Entrevistei o cineasta Leon Hirszman em São Paulo (ele nasceu em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, em 22 de
novembro de 1937), no ano de 1978, às vésperas da estréia da
peça Murro em Ponta de Faca, de Augusto Boal que ele estava
dirigindo. Leon já estava doente, uma doença rara segundo ele, que os médicos
não conseguiam detectar. Vou conservar o texto exatamente como está, com as
datas citadas no presente, com algumas ressalvas. Acredito que esta tenha
sido uma de suas últimas entrevistas. A matéria foi feita a pedido do editor
do (hoje extinto)Folhetim, da Folha de S. Paulo e
inexplicavelmente não foi publicada, de forma que ela ficou inédita até o
“prezado momento”, como diria Elis Regina. Leon Hirszman morreu no dia 16 de setembro de 1987. [ALV]
Como
Eisenstein, seu cineasta preferido, Leon Hirszman também fica com o cinema e
o teatro. Seu primeiro filme foi feito especialmente para a peça A
mais-valia vai acabar, seu Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho, direção de
Chico de Assis. Antes disso havia participado dos debates para a montagem
de Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, no Rio de
Janeiro. Agora, 19 anos e 11 filmes depois, num retorno as origens, volta ao
teatro, desta vez como diretor de uma peça: Murro em Ponta de Faca,
do mesmo Boal, exilado do país há mais de sete anos.
(Na verdade, Augusto Boal foi preso e exilado em
1971 – foi inicialmente para o Uruguai, mas continuou sua carreira em países
da América Latina como Peru e Argentina. Em 1976 foi para Portugal acabando
por fixar-se em Paris onde permaneceu até sua volta ao Brasil em 1984. Há
informações que sua volta teria se dado em 1986.).
O tema da
peça é exatamente o exílio e a figura do exilado, personagem incorporada à
nossa realidade com certa intensidade, nos últimos catorze anos. Murro em
Ponta de Faca tem no elenco: Othon Bastos, Martha Overbeck, Renato Borghi que
são também os produtores, além de Francisco Milani, Beth Caruso e Thaia
Perez. Os cenários e figurinos são de Gianni Ratto e a música é de Chico
Buarque de Hollanda. A estréia foi no dia 16 de setembro de 1978 no TAIB, em
São Paulo. Antes de passarmos para a entrevista que tal uma frase do
Eisenstein? “Chamados diretores! Deixarão vocês e os ratos de perder tempo
com os falsos adereços de cena? Assumam a organização da vida real.”
Há pessoas
que recorrem a artifícios variados para aparentar menos idade. Com o carioca
Leon Hirszman ocorre o contrário-ele usa barba para mostrar sua verdadeira
idade. ”Afinal eu tenho 40 anos. Sem barba, fico muito jovem”. Sorri com a
brincadeira e conta o verdadeiro motivo da opção pela barba: tem uma pele
extremamente sensível e simplesmente não consegue fazer tal operação sózinho.
Por isso há quinze anos tem dois barbeiros, no Rio de Janeiro, onde
reside. E acontece que no preciso momento Leon Hirszman está em São
Paulo, para dirigir a peça do Augusto Boal Murro em Ponta de Faca cujo tema é
o exílio e exilados, personagens incorporados à nossa realidade, com certa
intensidade, nos últimos quatorze anos.
Aliás, por
falar em intensidade, o frio também está muito intenso neste primeiro
encontro que temos no apartamento do ator e diretor Fernando Peixoto. Talvez
por isso a entrevista tenha sido formal, amarrada. O máximo que conseguimos
foram comentários sobre o frio, meias, luvas e botas.
Daí que os
comentários sobre a barba foram feitos na segunda entrevista, quando Leon me
mostrou fotos suas: ele fica de fato muito jovem sem a tal barba, junto com
suas filhas de dois casamentos: Maria, uma morena de 12 anos, Irma, clara, de
15 e o garoto, João Pedro também moreno de 4 anos. “São lindos, não
são?” Pergunta Leon afetuoso e saudoso. “É claro que sinto falta deles.
Imagine, cada um mora num estado diferente-Irma no Rio, João Pedro em Belo
Horizonte e Maria em São Paulo”.
Mas isso
não é nada, quero dizer a saudade dos filhos, (coisa que mais tarde
experimentei fortemente-aliás, passei grande parte da minha vida com saudades
deles), perto dos exames que está fazendo para detectar qualquer coisa na sua
vesícula. Consciente Leon sabe que a doença, ou qualquer coisa que seja, é
psicossomática. “Afinal estou saindo do meu terceiro casamento e
separação é um negócio difícil, machuca mesmo, quer a gente admita ou não.”
Pergunto
se já tentou a macrobiótica. Ele diz que sim , já tentou, acha maravilhosa,
adora o sabor da comida que considera mais requintada que a comida chinesa.
Mas acha também que só a macrobiótica não resolve. E lembra o exemplo de
George Osawa, o introdutor deste tipo de alimentação no Ocidente, que morreu
de um vírus resistente a ela. Concordamos que a macrobiótica não é a panacéia
universal, damos risadas. Se fosse, estaríamos salvos. Era todo mundo mudar
para este “regime” e pronto.
“O que me
despertou para o cinema? diz, repetindo a minha pergunta. “Foi a movimentação
que ocorreu em 1954 para a liberação do filme Rio 40 Graus”. Acompanhei toda
a luta de Nelson Rodrigues dos Santos, participei das reuniões na Associação
Brasileira de Imprensa. Foi isso que me despertou para o cinema.”Aliás, a
luta parece ser uma constante na vida deste carioca da Boca do Mato, subúrbio
do Rio de Janeiro, filho de judeus poloneses que emigraram para o Brasil em
1933. “Eu já me sentia participar com cinco, seis anos ”.
Atribui a
influencia paterna- a família do pai morreu inteira nos campos de
concentração nazista- seu engajamento contra as posições intolerantes,
obscurantistas, racistas. Mas esclarece que quando se fala em formação,
herança é preciso falar também em autonomia já que acredita que na verdade as
pessoas se formam e são formadas. Não temos apenas uma parte do pai e da mãe,
mas de todas as pessoas de quem gostamos. “Ocorre que em geral as pessoas não
assumem as relações de parentesco.” Ou melhor, muitas vezes, ele pensa,
assumimos apenas uma parte, nos entregamos a determinada figura, não
realizando outras.
“O
machismo não é outra coisa senão a não realização da figura feminina que todo
homem tem dentro de si. A relação deve ser dialética porque todos nós temos
pai e mãe. O machismo, o chauvinismo, o estar com a verdade pronta, acabada,
é não estar disposto a viver o processo. E quando se tem a verdade pronta,
pode-se escolher qualquer bode expiatório. É esta espécie de autoritarismo
interno que deve ser combatido.”
“São as
relações familiares de dominação que, formando um quadro onde não se podem
exercer as liberdades individuais ou de classe, as que mais oprimem os
homens”, acredita Leon. Ele exemplifica citanda a ausência de humor
hoje no Brasil, conseqüência desta perda de “liberdades individuais e de
classe”. O medo, segundo ele, oprimiu tanto a sociedade que o humor
brasileiro, tão famoso, só agora está ressurgindo.
“Só de uns
tempos para cá se voltou a fazer humor político na televisão.” Os “sábios”,
ironiza, “tratam as pessoas como crianças incompetentes para dirigir seus
destinos. Mas parece que este povo, especialmente dos grandes centros
urbanos, está retomando seu direito de fazer humor, de fazer greve, enfim,
está retomando sua imaginação criadora.”.
E por
falar em imaginação criadora, a de Leon pôde se expandir à vontade naqueles
velhos tempos, quando, adolescente, curtia as chanchadas de Oscarito, Grande
Otelo, os musicais da Atlântica e se dedicava de corpo e alma à atividade de
cineclubes no Rio de Janeiro. Era uma época de efervescência cultural, de
debates de idéias. No Brasil inteiro surgiam movimentos que buscavam, através
do teatro, da música, do cinema mapear a realidade social do país. Eis que,
certa noite, em 1957, Leon e um amigo: Dejean Magno Pellegrino, a caminho do
teatro para assistir à Ópera de Pequim, refletiam sobre a possibilidade de
ampliar a atividade dos cineclubes.
A
idéia era que o cineclube não devia ser um lugar onde as pessoas fossem
apenas para ver cinema, ciclos de Bergman e outros cineastas de prestígio,
naquele momento. Antes de tudo, eles deviam ser um lugar onde se pudesse
estudar a arte do cinema. E mais: que fosse a linha de frente na luta contra
os chamados trustes que dominavam o mercado de distribuição e também fosse o
ponto de ligação das pessoas que se preocupavam com o cinema voltado para a
realidade nacional.
Havia o
exemplo de São Paulo, onde Paulo Emilio Salles Gomes fazia avançar a
Cinemateca. Por que não fazer coisa parecida no Rio? Foi assim que surgiu o
Museu de Arte Cinematográfica do Rio de Janeiro e na seqüência a Federação de
Cineclubes do Rio de Janeiro e o Cineclube da Escola Nacional de Engenharia.
Mas toda esta movimentação não foi tão importante como acompanhar a montagem
da peça Revolução da América do Sul de Augusto Boal e participar dos
Seminários de Dramaturgia no Teatro de Arena no Rio, em 1959.
Leon
Hirszman considera que estes dois acontecimentos foram mesmo decisivos para
que ele ficasse definitivamente desperto para as questões do ator e da
dramaturgia. Foram estas duas experiências marcantes que permitiram que ele
se apropriasse do instrumento necessário para desenvolver mais tarde suas
atividades no cinema e no teatro. “Acompanhar atores como Vianinha, Vera
Gertel, Flávio Migliaccio, Chico de Assis, Giamfrancesco Guarnieri, Nelson
Xavier e tantos outros foi uma experiência demais enriquecedora para uma pessoa
como eu que estava iniciando no teatro e no cinema.”
Aliás,
registre-se que, este começo marcaria para sempre seu trabalho: o cinema e o
teatro sempre andaram juntos na carreira deste diretor. Basta lembrar que seu
primeiro documentário foi feito para a peça A Mais Valia Vai Acabar, seu
Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho. Era o cinema no teatro: o documentário usado
como recurso para as montagens experimentais ao estilo de Piscator-encenador
alemão, que antes de Brecht, usou esta técnica para seu teatro político.
E agora,
novamente, Léon prova que o teatro é sua grande paixão: seu filme Eles Não
usam Black Tie baseado na peça homônima de Guarnieri, que também faz parte do
elenco juntamente com Fernanda Montenegro, Carlos Alberto Ricelli, Beth
Mendes, Lélia Abramo, Milton Gonçalves, Rafael de
Carvalho, Anselmo Vasconcelos, Francisco Milani, Fernando Ramos, vai ser sucesso obtendo da critica nacional e internacional, vários
prêmios importantes em 1981: o Leão de Ouro no Festival de Veneza, o Grande Prêmio Coral Negro no 3º Festival
Internacional do Novo Cinema Latino-Americano; Grande Prêmio do Festival dos
Três Continentes; Espiga de Ouro do Festival Internacional de Vallodolid. E
em 1982 obteria o Prêmio Air France.
Dos
contatos com Glauber Rocha, Paulo César Sarraceni, Joaquim Pedro, surgiram as
discussões em torno do que deveria ser a atividade deles: não apenas discutir
arte cinematográfica com uma postura crítica, mas partirem para a
criação . E cada um deles tinha um projeto de filme, ou vários. O primeiro a
ser realizado foi Couro de Gato de Joaquim Pedro de Andrade.
Simultaneamente
ao filme acontecia a fundação do Centro Popular de Cultura, o famoso CPC que
ficou sendo o órgão cultural da União Nacional dos Estudantes que Leon
Hirszman ajudou a criar, juntamente com Oduvaldo Vianna Filho, Chico de
Assis, Flávio Migliaccio, Armando Costa, João das Neves, Cécil Thirê
(teatro); Cacá Diegues, Marcos Farias, Eduardo Coutinho, Miguel Borges
(cinema); Carlos Castilho, Carlos Lyra, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré, o
conjunto MPB 4 (musica ) e que foi um dos grupos culturais mais
importantes que floresceu no Brasil de 1960 a 1964
“Nós
tínhamos uma atividade intensa, mas ninguém ficava com estafa. A gente se
colocava inteiro naquilo tudo.” Neste período surgem em vários pontos do
Brasil especialmente Rio, São Paulo, Bahia, outros movimentos: no Recife
surge o Movimento de Cultura Popular, mais ligado à alfabetização que foi
criado no governo de Miguel Arraes.
E a
postura do Centro Popular de Cultura afinal como era? Era, diz Leon, de uma
arte comprometida não apenas com idéias, teorias que servissem à mudança, mas
uma arte comprometida na prática. Quer dizer, eles consideravam que as obras
deviam estar ligadas a este povo de maneira íntima. O povo não deveria apenas
vê-la, mas participar da sua criação.
Talvez
esta característica afinal fizesse a diferença entre o Centro Popular de
Cultura e o Teatro de Arena, considerado na época por Leon e seus
companheiros apenas um teatro inconformado. Para eles do CPC, um teatro
popular deveria estar vinculado à própria transformação política da
sociedade. Devia servir à luta do povo como instrumento de sua
conscientização e meio de organização.
Mas nem
tudo corria as mil maravilhas no CPC. Hoje, olhando de longe, Leon Hirszman
critica as posições assumidas pelo movimento, detectando dois erros
principais: o dogmatismo e o espontaneísmo. O primeiro, idealista, porque
superestimava a função social da arte, do artista, que pontificava dizendo o
que devia e o que não devia ser feito. Esta postura segundo ele, acabava por
cair numa abstração política, não levando em conta movimentos culturais e
realidades diferentes. “Para ter esta missão de conscientizar a todo
custo, nós não partíamos da consciência real, mas da consciência necessária,
o que acabava por desembocar numa visão metafísica do mundo.”
O segundo
erro para Leon, foi o espontaneísmo, o liberalismo, oposto ao dogmatismo, mas
igualmente importante. Para os partidários desta corrente, não havia
necessidade de conhecimento, de superação de nível. Eles consideravam que o
povo, na sua “santidade’”, já tinha uma consciência em si, como se não
houvesse leis universais.
“O
fascismo precisa da separação do ‘culto’ e do ‘popular’. A postura de dar ao
povo apenas folclore, esta tendência que acredita que a consciência do povo
já está contida na expressão da sua cultura é paternalismo. O conhecimento
das formas de exploração, de acumulação, do processo de lucro, são dados do
culto e do popular. Na medida em que se mantém estas duas coisas
separadas se mantém uma situação de tutela. E manter o povo na tutela é
mantê-lo inativo , sem armas que possibilitam o conhecimento da própria
sociedade e sua transformação.”
Por esta
razão, Leon acredita na necessidade de se combater estas duas tendências: só
desta forma a prática política não será uma resposta teórica às discussões de
gabinete. A resposta segundo ele deve vir da prática política. E então
chegamos à questão democrática. “Sem condições de liberdade política é muito
difícil estabelecer uma vontade política nacional e popular.”
Hoje, Leon
vê o processo da arte de outra forma: acredita que é preciso conviver com o
pluralismo na produção artística, ou seja, com a riqueza das múltiplas
experiências. Só este modo de ver as coisas vai promover o abandono do velho
maniqueísmo da separação entre popular e artístico. Isso porque acredita que
tanto o popular é artístico, como o artístico deve ser popular.
“Ocorre
que a gente não considera a criatividade brasileira. Há forças incríveis que
ainda não foram mobilizadas. A resistência pode se dar em vários níveis: da
religião popular, e da literatura, por exemplo. A literatura mapeando, e a
outra fazendo com que a felicidade não seja vislumbrada só depois, no
paraíso, mas aqui e agora. Hoje no Brasil, já se começa um processo de
ligação dessas coisas todas”.
Mas isso
tudo, Leon Hirszman enfatiza, quer dizer, a produção artística não vai poder
avançar muito sem uma nova Constituinte, sem que as liberdades políticas
sejam recuperadas pelo povo. Aliás, a Anistia, ele considera, antes de tudo
uma demonstração de sinceridade de propostas. Lembra que na Alemanha nazista,
os expulsos por Hitler puderam voltar em menos tempo que os nossos exilados.
Então, o que fazer? Como sair dessa?
“Para
recuperar a criação, sair desta catinga,” ele acredita, “ vai ser preciso
estudar o problema do monopólio dos veículos de comunicação de massa como o
rádio e a televisão. O controle sobre estas concessões públicas deve ser
exercido pelo Estado democrático e não pelos atuais esquemas de publicidade e
venda associados ao autoritarismo vigentes.”
Aliás,
Leon Hirszman reforça este ponto: a necessidade de se recuperar o humor.
“Esta discussão que nós, do chamado Cinema Novo, tínhamos já naquele tempo.
De repente todo mundo ficou sério demais. O humor e o sexo precisam ser
recuperados pelas fôrças progressistas porque eles fazem parte da sua visão
de mundo. Hoje se vê essa perda de humor, essa falsa solenidade. E esta
recuperação poderia começar a ser feita pela própria televisão que começaria
por olhar o adulto como adulto. Escapes do tipo falsa pornografia não terão
mais mercado.”
Em
dezesseis anos de carreira, Leon Hirszman considera que fez poucos filmes e
recorda que Pedreira de São Diogo, episódio do filme Cinco Vezes Favela feito
em 1962, e Maioria Absoluta que mostra a situação social, política e
econômica dos analfabetos, realizado em 1963, até aquela altura não haviam
sido exibidos no Brasil ainda que tenham participado de vários festivais no
exterior. A Falecida, baseado na peça de Nelson Rodrigues feito em 1964
acabou sendo um fracasso de bilheteria ainda que sucesso de crítica.
E foi
justamente a partir deste filme que Leon resolveu tentar uma produtora
própria e fundou junto com Marcos Farias, a Saga Filmes, sendo desta fase os
filmes: Garota de Ipanema (1967), Sexta Feira da Paixão, Sábado de Aleluia
episódio de América do Sexo (1969) o documentário Nelson Cavaquinho (1969).
A
Saga Filmes produziu ainda a Vingança dos Doze, de Marcos de Farias, Faustão,
de Eduardo Coutinho, além de ter sido sócia dos filmes, Capitu, de Paulo César
Sarraceni, O Bravo Guerreiro, de Gustavo Dahal, Babel, A Garota Propaganda,
de Maurício Capovilla. E finalmente São Bernardo, de 1972, foi seu último
filme feito pela Saga Filmes.
A
produtora faliu e Leon ficou, segundo ele, “interditado comercialmente” por
seis longos anos. Neste período ele produziu comerciais para a televisão e
vários documentários: Megalópolis, Ecologia, com verbas do Instituto Nacional
do Cinema; Cantos do Trabalho no Campo, realizado em 1975, que mostra um
mutirão de construção de uma casa de pau a pique, que foi subvencionado pelo
Departamento de Assistência Cultural do MEC.
Mas foi um
dos seus mais recentes filmes Brasil: da Nação, do Povo, feito em 1977, um
documentário sobre a cultura brasileira em co-produção com a Televisão Italiana
que permitiu a Leon fazer a sua autocrítica e compreender a questão
democrática de forma mais conseqüente. Para este filme Leon entrevistou cinco
professores brasileiros sobre temas importantes: Fernando Novais responsável
pelo tema: Crise no Antigo Sistema Colonial; Sergio Buarque de Hollanda por
Império; Fernando Henrique Cardoso-República e Situação Política Atual; Maria
Conceição Tavares: Modelo Econômico nos Últimos Dez Anos e Impasse Atual e
Alfredo Bosi sobre a História da Cultura Brasileira em particular da
Literatura Brasileira. Brasil: da Nação, do Povo, o filme, tem duas
horas de duração e Leon (àquela altura) esperava poder exibi-lo no Brasil.
“Para a
gente que faz cinema, a situação do conflito com o imperialismo, a ocupação
de nossas telas, nos dá a tônica de um nacionalismo muito forte que acaba por
fazer que se compreenda mal a questão do povo, a questão democrática, do
estado autoritário e do estado democrático. Isso porque em nome de uma luta
de mercado, muitas vezes subestimamos a luta pelas liberdades democráticas. É
preciso compreender que não haverá luta conseqüente pela independência
nacional, pela descolonização cultural, sem uma efetiva participação popular,
sem a defesa dos assalariados.”
Esta
postura não significa que não se deva continuar lutando pela ocupação das
telas. Por esta razão Leon Hirszman é vice-presidente da Associação
Brasileira de Cineastas que luta contra o “dumping” de percentuais e preços
dos filmes estrangeiros oferecidos em dois terços do mercado brasileiro, que
, poucos sabem, impedem que a produção cinematográfica brasileira tenha uma
vida superior a cinco anos. Depois deste prazo, o filme brasileiro não cumpre
mais a lei e ao mesmo tempo não tem condições de competir com a imensa massa
de filmes estrangeiros que inundam o mercado, oferecidos a preços
diferenciados, chegando até a preços inferiores a mil cruzeiros.
A ABRACI
encaminha ainda outros projetos como a reformulação da Lei de Direitos
Autorais que prevê que se pague direitos autorais só depois do filme ter
alcançado uma renda dez vezes maior que seu custo, coisas que, segundo Leon
nunca nenhum filme brasileiro conseguiu. Além disso, a entidade participa
junto à Comissão Permanente de Luta pela Liberdade de Expressão que visa o
fim da censura. Leon tem vários projetos para um futuro próximo: realizar
junto com Chico Buarque de Hollanda um filme baseado na peça Gota D’Água, e
adaptar Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos.
Infelizmente
estes projetos não foram realizados por ele. Memórias do Cárcere foi feito,
por outro cineasta: Nelson Pereira dos Santos, em 1984 sendo que Graciliano foi interpretado por Carlos Vereza,
e sua mulher Heloísa (que lhe faz algumas visitas na prisão) por Glória
Pires. Mas infelizmente no cinema, Gota D’Água, ainda
não conseguiu um outro aventureiro que o fizesse.
Dez anos
após sua morte Leon ganhou uma biografia, assinada pela jornalista e
escritora Helena Salem, que restitui em toda a sua integridade a figura do
cineasta e batalhador das causas culturais e políticas. Segundo os editores
da Rocco, responsável pela edição, o livro é o resultado de um meticuloso
trabalho de pesquisa de Helena Salem, autora de dois outros trabalhados na
área do cinema: Nelson Pereira dos Santos: O sonho possível do cinema brasileiro,
já em segunda edição, e de 90 anos de cinema: uma aventura brasileira.
Consideram que Helena Salem a partir desses dois trabalhos “se deu conta da
necessidade de fazer o mesmo percurso interdisciplinar do seu biografado”.
Daí que,
além de consultar o vasto material de imprensa da época, a bibliografia
pertinente e os filmes do diretor, entrevistou dezenas de interlocutores de
Leon Hirszman: diretores de cinema (Walter Lima Junior, Nelson Pereira dos
Santos, Cacá Diegues, Eduardo Escorel, Bernardo Bertolucci, entre outros),
atores (Fernanda Montenegro, Othon Bastos), músicos (Caetano Veloso, Edu
Lobo), fotógrafos (Lauro Escorel, Luís Carlos Saldanha), economistas (Maria
da Conceição Tavares), filósofos (Leandro Konder), psicanalistas (Joel
Birman), psiquiatras (Nise da Silveira), além de familiares e amigos.
“Os
testemunhos dessas pessoas permitiram à autora matizar a personalidade e o
pensamento desse artista que deixou uma obra extensa, variada e fascinante.
Obra que é estudada com apurado senso crítico por Helena Salem - o que
enriquece extraordinariamente o seu livro e o torna indispensável para se
conhecer um período importante da cinematografia nacional.”
O
resultado desse trabalho é uma biografia com 382 páginas: Leon Hirszman o
navegador das estrelas (Editora Rocco, 1997, Rio de Janeiro) que recorda para
as novas gerações a importância desse cineasta, um dos mais importantes do
Brasil, um dos fundadores do Cinema Novo, e que continua sendo lembrado pelos
seus pares, como um elemento aglutinador nas palavras de Cacá Diegues, ou “o
maior articulador que o cinema brasileiro já teve e um exemplo de convivência
universal” como lembra Nelson Pereira dos Santos”.
Reconhecimento,
aliás, merecido por este artista que no decurso de três décadas transitou por
diferentes áreas da vida cultural brasileira deixando uma herança indelével
pela interação que conseguiu realizar entre o movimento que ajudou a criar no
inicio dos anos 60 e que foi se consolidando ao longo do tempo e influenciando
jovens diretores que a partir dos seus filmes e idéias começaram a renovar
suas temáticas.
E Leon
Hirszman ganhou ainda, de 2 a 11 de setembro de 2005, uma das mostras mais
completas sobre a sua carreira: promovido pelo SESC/SP e Secretaria Municipal
de Cultura, com apoio do CTAV (Centro Técnico Audiovisual).
O público
pode assistir seis longas e dez curtas metragens realizados pelo cineasta
entre 1972 e 1986, no Cine Sesc e na Galeria Olido, além do vídeo Leon de
Ouro, dirigido por Eduardo Escorel, que aborda a vida e obra de Hirszman que
morreu em 1987. Entre os destaques da mostra estava o premiado: Eles Não Usam
Black Tie, São Bernardo, Garota de Ipanema, e ainda a trilogia Imagens do
Inconsciente, um dos últimos trabalhos de Leon, desenvolvido durante três
anos, onde ele aborda o universo artístico interior de três pacientes do
setor de terapêutica ocupacional de um centro psiquiátrico do Rio de Janeiro.
Neste
evento Leon Hirszman foi homenageado ainda com o lançamento de um catálogo
com uma entrevista inédita concedida a Paulo Emílio Salles Gomes para a
extinta revista Argumento.
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Ana Lúcia Vasconcelos (Brasil,
1944). Atriz, dramaturga, ensaísta. Contato:analuvasconcelos@globo.com. Página ilustrada com obras de Luis Caballero
(Colombia), artista convidado desta edição de ARC. Agulha Revista de Cultura # 49.
Janeiro de 2006.
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