Léon‑Gontran Damas [1] tem a percepção de ser negro de carne assim como se é “filho de sangue”. Criador de formas, canta imagens para que a memória da identidade dê sua chance à vida – pungente porque instantânea –. E se a inocência não cabe no assalto dos signos por decifrar, a escritura não pretende dizer nada sem o grito do “Eu” que clama pela transcendência. Conhecer o mundo por meio da opressão (a deportação, os tempos de diminuição, o menosprezo, a escravidão, o crime) está na mesma fonte da forja da poesia damasiana: uma poesia de combate, uma poesia realista na qual música e humor servirão de tremor para essa ordem interior.
Nesse momento apenas / vocês todos pois compreenderão / quando a eles vier a ideia / em breve essa ideia a eles virá / de querer espezinhar o negro / à maneira de Hitler / espezinhando o judeu / sete dias fascistas / por /semana [2]
PIGMENTS, 1937 | Damas é, com Aimé Césaire [3] e Léopold Senghor, [4] um dos três fundadores do renascimento cultural dos negros de expressão francesa. É também o menos conhecido. No entanto, em 1937, Damas é o primeiro a publicar um texto seminal da poesia negra, Pigments, [5] como um longo canto de amor pela África. Antes de se fixar em Paris em 1929, ele já tinha cotejado Aimé Césaire, por ocasião de seus estudos, em Fort‑de‑France em 1925‑26. Quanto a este último, ele conhecerá Léopold Senghor, “o Africano”, o “irmão mais velho”, em 1931 no Liceu Louis le Grand (Paris).
“Foi no Quartier Latin em plena Paris dos anos 30. Um grupo de estudantes negros composto de africanos e antilhanos tinha decidido pegar na lama a palavra “negro” para fazer dela um sinal de congregação, uma bandeira. Havia Léon Damas, o guianense. […] Ele era já um modelo, era o mais “negro” porque o mais rebelde por suas ideias, mas sobretudo na sua vida. […] Dos três mosqueteiros que éramos, Léon‑Gontran Damas, Aimé Césaire e eu mesmo, foi Léon Gontran Damas quem primeiro ilustrou a Negritude por meio de um livro de poemas que trazia o significativo título de Pigments”. [6]
O Surrealismo controlava então o meio intelectual da época, e será Robert Desnos quem escreverá o prefácio de Pigments, prefácio flamejante, à altura do acontecimento: “Ele se chama Damas. É um negro… Damas é negro e se agarra firme à sua qualidade e a seu estado de negro. Aqui está quem deixará de orelhas em pé um certo número de civilizadores que acham justo que em troca de sua liberdade, de sua terra, de seus costumes e de sua saúde, as pessoas de cor sejam honradas pelo nome de ‘negros’. Damas recusa o título e pega seu bem de volta.”
Neste livro histórico, de título revelador já que faz alusão às distinções físicas de sua raça, Damas, “o Antilhano”, se dirigia aos senegaleses. Ele tinha de fato uma perfeita consciência do racismo assim como da preocupante evolução da Alemanha. O último poema de Pigments, “Et Caetera”, destinado aos senegaleses, chama sem rodeios para a revolta.
Aos Antigos Combatentes Senegaleses / aos futuros Combatentes Senegaleses / a tudo o que o Senegal pode gerar / de combatentes senegaleses futuros antigos / (…) / Eu peço a eles / que calem a necessidade que sentem / de pilhar / de roubar / de violar / de aviltar de novo as margens antigas / do Reno // Eu peço a eles / que comecem por invadir o Senegal / Eu peço a eles / que perturbem a paz “dos Arianos” [7]
Mas foi na Costa do Marfim que seu chamado foi ouvido. Pigments foi então traduzido em baoulé,[8] marfinenses recitaram os poemas do livro recusando se deixar mobilizar em 1939. O governo francês sanciona: o livro foi imediatamente proibido. Mas a censura nada pode contra a certeza trazida por uma ponte entre as Antilhas e a África. Todo homem negro, não abafando seus valores culturais, encontrava de fato nesses versos o suporte de uma solidariedade infinita:
Vai ainda / minha hebetude / do tempo de outrora / de golpes de cordas nodosas / de corpos calcinados / do dedão ao dorso calcinados / de carne morta / de tições / de ferro em brasa / de braços quebrados / sob o chicote que se enfurece / sob o chicote que faz andar a plantação / e se imbeber do sangue do meu sangue de sangue o melado / e o cachimbo do comandante tomar o céu [9]
A PARIS DO ENTRE-DUAS GUERRAS | O entre-duas guerras (1919‑1939) em Paris é o palco de uma Revolução cultural negra impulsionada pela lógica bolchevique (de base ideológica marxista) [10], pela “missão civilizadora” de uma França na África e em todo o Império, pela difusão dos temas pan-africanos, principalmente os de Marcus Garvey, [11] nascidos na América. A ideia da “maior França” culmina, aliás, em maio de 1931 pela Exposição Colonial [12] em Vincennes (Paris).
A eclosão de uma reivindicação política e cultural negra data de 1919, e é a dívida de sangue contraída pela França (durante a guerra de 14‑18) que legitimará os argumentos dos militantes negros. [13] Em 1926, é o grande período da “tomada de consciência racial” em que organizações militantes são fundadas por negros para negros. Os africanos e antilhanos se chamam então de os “negros conscientes”. Notemos que o Prêmio Goncourt vai em 1921 para René Maran, antilhano, primeiro homem negro na França a ganhar o prêmio, por seu romance “Batouala”, [14] verdadeiro panfleto contra o colonialismo.
A verdadeira virada tem lugar nos anos 30. Para o grande público, é o triunfo da voga negra que se aprecia nos cafés, nas adegas, nas galerias do Quartier Latin (das modas mais superficiais como a revista de Joséphine Baker à descoberta do jazz, principalmente de Duke Ellington, da Arte Negra, [15] assim como da escultura negra).
Mas a revolução cultural se afirma realmente de 1937 a 1939 por um conjunto de obras: Cahier au retour d’un pays natal, [16] considerado como o manifesto da Negritude de Aimé Césaire, Chants d’ombre e Hostie noires, [17] dois livros de poesia de Léopold Senghor escritos entre 1936 e 1945, sem esquecer seu famoso texto teórico de 1939 “Ce que l’homme noir apporte”. [18]
Certamente essa revolução foi preparada. Ela o foi pelo exílio voluntário dos chefes de frente da “Negro Renaissance” de Harlem [19] em Paris no fim dos anos 20 que permitiu uma intensidade de trocas culturais, de ideias políticas sem precedentes. Léon‑Gontran Damas expõe com clareza sua gratidão para com os precursores da Negritude: “[…] A partir da imersão que representam para nós Banjo, de Claude McKay, e depois dele Home to Harlem e Banana Bottom, os escritos de Langston Hughes, de Sterlin Brown e de Walter White, nos conduzem de revelação em revelação à descoberta de outros países além do nosso”. [20]
Por outro lado, algumas revistas literárias deixaram um sedimento, uma impressão indelével que condicionou o movimento da negritude.
O manifesto Légitime Défense, epígono do surrealismo francês, é publicado em 1 de junho 1932 por um grupo de estudantes [21] antilhanos de Paris. Inútil querer encontrar o acento de uma “proto‑negritude” que seja. A novidade reside no aporte dos temas comunistas. [22] Foi o jornal L’étudiant Noir, fundado por volta de 1934, que concretizou essa abertura do movimento da Negritude. Só a presença de Léopold Senghor, “o Africano”, dá de fato uma nova luz sobre a diáspora negra de Paris.
Escutemos Léon Damas: “… L’Étudiant Noir, jornal corporativo e de combate que tem por objetivo o fim da tribalização, do sistema clânico em vigor no Quartier Latin. Deixamos de ser um estudante essencialmente martiniquense, guadalupeano, guianense, africano, malgache, para não ser mais do que um único e mesmo estudante negro. Não vivemos mais numa redoma”. [23] Desde então, a revolução política das revistas precedentes (dentre as quais a célebre revista La Revue du Monde Noir dirigida por Paulette Nardal) no comunismo, a luta anticolonialista, não precede mais a revolução cultural, e o Surrealismo não é mais considerado como “uma escola ou um mestre”. O objetivo do grupo de L’Étudiant Noir só tem uma única realidade: redescobrir o patrimônio das civilizações africanas, a palavra negro-africana (através do estudo de obras etnográficas, da poesia africana tradicional…).
LEON‑GONTRAN DAMAS, POETA MARRON. [24] ENTRE A GUIANA E A ÁFRICA | O véu mental se rasga: Léon Damas tem então seis anos quando a palavra se liberta. Até então tinha sofrido de asma.
Sua infância é guianense, sua adolescência martiniquesa, mas é em Paris, como vimos, lugar de convergência das Antilhas e da África, que Damas toma posse de suas ascendências africanas. Notemos que a Guiana não faz parte das Antilhas. O poeta, aliás, não sentirá o condicionamento psicológico de um insular. Em Paris, ele se mostra, pois, naturalmente antilhano, e o conjunto de sua palavra poética se organizará em torno desse modelo de comércio triangular: Europa‑Áfricas‑Ilhas, modelo carregado no imaginário coletivo dos negros antilhanos e americanos:
Três Rios / três rios correm / três rios correm nas minhas veias [25]
Ele sofre, então, enquanto antilhano, a frustração do continente perdido, do continente distante:
A MILHAS E MILHAS / em Paris Paris Paris / Paris — o Exílio / meu coração mantém em vida / o duplo lamento / do primeiro despertar para a beleza do mundo / e do primeiro negro morto na linha / morto sobre a Linha / que leva ainda / às Ilhas da aventura / às Ilhas à deriva / às Ilhas da Pirataria / às Ilhas do Fumo / às Ilhas da tartaruga / às Ilhas das Negreiras / às Ilhas das Açucareiras / às Ilhas da Morte-Viva [26]
Mas, sobretudo, as virtudes de sua educação inculcada só fazem desencadear a sua cólera. / Tenho a impressão de lhes ser ridículo / em seus sapatos / em seu smoking / em seu plastrão / em sua gola-falsa / em seu monóculo / em seu monóculo / (…) / Tenho a impressão de lhes ser ridículo / entre eles cúmplice / entre eles defensor / entre eles degolador / as mãos terrivelmente vermelhas / do sangue de sua ci-vi-li-za-ção [27]
Separado da alma de sua Ilha por essa educação das “boníssimas maneiras”, pelos preconceitos burgueses de seu meio mulato, pela religião… Léon Damas parece tal como um “assimilado”. E, apesar do humor do poeta que transparece principalmente em seu célebre poema “Hoquet” (em que ele coloca a Negritude em derrisão), se afirma um intenso sofrimento, o de ter sido “branqueado”.
Branqueado // Meu ódio aumenta na margem / da cultura / na margem / das teorias / na margem das conversas fiadas / das quais acreditam que devem me empanturrar no berço / enquanto tudo em mim aspira a ser apenas negro / tanto quanto minha África que eles assaltaram [28]
E a ideia do marronnage golpeia duplamente em Damas quando ele denuncia o silêncio cúmplice de todos os espíritos assimilacionistas:
e aqueles / falemos deles / que choram nas Antilhas /por ter nascido nas Antilhas / por ter nascido na Guiana / por ter nascido em toda a parte longe da borda / do Sena ou do Rono / ou do Tâmisa / do Danúbio ou do Reno / ou do Volga / (…) / Aqueles que recusam uma alma / aqueles que se desprezam / aqueles que têm por si mesmos e por seus próximos / apenas vergonha e covardia / Aqueles que renunciam a uma vida plena de homens / para ser /outra coisa que sombra de sombras [29]
Será apenas em 1938, através da publicação de Retour de Guyane, [30] que Damas se reapropriará da sua ilha. Em Paris, Damas abandona muito rapidamente seus estudos de direito para aprofundar seus conhecimentos sobre a África no Instituto de Etnologia. Ele obtém uma bolsa de pesquisa, e parte para estudar o que sobreviveu da cultura africana na Guiana por conta do Musée de l’Homme. Suas pesquisas sobre a organização material e social dos negros Bosch, esses negros marrons, são, então, publicadas em Retour de Guyane, verdadeiro panfleto contra o colonialismo francês na Guiana:
Por toda a parte o africano transplantado pôde ser martirizado, extenuado, exterminado. Em nenhuma parte ele pôde ser aniquilado nem dominado: sempre algumas manifestações inesperadas, seja na arte, seja no próprio verbo, seja na ação… testemunho indestrutível e, às vezes, irônica vitalidade desses agrupamentos. [31]
A escrita é uma viagem, sabemos, a leitura também. Essa obra em prosa – Retour de Guyane – explora os sons e cheiros redescobertos do solo guianense. As batidas do tambor, os odores do “Rott Péye” caracterizarão a vida recolocada em fluxo. E, se Damas se inscreve nessa poética da resistência para clamar a Negritude, ele não o fará sem a escrita da oralidade, com vistas a ampliar as fronteiras de sua reivindicação, revalorização das civilizações negras, notemos, no encontro com a Europa.
O verdadeiro cartão de visita dessa cultura é seu volume de contos crioulos Veillées noires [32]. Os “konts” de Tétèche, narradora mítica, encarnação viva do país natal se ligam, pois, à oralidade tradicional; quadrinhas, dolos (sentenças proverbiais ou parábolas), massac (jogo ritualizado das adivinhas), a orquestra crioula (o som), as danças (ogragé, o kassé‑co, o négrier)… O protagonista do livro é um coelho astuto, pródigo em sua arte de driblar a força brutal, de combatê-la. Damas encontrou ainda aí o meio de incitar os povos oprimidos a se revoltarem.
Se o imaginário é intraduzível, a fé é o fruto de uma divulgação de boca em boca. As fórmulas são estratégias de sobrevida mais do que veículos da língua, são orgânicas e pertencem a uma geologia interna. Damas proclama, Damas recolhe, Damas enriquece a palavra negra por tanto tempo ocultada da qual está marcado inteiramente o livroPoèmes nègres sur des airs africains. Ele apresenta esses cantos de amor, cantos de guerra, cantos fúnebres e cantos satíricos como traduções. Ele escreve a esse propósito: “Traduzidos do rongué, do fanti, do bassouto, do toucouleur ou ainda do bambara, esses poucos textos que damos hoje, terão a vantagem de revelar os aspectos múltiplos da poesia negra de expressão e de inspiração. Poesia cuja característica essencial reside no fato de que improvisada ela não é jamais declamada nem dita, mas cantada.”
A poesia damasiana é fabulosa justamente porque confere à imagem da resistência o seu acesso. E se ela engendra o desconhecido, é para que o ordinário se torne absoluto. Pois Damas porta em si o desejo do movimento, sua língua se apoiando firmemente sempre num futuro, o desejo do encontro. Sua vida de viagem é testemunha disso: entre a América do Sul (Brasil) e a África Ocidental (Senegal, Costa do Marfim), entre França e Estados Unidos (onde ele se tornará professor em Washington, na Universidade Howard, em 1974). O engajamento pode descrever o terror; por trás desse rosto, há a vontade de obedecer à interrogação.
Léon Damas não deixou de lutar contra a morte ou de entrar na vida por meio do seu melhor: a conquista da liberdade. Sua vida inteira cristaliza a corrente dessas forças. Basta reter que ele foi um resistente engajado contra os alemães, delegado da Sociedade Africana de Cultura na Unesco, deputado da Guiana, conferencista através do Estados Unidos (na qualidade de fundador da “negritude”)… O poeta nos aparece como um perfeito realizador da esperança, e nós relemos hoje essas obras, às vezes inencontráveis, “esgotadas”, dizem, na singular duração do canto da universalidade.
LEON‑GONTRAN DAMAS, CRIADOR DE RESSONÂNCIAS | Black‑Label [33] aparece como a consagração das obras anteriores. No longo desdobramento do poema, quatro tempos conduzem o poeta de Paris à sua terra natal, “do país da Guiana ao meu coração atado [du Pays de Guyane à mon cœur accroché]”. [34] Inúmeros temas são tratados: a deportação dos negros para as Américas, a colaboração de negros autóctones, os negros vergonhosos de si mesmos, a ligação com o solo guianense e a desgraça implantada da ordem colonial, o duplo desenraizamento do guianense, a denúncia da vontade dos assimilacionistas, etc.
Por outro lado, esse livro é considerado como um poema dos mais importantes na história da literatura do Caribe, pois Black‑Label ilustra por seu título a questão do Label [rótulo] a engolir, essa etiqueta que cola na pele do homem negro inferiorizado.
E BLACK‑LABEL / para não mudar / Black-Label para beber / para quê serve mudar [35]
Sabemos que em Damas a indignação não teme jamais o grito. Seu mundo é o da desobediência.
Jamais o branco será negro / pois a beleza é negra / e negra a sabedoria / pois a resistência é negra / e negra a coragem / pois a paciência é negra / e negra a ironia / pois o encanto é negro / e negra a magia / pois o amor é negro / e negra a ginga / pois a dança é negra / e negro o ritmo / pois a arte é negra / e negro o movimento / pois o riso é negro / pois a alegria é negra / pois a paz é negra / pois a vida é negra [36]
Só podemos ler a poesia de Damas com os olhos. O trabalho do ouvido envolve também a promessa de sua presença singular.
Quando o maravilhoso abre à beleza. Quando o sensível assombra um poema pelo som do tam-tam. Quando escrever emana do precário, do detalhe a se captar para aprofundar o vazio. Então, um som estronda, um outro escapa para longe, e a escrita canta, e a escrita dança para varrer o tempo.
A poesia de Damas respira a repetição, a escansão, a salmodia; a marca de um estilo negro para fazer jorrar da escuta a atenção do maravilhoso. Senghor, “o Africano”, escreveu a propósito da poesia de Damas: “O todo submetido ao ritmo natural do tam-tam, pois, em Damas, o ritmo o arrebata sobre a melodia” [37]. A música revela vivamente o que o silêncio, a solidão, a tristeza ou o humor catalisam também de incomunicável.
Eles vieram essa noite em que o tam tam rolava de ritmo em ritmo
o frenesi dos olhos o frenesi das mãos o frenesi dos pés de estátuas DESDE ENTÃO quantos de MIM MIM MIM morreram desde que eles vieram essa noite em que o tam tam rolava de ritmo em ritmo
o frenesi dos olhos o frenesi das mãos o frenesi dos pés de estátuas [38]
Em Pigments, seu primeiro livro, é impossível não se deter na dedicatória do poema “Shine”: “Pour Louis Armstrong”. Shine significa “engraxate” e remete a uma coloração de um negror brilhante dos negros, raça pura. Armstrong compõe de fato uma canção em 1930 (uma retomada) que renova a imagem do negro, resplendescendo em seu traje na moda, e Damas é imediatamente seduzido pelo jazz, emblema da valorização do negro.
Inúmeros são os poemas em Damas em que redescobrimos uma textura polimórfica e, a exemplo do jazz, uma unidade na diversidade dos elementos (poemas “Nuit blanche”, “Hocquet”, “Obsession” no livro Pigments).
Na obra inteira de Damas, irradia a afirmação da negritude “Black is beautiful” [Negro é lindo]. O humor é inseparável de sua obra, e provoca devastações tanto quanto o grito. Para viver no mundo, é preciso perceber sua diferença, trabalhá-la até fazer dela um objeto refletido do humanismo. Damas compreendeu isso. Ele não se dobra ao contato com o outro. Ele se eleva. Ele pega a noite com os braços (outro tema da cultura negra), a abraça, se funde nela, jorra à luz pelo riso soberano. E, se ele troca com a morte palavras inconfessáveis, é para escrever sobre a pele negra a expressão da liberdade.
Léopold Senghor escreve que a poesia de Damas é “na maioria das vezes carregada de uma emoção que se esconde sob o humor. Humor negro que não é, como o traço espirituoso, jogo de ideias ou de palavras, afirmação da primazia do intelecto, mas reação vital em face de um desequilíbrio desumano”. [39]
O sarcasmo, a derrisão, a provocação, assim como tantas figuras de linguagem para fazer nascerem tempos novos, para tirar da sombra as vozes dos oprimidos. A antologia de Damas intitulada “Poètes d’expression française, 1900‑1945” [40] simboliza a generosidade do poeta, pioneiro da Negritude, que deu sua vida pela reabilitação de sua raça, pois jamais deixou de abrir a porta à unidade. Seu pensamento é invadido pelo conhecimento, o único: a sabedoria.
Léon‑Gontran Damas, caído no esquecimento? Como seu livro Graffiti que celebra o amor? O movimento perpétuo assimila a ausência, da qual ele se livra instantaneamente; então da palavra redescoberta o manifesto da vida respira arfante, a exigência do absoluto não esperando receber nada do cálculo.
NOTAS
10. A Revolução russa de 1917 chama a atenção rapidamente dos militantes anticolonialistas. Mas para o comunismo, o continente negro continuará sendo uma preocupação secundária. A “causa negra” existe apenas para enfraquecer o capitalismo internacional.
18. Liberté 1. Négritude et humanisme, Paris, Le Seuil, 1964.
Laurine Rousselet (França, 1974). Ensaísta. Suas publicações de poesia são Mémoire de Sel (2004), Séquelles (2005), Hasardismes (aforismos) (2011); e de narrativa:L’été de la trente et unième (2007), De l’or havanais (2010). Tradução ao português por Eclair Antonio Almeida Filho. Ensaio originalmente publicado na revista Archipiélago # 73 (México, agosto de 2011). Contato: rousselet.lo@wanadoo.fr. Página ilustrada com obras de Floriano Martins (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.
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