quinta-feira, 29 de outubro de 2015

CLAUDIO WILLER | João Guimarães Rosa: novas leituras


Em 1987, tive a ocasião de escrever o posfácio da edição do Círculo do Livro de Sagarana. Desde então, dei palestras sobre Guimarães Rosa e, melhor ainda, coordenei rodas de leitura, uma modalidade de oficina literária na qual é examinado algum autor, lido e discutido por todos os participantes. A mais recente, iniciada em março de 2007, no Paulistano (Club Athlético Paulistano, CAP), onde eu já havia coordenado uma oficina de criação poética em 2005; desta vez, examinando Sagarana e Primeiras Estórias (e algo mais, como verão a seguir).
Aprende-se coordenando oficinas literárias. Por serem coletivas, não tão centralizadas como as palestras e cursos, o coordenador vai recendo retornos, o feed-back, mostrando novas possibilidades de interpretação. Como resultado, avancei em minhas interpretações de Guimarães Rosa.
Por isso, havia decidido escrever um novo ensaio sobre o autor de Grande Sertão: Veredas. Mas resolvi fazer algo diferente: publicar (com mínimas adaptações) os hands of, resumos de cada sessão, acrescidos de alguns textos complementares que enviei aos vinte animados e interessados sócios do clube Paulistano que participaram da oficina.
Disso resulta o registro de algo vivo, de um processo de produção do conhecimento. Com a colaboração dos participantes, talvez tenha chegado a novidades em matéria de leitura de Guimarães Rosa. Por exemplo, o modo como, a partir da citação do upanishada Chandogya em uma nota de rodapé de “Cara-de-Bronze”, de No Urubuquaquá, no Pinhém, passando pela menção ao mesmo upanishada em Octavio Paz, chegamos à caracterização de Partida do audaz navegante, de Primeiras Estórias, como hipertexto.
A dificuldade do que vem a seguir é que o leitor teria que ter, pelo menos, Sagarana e Primeiras Estórias à sua frente, ou gravado em seu cérebro. Mas essa dificuldade não é própria de todo ensaio literário? Faz sentido ler ensaios sobre obras literárias sem conhecer bem a obra examinada pelo ensaio? Este Guimarães Rosa: Novas Leituras tornou-se um hipertexto, não-linear, remetendo a uma diversidade de ideias e de outras referências bibliográficas. Mas não será essa a estrutura, a forma implícita de todo ensaio um pouco mais ousado ou complexo? Reciprocamente, se o leitor acompanhar este conjunto de resumos e citações com Sagarana e Primeiras Estórias à mão, estará refazendo a oficina, participando dos mesmos insights.
As edições citadas de Sagarana e Primeiras Estórias são aquelas da Nova Fronteira. Idem, as duas edições de cartas de Guimarães Rosa a seus tradutores, Correspondência com seu Tradutor Alemão e Correspondência com seu Tradutor Italiano.

A OFICINA DE LEITURA DE GUIMARÃES ROSA | Caros oficineiros,
Para esta oficina, quero fazer 'hands of', resumos de cada sessão, para nunca perdermos o fio da meada. E, para isso funcionar bem, queria que alguém, dentre vocês, organizasse um grupo. É assim: registra-se o grupo em www.grupos.com.br ou outro provedor que ofereça esse serviço (yahoo também tem, mas esse do grupos é o que me pareceu funcionar melhor); tem-se então um endereço eletrônico único, através do qual todos os inscritos no grupo recebem mensagens. Tem que haver um coordenador. Em outras oficinas, isso funcionou bastante.
Na próxima sessão, quero voltar à pergunta que Paulo fez, depois da interpretação daquela frase do Major de Sagarana, Galinha tem de muita cor, mas todo ovo é branco: será que essa interpretação estava nas intenções de Guimarães Rosa? (lembrando: relacionei à questão do universal e do particular, da unidade e da diversidade, e às mitologias nas quais o ovo é a origem do cosmos ou um símbolo da perfeição).
A seguir, ainda, dois trechos de Guimarães Rosa, da correspondência dele para Meyer-Clason, seu tradutor para o alemão.

ADENDO I: DA CORRESPONDÊNCIA DE GUIMARÃES ROSA PARA MEYER-CLASON:

Naturalmente, nela [na tradução de Corpo de Baile por Edoardo Bizzarri] há trechos e passagens “obscuros”. Mas o Corpo de Baile tem que ter passagens obscuras! Isso é indispensável. A excessiva iluminação, geral, só no nível do raso, da vulgaridade. Todos os meus livros são simples tentativas de rodear e devassar um pouquinho o mistério cósmico, esta coisa movente, impossível, perturbante, rebelde a qualquer lógica, que é a chamada “realidade”, que é a gente mesmo, o mundo, a vida. Antes o obscuro que o óbvio, que o frouxo. Toda lógica contém inevitável dose de mistificação. Toda mistificação contém boa dose da inevitável verdade. Precisamos também do obscuro.
[...]
Observo, também, que quase sempre as dúvidas decorrem do “vício” sintático, da servidão à sintaxe vulgar e rígida, doença de que todos sofremos. Duas coisas convém ter sempre presente: tudo vai para a poesia, o lugar-comum deve ter proibida a entrada, estamos é descobrindo novos territórios de sentir, do pensar, e da expressividade; as palavras valem “sozinhas”. Cada uma por si, com sua carga própria, independentes, e às combinações delas permitem-se todas as variantes e variedades.

RESUMOS DAS TRÊS PRIMEIRAS OFICINAS GUIMARÃES ROSA – CAP, DE 07, 14 E 21 DE MARÇO

1. Metodologia: a de sempre (‘a oficina são vocês’, etc).
2. Bibliografia – minha recomendação de que só examinem peças da extensa ensaística sobre GR depois de lerem suas obras: em caso contrário, acabarão por ver na obra o que está no ensaio, deixando de lado outras dimensões do significado; idem com relação aos dicionários e glossários de GR: o sentido não é dado pela soma dos significados das palavras.
3. Bibliografia, II: Minha principal fonte é o que o próprio Guimarães Rosa tinha a dizer sobre sua obra, especialmente em João Guimarães Rosa – Correspondência com seu tradutor alemão Curt Meyer-Clason (1958-1967), Nova Fronteira, editora da UFMG e ABL, e João Guimarães Rosa – Correspondência com seu tradutor italiano Edoardo Bizzarri, também pela Nova Fronteira; complementando, a recente edição dos Cadernos de Literatura Brasileira do Instituto Moreira Salles dedicada a Guimarães Rosa, com ensaios importantes, biografia detalhada, bibliografia, dossiê sobre GR na Alemanha etc.
4. O regionalismo e o vocabulário de Guimarães Rosa: além das expressões regionais, tradicionais, há aquelas do repertório erudito; há palavras inventadas, os neologismos (na terceira oficina li trechos da sua defesa dos neologismos e da invenção de palavras em um dos ‘prefácios’ de Tutaméia, o Hipotrélico), as adaptações de expressões e modos do árabe, grego, latim, até do húngaro, além de construções como o Moimeichego, personagem de Cara de Bronze (Moimeichego: moi + me + ich + ego, ou seja, quatro vezes eu...): a compreensão de alguns termos tem que ser intuitiva, por conta da imaginação do leitor; além disso, invenções de GR estão no plano da sintaxe e não apenas lexical.
5. Regionalismo e universalismo em Guimarães Rosa: por exemplo, as listas de transcrições de trechos da Divina Comédia de Dante, conforme suas cartas a Bizarri, mais os trechos de Plotino, etc; intertextualidade, leitura e criação literária.
6. A propósito, a obra de GR como literatura de síntese, superando a antinomia entre os beletristas (beletrismo como elitismo, signo de separação de classes) e os regionalistas; o modo como GR virou o beletrismo ao avesso.
7. O tempo em GR: histórias escritas e a serem lidas ‘sem pressa’: Tempo rural, ‘no ritmo da boiada’? (observado por MH) ‘Tempo mineiro’? (conforme JC) Outro tempo? Qual tempo? Pausas e silêncios nas narrativas de GR (AR)? (assuntos para voltarmos a discutir)
8. Língua falada e transmissão oral em GR, com suas narrativas na primeira pessoa (inclusive Grande Sertão: Veredas) ou quase que totalmente de diálogos (inclusive O Burrinho Pedrês); a poesia e a fala (qualidades poéticas como ritmo e prosódia são do registro oral, e não escrito); a escrita poética: exemplos de prosa poética, inclusive em O Burrinho Pedrês e Sarapalha; o significado da inserção de poemas do cancioneiro popular (que são transmitidos oralmente); o nome Sagarana – de saga, sage em alemão, do verbo sagen, dizer, falar.
9. Um exemplo de valorização do oral: o Major analfabeto de O Burrinho Pedrês, porém um sábio, capaz de filosofar – mostrei algumas das conseqüências da afirmação sobre ovos da mesma cor e galinhas de todas as cores.
10. A propósito (de buscar ovos em Platão e em cosmogonias arcaicas): isso estava nas intenções de GR? Visão de mundo e criação literária; a importância que GR dava à visão de mundo, cf. a correspondência para Meyer-Clason; por outro lado, o sentido e interpretação do texto como relação entre leitor e obra: ou seja, o sentido não se reduz às intenções do autor (a propósito, a frase de Mallarmé, meu caro Degas, poesia não se faz com idéias, poesia se faz com palavras...).
11. Correlatamente, a questão da relação entre autor e obra; a complexidade dessas relações (citei exemplos).
12. Ainda sobre a questão do sentido e da interpretação (aqui, já estamos na terceira oficina): a teoria dos três níveis de interpretação ou significação: 1, o sentido literal, 2, a leitura alegórica, 3, o significado anagógico (Dante), ou seja, metafísico, transcendental; prefiro pensar em dois níveis, conteúdo manifesto e latente, como na psicanálise (e também  para os cabalistas, o sentido evidente e aquele oculto da escritura sagrada: voltaremos ao tema da afinidade de GR com Cabala e disciplinas herméticas).
13. Magia em O Burrinho Pedrês e outras narrativas de GR: a relação entre a palavra e o mundo, ou entre o simbólico e o ‘real’ (voltaremos a esse assunto).
14. Possibilidades de interpretação simbólica, por exemplo, os nomes e o nome do burrinho ‘pedrês’, Sete de ouros.
15. A “lei” em O Burrinho Pedrês: o que significa isso? Como se projeta em outras narrativas de GR, inclusive Sarapalha e A volta do marido pródigo? (a complementaridade dessas duas narrativas, uma como avesso da outra)
16. O detalhamento geográfico (os 19 e 43 graus N e O de Duelo) e a nomeação detalhada: o que significa, como pode ser interpretado?
17. O que tudo isso – inclusive o que foi tocado nos dois últimos tópicos – nos esclarece sobre o ‘mundo’ de GR, incluindo suas dimensões propriamente sociológicas e políticas?

ADENDO II: TRÊS CITAÇÕES:

Octavio Paz, em Conjunções e Disjunções, Editora Perspectiva, São Paulo, 1979:

As culturas chamadas primitivas criaram um sistema de metáforas e de símbolos que, como mostrou Lévi-Strauss, constituem um verdadeiro código de símbolos, ao mesmo tempo sensíveis e intelectuais: uma linguagem. A função da linguagem é significar e comunicar os significados, mas nós, homens modernos, reduzimos o signo à mera significação intelectual e a comunicação à transmissão da informação. Esquecemos que os signos são coisas sensíveis e que operam sobre os sentidos. O perfume transmite uma informação que é inseparável da sensação. O mesmo sucede com o sabor, o som e outras expressões e impressões sensoriais. O rigor da “lógica sensível” dos primitivos nos fascina por sua precisão intelectual: não é menos extraordinária a riqueza das percepções: onde um nariz moderno não distingue senão um cheiro vago, um selvagem percebe uma gama definida de aromas. O mais assombroso é o método, a maneira de associar todos esses signos até tecer com eles séries de objetos simbólicos: o mundo convertido numa linguagem sensível. Dupla maravilha: falar com o corpo e converter a linguagem em um corpo.

Mircea Eliade, do Tratado de História das Religiões:

Uma das principais diferenças que separa o homem das culturas arcaicas do homem moderno reside justamente na incapacidade deste último para viver sua vida orgânica (em primeiro lugar a sexualidade e a nutrição) como um sacramento. (...) Nada são senão atos fisiológicos para o moderno, embora sejam, para o homem das culturas arcaicas, sacramentos, cerimônias cuja mediação serve para comungar com a força que representa a própria vida.

De A TÁBUA ESMERALDA, atribuída a Hermes Trismegisto (século II d.C.)

É verdade, sem mentira, certo e muito autêntico.
O que está em baixo é como o que está em cima, e o que está em cima é como o que está em baixo; por estas coisas se fazem os milagres de uma só coisa.
E como todas as coisas são e provêm se UM, pela meditação de UM, assim todas as coisas nasceram desta coisa única, por adaptação.
O Sol é seu pai, a Lua a mãe. O Vento trouxe no ventre. A Terra é sua alimentadora ama e o seu receptáculo. O Vento trouxe-a no ventre. O Pai de tudo, o TELESMA do mundo universal, está aqui. A sua força ou potência fica inteira, se for convertida em terra.
Separarás a terra do fogo, o subtil do espesso, brandamente, com grande indústria. Ele sobe da terra ao céu e de novo baixará a terra, e recebe a força das coisas inferiores.
Terás por esse meio a glória do mundo; e, por isto também, toda a obscuridade se afastará de ti.
É a força, forte de toda a força, pois vencerá toda a coisa subtil e penetrará em toda a coisa sólida.
Assim, o mundo foi criado.
Daqui sairão admiráveis adaptações, cujo meio está aqui.
Por isso fui chamado Hermes Trimegisto, porque possuo as três partes da filosofia universal.
O que disse aqui da Obra solar está cumprido e acabado.

OFICINA GUIMARÃES ROSA – CAP: RESUMO DA QUARTA SESSÃO, DE 28/03

1. De qual dos relatos de Sagarana eu gosto mais? MH respondeu, corretamente, que é São Marcos. Ao lerem esta narrativa, procurarão verificar os motivos da minha preferência.
2. A “lei” em Sagarana: corretamente, foi observada a diferença entre ordem do costume e lei civil. Associei essa dualidade – costume vs. lei civil formalmente codificada – a duas categorias sociológicas, sociedade e comunidade. Lei civil prevalece na sociedade; ordem do costume, na comunidade. Observem como, em todos os relatos de Sagarana, porém de modos diferentes em cada um deles, a ordem do costume, a tradição, sempre é afirmada e prevalece sobre a lei civil. (em dose dupla em Minha Gente)
3. A precisão topográfica e geográfica, o detalhamento em GR (inclusive os 19 e 43 graus N e O de Duelo), e minha recomendação de lerem esse conto acompanhado-o em um mapa. Mostrei como há um limite para esse detalhamento; passado o rio Pará de Minas, fora da mesopotâmia entre o Rio das Velhas e o Paraopeba, como ele diz, a especificação geográfica desaparece: é tudo “o” Guaxupé, “o” São Paulo, assim como “o” Divinópolis e “o” Rio de Janeiro em A Volta do Marido Pródigo: nada é descrito desses lugares.
4. Dimensões metafísicas desse mundo tradicional e do tradicionalismo de GR: a associação platônica da origem à perfeição (da qual os ovos do Major de O Burrinho Pedrês são um símbolo ou metáfora); li trechos de Frances Yates, de Giordano Bruno e a Tradição Hermética, sobre a valorização do passado entre os neo-platônicos da Renascença, de sua busca do ouro antigo, original e primitivo, do qual os metais menos nobres do presente e do passado imediato eram uma degenerescência ou uma corrupção; voltarei ao assunto.
5. A percepção do real, a relação entre realidade e símbolo, nesse mundo primitivo: confrontem trechos como aquele da descrição da boiada a partir do seu rastro em Minha Gente, e principalmente aquelas da natureza em São Marcos, com o trecho de Octavio Paz sobre linguagem sensível que eu já havia enviado em separado e que li na oficina.
6. A propósito de comentários sobre leitura em voz alta de GR: o importante não é ler GR em voz alta; é ouvir o texto, ao lê-lo.
7. Em Minha Gente, reparem nos choques de códigos: por exemplo, nos diálogos dos enxadristas, e como isso é metáfora ou sugestão das relações entre o universal e o particular.
8. Em São Marcos, localizem os parágrafos em que é justificado o uso de linguagem e vocabulário estranho, de modo até mesmo menos mistificador do que em Hipotrélico.
9. GR reconstitui um mundo mítico: mas o que é o mítico? o que é o mito? reflitamos e retornemos ao assunto na próxima sessão.

OFICINA GUIMARÃES ROSA – CAP: RESUMO DA QUINTA SESSÃO, DE 11/04

1. Na abertura da sessão, li trechos do ensaio Leilão divino, tribunal jagunço, de Fábio de Souza Andrade (revista Literatura e Sociedade, USP-FFLCH-DTLLC, n. 6, 2001-2002), que fala do modo rosiano de ver o mundo, uma perspectiva informada por elementos de explicação mágico-mítica da realidade (de origem na filosofia neo-platônica e na sabedoria e religião populares). O que expus a seguir, e talvez tenha parecido uma espécie de viagem psicodélica ou exercício de extrapolação e furor pedagógico de minha parte – com as explanações sobre o mito do demiurgo no Timeude Platão, o ‘pequeno deus’ criador do mundo, sobre o demiurgo gnóstico, mau e incompetente, e sobre Hermes-Toth do hermetismo, criador da linguagem (também comentado por Platão, no Fedro), sobre magia, o símbolo ativo e com poderes, e sobre a concepção cabalística da linguagem (inclusive contando a lenda do Golem) –, nada mais foi do que a tentativa de detalhar isso, trocar em miúdos, esclarecer o que vem a serexplicação mágico-mítica da realidade. Tudo o que foi exposto é perfeitamente compatível com o pensamento e as intenções de Guimarães Rosa – tanto é, que sua correspondência a Meyer-Clason, ele indica os trechos de Plotino (o grande filósofo e místico neo-platônico do séc. II d.C) que transcreveu no conto Cara de Bronze.
2. Também li, a propósito da jagunçada e dos confrontos em A Hora e Vez de Augusto Matraga e, em maior grau, em Grande Sertão: Veredas, esta citação de Eric Hobsbawn, do ensaio já citado de Fábio de Souza Andrade: Em política, os bandidos tendem a ser tradicionalistas revolucionários, convertidos em símbolo ou ponta de lança da resistência de toda ordem tradicional contra as forças que a desagregam e destroem.
3. Mito e logos: Li os trechos de Mito e Realidade de Mircea Eliade (Perspectiva, São Paulo, 1972) em que o estudioso de história das religiões distingue entre as histórias verdadeiras, os mitos de origem, cuja recitação é uma cerimônia, que pertencem à esfera do sagrado para as sociedades tribais e que conferem poder a quem os recita, e as histórias falsas, fábulas e contos. Falei algo também sobre os xamãs, feiticeiros ou sacerdotes tribais, objeto de estudos importantes de Eliade.
4. Comentei a justificativa da linguagem estranha e anacrônica em São Marcos – pg. 275, no trecho sobre os bambus. Chamei a atenção para esta frase de São MarcosE não é sem assim que as palavras têm canto e plumagem – comparem com o trecho de Octavio Paz sobre linguagem sensível nas sociedades primitivas, que já havia enviado. Detive-me nas glossolalias, fonemas não-semantizados, em São Marcos: os nomes de reis assírios no bambuzal, o Pepp or pepp, epp or see... Pepe orpépe, heppe Orcy – falamos, a propósito, sobre mantras e outras modalidades de fonemas não-semantizados. Ao final deste resumo, algumas citações de Octavio Paz sobre glossolalias como linguagem mágica e como poesia.
5. Ficou claro (espero) que São Marcos serve como chave para a compreensão de aspectos da obra de Guimarães Rosa. Nele, entramos em pleno domínio da bruxaria: seu protagonista não acredita em feitiçarias, estabelece um confronto com um feiticeiro rural, salva-se através de uma prece mágica. Para um dos estudiosos de Guimarães Rosa, José Carlos Garbuglio (Guimarães Rosa, o pactário da língua, Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, nº 22, USP, São Paulo, 1980 – recentemente, Garbuglio publicou um livro sobre Guimarães Rosa: Rosa em 2 Tempos, ed. Nankin, 2005) esse relato conteria uma poética e uma metáfora da poesia, justamente por falar do poder da palavra, capaz de agir sobre o real. O aparente sem-sentido pode ter sentidos ocultos, insuspeitos, até para o seu enunciador, como é dito a propósito da enumeração cravada no bambuzal. O relato é todo metalingüístico, pois nele há uma relação entre dois textos, ou dois discursos. Um deles, mágico, ou sobre a magia, enunciado pelos protagonistas. Outro, que equivale à linguagem da própria natureza. Momentaneamente cego, o protagonista ouve um araçari queensaia e reensaia discursos irônicos; ele escuta os cantos de outros pássaros e outros ruídos de animais; sente e reconhece a vegetação, identifica cada vegetal; reconhece o terreno; vai percebendo, cada vez com maior clareza, que está em um labirinto. Recitando uma fórmula mágica, consegue sair do labirinto e livrar-se da cegueira. O que Guimarães Rosa descreve é a relação do homem primitivo com seu mundo, sensível e significativo, por isso mesmo possível de ser descrito e também subjugado pela linguagem mágica, cujos termos guardam relações analógicas, simpáticas, com as coisas, assim como, em um determinado momento, os bambus são os barbudos reis assírios. São Marcos é um conto hermético e iniciático sobre a percepção da linguagem sensível e do mundo (arcaico e natural) como sentido. Por isso, o relato termina com uma cena de selvageria, uma explosão de fúria: é o selvagem recuperado pelo protagonista, que agora tem o poder dado pela fórmula mágica (metaforicamente, pela poesia).
6. Próxima sessão: vamos repassar Sagarana, esclarecer, examinar dúvidas: releiam, tragam perguntas e comentários. E já podem iniciar a leitura de Primeiras Estórias, ao qual dedicaremos as duas últimas sessões desta oficina.

ADENDO III: AS GLOSSOLALIAS

Correspondem ao dom de “falar em línguas”, a manifestação pentecostal do Espírito relatada em Atos dos Apóstolos 2, guardando semelhança, no âmbito do cristianismo, com o que ocorre em cultos batistas ou pentecostais. A emissão de glossolalias é um ato coerente: nomear um deus oculto requer uma linguagem secreta, acessível e inteligível apenas ao iniciado. O conhecimento intransitivo, sem objeto, só pode ser expressado através de uma linguagem igualmente intransitiva. Corresponde a uma resposta a estas perguntas feitas por Scholem, a propósito de misticismo e sua relação com a linguagem, e do anseio dos místicos pela auto-expressão:

Como é possível dar expressão verbal ao conhecimento místico, que por sua própria natureza está relacionado com uma esfera de onde linguagem e expressão se acham excluídas? Como é possível parafrasear adequadamente em meras palavras o mais íntimo de todos os atos, o contato do indivíduo com o Divino? (Scholem, As Grandes Correntes da Mística Judaica, ed. Perspectiva, )

Glossolalias, “falar em línguas”, são examinados por Octavio Paz. Comenta sua difusão e caráter esotérico:

O “dom de línguas” não foi um fenômeno exclusivo das comunidades cristãs dos primeiros séculos. É anterior a elas e se encontra na multidão de cultos orientais mediterrâneos desde a alta Antiguidade. Aparece também em outros movimentos religiosos contemporâneos do cristianismo primitivo. Os gnósticos entremeavam seus hinos e discursos de sílabas e palavras sem sentido. Em seu tratado contra os gnósticos, Plotino os censura por pretenderem encantar as inteligências superiores com a emissão de gritos, exalações e assobios. Entre os textos descobertos em Nag Hammadi há vários que incluem essas silabas e interjeições a que se refere Plotino. Em O discurso do oito e do nove lê-se: “O Perfeito, o Deus invisível ao qual se fala em silêncio (...) é o melhor entre os melhores. Zozhatzo oo ee ooo ee oooooo uuuuu oooooooooooo Zozazoth”. Extraordinária afirmação: ao pronunciar esses sons incoerentes o devoto diz o nome de Deus escondido em sua intimidade. Deus se revela num nome, mas esse nome é ininteligível: trata-se de uma sucessão de sílabas (Leitura e Contemplação, em Paz, Convergências – Ensaios sobre arte e literatura, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1991, assim como as citações seguintes)

Manifestações da crença na analogia universal, glossolalias são uma tentativa de expressar-se através da linguagem total, duplo do universo. Uma linguagem, como iria dizer Paz a respeito dos mantras budistas e, especialmente, tântricos, que:

[...] apaga a distinção entre a palavra e o ato, reduz o signo a mero significante, multiplica e troca os significados, concebe a linguagem como um jogo idêntico ao do universo, no qual o lado direito e o esquerdo, o feminino e o masculino, a plenitude e a vacuidade, são um e o mesmo – linguagem que tudo significa, e que, em suma, não significa nada.

A tentativa de produzir duplos do universo através de fonemas é uma exacerbação do pensamento analógico. Por isso, reaparece na poesia:

Assim, na história da poesia moderna, reaparece a mesma obsessão dos gnósticos e dos cristãos primitivos, dos montanistas e dos xamãs da Ásia e da América: a busca de uma linguagem anterior a todas as linguagens e que restabeleça a unidade do espírito. Embora intraduzível para tal ou qual significação, essa linguagem não carece de sentido. Mais exatamente: aquilo que enuncia não está antes, mas depois da significação. Não é um balbuciar pré-significativo: é uma realidade ao mesmo tempo física e espiritual, audível e mental, que transpôs o domínio dos significados e os incendiou. Não é mais o sentido, está além dele. O dizer deixa de significar: mostra realidades que são ininteligíveis e intraduzíveis, mas não incompreensíveis. Não significa, e ao mesmo tempo está impregnado de sentido.

OFICINA GUIMARÃES ROSA – CAP, RESUMO DA SEXTA SESSÃO, DE 18/04

1. Prolongamento de oficina: fiquei contente com interesse, satisfação e participação ativa. Para uma futura oficina, ou até para irem trabalhando por conta própria, recomendaria Campos de Carvalho – Obra Reunida pela ed. José Olímpio, tem nas livrarias. Prosador extraordinário, não está sendo estudado (no pólo oposto de GR, que é hiper-estudado).
2. Questões apresentadas pela oficina: Em quais contos de Sagarana o protagonista não é nomeado, não tem nome? (ou dos oficineiros atentos e bons leitores): Minha Gente e São Marcos – nos dois, os protagonistas são de fora, exteriores à sociedade arcaica.
3. Questões apresentadas pela oficina, II: Em quais contos de Sagarana não tem mulher? (ou dos oficineiros atentos e bons leitores, bis): igualmente, São Marcos – a propósito, li trechos de Gershom Scholem, As Grandes Correntes da Mística Judaica (ed. Perspectiva), sobre a exclusão da mulher na cabala e outras correntes do misticismo judaico, nisso contrastando com religiões pagãs, nas quais, em algumas, divindades femininas são centrais (Isis, Ishtar, p. ex).
4. O negro em São Marcos e outras passagens de GR (AR, MC e outros) – fica claro, neste e em outros aspectos, que ele registra o tipo de estratificação de sociedades tradicionais, hierarquizadas;
5. Tradicionalismo em GR: repeti que, para os hermetistas, esoteristas, neo-platônicos, gnósticos, etc, o mais antigo é valorizado por, sendo antigo, estar mais próximo da origem; portanto, da perfeição, da unidade perdida (segui a argumentação de Frances A. Yates em Giordano Bruno e a Tradição Hermética).
6. Com esse tradicionalismo todo, com essa valorização toda de sociedades arcaicas ou tradicionais, poderia, ainda assim, GR ser considerado rebelde ou revolucionário? Sobre o rebelde que aspira à restauração dos prestígios nefastos do mito, li os trechos de Octavio Paz em Revolta, Revolução e Rebelião (faz parte de Signos em Rotação, ed. Perspectiva), transcritos a seguir (reaproveitando algo da minha tese); também li trechos do já citado As Grandes Correntes da Mística Judaica de Gershom Scholem, sobre misticismo revolucionário e subversivo, igualmente transcritos a seguir.
7. Li e comentei trechos do importante ensaio de Paulo Rónai que abre Primeiras Estórias, sobre a criação de vocábulos e de formas sintáticas e sobre a produção do sentido em GR, como estratégias para inquietar o leitor, para ampliar sua percepção; citei os exemplos do vocábulo grego,sebastos, e dos trocadilhos húngaros sobre czardas. Fica claro que, em GR, a linguagem não é uma coisa, mas um processo; trata-se de linguagem em movimento, cujo sentido é algo em permanente criação: o rio de Heráclito, contraposto ao Ser fixo de Parmênides.
8. A epistemologia de GR: o contraste entre realismo e idealismo, ou, em literatura, entre realismos e subjetivismos, é resolvido ou superado pela adição de um terceiro termo: o outro – daí seus relatos feitos de falas, de vozes de personagens, de outros sujeitos.
9. Próxima sessão: leremos pelo menos até a metade de Primeiras Estórias.

ADENDO V: O REBELDE E O MITO

Octavio Paz termina Revolta, Revolução e Rebelião com observações sobre a mudança de significado dos termos revolução e revolta na modernidade, e como estão associados a diferentes concepções do tempo:

Revolução é uma palavra que contém a idéia do tempo cíclico e, em conseqüência, a de regularidade e repetição das mudanças. Mas a acepção moderna não designa o eterno retorno, o movimento circular dos mundos e dos astros, e sim a mudança brusca e definitiva na direção dos assuntos públicos. Se essa mudança é definitiva, o tempo se rompe, e começa um novo tempo, retilíneo. A nova significação destrói a antiga: o passado não voltará e o arquétipo do suceder não é o que foi, e sim o que será. (Paz, Signos em Rotação, Perspectiva, São Paulo, 1972, assim como a citação seguinte)

Semelhante mudança afeta, por sua vez, o sentido dos outros dois termos examinados por Paz, revolta e rebelião:

[...] a palavra guerreira, rebelião, absorve os antigos significados de revolta e revolução. Como a primeira, é protesto espontâneo frente ao poder; como a segunda, encarna o tempo cíclico que põe acima o que estava abaixo, em um girar sem fim. O rebelde, anjo caído ou titã em desgraça, é o eterno inconformado. Sua ação não se inscreve no tempo retilíneo da história, domínio do revolucionário ou do reformista, mas no tempo circular do mito: Júpiter será destronado, Quetzacoatl voltará, Luzbel regressará ao céu. Durante todo o século XIX o rebelde vive à margem. Os revolucionários e os reformistas o vêem com a mesma desconfiança com que Platão vira o poeta e pela mesma razão: o rebelde prolonga os prestígios nefastos do mito.

MISTICISMO REVOLUCIONÁRIO E SUBVERSIVO

Conforme Scholem, misticismo aparece quando o abismo entre o humano e o divino, tornado um fato da consciência interior em um estágio do desenvolvimento das religiões, aquele que corresponde à sua forma clássica, como religião institucional, se torna objeto de

[...] uma investigação do segredo capaz de fechá-lo [a esse abismo], do caminho oculto que permite transpô-lo. [o místico] Tenta reagrupar os fragmentos quebrados pelo cataclismo religioso, recuperar a antiga unidade que a religião destruiu, mas num novo plano, onde o mundo da mitologia e o da revelação se encontram na alma do homem. Destarte, a alma se transforma em seu cenário, e a trajetória da alma através da multiplicidade abismal das coisas em direção à realidade Divina, agora percebida como a unidade primordial de todas as coisas, se torna sua principal preocupação. (Scholem, Gershom G, As Grandes Correntes da Mística Judaica, Perspectiva, São Paulo, 1995, assim como a citação seguinte)

Para Scholem, isso ocorre em um terceiro estágio da história das religiões: seu aparecimento [do misticismo] coincide com o que se poderia chamar de período romântico da religião. Corresponde a uma revivescência do pensamento mítico, ou seja, daquilo que caracteriza uma etapa inicial, precedendo as religiões institucionais ou normativas. Observou que os símbolos da Cabala se apresentam invariavelmente coloridos pelo mundo da mitologia, e associou esse retorno do mito – visto como vingança do mito sobre seu conquistador –ao gnosticismo. O gnosticismo, e os misticismos dele derivados ou a ele relacionados, têm, portanto, um caráter subversivo:

[...] cumpre ter em mente que todo o significado e objetivos daqueles mitos e metáforas antigos, cujos restos os redatores do livro Bahir e portanto toda a Cabala herdaram dos gnósticos, era simplesmente a subversão da lei que, em sua origem, perturbara e rompera a unidade do mundo mítico. Destarte, através de amplas e disseminadas regiões do cabalismo, a vingança do mito sobre seu conquistador é clara aos olhos de todos [...]

Scholem associa tais tentativas de subverter e revolucionar a doutrina estabelecida a um período romântico das religiões, uma espécie de terceira etapa, seguindo-se ao primitivo panteísmo e à afirmação e consolidação dos grandes monoteísmos, das religiões institucionais. Há um primeiro estágio, uma época mítica, característica da infância da humanidade; que reaparece no misticismo como revanche do mítico contra o racional. Naquele estágio inicial, diz Scholem, a Natureza é o cenário da relação entre o homem e Deus, que corresponde à:

A imediata consciência da inter-relação e da interdependência das coisas, de sua unidade essencial, que precede a dualidade e nada sabe da separação, o universo verdadeiramente monístico da era mítica do homem [...]

----- Original Message -----
From: HF
To: Willer
Sent: Monday, April 23, 2007 4:29 PM
Subject: oficina

CARO WILLER,
QUANTO A A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA, ALGUNS COMENTÁRIOS QUE NÃO TIVE CORAGEM DE COLOCAR AO VIVO. ESTRANHEI QUE O NOME DOS CASAL DE PRETOS SÓ APARECE NO FIM, QUITÉRIA E SERAPÍÃO; E TAMBÉM QUE O FIM DESTE CONTO NÃO RE-ENCONTRA OS PERSONAGENS DONA DIONÓRA E MAJOR CONSILVA, COMO EU PENSAVA.
COMO TÉM VÍRGULAS ESTE TEU G. ROSA, MUITOS ESPINHOS....
DESCULPE DISCORDAR DE TUA AFIRMATIVA QUE NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMI NÃO SE REZA DIRETAMENTE A DEUS. VEJA ESTE TRECHO DE MATEUS 6, 6: QUANTO A TI, QUANDO QUISERES ORAR, ENTRA EM TEU QUARTO MAIS RETIRADO, TRANCA A TUA PORTA, E DIRIGE A TUA ORAÇÃO A TEU PAI QUE ESTÁ ALI, NO SEGREDO. E TEU PAI, QUE VÊ NO SEGREDO, TE RETRIBUIRÁ.  NO VELHO TESTAMENTO, MUITOS SE DIRIGEM A DEUS DIRETAMENTE, ORA PEDINDO, ORA REZANDO - NO LIVRO DE JÓ, POR EXEMPLO.  E MOISÉS, ABRÃO, TODOS....
ENFIM, É UM DETALHE NA IMENSIDÃO CULTURAL DE SUAS OFICINAS.
ABRAÇO,
HF

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H,
Quanto à sua pergunta sobre os destinos dos personagens de Matraga, e de alguns desses personagens serem deixados de lado, você toparia um exercício avançadíssimo e bem ousado de comparação literária?
Consiste no seguinte: comparar A Hora e Vez de Augusto Matraga com um conto de Borges - A Escrita de Deus, de O Aleph - e achar através dessas leituras a resposta à sua pergunta. Que tal? Outros oficineiros também podem tentar.
Quanto a falar com Deus, tema interessantíssimo, eu posso tratar disso na oficina de amanhã. Desde já adianto que, nos grandes monoteísmos, isso de falar sobre Deus através de glossolalia, ou de Deus manifestar-se desse modo, é coisa de místicos, e de heréticos. Culpa dos filósofos, que sempre complicam tudo. Nas tradições canônicas, centrais, assim como na religião popular, a interlocução é direta, como você bem observa.

OFICINA GR-CAP, RESUMO DA SÉTIMA SESSÃO, DE 25/04

1. As questões incendiárias levantadas por HF, I: Falar com Deus. Ficou claro, então, que proferir glossolalias, “falar em línguas”, no judaísmo e no cristianismo, é coisa de místicos, às margens da ortodoxia ou heréticos, e não da religião normativa, institucional (pode ser de seitas e grupos específicos, como os carismáticos, como bem lembrou MH). Citei Paulo em 1 Coríntios: 14Dou graças a Deus por falar em línguas mais que todos vós. Mas, numa assembleia, prefiro dizer cinco palavras com a minha inteligência, para instruir também os outros, a dizer dez mil palavras em línguas. Sobre místicos, a observação de Gershom Scholem a propósito de misticismo e sua relação com a linguagem, e do anseio dos míticos pela auto-expressãoComo é possível dar expressão verbal ao conhecimento místico, que por sua própria natureza está relacionado com uma esfera de onde linguagem e expressão se acham excluídas? Como é possível parafrasear adequadamente em meras palavras o mais íntimo de todos os atos, o contato do indivíduo com o Divino?
2. As questões incendiárias levantadas por HF, II: o abandono de personagens em Matraga, a ex-mulher e filha que ficam para trás. Para entender isso, é preciso levar em conta a lógica do dualismo: se alguém teve a revelação, o contato com o Absoluto, então as coisas desse mundo não interessam mais. Ilustrei com um conto de Borges, de O AlephA escrita do deus. Ao final, um texto meu comentando A escrita do deus de Borges.
3. A propósito de Borges e GR: São autores bem diferentes. Borges me parece mais voltado para a mensagem (transmite com precisão enredos, mensagens, que são impossíveis, fantásticos), enquanto GR seria mais voltado para o código (as invenções vocabulares, contorções da sintaxe, etc). Convergem, contudo, na visão platônica do mundo (bem mais pessimista em Borges). Há um conto de GR, Desenredo, de Tutaméia, que me parece bastante borgeano (a história do marido que se reconcilia com a mulher que o traiu, e como isso faz com que o passado vá sendo transformado).
4. As questões incendiárias levantadas por HF, III (e por outros oficineiros): Deus e GR. Li trechos do ensaio de Günter Lorenz sobre Grande Sertão: Veredas incluído na correspondência GR – Meyer-Clason, inclusive este: Neste mundo trágico e cheio de tensão reinam deuses que só aparentemente recuaram ante o cristianismo, mas que, na realidade, são forças motrizes dele, em que ainda se fiam e aos quais obedecem um povo e um continente inteiro. GR gostou do ensaio, o que era raro (implicava com ensaístas). Paganismo, politeísmo em GR? Não haveria contradição com uma narrativa tão cristã como A hora e vez de Augusto Matraga? (com um padre indicando o caminho etc) Isso me leva a ver GR como autor de uma tentativa de síntese não só literária (de literatura regional e universal, do beletrismo e coloquialismo modernista, das narrativas regionalistas e narrativas de introspecção, conforme foi visto), mas metafísica e religiosa (do paganismo e cristianismo, monoteísmo e politeísmo, talvez).
5. Outras questões levantadas por HF, com a colaboração de MH, AR e outros oficineiros: o casal de negros que só recebe nomes ao final, sendo que nomes, em GR, são importantíssimos, pois constituem a realidade, têm peso mágico. Aparentemente, eles têm nomes só após o momento decisivo, quando Matraga tem a revelação e se encaminha para a realização de seu destino.
6. Reaparecem as glossolalias em Primeiras Estórias? Em qual dos contos? Em Sorôco, sua mãe, sua filha – o conto é especificamente sobre o “falar em línguas”.
7. Comparações entre Sagarana e Primeiras Estórias, I: metalinguagem. Quais relatos de Sagarana e de Primeiras Estórias são metalingüísticos, sobre a própria linguagem? Em Sagarana, metalingüístico é São Marcos, que contém uma poética. A digressão sobre a linguagem às pgs. 274-275 não é uma digressão, mas uma espécie de recado, avisando que o restante também é sobre a linguagem – como já havia observado, em GR nada é gratuito; tudo, inclusive as aparentes digressões, as perífrases, rodeios, tem peso, valor simbólico. Já em Sagarana há metalinguagem em Sorôco, sua mãe, sua filha; em Famigerado, um exercício de relativismo lingüístico; em Pirlimpsiquice, que é sobre a criação como entusiasmo, possessão – e há mais: procurem e acharão.
8. Comparações entre Sagarana e Primeiras Estórias, II: Primeiras Estórias não é mais exclusivamente regional: já o primeiro dos relatos, antes um poema em prosa, é sobre a construção de Brasília. A dimensão universal de GR como que se destaca.
9. Comparações entre Sagarana e Primeiras Estórias, III: A oficina achou Primeiras Estórias mais acessível, inclusive pela menor extensão dos relatos. Mas fiz duas observações. Uma, que a legibilidade de GR aumentou em função do estágio em Sagarana. Outra, que é preciso estar atento para a dimensão simbólica: tudo tem sentidos ocultos, latentes, segundas intenções. Exemplifiquei com a reclamação de GR a Meyer-Clason, sobre A terceira margem do rio ter sido traduzido como Das Dritte Flussufer e não como Das Dritte Ufer des Flusses. A palavra composta,Flussufer como margem do rio, embora correta em alemão, neutralizava o sentido simbólico: Porque o “rio”, ali, é individuado como símbolo, e deve ser destacado fortemente, observou GR. É o São Francisco e também o rio de Heráclito, a vida, o devir cósmico etc. O mesmo vale para o restante. Procurem símbolos e acharão.
10. Próxima sessão: a oficina dirá quais, dos relatos de Primeiras Estórias, são os meus preferidos (A terceira margem do rio não vale, é hors-concours).

ADENDO VI: BORGES E O DUALISMO, POR WILLER (trecho de um ensaio)

Em A Escrita de Deus, de O Aleph, a ação transcorre no México do século XVI e seu protagonista é um sacerdote asteca prisioneiro dos espanhóis; mas, dos relatos borgeanos, é aquele que oferece a melhor ilustração do mito do encontro com a centelha divina ou alma verdadeira associado à gnose. Tzinacan, o sacerdote encarcerado, reconstrói pela memória as manchas na pelagem de um jaguar, animal que é um dos atributos do deus. Nelas, discerne a escrita divina, uma fórmula de catorze palavras casuais. Dizê-la o tornaria todo-poderoso, capaz de destruir seu cárcere e restaurar o reino de Montezuma:

Mas eu sei que nunca direi essas palavras, porque não me lembro de Tzinacan. [...] Quem entreviu o universo, quem entreviu os ardentes desígnios do universo não pode pensar num homem, em suas triviais venturas ou desventuras, mesmo que esse homem seja ele. Esse homem foi ele e agora não lhe importa. Que lhe importa a sorte daquele outro, que lhe importa a nação daquele outro, se ele agora é ninguém. Por isso não pronuncio a fórmula, por isso deixo que os dias me esqueçam, deitado na escuridão. (Borges, O Aleph, ed. Globo)

Em outras palavras, “eu” é, ou foi, após a gnose, um outro; mas esse outro, tendo sido, não importa mais, deixou de interessar, já era. A Escrita de Deus é, portanto, um apólogo ou parábola que expõe a lógica do misticismo contemplativo e, ao mesmo tempo, do dualismo radical: a centelha divina, alma verdadeira, anula o “eu” adventício; a gnose neutraliza as categorias do mundo; por isso, tornam-se indiferentes a liberdade ou prisão, poder ou submissão, miséria ou prosperidade.

OFICINA GUIMARÃES ROSA – CAP, RESUMO DA OITAVA SESSÃO, DE 02/05:

1. Algumas hipóteses sobre motivos da preferência de HF e outros oficineiros por Primeiras Estórias, se comparadas a Sagarana:
1.1. Universal vs. regional: Primeiras Estórias não é mais regional, exclusivamente: dos 21 contos, 7 ou são urbanos, ou poderiam ser em qualquer lugar, ou se desenrolam (o primeiro e o último) em Brasília;
1.2. Vocabulário: correlatamente, menos regionalismos, porém muito mais invenções – os trocadilhos de Darandina, os vocábulos do grego, anglicismos (o patrão ‘esmarte’ em Tarantão meu patrão) etc (a questão do universal aparece em Sagarana lateralmente, nos enxadristas deMinha gente, nas páginas sobre linguagem e vocabulário de São Marcos);
1.3. Amor, lirismo: a relação entre homens e mulheres, o amor, tema central de alguns contos, como SeqüênciaLuas de Mel e Substância;
1.4. A criança – que em Sagarana mal aparece; já em Primeiras Estórias, dos 21 contos, 7 são sobre crianças ou protagonizados por crianças, inclusive o primeiro, As margens da alegria, e o último, Os cimos. Há bastante idosos, também. O que significam as crianças e os mais velhos, sob o ponto de vista esotérico e tradicionalista? Ambos estão mais próximos da origem, do princípio: o velho, porque vai chegar lá; a criança, porque ainda não se afastou dela.
1.5. A “lei”, a dura ordem do costume, reiterada e reafirmada em Sagarana, é quebrada, relativizada ou transgredida em Primeiras Estórias(como em Luas de mel ou Os irmãos Dagobé).
2. Meus contos preferidos em Primeiras Estórias (além de A terceira margem, que, como já disse, é hors concours):
2.1. O último, Os cimos, pela prosa poética ou poesia em prosa,
2.2. O espelho, que é central na paginação, pois está no meio (e que oficineiros acharam o mais estranho): é um conto esotérico, iniciático, sobre a dissolução do mundo ilusório, das aparências, e o encontro com o verdadeiro ‘eu’, que, coerentemente, corresponde a uma criança. Reparem na estrutura do livro, que começa e termina com uma criança, e cujo centro é a descoberta da criança. Para reforçar a importância de hermetismo, misticismo e neo-platonismo em GR, ainda li as epígrafes de Plotino e Ruysbroeck em Noites do Sertão e Manuelzão e Miguilim, e trechos da entrevista de GR a Günter Lorenz, onde argumenta que seu tradicionalismo equivale a uma renovação da linguagem.
3. Metalinguagem em Primeiras Estórias: além de FamigeradoSorôcoPirlimpsiquice, conforme já visto, também é metalingüístico, e sobre a poesia, Partida do audaz navegante, de especial interesse por várias razões; entre outras, as seguintes:
3.1. Reitera a associação entre crianças e poesia – reparem no anagrama de poesia, Ah! Pois é, é mesmo (pg. 173) – para não acharem que é delírio interpretativo, mostrei o outro anagrama de poesia, de “O Cara-de-Bronze”, comentado por GR em sua correspondência para Bizarri (pg. 93) e Meyer-Clason (pg. 207): Aí, Zé, opa! (lido de trás para diante é A poesia), assim mostrando que tudo, em GR, tem segundas intenções, sentido simbólico;
3.2. A poesia é associada (assim como em passagens da sua correspondência, já citadas) a um conhecimento não-discursivo, a uma superação da lógica do discurso em Partida do audaz navegante. A propósito, o ataque aos princípios lógicos da identidade e não-contradição, no trecho sobre a Ilhazinha dos Jacarés (pg. 171), que tem e não tem jacarés...
4. Próxima sessão – releiam tudo. Façam apostila dos meus ‘hands of’. Verifiquem dúvidas, perguntas, etc.

ADENDO VII:

1. CRIPTOGRAMAS, ENIGMAS, DECIFRAÇÃO: 
A Escrita de Deus de Borges, que comentei na oficina retrasada, é uma das expressões da teoria das assinaturas divinas de Boehme e Paracelso, por sua vez caso particular da idéia das correspondências do macrocosmo e microcosmo dos hermetistas. Novalis, o poeta-filósofo do romantismo alemão, a expressou deste modo:

Diversos são os caminhos do homem. Quando são seguidos e comparados, vê-se formarem estranhas figuras, que parecem fazer parte deste grande criptograma que se entrevê em todo lugar: sobre as asas dos pássaros, sobre as cascas do ovo, nas nuvens, nos cristais e nas petrificações, à superfície das águas que se congelam, no interior e no exterior das montanhas, das plantas e dos animais, nas constelações do céu, sobre as placas de vidro ou de piche que se faz vibrar batendo nelas ou acariciando-as com um arco, na limalha que se ordena ao redor do imã e nas estranhas conjunturas do acaso. (citado em Maurice Besset, Novalis et la pensée mystique)

O mesmo seria dito, quase 130 anos depois, por André Breton em Nadja:

É possível que a vida peça para ser decifrada como um criptograma. Escadas secretas, molduras de onde os quadros deslizam rapidamente e desaparecem para dar lugar a um arcanjo de espada em riste ou para dar passagem aos que devem avançar para sempre, botões que são premidos muito indiretamente e provocam o deslocamento em altura e comprimento de toda uma sala com a mais rápida mudança de ambiente: pode-se conceber a grande aventura do espírito como uma viagem desse gênero ao paraíso dos ardis. (Breton, Nadja, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1999)

Isso vale para as decifrações, como aquela da reconstituição da boiada por seus rastros, em Minha Gente; para São Marcos; para Seqüência, emPrimeiras Estórias; e para muito mais de GR.

2. O MITO E A LINGUAGEM: 
Octavio Paz, em seu ensaio sobre Lévi-Strauss (Claude Lévi-Strauss ou o Novo Festim de Esopo, Perspectiva, 1977), diz que:

[...] o mito opera com a linguagem como se esta fosse um sistema pré-significativo: o que diz o mito não é o que dizem as palavras do mito.

Portanto, há duas coisas diferentes: uma, falar sobre o mito, tarefa do antropólogo ou do filósofo. Outra, falar a partir do mito, ou de modo mito-poético.
Isso esclarece algo sobre as características da escrita de GR?

3. ATAQUES AOS PRINCÍPIOS LÓGICOS DA IDENTIDADE E NÃO-CONTRADIÇÃO: 

A seguir, o trecho completo de Octavio Paz – está em O Arco e a Lira e também no capítulo sobre imagem poética de Signos em Rotação – sobre ataques aos princípios lógicos da identidade e não-contradição, dos “isto é aquilo” em vez de “isto ou aquilo” (como no episódio da ilha que tem e não tem jacarés de Partida do audaz navegante, em Primeiras Estórias) que LG muito apropriadamente citou do meu prefácio para Mar de Dentro:

O pensamento oriental não sofreu desse horror ao “outro”, ao que é e não é ao mesmo tempo. O mundo ocidental é o do “isto ou aquilo”. Já no mais antigo upanishada se afirma sem reticências o princípio da identidade dos contrários: “Tu és mulher. Tu és homem. És o rapaz e também a donzela. Tu, como um velho, te apóias num cajado... Tu és o pássaro azul-escuro e o verde de olhos vermelhos... Tu és as estações e os mares.” E essas afirmações o upanishada Chadogya condensa-as na célebre fórmula: “Tu és aquilo”. Toda a história do pensamento oriental parte dessa antiqüíssima afirmação, do mesmo modo que a do Ocidente se origina da de Parmênides. Esse é o tema constante da especulação dos grandes filósofos budistas e dos exegetas do hinduísmo. O taoísmo revela as mesmas tendências. Todas essas doutrinas reiteram que a oposição entre isto e aquilo é, simultaneamente, relativa e necessária, mas que há um momento em que cessa a inimizade entre os termos que nos pareciam excludentes (Paz, O Arco e a Lira, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1982)

OFICINA GUIMARÃES ROSA – CAP, RESUMO DA NONA SESSÃO, DE 09/05

1. Iniciei citando um conhecido fragmento de Novalis, poeta-filósofo do romantismo alemão: Poesia é o real absolutamente verdadeiro. Esse é o cerne da minha filosofia. Quanto mais poético, mais verdadeiro. Comparei com as declarações de GR, mostradas no início destas oficinas, sobre a poesia em sua obra: o tudo para a poesia, sua crítica ao lugar-comum e sua defesa do mistério e da obscuridade.
2. Bobagens curriculares e a leitura literal de GR, como esta pérola dos PCNs, Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (objeto de fortes críticas minhas e felizmente em processo de revisão): A literatura é um bom exemplo do simbólico verbalizado. Guimarães Rosa procurou no interior de Minas Gerais a matéria-prima de sua obra: cenários, modos de pensar, sentir, agir, de ver o mundo, de falar sobre o mundo, uma bagagem brasileira que resgata a brasilidade. Indo às raízes, devastando imagens pré-conceituosas, legitimou acordos e condutas sociais, por meio da criação estética. Mostrei as conseqüências desastrosas dessa idéia de “legitimação” de acordos e condutas sociais: iríamos “legitimar” acertos de contas sangrentos, como no final de A hora e vez de Augusto Matraga; a solução de disputas políticas e grilagem de terras por bandos de jagunços como em Grande Sertão: Veredas e outras das narrativas roseanas; a execução de foras-da-lei por policiais, como no contoFatalidade de Primeiras Estórias etc. Dos modos de leitura já expostos – literal, alegórico ou simbólico – deve-se ler GR no modo alegórico e, principalmente, simbólico, levando em conta sua filosofia, sua visão de mundo.
3. Em No Urubuquaquá, no Pinhém, volume de Corpo de Baile: mais epígrafes de Plotino e Ruysbroeck (já comentei em outras ocasiões: quem leu Plotino foi GR, não os seus sertanejos...) – as chaves alquímicas e astrológicas em O recado do morro – o enigmático “Cara-de-Bronze” (onde tem o Moimeichego, quatro vezes “eu”, que é o próprio autor) – sua variação de gêneros, parte é como se fosse peça de teatro, parte é relato, parte com a forma de roteiro de cinema, sugerindo que se trata de uma reunião de todos os modos da escrita – as notas de rodapé: a extensa enumeração de nomes de vegetais, terminando por declarar que Falta muito. Falta quase tudo; os pássaros; os personagens; as citações de cantigas; os trechos de Dante, de Platão, do Fausto de Goethe, e finalmente as passagens do Chandogya-Upanishad – ou seja, o mesmo upanishada, o mais antigo deles, citado por Octavio Paz no trecho sobre o oriente não partilhar do horror ao outro ocidental e admitir a identidade dos contrários – lembrando, essa citação de Octavio Paz surgiu na sessão passada, mencionada por LG, a propósito dos ataques ao princípio lógico da identidade e não-contradição pelas crianças-poetas de Partida do audaz navegante de Primeiras Estórias – enfim, tudo isso serviu para ilustrar a noção de hipertexto, e para caracterizar a prosa de GR como hipertexto. Esse percurso todo, dos rodapés de “Cara-de-Bronze”, passando pelo trecho já citado de Octavio Paz, até chegar às crianças-poetas de Partida do audaz navegante, está dentro de Partida do audaz navegante e “Cara-de-Bronze”, faz parte de seu sentido, entre tantas outras possibilidades de leitura e interpretação.
4. Diante disso, como ler GR? O leitor teria que ter um conhecimento equivalente a toda a simbologia e tudo o mais que está subentendido em seus relatos? Citei os trechos de GR, no Cadernos do IMS, criticando a afetação de Machado de Assis e o cerebralismo de James Joyce (críticas a meu ver não inteiramente justas: Machado é ambivalente, e Joyce não foi tão construtivista assim, lembrando seu elogio ao romantismo em Os mortos) – sem querer transformar GR em surrealista, cabe lembrar seus apelos à imaginação e à intuição. A propósito, citei o trecho em que GR manifesta sua admiração por Freud.
5. A bibliografia sobre GR: o ensaio de Walnice Galvão nos Cadernos do IMS – onde a ensaísta coincide com minhas interpretações de Primeiras Estórias, e onde acrescenta – por exemplo ao ver, como característico dessa obra, não só a presença das crianças e os velhos, mas dos excêntricos e outsiders, os loucos de Darandina e Tarantão meu patrão, os mendigos de A benfazeja, o estrangeiro de O cavalo que bebia cerveja, etc – único aspecto que eu interpretaria de modo diferente: em O cavalo que bebia cerveja penso que não há uma passagem da rejeição do estrangeiro até sua aceitação, mas ambivalência, uma simultaneidade dos dois sentimentos.
6. A infância e a reconstituição da infância em GR, como observado pela oficina – sim, mas a obra de GR não é Em busca do tempo perdido de Proust – a recuperação da infância, volta às origens, a reconquista do tempo primordial, são mitos ou temas fundadores da literatura, algo universal: interessa em GR, não a idealização e tentativa de recuperação da infância, mas o modo pessoal e particular como fez isso, e como projetou sua visão de mundo (e sua enorme cultura literária e filosófica) nessa recuperação da infância.
7. Próxima sessão: será a última desta oficina, dia 23 de maio, e não 16, com a projeção do filme A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos (que GR apreciava muito) e uma rodada final de perguntas e comentários.



Claudio Willer (1940). Poeta e ensaísta, era então um dos editores da revista. Página ilustrada com obras de Luis Caballero (Colombia), artista convidado desta edição de ARC. Agulha Revista de Cultura # 57. Maio de 2007.






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