sexta-feira, 21 de novembro de 2014

LUIS EUSTÁQUIO SOARES | O processo de Franz Kafka e o desprocesso K., o povo




 Franz Kafka

1.1 A LITERATURA MENOR E O ANTIPROCESSO K. | O romance O Processo, de Franz Kafka, pode ser interpretado como exemplar realização ficcional da seguinte sentença de Walter Benjamin: “Na tradição do oprimido, que é a que vivemos, o estado de exceção é, na realidade, regra geral”.
Justifico esse argumento, por ora, através do substantivo que dá título à narrativa, processo, epicentro de um campo semântico de exceções que se entrecruzam, em expansão ilimitada, constituindo a narrativa como máquina de processos de significações burocráticas, familiares, econômicas, sociais, subjetivas, como se fora um mosaico estilhaçado de uma incompreensível regra geral, posto que formado por exceções através de exceções, na figuração de seus personagens, de seu enredo, de suas peripécias, de tal sorte que tudo parece se impor como soberano-transcendental toque de recolher generalizado, contra e para alteridades.
Defendo, por outro lado, que, tendo em vista as duas premissas da sentença benjaminiana (a tradição do oprimido, a primeira; e o estado de exceção como regra geral, a segunda), O Processo se constitui estruturalmente como dois romances num só: um que se inscreve como máquina de produção de sentidos de exceção, como regra geral, que constitui o processo expiatório montado para manter a tradição do oprimido; e, um segundo, que é o desprocesso da regra geral da tradição do oprimido.
Por sua vez, para que os dois romances se expressem ao mesmo tempo – o processo contra K. e o desprocesso K. – existem, sub-repticiamente, na narrativa, dois advogados do diabo: um primeiro que veste a roupagem do estado de exceção, constituindo a trama de O Processo, tal como se deixa a ler, como um romance em que o estado de exceção é regra geral porque geral é a trama que narra o processo constituído contra o personagem K.; e um segundo que desfaz o primeiro ao narrar o absurdo mundo de estado de exceção, que é o que vivemos, o da tradição do oprimido.
Luciano BonuccelliEntretanto, como, no romance, os signos se intercambiam o tempo todo, um advogado pode ser o outro, como uma legião, pois é apresentando o estado de exceção como regra geral (e aqui não é possível saber quem faz essa apresentação, se o advogado do diabo do processo contra K, se o outro do desprocesso K.; se o narrador onisciente ou se o protagonista K.) que o estado de exceção é flagrado, através de um intrincado jogo de estranhamento, como restrito, particular, de sorte que sua regra geral constitui uma impostura despótica; uma estratégia para generalizar o estado de exceção; estratégia que é descosturada na medida mesma em que é tecida, posto que, ao ser escrita, logo costurada, a narrativa de processo contra K. é destecida, como um desprocesso K.

1.2 A POÉTICA DE FRANZ KAFKA: O HEXAGRAMA DE APORIAS K., O POVO | A fim de começar a analisar o romance em questão, como processo e/ou desprocesso judicial-ficcional contra K., o povo, primeiramente farei uso de um subterfúgio, que é o de apresentar o conceito de literatura menor, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, o que, embora pudesse indiciar uma fuga do tema, constituir-se-á estrategicamente em uma maneira de abordá-lo ao revés, seja porque tal conceito detém a potência de inscrever o estado de exceção como regra restrita; seja porque a definição das três características intrínsecas de uma literatura menor constitui um esboço teórico-tático de superação do estado de exceção como regra geral; e seja porque, enfim (eis o subterfúgio) o conceito de literatura menor foi desenvolvido tendo como referência a literatura de Franz Kafka, razão pela qual, de uma forma ou de outra, o romance O Processo continuará, por vias que desviam, sendo o foco da análise.
Dito isto, apresento de imediato o seguinte fragmento de Kafka, para uma literatura menor, de Deleuze e Guattari: 

As três características de uma literatura menor são a desterritorialização da língua, a ligação do individual com o imediato político, o agenciamento coletivo de enunciação. O mesmo será dizer que menor já não qualifica certas literaturas, mas as condições revolucionárias de qualquer literatura no seio daquela a que se chama grande (ou estabelecida). Até aquele que por desgraça nascer no país de uma grande literatura tem de escrever na sua língua, como um judeu checo escreve em alemão, ou como Usbeque escreve em russo. Escrever como um cão que faz um buraco, um rato que faz a toca. E, por isso, encontrar o seu próprio ponto de subdesenvolvimento, o seu patoá, o seu próprio terceiro mundo, o seu próprio deserto.

Em diálogo com o fragmento acima, uma literatura menor é aquela que desterritorializa uma grande língua literária (mas não apenas), que pode ser a grande língua literária alemã, para um escritor não alemão, para um judeu checo como Kafka; que pode ser a grande língua da literatura portuguesa, para um autor mestiço brasileiro do século XIX, como Machado de Assis; que pode ser um autor qualquer, que escreve na sua própria língua, na sua materna língua, mas que “escreve como um cão que faz um buraco, um rato que faz a toca”, posto que não se adapta às formações despóticas da gramaticalidade literária de prestígio, num dado campo de forças estéticos, cujo polo padrão se constitui através do assujeitamento de uma multidão de variáveis literárias outras, de epistemologias outras, produzindo hierárquicas divisões dicotômicas do tipo certo e errado, valor e não valor, legítimo e ilegítimo, verdadeiro e falso, centro e periferia.
Por outro lado, assim como não é suficiente ser rebelde para adquirir uma potência política que transborde o centro narcísico de um MAIOR eu linguístico, literário, econômico, não basta desterritorializar uma qualquer grande língua literária para inscrever-se como literatura menor, motivo pelo qual a menoridade positivamente deve incorporar o movimento revolucionário, e paradoxal, de uma autonomia heterônima, de vez que é ao mesmo tempo de outrem, para outrem, com outrem; de menoridade para menoridade, na medida mesmo em que assina autonomamente seu próprio nome.
Assim, menor: 

É a literatura que se encontra carregada desse papel e dessa função de enunciação coletiva e mesmo revolucionária: é a literatura que possui uma solidariedade ativa apesar do ceticismo; e se o escritor está à margem ou à distância de sua frágil comunidade, a situação coloca-o mais à medida de exprimir uma outra comunidade potencial, de forjar os meios de uma outra consciência e de outra sensibilidade. (…) A máquina literária reveza uma máquina revolucionária por vir, não por razões ideológicas, mas porque está determinada a preencher as condições de uma enunciação coletiva que falta algures nesse meio: a literatura é assunto do povo. É exatamente nesses termos que o problema se coloca para Kafka.

Uma literatura menor, portanto, é assunto de povo, legião de menoridades, pois incorpora sua algaravia polifônica, a do povo, momento em que se alcança simultaneamente o segundo e o terceiro traços de uma literatura menor, a saber: 2) o imediato político, o caso individual; 3) e o agenciamento coletivo de enunciação.
Menor, por isso mesmo, é a literatura que não pode deixar de ser e de fazer-se politicamente, e assim é porque sempre transforma o caso político individual em agenciamento coletivo de enunciação, em caso coletivo, tal que a questão étnica, (considerando, por exemplo, um romance marcado pela potência da singularidade negra) será tanto mais etnicamente negra quanto mais não for apenas exclusiva à comunidade negra, posto que se torna igualmente indígena, mestiça, amarela, potenciando inclusive a menoridade adstrita ao branco pobre, perfilando, nesse sentido, a comum dimensão órfã, de qualquer um, como marca de Caim do devir povo vincando o rosto vulnerável, nu, de ser outro, como outro de outro, como povo de povo, e não como outro de si.
E para não se constituir como outro de si, como um povo que é informe força gregária, logo a expressão da regra geral do estado de exceção, que é o que o povo tem sido, na tradição do oprimido, é indispensável que a questão de povo, assim, seja uma questão política, uma coletividade que não é regra geral, que não é ela mesma um estado de exceção, de vez que não se inscreve como gregarismo, como sujeito, pois, ainda com Deleuze e Guattari:

Não há sujeitos, só há agenciamentos coletivos de enunciação – e a literatura exprime esses agenciamentos, nas condições em que não são considerados exteriormente, e onde eles existem apenas como forças diabólicas por vir ou como forças revolucionárias por construir.

Dizer, assim, que a literatura, como questão de povo, faz-se como “forças diabólicas por vir ou forças revolucionárias por construir”, relaciona-se, penso, com o argumento de uma revolução permanente, sem origem e fim, o próprio processo como desprocesso K., povo sem povo que a si mesmo se revoluciona, sem cessar, como agenciamento coletivo de enunciação, uma literatura menor, logo como um não-sujeito, nem individual nem coletivo; um não-sujeito que se faz o tempo todo como futuro diabólico e revolucionário; um futuro de criação e autocriação permanentes, por mais impossível que pareça, de vez que se constitui pela não necessidade de tradição, sem regra específica ou geral, sem estado de exceção restrito ou geral; sem exceção; uma autoinvenção, portanto, sem opressor nem oprimido.
E aqui, na suposição de que nos afastamos da narrativa de Franz Kafka, novamente chegamos ao processo de significação de O Processo. Trata-se de uma narrativa (como de resto o conjunto da literatura de Kafka) que detém simultaneamente os três traços de uma literatura menor, a desterritorialização de uma grande língua, o alemão, para um judeu checo; a individualidade de um caso, o processo contra o protagonista K., que se torna um processo – ou um desprocesso, conforme se verá – contra qualquer um, adquirindo, assim, a potência de um agenciamento coletivo de enunciação, de vez que constitui um processo geral, contra e/ou a favor do devir povo.
Luciano BonuccelliE a literatura menor, em O Processo, evidencia-se já na primeira sentença da narrativa: “Alguém certamente havia caluniado Josef K., pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal nenhum”, frase marcada por uma sutil aporia, a de nos apresentar um personagem inocente, Josef K, por não ter feito mal a ninguém; e ao mesmo tempo detido, culpado, processado por inscrever-se no coração da aporia, definida, por Aristóteles, como “uma igualdade de conclusões contraditórias”, tal que o oposto é seu igual.
O processo aberto contra Josef K., o próprio romance, constitui-se tal como a definição aristotélica de aporia, (uma igualdade de conclusões contraditórias), pois se produz e reproduz, literariamente, no jogo sem fim dos contrários reversíveis, metamórficos, o de ser inocente e de ser culpado, como uma palavra única, povo, posto que K é tanto mais inocente quanto mais culpado e de igual forma é também tanto mais culpado quanto mais inocente, tal que, diante desse círculo virtuoso, mais que vicioso, a questão política emerge como agenciamento coletivo de enunciação: todos, o povo, são inocentes, porque todos, o povo, são igualmente culpados.
 Dessa forma, é possível interpretar que o romance O Processo constitui-se, não sem ambiguidade, como a ficção de um processo jurídico-burocrático alimentado pela aporia culpado/inocente, o povo, de tal sorte que o pronome indefinido “alguém”, sujeito da sentença, “Alguém havia caluniado Josef K…”, define-se, e vale o paradoxo, como coextensivo ao próprio romance, como narrativa ficcional de um tribunal de exceção em que não apenas K é processado, mas K como a marca da literatura menor, como uma polifônica questão de povo, uma vez que: 

A letra k já não designa um narrador nem uma personagem, mas um agenciamento muito mais maquínico, um agente muito mais coletivo porque um indivíduo se lhe encontra ligado na sua solidão (só em relação a um sujeito é que o individual estaria separado do coletivo e cuidaria dos seus próprios interesses).

Por outro lado, a polifônica questão de povo, inscrita na dimensão político-coletiva da literatura menor, pode perder sua força de agenciamento coletivo de enunciação, quando,com Deleuze e Guattari, o sujeito, no sentido egocêntrico, toma para si, e apenas para si, a questão individual, não permitindo que esta a si mesma se processe como coletividade revolucionária e diabólica (porque de alteridades, sem nome próprio), situação que nos remete, de imediato, à problemática da apropriação judaico-hermenêutica da literatura e da biografia de Kafka, como uma questão, no que diz respeito à letra K., não de povo, mas de um povo escolhido, com nome próprio; um povo cujo sofrimento a si mesmo se escreve como único, incomparável, transcendental.
É de se esperar que essa possibilidade receptiva, de destacar o lado judeu de Franz Kafka, e constituir uma hermenêutica hebraico-religiosa de sua produção literária, era, até certo ponto, previsível, tendo em vista o fim do êxodo milenar do povo judeu, após a Segunda Guerra Mundial, com a definição da Palestina como o lugar geopolítico, para não dizer geoestratégico, escolhido para abrigar a nação judia; abrigo que implicou um esforço enorme para conter, numa fronteira espacial, uma multiplicidade de personalidades científicas, culturais, políticas e religiosas judias – e o conjunto de suas realizações –, com o objetivo de compor um mitológico mosaico estilhaçado de uma identidade espalhada pelo planeta.
A literatura de Franz Kafka – e ele mesmo, biograficamente falando – foi, pelas razões expostas, incorporada ao caudal cultural-literário da produção, em processo, da identidade imaginária da nação judia, o que é possível ser evidenciado, por exemplo, na biografia feita por seu amigo íntimo, Max Brod, que conviveu com Kafka em seus últimos anos de vida, no período que tentava se curar da tuberculose, em consequência da qual o autor de O Castelo morreu em 3 de junho de 1924.
A propósito, num capítulo intitulado, não por acaso, Evolução Religiosa, analisando a gênese de K., o personagem comum de O Processo e O CasteloMax Brod diz do protagonista K., tendo em vista a trama deste último, O Castelo

Na longa história dos sofrimentos dos judeus já se ouviu tudo isso. K. falha de maneira lastimosa e ridícula, embora tivesse empreendido tudo com tanta seriedade e consciência. Sobre todas as situações penosas que perpassam neste romance, sobre todas as imerecidas desgraças, paira esta divisa: “Isto assim não pode continuar.” Uma maneira nova, muito diferente, de enraizamento tem de ser procurada.

Se, tendo em vista o conceito de literatura menor, para alcançar o agenciamento coletivo de enunciação, a questão individual deve adquirir a potência de ser e de fazer-se coletivamente, como uma questão comum ao conjunto das alteridades de classe, de gênero, étnica, cultural, geográfica, de povos, restringir hermeneuticamente a literatura de Kafka à questão judia constitui uma nítida forma de apropriação sionista-ideológica-religiosa da potência povo inscrita na letra K., o protagonista de O Processo e de O Castelo; uma forma de confiná-la num estado de exceção identitário, transformando-a em uma questão político-narcísica, porque evita e recusa tornar-se uma questão comum ao conjunto dos povos, nessa larga história da tradição de oprimidos, que é a que vivemos, palestinos, judeus, os povos todos.
Isto não significa, evidentemente, que a literatura de Kafka não toque na questão do largo exílio e do singular sofrimento dos judeus. Não é essa a questão, se é judia ou não judia, mas a potência comum, como agenciamento coletivo de enunciação, inscrita no sofrimento por que passou o povo judeu, como índice geral do sofrimento de todos os povos do planeta; e não como um sofrimento excessivo, de exceção, de um único povo, religiosamente escolhido, razão pela qual “a longa história do sofrimento dos judeus” constitui a história de todos os povos, na longa tradição de oprimidos, como regra geral.
Especificamente em relação ao romance O Castelo, o fato de que K. não tenha conseguido abrigo, ou sido aceito, nem pelos camponeses, nem tampouco pelos integrantes do castelo – versão kafkiana, de nossa casa grande/senzala – não significa que K. tenha falhado, como afirma o fragmento da biografia de Max Brod, mas que, diversamente, na tradição do oprimido, ocupar qualquer polo da aporia, a do inocente ou do culpado, a do opressor ou do oprimido, como se fora um lugar de identidade, constitui uma forma de naturalizar tal tradição, processando sem cessar a sua exceção como regra geral.
 Não é possível compartilhar, desse modo, com a seguinte leitura sionista-religiosa de Max Brod, de Colônia Penitenciária: 

Desde o livro bíblico de Job nada foi tão furiosamente discutido com Deus como N’O Processo e n’O Castelo ou na Colônia Penitenciária de Kafka, onde a justiça é representada pela imagem de uma máquina inventada com crueldade sutil, desumana, quase diabólica e por um caprichoso adorador desta máquina. De modo muito similar, Deus no livro de Job faz ao homem o que parece absurdo e injusto. Mas só ao homem se depara deste modo, e o último resultado, tanto em Job como em Kafka, é estabelecer que a medida com a qual se mede não seja aquela com que se mede no mundo absoluto. Isto é agnosticismo? Não, porque persiste o sentimento fundamental que, de modo misterioso, apesar de tudo, o homem está ligado ao reino transcendente de Deus.

Nos três romances, O ProcessoO Castelo e Colônia Penitenciária, de Franz Kafka, sob o ponto de vista de uma literatura menor, a interpretação religiosa de um Deus típico do Antigo Testamento, tecido e entretecido por desígnios misteriosos, agnosticamente incompreensíveis ao olhar finito, mortal, humano, não é pertinente, visto que a representação da justiça como uma máquina de crueldade, no caso de Colônia Penitenciária, não se distingue do indefinido “alguém”, como inscrição do tribunal, para O Processo, assim como o inacessível castelo, para o caso do romance homônimotão inacessível que o K. deste romance, O Castelo, assim como os demais personagens, não chegam nunca a entrar, concretamente no castelo, que apenas é descrito à distância e aparece como um Deus despótico, uma espécie de centro irradiador, nas alturas, de seu próprio comando abstrato imperial.
Nos três romances, a transcendência não é divina ou platônica, como quer Max Brod. Não se trata, assim, de poder – ou correr o risco – ser identificada com o agnosticismo, a literatura de Kafka. Se o agnosticismo está relacionado com a incapacidade de o homem colocar-se a questão da existência ou não de Deus, por ser, o homem, finito e imanente, e Deus transcendental e infinito, a literatura de Kafka nada tem a ver com o agnosticismo, porque nela o transcendente se inscreve no plano de imanência, sendo este último o lugar do indefinido “alguém” a caluniar K., o povo.
A relação entre transcendência e plano imanente, desse modo, constitui uma aporia onipresente, na literatura de Kafka, uma igualdade de conclusões contraditórias, assim como a relação culpado/inocente, razão pela qual o processo de produção de sentidos, em sua narrativa de ficção, é de permuta, e não de oposição; permuta entre transcendência e imanência, tal que esta é tanto mais imanente quanto mais transcendente for, e, por outro lado, aquela é tanto mais transcendente quanto mais imanente for.
Não existe, portanto, maniqueísmo, na literatura de Kafka, mas um indefinido “alguém” e um indefinido “povo”, e ambos se apresentam como legião, por não terem um lugar próprio, como referência de identificação, mas impróprio, razão pela qual, tendo em vista o romance O Processo – mas não apenas –, como uma narrativa de literatura menor, sua questão política se inscreve num agenciamento coletivo de sêxtupla enunciação, que tanto podem ser interpretadas sob o signo da relação “alguém” e povo, quanto sob a perspectiva da transcendência e imanência, de divino e humano.
São elas, as seis aporias do agenciamento coletivo de enunciação, K., o povo e/ou a imanência; e o indefinido “alguém”, ou a transcendência, a saber: 1) Não apenas Josef K. é inocente, todos, o povo, o somos; 2) Não apenas Josef K. é culpado, todos, o povo, o somos; 3) Não apenas Josef K. é caluniado por um indefinido “alguém”, todos, o povo, o somos; 4) O pronome indefinido “alguém” constitui uma enunciação geral que é contrária e igual à enunciação geral inscrita no devir povo da letra literária K.; 5) O personagem K. é igualmente uma enunciação geral de desprocesso, de e no devir povo, o qual, ao se desprocessar, no desenrolar da narrativa, igualmente desprocessa os processos de exceção de um indefinido caluniador “alguém”; 6) O povo mesmo é o sujeito e o objeto das aporias., ao mesmo tempo em que não é nem sujeito e nem objeto, pois é o único que, não sendo mais povo, de tanto ser e não ser, pode ultrapassar a aporia, através da imanência povo ou do povo imanente, sem transcendência alguma.
Assim, tendo em vista o conjunto da literatura de Kafka, e não apenas mais O Processo e O Castelo, romances que apresentam o personagem K. como protagonista de suas respectivas tramas, logo considerando igualmente A Colônia Penitenciária, AméricaA Metamorfose, os contos de A muralha da China, e assim por diante, arrisco uma hipótese a que chamarei de a poética de Franz Kafka, que é tecida e entretecida como um hexagrama e tem a transcendência e a imanência como eixos ou máquina aporética de base.
Tal poética de hexagrama aporético assim pode ser descrita: 1) Não apenas uma imanência qualquer é inocente, mas todas; 2) Não apenas uma imanência qualquer é culpada, todas são; 3) Não apenas uma imanência qualquer é caluniada por uma indefinida transcendência, mas todas são; 4) Qualquer forma de transcendência constitui uma enunciação geral que é contrária e igual à enunciação geral inscrita em qualquer imanência; 5) Qualquer imanência é igualmente uma enunciação geral que é contrária e igual a qualquer transcendência, sendo que a alteridade da literatura de Kafka é a de constituir-se como uma máquina de desprocessar transcendências, ao apresentá-las imanentemente como agenciamentos coletivos de enunciação; uma literatura menor em relação às grandes/grades/graves línguas divinas; 6) Existe um K., o povo, maquinando as aporias da e na literatura de Kafka; povo que é mais povo que nunca, no sentido negativo de povo processado por transcendências – cada época história tem as suas – à medida mesmo em que é assombrado por sombras de transcendências; e que, por outro lado, deixa de ser povo apanhado por transcendências, quando seu devir é revolucionária e ilimitada imanência.

1.3 TITORELLI E A PINTURA DO TRIBUNAL COMO REGRA GERAL | A propósito, ainda, da aporia culpado/inocente, uma passagem, digamos, kafkiana de O Processo, constitui o momento, no capítulo VII, O advogado, o industrial e o pintor, em que este último faz a pergunta esfíngica a K.
Ei-la: 

– O senhor é inocente? – perguntou.
– Sim – disse K.
A resposta a essa pergunta causou-lhe real alegria, principalmente porque ela ocorria diante de um particular, ou seja, sem qualquer responsabilidade. Ninguém ainda o tinha indagado tão abertamente. Para saborear essa alegria ainda acrescentou:
– Sou completamente inocente.
– Ah, bom – disse o pintor e baixou a cabeça como se pensasse. De repente, levantou de novo a cabeça e disse: – Se o senhor é inocente, então o caso é muito simples.
O olhar de K. se turvou, aquele suposto homem de confiança do tribunal falava como uma criança insciente.

Luciano BonuccelliA passagem acima evidencia o que poderíamos chamar de princípio de suspeição. O processo implica isto: todos são suspeitos até que se prove o contrário. Como a aporia culpado/inocente inviabiliza, só por existir, o veredicto absoluto da inocência (e/ou o da culpa), estamos todos em estado de suspeição, o que significa dizer que somos todos, de antemão, culpados, de modo que o princípio jurídico da presunção de inocência, de fato, não vale para o caluniado K., o povo.
Este é o motivo pelo qual a pergunta feita pelo pintor Titorelli confronta K. com o espelho da suspeição. Primeiramente ele, K., diz que é inocente. Em seguida diz, com alegria, que é completamente inocente. Como negar a culpa é a mais evidente forma de afirmá-la, pois constitui um meio de deixar-se levar pela trama de outrem, daquele que compartilha com o princípio de suspeição, K., o povo, é culpado, embora possa se valer do jogo aporético, o de que o povo é culpado e inocente ao mesmo tempo, para acreditar não ser culpado, ainda que de fato não o seja, de tal sorte que a aporia culpado/inocente não passa de uma forma estratégica, tanto sob o ponto de vista de quem culpa, o “alguém”, tanto sob a perspectiva de quem está sendo culpado, K., o povo; uma forma estratégica, bem entendida, de dilatar a culpa e a inocência, fazendo valer a permanência do princípio de suspeição.
No parágrafo seguinte, por sua vez, diante da constatação do pintor de que, sendo inocente, tudo fica mais fácil, o narrador não deixa de observar a surpresa de K., porque não esperava que alguém, por ser da confiança do tribunal, pudesse ser tão insciente, pois, para o tribunal, é possível deduzir que no mínimo somos suspeitos. Logo não existe o mais fácil, com a simples constatação de que somos inocentes.
De qualquer forma, torna-se relevante analisar o motivo pelo qual o pintor, logo um artista, é tão insciente, mesmo e além de ser de confiança do tribunal. Evidentemente, Titorrelli não é um herdeiro dos pintores e dos poetas, aos quais Platão expulsou da cidade, em conhecida passagem do livro A República, na qual os acusava, o pintor e o poeta, de serem perigosos por produzirem, com suas artes, simulacros, cópias de cópias, que nada mais são que artifícios produzidos no mundo, materialmente, concretamente, o que poderia pôr em xeque o mundo sem mundos, este que constitui o mundo arquetípico, idealizado por Platão.
Titorelli é o pintor de juízes e funcionários do tribunal e, sendo da confiança deste último, é, poderíamos dizer, um pintor platônico, arquetípico, razão pela qual, ao invés de simulacros, produz as imagens ideais para o tribunal, como a Deusa da Justiça e a da Vitória, pintadas ao mesmo tempo, por ele, formando uma figura híbrida, a justiça da vitória ou a vitória da justiça? Certamente mais uma aporia, dentre outras, cunhada a pedido do tribunal, ou de sua rede sem fim de funcionários aporéticos.
A certa altura, diz K, relativamente a esse quadro de Titorelli, da Deusa da Justiça e da Vitória combinadas:

– Agora já a reconheço – disse K. – Aqui está a venda nos olhos e aqui a balança. Mas com asas nos calcanhares e em plena corrida?
– Sim – disse o pintor –, tive de pintar assim por encomenda; na verdade é a Justiça e a deusa da Vitória ao mesmo tempo.
– Não é uma boa vinculação – disse K. sorrindo. – A justiça precisa estar em repouso, senão a balança oscila e não é possível um veredito justo.
– Eu me submeto ao meu cliente – disse o pintor.

Sem desconsiderar a possibilidade de interpretar a passagem acima, tendo em vista antes de tudo a última fala de Titorelli, “Eu me submeto ao meu cliente”, como uma evidente crítica à submissão da arte aos ditames do mercado, leitura que constitui um restrito senso comum, o conjunto do fragmento diz muito sobre o lugar insciente de Titorelli, logo da arte, no mundo.
Titorelli é insciente porque este é o lugar social atribuído à arte, ser insciente, como se fosse possível distanciar-se da aporia culpado/inocente, em nome da constituição de uma autonomia, a da obra da arte, com sua imanência autorreflexiva a falar de si mesma; como se fosse possível driblar e igualmente distanciar-se da suspeição que nos toca a todos, como questão política, como agenciamento coletivo de enunciação.
Sua arte, assim, não se submete apenas ao mercado, mas ao indefinido pronome “alguém”, o tribunal, como instância suprassensível, platônica, transcendental. É, pois, uma arte a serviço da soberania, essa entidade abstrata, tanto mais presente quanto mais ausente, valendo também um vice-versa aporético tal que é ausente quanto mais presente.
Pintar o indefinido “alguém”, o tribunal, corresponde, no meu entendimento, ao que Luiz Costa Lima, em Limites da Voz, Kafka (1993) diz sobre a literatura deste último, e especialmente sobre O Processo, que a arte de Kafka faz desaparecer as territorialidades estáveis, tal que tudo que parecia estável se torna caótico.
A propósito, apresento o mencionado fragmento em que Luiz Costa Lima se posiciona a respeito: 

O desaparecimento em Kafka de territorialidades estáveis torna o que parecia firme parte de um jogo caótico, cujas regras ou inexistem ou se desconhecem. É como se, lançando-se mão de uma categoria ainda não formulada nos anos de Kafka, os jogos de linguagem, a que Wittegenstein se referiria nas Investigações, houvessem de repente se desregulado e que, a partir de certa manhã, cumprissem trajetos que ainda na véspera não eram tolerados. Mas não esqueçamos que essa desregulagem vigora apenas para o Quixote peculiar que é Joseph K.

Por mais, nesse sentido, que a arte de Titorelli pareça ilustrativa, fundada na cópia, por pintar rostos de juízes e ícones clássicos da mitologia, como a Deusa da Vitória e da Justiça combinadas, com Costa Lima compartilho o argumento de que essas territorialidades estáveis, marcadas platonicamente pela cópia de idealidades, deixaram de ser, tendo se tornado cópias de cópias, vale dizer, simulacros abstratos de um tribunal que se espalha por todos os lados, destituindo inclusive o lugar da verdade e da ficção, razão pela qual o mesmo Costa Lima em seguida aponte, relativamente à literatura de Kafka, à insubstancialidade da Lei, para concluir que o fato de que vivemos numa civilização de imagens constitui uma evidência de que a própria arte se espalhou, deixando, portanto, de ocupar um ponto no frágil equilíbrio da República platônica, como coparticipante do verdadeiro filósofo, logo como produtora de cópias, visto que o simulacro, em Platão, constitui o lugar tanto do falso pretendente à verdadeira filosofiaquanto da verdadeira arte.
O estatuto da ficcionalidade de nossa contemporânea civilização icônica, a que Guy Debord chamou, em livro homônimo, de sociedade do espetáculo, deixou de inscrever cópias de idealidade e transcendências, como no tempo da hierarquia entre arte erudita e popular, para produzir a totalidade social de simulacros de democracia de ficcionalidades, tal que, no interior da cultura de massa, somos todos socialistas da ficcionalidade, independente de nossa posição a priori de classe, pois, com alguma variação de gênero, a estilização da vida, sob o signo da plasticidade igualmente totalitária dos direitos civis – posto que passa a ocupar o lugar dos direitos econômicos e sociais –, nos envolve a todos, em tempo real, no espetáculo generalizado, a respeito do qual Guy Debord diz: 

O espetáculo é o discurso que a ordem atual faz a respeito de si mesma, seu monólogo laudatório. É o autorretrato do poder na época de sua gestão totalitária das condições de existência. A aparência fetichista de pura objetividade nas relações espetaculares esconde o seu caráter de relação entre homens e entre classes: parece que uma segunda natureza domina, com leis fatais, o meio em que vivemos. Mas o espetáculo não é o produto necessário do desenvolvimento técnico, visto como desenvolvimento natural. Ao contrário, a sociedade do espetáculo é a forma que escolhe seu próprio conteúdo técnico.

Vê-se, assim, que o argumento de Costa Lima de que Kafka inscreve, em sua literatura, a insubstancialidade da Lei, é procedente. O Processo, sob esse ponto de vista, é a ficção da insubstancialidade da Lei, logo de um tribunal que não tem lugar, que é regra geral. Nesse sentido, Tittoreli, é possível interpretar, é insciente porque a insubstancialidade da Lei deve ser igualmente insciente, no duplo sentido de ser inconsciente e ao mesmo tempo a positividade ingênua de uma segunda natureza, nos termos de Debord, por se apresentar como fatalidade, como inevitabilidade, uma vez a insubstancialidade da Lei deve ser produzida a partir de uma aparência fetichista de pura objetividade nas relações espetaculares (DEBORD, 1997, p.20), motivo pelo qual, embora em outro contexto, Luiz Costa Lima diz: 

Mas essa onipresença da ficção-sem-qualificativos não significa que o ficcional deixou de ser controlado. Foi a hipótese do controle do imaginário, tal como incidindo sobre seu produto por excelência, a obra ficcional, que de início nos atraíra para o estudo de Kafka. No curso deste percebemos sua ligação com a problemática kantiana. Ao analisá-la, verificamos não só a possibilidade de historicizar a questão de Kafka, relacionando-a com os Frühromantiker, como, ademais, no interior da Terceira crítica, de levantar a presença de uma ambiguidade de que até então não suspeitávamos, a ambiguidade entre estetização e criticidade. A estetização notada e seu desenvolvimento servirão de respaldo para o contemporâneo culto da imagem. Assim pois, de maneira ainda mais surpreendente, Kant e Kafka se encontram: se o filósofo inicia a trilha sobre a qual se constituirá a estetização, pela qual se legitima o culto da imagem, o escritor abre a possibilidade de retornar-se a criticidade, exaltada por Kant, que, no caso da literatura, foi cedo sufocada.

Em A crítica da razão pura, Kant apresenta duas formas de conhecimento, o empírico, a posteriori; e o puro, ou a priori. O primeiro deduz-se dos dados fornecidos pela experiência imediata (por exemplo, “uma mulher atravessa a rua”); o segundo, por sua vez, não depende de qualquer experiência sensível e, para Kant, é universal.
Diferentemente do primeiro, o conhecimento empírico, que diz respeito a uma experiência particular, apreendida a posteriori, porque fundada na apreensão de acontecimentos vividos; o segundo é a priori, como no exemplo de que “a menor distância entre dois pontos é a linha reta”, porque não depende de vivências ou acontecimentos para ser aceito, razão pela qual, em tese, vale para todos os viventes; é universal.
Ao propor, entretanto, um conhecimento a priori, universalmente oposto às experiências do cotidiano, Kant delineou um campo de transcendência de abstratas e matemáticas propriedades; campo que precede e constitui a base argumentativa para a relação sintética entre estética e criticidade, desenvolvida em Crítica da Faculdade de Julgar, gancho teórico para Costa Lima relacionar Kafka a Kant, sob o argumento de que aquele, ao produzir uma literatura em que a estética e a crítica são convergentes, dialoga com este e, por consequência, com os primeiros românticos.
Luciano BonuccelliConsidero, por sua vez, no que diz respeito a essa relação entre estética e criticidade, que Costa Lima realizou uma sutil performance retórica, pois Kant, tendo o princípio do conhecimento puro como referência fundante, produziu um pensamento de base científica, mas eurocêntrico e inscrito no campo das ciência naturais, no qual e através do qual o mundo sensível é instrumentalizado e submetido, sob o signo do esclarecimento, tal como definido por Adorno e Horkeheimer: 

No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal. O programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber.

O argumento de um conhecimento puro e a priori, de Kant, tal como a axiomática de Aristóteles, igualmente fundada na crença de um conhecimento anterior a qualquer demonstração, está investido de posição senhorial, de modo que, o que nele se constitui como experiência, nada tem a ver com a experiência comum, dos viventes, posto que constitui simplesmente uma experimentação ou um dar-se à prova a partir de uma percepção senhorial em que a técnica se sobrepõe e manipula o objeto, como a um corpo a dissecar.
Sob esse ponto de vista, a relação entre estética e criticidade só faz sentido, em Kant, tendo em vista a primazia do conhecimento puro, marca abstrata de um tribunal de transcendências transcendentes, paroxismo que assim designo porque se trata de uma transcendência inspirada num evidente preconceito epistemológico, por ter a matemática e a física como saberes hierarquicamente inspiradores, desconsiderando uma infinidade de outros saberes e outras epistemologias, não eurocêntricas, marcadas por uma profusão de possibilidades, fora da matemática e da física e mesmo fora do imperialismo epistemológico que tem colonizado e adestrado os saberes no sistema-mundo moderno.
Essa digressão foi necessária porque Kafka realizou o inverso da proposta de Kant: sua literatura parte do campo de imanência, cuja base é uma complexa infraestrutura que tem uma constelação de particulares como aglomerado ficcional, razão pela qual o conhecimento a posteriori, empírico, é constituinte de sua narrativa de ficção, como premissa da insubstancialidade da Lei, que assim o é, assim como a literatura de Kafka, porque nela não existe o a priori universal.
É, assim, nesse plano do mundo do aqui e agora imanentes que Kafka realiza, em sua literatura, essa outra aporia, a da relação entre estética e criticidade, motivo pelo qual julgo mais procedente aproximar Kafka de Marx, este pensador da máquina imanente do capitalismo, cuja criticidade teórica procura mostrar como isto que parece uma Verdade transcendente, e profundamente estetizada, o capitalismo, inscreve-se no plano da imanência das relações de produção e, portanto, das relações de poder.
Talvez não seja circunstancial que Costa Lima tenha afirmado que apenas o Quixote Josef K. seja o tributário, como personagem de O Processo, da desregulagem de territorialidades estáveis. Nada mais equivocado, porque, como literatura de a posteriori, de constelação de particulares universais, todo o romance O Processo, na verdade, tem a lei como insubstancial, desancorada de qualquer regulagem territorial, de qualquer metafísica da Verdade.
A questão aqui, nesse sentido, é de foco: Costa Lima acerta em pensar a literatura de Kafka como insubstancial, tecida e entretecida por desregulagens territoriais, mas erra ao inscrevê-la como uma espécie de terceira via do primeiro romantismo alemão, através de Kant, pela simples razão de que a desregulagem territorial da literatura de Kafka se dá no plano de imanência de agregados de acontecimentos, de passados e de presentes, mas sempre imediatos, particulares, ou universalmente particulares, para me valer de mais uma aporia.
É igualmente em nome da insubstancialidade da Lei que Costa Lima afirma que Kafka antecipa a atual sociedade da entronização eletrônica da imagem, na suposição de que esta última é insubstancial, razão pela qual afirma: 

Poderá então ser que a obra maior de Kafka indique menos um fim do que um outro começo. Podemos saber de que é o fim. (…) A questão consiste em saber se este jogo ainda tem regras. Mas, enquanto houver sociedade humana, poderá ele deixar de tê-lo? Assim a crítica devastadora da entronização eletrônica da imagem poderá ser cega a uma possibilidade positiva: a de que ela, mesmo por corroer a velha crença metafísica na Verdade, abra caminho para uma ideia de verdade menos majestática, menos imponente, histórica e culturalmente cambiante, impotentes para o controle dos discursos “não verdadeiros”.

Assim como não é apenas o protagonista Josef K. que desregula territorialidades estáveis, fundadas em Verdades transcendentes, mas todo o romance O Processo, também não é possível compartilhar com o princípio de esperança expresso no fragmento acima de Costa Lima, de uma possibilidade positiva a corroer a crença metafísica da Verdade, na pressuposição de que Kafka, com O Processo, tenha antecipado o fim dessa metafísica.
Não existe no romance O Processo, assim o interpreto, uma ruptura de época e o indício que seja de outro começo. Kafka não é um escritor evolucionista. Só sob o ponto de vista de uma epistemologia positivista-evolucionista, logo transcendental, é possível afirmar ou sustentar o argumento de antecipação, na suposição de que vivíamos antes da sociedade da entronização eletrônica da imagem, num mundo de substancialidade da Lei, como sugere Costa Lima.
Não existe e nunca existiu um mundo de substancialidade da Lei, da metafísica da Verdade, assim como, para acrescentar mais outra aporia entre as demais, o mundo das grandes civilizações, inclusive a nossa, da entronização eletrônica da imagem, nunca deixou de ser o da Metafísica da Verdade ou da substancialidade da Lei.
O par substancialidade e insubstancialidade da Lei constitui, portanto, uma aporia estratégica do estado de exceção, que é igualmente regra geral. Para explicar essa aporia, retomo um trecho já citado de Guy Debord: 

A aparência fetichista de pura objetividade nas relações espetaculares esconde o seu caráter de relação entre homens e entre classes: parece que uma segunda natureza domina, com leis fatais, o meio em que vivemos.

Embora obviamente se refira à sociedade do espetáculo, aproprio-me do fragmento citado, a fim de destacar que a segunda natureza humana, traduzida para o contexto da tradição do oprimido, é a da substancialidade da Lei como fundamento metafísico de aparência fetichista capaz de esconder o caráter de relação entre homens e classes, logo, apto a escamotear a particularidade, igualmente a posteriori, do estado de exceção, cuja universalidade o é apenas sob o ponto de vista da substancialidade de sua própria Lei, imposta, em última instância, à força, visto que a lei é sempre insubstancial.
É nesse sentido que Kafka constitui um escritor imbuído de criticidade, por apresentar o estado de exceção da modernidade e na modernidade como uma estetização mundana e imanente, insubstancial, na qual o único propósito das formações despóticas do tribunal, a que podemos chamar de impostora substancialidade da Lei, como um processo generalizado contra o devir povo, contra K., constitui o de “ocultar a ausência de fim e de sentido de sua soberania com o fim orgânico da sua criação”.
 Insisto, portanto, que todo o romance O Processo é imanente e, assim sendo, tudo nele é imanente, o indefinido “alguém” e o personagem Josef K., como devir povo. O que se coloca, no romance, é o que opto em chamar de transcendência imanente, na dimensão mesma do indefinido “alguém”, e essa é mais uma sutil ironia de O Processo, considerando que designo como transcendente imanência o fato simples de que o indefinido “alguém” apenas estrategicamente se apresenta como transcendente, por ser o lugar que, para existir como regra geral do estado de exceção, deve ocultar a ausência de sentido da substancialidade da Lei.
Assim, tendo em vista que O Processo constitui um romance em que a imanência sim é regra geral, tudo, em seu enredo, soa absurdo e ao mesmo tempo risível e debochado, sobretudo se lemos a narrativa sob o ponto de vista do que aqui chamo de antiprocesso, em O Processo, ou de o processo irônico-imanente do devir povo Josef. K. contra o indefinido-imanente “alguém, e inclusive a própria morte matada deste último, Josef K. no último capitulo da narrativa, constitui mais um momento hilário desse absurdo mundo de estado de exceção em que vivemos, cujo fim é o começo e cujo começo é o fim, como círculo vicioso que não leva senão a seu próprio absurdo, como segunda fatal natureza, como se, ao ser caluniado, Josef K. não pudesse ter outro destino senão o da morte assassinada, por um indefinido “alguém”; e tudo como estado de exceção que se impõe como regra geral.
 É como se o romance, O Processo, em cada momento de sua produção absurda de sentidos, o próprio desenrolar da narrativa, nos mostrasse o quanto, na tradição do oprimido, toda produção de sentido é absurda; é segunda natureza de farsesca imanente transcendência, de vez que o estado de exceção só consegue sê-lo através de um conjunto de estratégias e táticas de efeitos de verdades, que se tornam tanto mais efeitos de poderes quanto mais conseguem se apresentar como efeitos de transcendência, motivo pelo qual o princípio de esperança de Costa Lima, de uma sociedade não fundada na metafísica da Verdade, embora marcada pela entronização de imagens eletrônicas, não procede, tendo em vista mesmo o romance O Processo, cujo devir ficcional é este em que o sentido é sempre transcendentemente imanente, na tradição do oprimido, posto que é sempre um sentido fundado no estado de exceção, que é regra geral, seja no regime das velhas Verdades metafísicas, seja no regime das minúsculas e provisórias verdades fugazes produzidas no interior da sociedade do espetáculo.
Pouco importa, assim, se o pintor Titorelli pareça não ter conhecido as vanguardas artísticas do final do século XIX e do início do século XX, demonstrando, desse modo, ser tão insciente. Pouco importa se soe anacrônico reproduzindo, na época da fotografia, rostos de juízes e obras artísticas da antiguidade clássica. Se tudo é imanência, se o tribunal está em todo lugar, é uma exceção que é regra geral, talvez o que menos importe seja o pintor Titorelli, de vez que toda obra O Processo é uma sucessão de quadros-mundo, tal que o ateliê de Titorelli é seu quarto, que é um cortiço; tal que K., ao perguntar a uma menina corcunda se sabia onde morava Titorelli e dito a ela que o procurava para que este pintasse um retrato seu, de K., a corcunda menina tenha achado estranho que um pintor pudesse pintar, pela simples razão de que essa menina, assim como as demais que acompanhavam, em algazarra, a K. até o quarto de cortiço de Titorelli, não são As Meninas de Velásquez, nem mesmo as de Titorelli, de vez que o tribunal está por todo lado, de sorte que tudo, no cortiço onde mora Titorelli, seu ateliê, se constitui como um aglomerado de quadros, um cortiço de estado de exceção, pintado indefinidamente por um indefinido “alguém”, razão pela qual a arte é insciente, quando acredita, como arte, na autonomia da substancialidade da Lei arte, na metafísica da Verdade da arte, sendo incapaz, assim, de perceber, como em tudo, que a arte também é insubstancial; é artificioso processo de construção de sentido, razão pela qual, na tradição do oprimido, a arte pela arte, a arte enquanto autonomia, acreditando em si, cumprindo bem a sua função, serve apenas a um cliente, como o pintor Titorelli, a saber: o estado de exceção como um despiste insciente ou inconsciente de que a arte é todo o mundo, em processo.
O jogo de espelhos do quadro pintado por Diego Velásquez, mais que apontar para uma época que tem consciência de que tudo é representação, como sugere Foucault em As palavras e as coisas, se tem alguma potência, é a de mostrar que tudo é espelho de tudo; que tudo é arte de tudo. Daí essa intertextualidade debochada, para não dizer paródica, no romance O Processo; essa paródia do quadro As Meninas, de Velásquez, a mostrar que a arte está fora da arte, pois as meninas não estão em quadro-espelho algum, refletindo nada.
 Kafka debocha de Velásquez, mostrando-nos que o tribunal é dentro e é fora e que joga com efeitos de dentro, como o efeito de uma obra de arte, como um processo de construção de sentidos de dentro, o dentro arte, o dentro pintor, o dentro romance, o dentro advogado, como a dizer-nos que os efeitos de dentro são efeitos de estado de exceção; assim como joga também com os efeitos de fora, como se a simples razão de existir o dentro indiciasse também a existência de um fora a justificá-lo enquanto dentro em relação a um fora, razão pela qual, no romance, tudo pareça ser promíscuo, tudo é processo de significação, signos resvalando em signos, formando esse processo geral, como estado de exceção, nos diversos quadros-mundo do romance, os quais, em última instância, continuam sendo quadros, porque dentro do romance O Processo; dentro, assim, deste absurdo romance ou absurdo mundo de substancialidades de Leis insubstanciais.

1.4 A FUNÇÃO ARTE NO CONTEXTO DO ESTADO DE EXCEÇÃO E SEUS EFEITOS DE DENTRO E DE FORA | Tendo a arte como referência, entendida como artifício apto a inscrever a insubstancialidade de tudo quanto existe, a literatura de Kafka se vale de dois recursos opostos e complementares, a saber: 1) Um primeiro que é o de levar a arte para vida, destronando-a enquanto identidade fixa, como no caso de Titorelli, em que o que menos importa, repito, é a sua arte enquanto tal; 2) Um segundo procedimento em que, ao invés de a arte ir para a vida, esta vai para a arte.
De comum, no entanto, as duas técnicas têm o tribunal como onipresentes e servem para indiciá-lo como produtor de artifícios, por criar efeitos de fora e de dentro, de tal maneira a esboçar um sistema de aparências em que a regra geral do tribunal de exceção irrompa como verdade imutável, transcendental.
Exemplar, sob o ponto de vista do segundo procedimento artificioso, o que produz efeitos de dentro, constitui a cena em que o personagem K., de O Casteloao entrar na choupana de uma família de camponeses, identifica, no fundo, uma mulher amamentando, os olhos fixos no teto, como se fora ela mesma um quadro encarnado.
Eis o fragmento em questão: 

(…) e a mulher da poltrona parecia inerte, os olhos fixos no teto, sem mesmo olhar de relance a criança que tinha ao peito. Ela compunha um quadro bonito, triste, fixo, e K. olhou-a, segundo lhe pareceu, durante muito tempo, depois deve ter caído no sono, pois, quando uma voz alta o acordou, percebeu que a sua cabeça estava deitada sobre o ombro do velho. (…) Um lenço de seda transparente descia até o meio de sua testa. A criança estava dormindo sobre seu peito. – Quem é a senhora? – perguntou K. Desdenhosamente, ela respondeu – Uma mulher do Castelo.

Assim, se o primeiro procedimento imprime movimento à arte, espalhando-a pelo cotidiano, como no caso das meninas do cortiço de Titorelli; o segundo, em diálogo com o fragmento acima, faz o contrário: leva a vida para arte, tornando-a fixa e inerte. Arrisco a hipótese, a propósito, de que, como romances complementares, igualmente aporéticos, O Processo e O Castelo utilizam respectivamente o primeiro e o segundo procedimentos, aos quais chamarei de efeitos de arte, como efeitos de dentro e de fora.
 Sob esse ponto de vista, O Processo inscreve-se, como técnica narrativa, usando, como procedimento, efeitos de fora, como se um a priori arte se transformasse num a posteriori vida; como se a fixidez da arte, sob uma moldura, se flexibilizasse a fim de expressar todo o fora, que também é arte; é artifício. Por outro lado, no caso de O Castelo, a técnica utilizada por Kafka é a do efeito de dentro, da arte, tal que uma mulher amamentando, estando no mundo, constitui, no entanto, um quadro fixo de uma cena do mundo, embora não de qualquer mundo, mas do mundo do estado de exceção como artificioso processo de inscrição de sua limitada regra geral, constituída pelo jogo de exceções entre um castelo do qual se fala, pelo qual se vive e através do qual toda uma vila é marcada por uma espécie absurda e não declarada de toque de recolher.
Por outro lado, como o tribunal é onipresente, é dentro e é fora, os efeitos arte de dentro e de fora constituem duas formas de expressá-lo. De qualquer forma, o que fica patente, nos dois procedimentos, é o aqui e o agora do tribunal, como imanência, porque ambos apontam para a cotidianidade do castelo /ou do tribunal. O primeiro, como efeito de fora, levando o tribunal e/ou castelo para a rua e, o segundo, por sua vez, como efeito de dentro, empurrando o mundo para os moldados quadros dos espaços fechados: as instituições, os campos disciplinares, os valores, as identidades, de tal sorte que o tribunal (ou o Castelo) se faz como regra geral porque sua distância é apenas um efeito de ilusão, efeito que se expressa no dentro e no fora, na rua e na casa, no público e no privado, pelos viventes do estado de exceção.
A técnica de O Processo consiste em espalhar a transcendência de um suposto fixo dentro, como identidade estanque do tribunal, para o cotidiano, demonstrando que o tribunal está no fora, na vida, enquanto vida realmente vivida, embora como vida de exceção, da tradição do oprimido, donde seria possível dizer, como contraponto, “enquanto vida realmente não vivida”. Já o procedimento de O Castelo, como complementar ao primeiro, procura mostrar que a vivida (não) vida, só o é, na tradição do oprimido, porque está a serviço de um – ou vários – dentro-transcendência, que, aqui, equivale ao dentro castelo, razão pela qual a mãe amamentando a filha constitui um verdadeiro quadro do castelo e/ou do tribunal, por serem, estes últimos, igualmente alimentados pelo cotidiano: leite diário de todo dentro transcendental.
É nesse sentido que é possível dizer que os pedidos de quadro, feitos pelo tribunal ao pintor Titorelli, constituem bem mais que uma demanda para quadros enquanto tais, como efeitos de um dentro arte, porque o próprio Titorelli é parte da demanda, como artista, um fora da pintura por ele pintado, razão pela qual Titorelli foi indicado como aquele que conhece o tribunal, porque tem o tribunal dentro e fora de si: dentro, como aquele que pinta o tribunal e; fora, porque é também aquele que pinta o tribunal por trazê-lo em si, fora de sua pintura como resultado de uma arte castelã, de transcendências, posto que ele mesmo, fisicamente, constitui-se como a pintura andante do tribunal, como um Quixote às avessas.
Eis aí, portanto, o jogo entre o dentro e o fora; jogo que nos diz (é a constatação de K., o povo) “que Titorelli é insciente”, e o é porque não consegue realizar sua pintura fora do tribunal, por ser ele mesmo, como pintor do tribunal, um efeito de fora deste último, mas não um fora de fato, uma vez que, no estado de exceção, tudo é dentro do tribunal, seja o fora Titorelli, por trazer dentro de si a reificação do tribunal, pintado dentro dele; seja o dentro arte que Titorelli produz, considerando a pintura que realmente realiza, por constituir-se como pintura do próprio rosto do tribunal, retratista de juízes que é.
De qualquer forma, apenas sob o ponto de vista da existência do processo contra K. (de um povo caluniado) é que é possível a existência paradoxal de um, digamos, pintor pintado, por ser ele mesmo um quadro carnal do tribunal. Assim, considerando a tradição do oprimido, como regra geral, tudo é estado de exceção; tudo deve produzir um efeito de dentro, que produz um efeito de fora, e vice-versa, de tal sorte que o papel da função arte, na perspectiva do estado de exceção, constitui o de produzir efeitos de dentro e de fora, generalizando o tribunal, embora, como desprocesso, a função arte possa constituir-se como estratégia artificiosa de K., o povo; como agenciamento coletivo de enunciação, razão pela qual, ao invés de produzir efeitos de dentro e de fora, pode realizar o contrário: desfazer os efeitos de dentro e de fora do tribunal, na medida mesmo em que escreve/descreve/desescreve o tribunal, momento em que se torna, mais que função arte, uma desfunção arte.
 Eis, nesse sentido, a melhor maneira de adquirir a confiança do tribunal: produzir uma função arte insciente, serviçal, a receber encomendas, logo disposta a, platonicamente, resgatar/pintar efeitos de fora, como se fossem realmente um fora, sendo, na verdade, todo um sistema de crenças, a que podemos chamar de o grande dentro do Supremo Tribunal Ocidental, constituído por crenças jurídicas, ao pintar o rosto de juízes, a expressividade evidente dos signos despóticos; por crenças míticas, de aristocráticas origens, quando, por exemplo, Titorelli pinta, sempre por encomenda, a deusa da Vitória e da Justiça juntas, fazendo emergir essa monstruosa híbrida aporia, a da vitória da justiça e/ou da justiça da vitória; por crença, enfim, no regime de verdade de seu entorno histórico-cultural, acreditando que o embuste seja o próprio quadro platônico do talento de uma arte que pinta a si mesma, que pinta a jurisprudência de um sistema de colonização marcado pela tripla aliança de uma ditadura epistemológica, inscrita no jogo ideal entre o saber, o poder e o ser de uma História, a do Ocidente, que primeiro foi teológica, isto é, que primeiro preparou seu berço com a mistura alquímica de um saber, um poder e um ser teológicos [1], o pai, o filho e o Espírito Santo da substancialidade da Lei herdada do dentro das sociedades teocráticas, como a grega, a romana e a medieval; e que depois se tornou um saber, um poder e um ser filosóficos, cuja retórica é também insciente; para em seguida fechar o soneto com a chave de ouro de um saber, um poder e um ser científicos, que hoje é também um ser, um poder e um saber icônico-midiáticos, como entronização eletrônica da sociedade do espetáculo planetária; como função arte, ou função e cultura, empresa globalizada, no contexto da qual tudo é apropriado; tudo é retomado, reescrito e reiluminado: o patriarcal, o violento, o estúpido, o sujo cortiço, como novas velhas ficcionalidades, como um só dentro, imanentes transcendências, e vice-versa, de um castelo que é a sua vila.

NOTA
[1] Walter Mignolo, a partir de uma proposta descolonizadora, pinta, para ficar no mesmo campo semântico, o quadro platônico da história da formação dos padrões epistemológicos do Ocidente.Para Mignolo, a colonização ocidental do planenta não pode ser pensanda fora dessa tripla aliança, a do saber, do poder e do ser, que primeiro foi teológico-medieval, depois foi filosófica e em seguida foi científica, de tal sorte que a religião esteve sempre presente, a aueolar o perfil jurisdicional típico do mundo ocidental, cujo ser, sendo teológico, filosófico e científico, o é tendo com base um saber igualmente teológico, filosófico e científico, sempre marcado e demarcado por essa tripla aliança, a grande língua da colonização ocidental, a que chamamos de universal, isto é, bem entendido, o único verso possível de um só e mesmo dentro, pintado com o ouro sequestrado, o ouro de sua propria arrogância epistemológica. Cf. Os esplendores e as misérias da ciência: colonialidade, geopolítica do conhecimento e pluri-versalidade epistêmica. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as Ciências revisitado (2004).

Luis Eustáquio Soares (Brasil, 1966). Poeta, escritor e ensaísta. Publicou Paradoxias (1999), Cor Vadia (2003), José Lezama Lima, anacronia, barroco e utopia (2008), El evangelio según Satanás (2010). Contato: artevicio@hotmail.com. Página ilustrada com obras de Luciano Bonuccelli (Itália), artista convidado desta edição de ARC.

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