasce. Independentemente das razões que possam ter estado em jogo no momento em que se deu tal escolha, quer seja um desejo de levar a cabo uma experiência laboratorial pura e simples (pouco provável) quer seja a tentação de reproduzir visualmente sua experiência onírica (o mais provável), a resultante conquistada elabora corpos que se fundem e se confundem com a superfície na qual estão inscritos. É como se a própria matéria fílmica parisse suas formas. Ou, mais ainda, como se a película, através de sua palpitante energia, se transformasse no corpo atordoado da mulher em pesadelo, nas costelas pálidas do pintor desvairado e no próprio espaço delirante. [38]

O grão de prata, necessariamente extravagante de um fotograma super-8 tão minúsculo (4,14mm x 5,79mm), é dilatado pelas escolhas de iluminação, de exposição e pelo processo de revelação. Tudo isso somado à transferência da película para um arquivo digital e às inevitáveis conversões e decodificações da nossa era de tecnologias transgênicas. No filme, não vemos praticamente tons de cinza, estamos na mais cruel impossibilidade de fuga, presos entre um preto profundo e um branco que cega, mergulhados em uma tormenta extenuante de grãos. A imagem é fatigante e mesmo que seus personagens se movam de forma lenta, a explosão da matéria fílmica, por excesso de ampliação e contraste, não deixa o espectador repousar. Seus grãos frenéticos fazem com que as faces estejam sempre no limite da desintegração. Somos acometidos pelo pesadelo tal qual a cineasta ou sua “garota com medo”. Esses estratos amalgamados de grão, pixel, mulher, luz, movimento, explicitam as partículas que compõem a imagem e reverberam nos corpos de seus observadores, numa vibração, porque não dizer vulcânica (para lembrarmos Jean Epstein). Em meio ao paradoxo da visibilidade da matéria através de sua aparente desmaterialização nos é permitido não apenas ver o tormento noturno, mas senti-lo em nossa carne. Como se os grãos saltassem da tela e impregnassem o espaço envolvendo em matéria fílmica o espectador. A representação de um sonho ruim normalmente não prescinde do informe. O que Sarah Darmon faz é jogar entre os campos da figura e da desfiguração de uma maneira peculiar, explodindo a própria constituição das formas através de uma descomunal amplificação do diminuto original que atravessa lentes anamórficas para, então, ser estirado e ampliado em um novo material. Os espaços vazios criados entre as moléculas constituintes dos corpos (dos haletos de prata) tornam-se visíveis, palpáveis, e esse corpo fílmico rarefeito apresenta suas vísceras, suas fendas, sua vacuidade.

No caminho das jovens artistas e cineastas nos deparamos com os filmes Mue(s) [39] e Esquisse (Esboço), [40] ambos realizados em 2015 como resultado de uma pesquisa proposta pela artista Nathalie Ménant à sua irmã cineasta, Frédérique Ménant, durante uma residência artística no Arcade Institute [41] em Tours. Seu projeto Mue(s) convida mulheres vinculadas à L’Association Joséphine [42] (um local de apoio feminino a mulheres em situação de risco) para que sejam modelos de uma experiência bem particular. Nathalie Ménant envolve os corpos dessas mulheres em gesso para, posteriormente, criar estátuas vivas com os fragmentos dessas armaduras brancas. No processo de revestimento desses corpos não são usadas ataduras comuns, sua gaze é feita de rendas herdadas de suas bisavós; são “memórias de mulheres, o legado de um feminino sensível que se exprime no gosto pelos ornamentos e na tarefa particular de enfeitar seu corpo e sua casa mas também, a meu ver, o legado de um condicionamento ao feminino” [43] (MÉNANT, N., tradução nossa). A experiência corporal não se limita à produção de esculturas moldadas pelos corpos dessas mulheres, mas está intimamente ligada à própria vivência a partir de uma dimensão, em certo sentido, terapêutica de “troca de pele”. Dessa forma, essa carapaça, criada artificialmente pelos emplastros de renda aplicados aos corpos nus, serve como uma metáfora da própria rigidez corporal (e emocional) das mulheres com as quais ela trabalha. Seus corpos se tornam instrumentos artísticos ao mesmo tempo em que a experiência artística os transforma. Suas peles são aguçadas pela sensibilização tátil durante as várias etapas do processo: retirar as roupas, deixar-se besuntar em óleo, receber as ataduras úmidas de gesso, aguardar imóveis a completa secagem do revestimento e descamar-se em liberdade. Ao retirar as cascas secas de gesso, o corpo fica desprotegido, sua fragilidade é exacerbada como em qualquer animal que tenha que passar pelo processo da muda. O rompimento e a liberação do antigo exoesqueleto descomprimem o corpo subjugado numa forma (e numa fôrma) que não mais lhe cabe. Crostas de passado em tecido rendado são expelidas, se descolam e se distanciam. O corpo desvelado e tenro reencontra uma suavidade até então reprimida. A perspectiva singular do ato artístico proposto por Nathalie Ménant traz para a sua (delas) obra uma espessura de reflexão singular, como se pudéssemos olhar “de fora” para nossas próprias dores e dissabores através desses corpos suspensos em exposição. [44]

No entanto, a obra não pára [45] por aí. Os gessos moldados em corpos, suspensos no ar, recebem projeções de imagens que foram captadas durante o processo de moldagem das esculturas ocas e que, agora, se transformam em telas, ou, melhor dizendo, em espelhos opacos de si mesmas. Os estratos de composição das duas obras (estatuária e cinematográfica) trazem uma constante ressignificação de seus materiais, de seu desenrolar e de seus agentes. Nathalie Ménant chama sua irmã, Frédérique, não apenas para documentar a experiência, mas para criar, em filme, uma outra maneira de aproximação da vivência artística. Dessa parceria surgem os dois filmes, ambos captados em película 16mm, preto e branco e processados de forma artesanal pelo já mencionado Ateliê de cinema experimental l’Etna e pelo laboratório compartilhado L’Abominable. É através da manipulação direta da película (por processos similares aos utilizados por Ubac na série Pentesileia e em La Nébuleuse) que Frédérique Ménant constrói uma leitura desses corpos para transformá-los em escultura fílmica. Na escuridão de Mue(s), vemos um recorte de dorso feminino em preto e branco. A imagem pulsa inquieta. A pele, mal percebida na penumbra, funde-se à emulsão fotográfica para, em alguns segundos, transformar-se numa ofuscante claridade dada por sua forma negativa. Um ventre (gestante) é lambuzado em óleo, seios são cobertos em renda embebida em gesso e, intercalando imagens positivas e negativas, as ataduras, ora negras ora alvas, vão recobrindo pedaços de corpos femininos. Num jogo entre a imagem e seu avesso tonal, entre extremos de claros e escuros, uma segunda pele úmida e maleável veste essas mulheres. Corpos magros e carnudos, novos e velhos, entregues e ansiosos, respiram por debaixo dos emplastros que, aos poucos, vão secando. As estátuas vão sendo esculpidas e os corpos vivos que as preenchem começam a se descolar de sua clausura, separando-se de sua fôrma. A construção fílmica de Frédérique Ménant é montada por curtíssimos fragmentos feitos de recortes desses corpos cujas faces nunca são reveladas. A partir de certo momento, as imagens (positivas e negativas) vão se desfigurando como se suas moléculas entrassem em ebulição e começassem a se dissolver. As camadas do negativo (e das porções de cópia positiva), ao serem aquecidas, começam a se desprender umas das outras numa emulação química (e fílmica) do próprio processo de renovação vivido pelas atrizes durante a residência artística. [46]

Os dois filmes se valem das mesmas técnicas para modelar suas camadas. No entanto, Esquisse trabalha em uma chave abstrata bem mais intensa do que o já razoavelmente intangível Mue(s). A renda incrustrada no gesso se faz mais presente e os ataques químicos corroem as curvas femininas que são absorvidas pela luz (e também pela escuridão) para se tornarem apenas lembranças desnudas. Novamente temos o derretimento das peles do filme que cria uma espécie de redemoinho líquido em torno da mulher. [47] Como o próprio nome diz, são esboços: quase-corpo, quase-mulher, quase-viva. E na iminência do vir a ser, sua forma em mutação é tragada para o interior gelatinoso das camadas suspensas em prata. Em alguns momentos dessa curta obra sentimos uma semelhança não apenas processual com La Nébuleuse de Ubac, mas uma descendência direta, quase genética, entre as feminilidades que bailam com as reviravoltas da matéria. Por se tratar de uma imagem em movimento, portanto formada por inúmeros fotogramas, não nos é possível apreender um único quadro estanque. Esquisse e Mue(s), em menor magnitude, se esboçam a cada milésimo de segundo e, na perpetuidade do ciclo de extinção e criação, lembramos das palavras de Agostinho que “é a própria mutabilidade das coisas que é suscetível de assumir todas as formas” e que aqui assumem uma dimensão psicológica de razoável importância.

A parceria entre as mulheres anônimas da casa Joséphine, Frédérique e Nathalie Ménant, a nosso ver, ultrapassa os desígnios plásticos da criação artística para com eles abrir (nos corpos de todas as pessoas envolvidas) novas possibilidades de recriação de suas próprias histórias. Sendo assim, as obras de Sarah Darmon e das irmãs Ménant também nos mostram que a explicitação das camadas da matéria fílmica faz com que o próprio cinema se dispa de sua couraça tradicional.

 

A poética da matéria e a exploração sensorial dos elementos formam um dos capítulos mais belos da invenção cinematográfica […] o cinema nos ensina ou nos lembra que a matéria é o tecido do mundo […]. Descobrimos através do cinema quão profundamente a assinatura plástica do mundo […] está inscrita em nós. [48]

 

A subversão da forma cinematográfica obtida pela investigação destemida de seu substrato, coloca em evidência esse “tecido do mundo”. A maleabilidade criativa da emulsão cinematográfica e seu paradoxal apelo indicial fazem com que a potência sensorial do cinema seja sublinhada. Expõe sua familiar estranheza, sua ambiguidade. O trabalho de Sarah Darmon e das irmãs Ménant faz do corpo humano e do corpo fílmico um laboratório da matéria, uma delicada liberação dos vestígios figurativos não apenas fotográficos mas, principalmente, de heranças comportamentais. Deste modo, a insurreição da imagem nos lembra que a investigação desprendida de amarras padronizadas pode nos alçar a um patamar de alforria próximo à “assinatura plástica do mundo”.

 

NOTAS

Uma versão deste artigo foi publicada na revista ARS vol. 19, n.41, 2021. Acesso: https://doi.org/10.11606/issn.2178-0447.ars.2021.169683

1. MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas: Papirus Editora, 1997. O termo cinema lato sensu utilizado aqui segue a proposição de Arlindo Machado: “podemos conceber um cinema lato sensu, seguindo a etimologia da palavra (do grego kínema-ématos + gráphein, ‘escrita do movimento’) e, nesse caso, estaríamos diante de uma das mais antigas formas de expressão da humanidade, nascida quando algum homem pré-histórico fez projetar a sombra de suas próprias mãos nas paredes de uma caverna”.

2. LUMIÈRE, August et Louis. “Le cinématographe”. La revue du siècle. Paris, 120, maio-junho 1897 (tradução nossa). Agradecemos a referência ao texto dos irmãos Lumière a Nicolas Rey, idealizador do L’Abominable. Original francês completo: Les diverses opérations du développement, du fixage et du lavage des pellicules peuvent être exécutées commodément dans un simple seau d’une contenance d’une dizaine de litres. Le révélateur est préparé d’après la formule suivante : Eau 10 litres ; diamidophénol 50 grammes ; sulfite de soude anhydre 250 grammes. (On pourra modifier la proportion relative de diamidophénol ou de sulfite.) Cette quantité de liquide représente la contenance d’un seau. Pour développer, on prépare deux seaux de révélateur. La pellicule, enroulée en bobine, est soutenue au-dessus du premier seau à l’aide d’une tige cylindrique qui traverse l’orifice central de la bobine. Cette tige – un crayon par exemple – sera tenue à la main par un aide ou sera maintenue fixe, à l’aide d’un dispositif très simple, à la paroi de la chambre noire. La pellicule est alors déroulée très rapidement et plongée au fur et à mesure qu’elle se déroule dans le développateur. Lorsque toute la pellicule est déroulée, on la fait passer, toujours très rapidement, dans le deuxième seau, en ayant soin de la faire glisser entre les deux doigts de manière à bien étaler sur toute sa surface la couche de liquide révélateur et de supprimer les bulles ou arrêt de développement qui auraient pu se produire. Il est donc indispensable que l’immersion dans le seau et le passage du premier seau au deuxième seau se fasse le plus rapidement possible. On continue ensuite à faire passer la pellicule d’un seau à l’autre jusqu’à ce que le développement soit jugé suffisant. Quand ce résultat est obtenu, on plonge la pellicule dans un seau plein d’eau où elle se lave, en s’arrangeant de manière à ce que la pellicule sorte du deuxième seau du développateur pour être immergée dans l’eau, afin que le bout passant le premier dans l’eau soit celui qui a été plongé le premier dans le révélateur au début de l’opération. A cette condition le développement sera suffisamment uniforme sur toute la longueur de la pellicule. La pellicule lavée est passée dans un premier seau, et de là dans un deuxième seau d’hyposulfite de soude à 25 %. Une fois fixée, elle est placée dans un seau de lavage où l’eau se renouvelle constamment et où elle séjourne plusieurs heures. Si l’on mettait à sécher la pellicule au sortir de l’eau, elle se recourberait en cornet et pourrait subir une certaine rétraction. Pour éviter cet inconvénient on aura soin de la glycériner. La formule du bain à employer est la suivante: eau 7 litres 500; alcool (a 95°) 2 litres 500; glycérine 250. On remplira deux seaux du liquide à glycériner et la pellicule sera plongée successivement dans les deux récipients. Cette opération devra durer cinq minutes en tout. La pellicule glycérinée sera mise à sécher en la suspendant sur une baguette en bois dans un endroit sec, et à une température de 20-22° C. Quand elle sera sèche, on l’enroulera à l’aide d’une bobineuse, et elle sera alors prête à être introduite dans le Cinématographe. On prendra de grandes précautions en faisant passer la pellicule d’un seau à l’autre pendant les différentes opérations du développement de fixage, de lavage et de glycérinage, afin d’éviter les écorchures de la couche qui se produisent avec la plus grande facilité, surtout lorsque des coques se forment. On observera les recommandations faites plus haut au sujet du développement, c’est-à-dire qu’on aura soin de faire glisser la pellicule entre deux doigts, de manière à défaire les coques. On aura également soin de placer toujours la couche sensible en dessus, afin d’éviter les frottements contre le bord des seaux. Il est difficile d’obtenir, par le développement en seaux, des images très régulières et bien uniformes sur toute la longueur de la pellicule. Nous possédons dans notre usine un matériel spécial pour le développement des pellicules qui nous permet d’obtenir à coup sûr des images d’une régularité parfaite, et nous offrons à nos clients de développer, à un prix très modéré, les vues qu’ils auront prises.

3. O que é menos sabido é que os irmãos Lumière não são os inventores do cinematógrafo que foi construído, batizado e patenteado em 12 de fevereiro de 1892 por León Bouly (1872-1932) com a seguinte descrição: “aparelho fotográfico instantâneo para obtenção automática e sem interrupção de uma série de chapas analíticas do movimento ou outras, chamado cinematógrafo” [Original francês: appareil photographique instantané pour l’obtention automatique et sans interruption d’une série de clichés analytiques du mouvement ou autres dit le Cinématographe]. Em 1895, por não ter condições financeiras, Bouly não renova sua patente e, em 13 de fevereiro de 1895, os irmãos Lumière registram o cinematógrafo em seu nome. O aparelho sofre modificações e ganha fama com os irmãos empresários.

4. Disponível em: http://www.filmlabs.org/index.php/lab/mtk/, acesso em 10/05/2020. Original francês: Il faut voir le laboratoire comme un terrain de jeu […] favorable aux cinéastes qui envisagent chaque élément de l’apparatus (le préparatifs) cinématographique – procédés de prise de vue, développement, tirage, montage, sonorisation, projection – comme phase potentiel de création, questionnable à volonté, sans souci normatif.

5. AUMONT, Jacques. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

6. Persona (1966), Ingmar Bergman, Suécia.

7. Para que o leitor possa acompanhar, em imagem, o exemplo dado no texto: https://2.bp.blogspot.com/-KPi-GHVfQcE/VGb3ZK9_-tI/AAAAAAAAB6c/nrSfssejY_g/s1600/filmtearing3.gif.

8. Grupo vanguardista europeu cujo nome é um acrônimo das principais cidades de origem de seus membros: Copenhague, Bruxelas, Amsterdam.

9. Há, pelo menos, duas versões dessa narrativa. A primeira dita que Aquiles, ao matar Pentesileia, se apaixona por sua figura. E a segunda (Pentesileia. Porto: Porto Ed., 2003), dada pelo dramaturgo alemão Heinrich von Kleist (1777-1811), afirma que Pentesileia era apaixonada por Aquiles a quem matou em batalha. Alinhamo-nos à primeira alternativa por acreditar que a dilaceração dos corpos das amazonas retratado por Ubac não representa corpos triunfantes em batalha além do fato de que a suposta morte de Aquiles tem inúmeras versões na literatura mundial que não esta.

10. Obra esculpida entre 230-250 (Museu Pio Clementino, Vaticano).

11. A célebre revista dedicada à arte contemporânea [seguindo a linha surrealista da Documents de Georges Bataille, 1929-1931] e dirigida por Albert Skira, para a qual colaboraram Picasso, Matisse, Dali, Man Ray, Miró, Duchamp, Ubac, Magritte, Brasaï, Bellmer, entre muitos outros. A Minotaure, ao longo de sua existência (1933-1939), lançou 13 volumes.

12. BRETON, André. “Des tendances les plus récentes de la peinture surréaliste”. Minotaure: revue artistique et littéraire. Paris, maio 1939 (tradução e grifo nossos). Original francês: Il est à observer que la photographie en ce qu’elle a de plus audacieux, de plus vivant, a suivi la même route que la peinture et la sculpture. Par le blond trait d’union de l’œil d’Ubac, les ruines passées rejoignent les ruines à venir, sans cesse renaissantes. Ses femmes brandissant le dard et défaites sont les sœurs de la sombre Penthésilée de von Kleist. Elles sont l’incroyable fleur fossile, la pêcheuse qui dompte les sables mouvants.

13. “Optical assaults”: expressão utilizada por Rosalind Krauss, “Corpus Delicti”. October. Cambridge: The MIT Press, 33, 1985.

14. RAY, Man. Primat de la matière sur la pensée, 1931. Impressão fotográfica solarizada, 8,2cm x 12,2cm. A obra pode ser visualizada no sítio: https://www.christies.com/lotfinder/Lot/man-ray-1890-1976-primat-de-la-5733970-details.aspx , acesso em 08/05/2020.

15. Técnica denominada paraglyph (WARREN, 2006).

16. Para que o leitor possa ter uma ideia de algumas imagens da série Pentesileia (Le Combat de Penthésilée, 1937-39. Técnicas combinadas em fotomontagem.) e os diferentes estágio de “petrificação” logrados pelo artista recomendamos visitar os seguintes sítios:

1. https://www.centrepompidou.fr/es/ressources/oeuvre/cnkgkX

2. https://www.centrepompidou.fr/fr/ressources/oeuvre/crgdEpA

3. https://www.lempertz.com/en/catalogues/lot/1142-1/11-raoul-ubac.html

4. http://www.thessa-herold.com/pages/photographes/raoul-ubac.html

17. La Nébuleuse. 1939-40. Brûlage fotográfica, 64,7cm x 50,2cm, Fonds Régional d’Art Contemporain de La Réunion, Piton Saint-Leu. Acesso : http://fracreunion.fr/collection/detail/1988.20.17-Raoul-Ubac

18. Decidimos traduzir o termo formlessness por “não-forma” para diferenciarmos do contexto do informe de Georges Bataille sobre o qual falaremos mais adiante.

19. KRAUSS, Rosalind. “Corpus Delicti”. October. Cambridge: The MIT Press, 33, 1985 (tradução nossa). Original inglês: He often explored the technical infrastructure of the photographic process, submitting the image of the body to assaults of a chemical and optical kind. La Nébouleuse was achieved with the heat of a small burner. The resultant melting, which ripples and contorts the field of the photo, is often related in the scholarly and critical literature to automatism: the creation of suggestive imagery through the operations of chance. But the title of this work supposes the disintegration rather than creation of form, and the procedure whose trace suggests the working of fire is a device for producing this formlessness. […] In the most extreme of his work Ubac pushes his procedure towards the representation of a violent deliquescence of matter as light operates on the boundaries of a body that in turn gives way to this depicted invasion of space […] of bodies eaten away by either heat or light. This consumption of matter by a kind of spatial ether is a representation of the overturning of reality but those psychic states so courted by the poets and painters of the movement: reverie, ecstasy, dream.

20. AGOSTINHO in DIDI-HUBERMAN, Georges. A semelhança informe: ou o gaio saber visual segundo Georges Bataille. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.

21. AGOSTINHO de Hipona. Confissões. Petrópolis: Vozes, 2011, livro XII, capítulo VI.

22. Abreviamos de forma brutal os interessantes aspectos que envolvem as mais diversas e belas nebulosas. Esta denominação é dada para fenômenos razoavelmente diferentes com classificações distintas [nebulosa planetária, de reflexão, de emissão e escuras]. Para um aprofundamento no assunto sugerimos o ótimo sítio virtual do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenado pela professora Maria de Fátima O. Saraiva. Disponível em: http://www.if.ufrgs.br/~fatima/ead/estrelas.htm , acesso em 03/05/2020.

23. KRAUSS, Rosalind. “‘Informe’ without Conclusion”. October. Cambridge: The MIT Press, 78, outono 1996. Original inglês: “that the informe has its own legacy to fulfill, its own destiny which is partly that of liberating our thinking from the semantic, the servitude to thematics”.

24. “Glossaire j’y serre mes gloses” é o título dado a uma série de artigos de Michel Leiris publicado pela Révolution Surréaliste (revista de André Breton) na mesma época em que também colaborava para a Documents. O qual deu título também ao seu livro escrito em 1939 e republicado pela Gallimard em 2014.

25. BATAILLE, Georges. “Informe”. Documents: doctrines, archéologie, beaux-arts, ethnographie, 7, dezembro 1929. Original francês: Un dictionnaire commencerait à partir du moment où il ne donnerait plus le sens mais les besognes des mots. Ainsi informe n’est pas seulement un adjectif ayant tel sens mais un terme servant à déclasser, exigeant généralement que chaque chose ait sa forme. Ce qu’il désigne n’a ses droits dans aucun sens et se fait écraser partout comme une araignée ou un ver de terre. Il faudrait en effet, pur que les hommes académiques soient contents, que l’univers prenne forme. La philosophie entière n’a pas d’autre but : il s’agit de donner une redingote à ce qui est, une redingote mathématique. Par contre affirmer que l’univers ne ressemble à rien et n’est qu’informe revient à dire que l’univers est quelque chose comme une araignée ou un crachat.

26. KRAUSS, 1985, p. 39. Original inglês: “Allergic to the notion of definitions”.

27. DIDI-HUBERMAN, Georges. A semelhança informe: ou o gaio saber visual segundo Georges Bataille. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.

28. Ibidem.

29. L’envers de la face, 1939. Brûlage fotográfica, 23,9c, x 18,1cm, Le Centre Pompidou, Paris:

https://www.centrepompidou.fr/en/ressources/oeuvre/cgzxEp

 La face petrifiée, 1939. Técnicas fotográficas combinadas, 29,7cm x 23,3:

http://fracreunion.fr/collection/detail/1988.20.14-Raoul-Ubac

30. AUMONT, 2004.

31. Sítio virtual: http://www.etna-cinema.net/ , acesso em 08/05/2020

32. Ricciotto Canudo (1877-1923) é um dos primeiros teóricos do Cinema e responsável por cunhar o termo sétima arte.

33. EPSTEIN, Jean. “O cinematógrafo visto do Etna”. Catálogo Forumdoc 2011. Tradução de Mateus Araújo e Íris Araújo. Belo Horizonte, 2011.

34. Ink (2001), Sarah Darmon, França.

35. Com dezenas de filmes, Stéphane Marti faz de sua obra uma investigação sobre o corpo e sobre o próprio meio cinematográfico [super-8]. Além de ter sido professor na Universidade Paris 1 (1985-2007), é parte integrante do Collectif Jeune Cinéma (CJC), uma das mais importantes organizações de preservação e difusão dos chamados “cinemas diferentes”. Para maiores informações sobre o cineasta, sugerimos o sítio virtual da Re:voir, uma editora e distribuidora de filmes experimentais no formato digital estabelecida em Paris e coordenada por Pip Chorodov [ https://re-voir.com/shop/fr/44-stephane-marti ], além de seu próprio canal virtual: https://www.youtube.com/user/MrSDMarti?feature=mhee , acesso em 08/05/2020

36. Disponível em https://vimeo.com/73305540 , acesso em 10/05/2020.

37. O CinemaScope, desenvolvido na década de 1950 para filmes em 35mm, consiste em usar lentes anamórficas [que comprimem a imagem em seu sentido horizontal] durante as filmagens, otimizando a área do negativo a ser sensibilizada. No momento da projeção, esta imagem “apertada” passa pelas lentes “desanamorfizantes” fazendo com que este original comprimido se estenda em uma proporção infinitamente mais panorâmica do que seus antecessores. A história do cinema inicia seu projeto dentro de um formato de projeção com a proporção de 1:1.33, e com o desejo de atingir uma maior horizontalidade, passa aos poucos para 1: 1.37, 1: 1.66; 1: 1.85 e, finalmente com o Scope chega a atingir 1: 2.66, sendo o mais comum o 1: 2.35. O que Sarah Darmon faz é transcrever um original 1: 1.33 [em negativo super 8] para, aproximadamente, 1: 2.40.

38. DARMON, Sarah. Ink, 2001. Acesso ao filme: https://vimeo.com/73305540 .

39. O título em francês tem um alcance amplo, pois Mue(s) pode ser uma renovação de pele ou de penas de um animal conforme seu crescimento; as mudanças de voz, altura e força dos adolescentes; em sentido literário pode significar mudança, transformação de um estado a outro. Além de ser o particípio feminino do verbo mouvoir (mover), portanto Mue(s) pode ser entendida também como “movidas”. A exposição conjunta leva o nome de Mues/Ecdysis, sendo mais clara a tradução para o português, visto que ecdise é a troca de pele e penas dos animais.

40. Mue(s) e Esquisse (2015), Frédérique Ménant, França.

41. Sítio virtual: http://www.arcades-institute.fr/ , acesso em 10/05/2020.

42. Fundada por Lucia Iraci [cabelereira e maquiadora com um longo percurso na fotografia de moda], a associação auxilia mulheres em situação desprivilegiada [desempregadas sem subsídios, mães solteiras, vítimas de violência familiar etc.] a recuperar sua autoestima através de uma reconciliação com sua própria imagem. Sítio virtual: https://www.association-josephine.fr/, acesso em 08/05/2020.

43. Excerto extraído do sítio virtual da artista (tradução nossa), disponível em https://www.nathaliemenant.fr/ , acesso em 08/05/2020. Original francês: Mémoire de femmes, legs sans doute d’un féminin sensible qui s’exprimait dans le goût des parements et dans la charge particulière d’agrémenter leur corps et leur maison, mais legs aussi à mes yeux d’un conditionnement au féminin.

44. Nathalie Ménant: https://www.nathaliemenant.fr/

45. Um singelo protesto contra as arbitrariedades de uma reforma ortográfica, no mínimo, deficiente.

46. Extrato do filme Mue(s) de Frédérique Ménant, 2015: https://vimeo.com/310787378

47. Esquisse trabalha com o corpo de apenas uma mulher.

48. SIETY, Emmanuel. De la matière. Palestra proferida em Paris: L’Espace en cours/Braquage, 03 de abril de 2017 (tradução nossa). Original francês completo: la poétique de la matière et l’exploration sensorielle des éléments forment l’un de plus beaux chapitres de l’invention cinématographique […] Le cinéma nous apprend ou nous rappelle que la matière est l’étoffe du monde. Elle nous environne et elle est en nous, nous l’éprouvons par un contact extérieur par des sensations intérieures. Nous découvrons par le cinéma combien profondément la signature plastique du monde minéral, végétal et animal est inscrite en nous.

 

Bibliografia

AUMONT, Jacques. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

BATAILLE, Georges. 1929. “Informe”. Documents: doctrines, archéologie, beaux-arts, ethnographie, dezembro, 1929.

BRETON, André. “Des tendances les plus récentes de la peinture surréaliste”. Minotaure: revue artistique et littéraire. Paris, maio, 1939.

CANUDO, Ricciotto. L’usine aux images. Paris: Nouvelles Éditions Séguier/Arte Éditions, 1995.

DIDI-HUBERMAN, Georges. A semelhança informe: ou o gaio saber visual segundo Georges Bataille. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.

EPSTEIN, Jean. “O cinematógrafo visto do Etna”. Catálogo Forumdoc 2011. Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2011.

KRAUSS, Rosalind. “Corpus Delicti”. October. Cambridge: The MIT Press, verão, 1985.

KRAUSS, Rosalind. ““Informe” without Conclusion”. October. Cambridge: The MIT Press, outono, 1996.

LUMIÈRE, Auguste e Louis. “Le cinématographe”. La revue du siècle, Paris, 120, maio-junho, 1897.

MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas: Papirus Editora, 1997.

SIETY, Emanuel. De la matière. Palestra proferida em Paris: L’Espace en cours/Braquage, 03 de abril de 2017.

WARREN, L. Encyclopedia of Twentieth-Century Photography. Londres/Nova York: Routledge, volume 3, 2006.

 

 


ANDRÉA CARLA SCANSANI | Diretora de fotografia e professora do curso de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do grupo de pesquisa Fotocrias. Doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA/USP com período sanduíche no Institute du recherche sur le cinema et l’audiovisuel (IRCAV – Sorbonne Nouvelle – Paris 3); mestre em Multimeios/Cinema pelo Instituto de Artes da UNICAMP; especializada em Fotografia Cinematográfica pela Academia de Cinema e Drama de Budapeste/Hungria; graduada em Cinema com especialização em Fotografia Cinematográfica pela ECA/USP e formada em Fotografia pelo Núcleo Permanente de Formação em Linguagem Fotográfica da União dos Fotógrafos do Estado de São Paulo. Área de pesquisa e atuação: direção de fotografia, materialidade da imagem, corpo e câmera e processos fotográficos artesanais.

 

 


J. KARL BOGARTTE | Nacido el 8 de septiembre de 1944, de ascendencia holandesa e irlandesa, formado en antropología, fotografía y diversas tradiciones esotéricas. Ha sido un participante activo en el surrealismo internacional durante más de 50 años. Actualmente vive en Santa Fe, Nuevo México. Bogartte, es a la vez artista y poeta, y ha publicado doce libros de escritos poéticos: While the night windmills through xylophone and…, And Still the Navigators, Spirits in the Albino Hotel Throwing Antlers, The Mirror held Up In Darkness, The Wolf House, Secret Games, Luminous Weapons, Primal Numbers, A Curious Night For A Double Eclipse, Auré, The Spindle’s Arc, and Antibodies: A Surrealist Novella. Alineado desde hace mucho tiempo con el surrealismo internacional, también es cofundador de La Belle Inutile Éditions. Su obra ha aparecido en las siguientes antologías: ANALOGON # 65, Melpomene, Hydrolith # 1 and # 2, La vertèbre et le rossignol # 4, Lithaire # 2, Peculiar Mormyrid # 2, Paraphilia, Silver Pinion and The Fiend online journal.

 

 


Agulha Revista de Cultura

Série SURREALISMO SURREALISTAS # 04

Número 203 | fevereiro de 2022

Artista convidado: J. Karl Bogartte (Estados Unidos, 1944)

Traduções de Allan Vidigal e Susana Wald

editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com

concepção editorial, logo, design, revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS

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