quarta-feira, 1 de novembro de 2017

ESTER FRIDMAN | O limiar do instante ou a vida como colagem de instantes


Quando assistimos a um filme acreditamos ver os atores em movimento. Porém, o que vemos é uma sequência de fotos que dão a ilusão de movimento, mais precisamente uma sequência de vinte e quatro fotos por segundo, que é o padrão da indústria cinematográfica. Como nossa percepção é bem menor, temos a ilusão do movimento. Acaso não ocorreria o mesmo em relação a nossas vidas?
Dessa analogia decorre que a vida é uma sequência de instantes, cada qual isolado. Graças a nossa memória lembramos os instantes vividos, e somente quando os narramos damos uma sequência. Sem perceber conectamos os instantes uns aos outros, dando assim um sentido à vida. Nossa memória é a câmara da vida que dá a ilusão de continuidade. Para lembrar nosso passado, e projetar nosso futuro, unimos os instantes vividos ou imaginados na forma de narrativa. É esta que dá um sentido à vida. E o que é a narrativa senão o mito em seu significado original: mythos – palavra grega que significa discurso ou narrativa. Em outras palavras, criamos o nosso mito ao fazer a colagem dos instantes captados pela memória. Por isso quem conta um conto aumenta um ponto, pois a cada vez que contamos a nossa história recriamos a colagem.
Nietzsche dizia que vivia fora de seu tempo, que só o depois de amanhã lhe pertencia, e considerava-se discípulo do filósofo Dionísio. Ora, ao se dizer discípulo de Dionísio, ele, de alguma forma, se distende para o passado, e ao dizer que o depois de amanhã lhe pertence, se distende para o futuro. Seria a dilatação, então, uma propriedade do tempo ou do homem? Se for do homem, Santo Agostinho (354-430) estava certo. Segundo ele, o tempo é a distensão da alma, que vive um dilaceramento entre o passado e o futuro. Para Agostinho, só a união com Deus pode nos livrar desse dilaceramento. O tempo dos homens tem uma finalidade, que é participar com a eternidade de Deus. Para ele, a lembrança e o prognóstico estão em nosso espírito no presente, e não vivemos o presente sem sofrimento porque estamos presos ao passado e ao futuro. Segundo Paul Ricoeur (1913-2005), essa é a solução de Agostinho para a aporia do ser e não-ser no tempo – não existe passado e futuro, existe presente do passado (lembrança), presente do presente (visão) e presente do futuro (expectativa). Tudo existe no presente, em nosso espírito. O passado é não-ser, já passou, portanto não é. A expectativa do futuro é – existe no presente. Mas surge então um novo problema: como identificar algo como sendo do passado e não do futuro?
 Ricoeur identifica ainda em Agostinho uma segunda aporia – a da medida. Só podemos medir o que existe e só existe o presente. Mas este não tem extensão. Para resolver a medida do tempo, Agostinho mais uma vez traz o espírito – a medida se dá no espírito. Isso leva a um paradoxo: há uma espécie de contração do tempo, a ponto de não ter extensão e, ao mesmo tempo, é distendido. Na leitura de Ricoeur, a presença do passado no espírito só se faz presente quando o próprio espírito se dirige a ela. O presente é pura intenção do espírito. Este é ao mesmo tempo intenção e distensão. O presente é o puro espírito fazendo o ato de passar. É um tríplice presente em tríplice intenção.
 A distensão da alma em Agostinho é lida por Ricoeur como discordância. E se a experiência no tempo é dilaceramento, a narrativa, para Ricoeur, irá promover a integração do que a experiência desintegra, uma vez que articula presente, passado e futuro, promovendo uma espécie de concordância. É em Aristóteles que Ricoeur busca o modelo dessa concordância, na maneira que ele lê a tragédia como mimésis da ação. Ricoeur usa esse modelo para refletir como a narrativa se articula em nossa experiência temporal. Nós somos esse dilaceramento temporal (Agostinho), e ao mesmo tempo, somos integrados no tempo. O que dá essa integração é a narrativa. Como diz Sartre (em A náusea), ao narrar nossas histórias tentamos capturar o tempo. “Quis que os momentos de minha vida tivessem uma sequência e uma ordem como os de uma vida que recordamos. O mesmo, ou quase, que tentar capturar o tempo”.
Aristóteles estuda a estrutura da tragédia sem pensar a temporalidade. Mas, para Ricoeur, a estrutura narrativa da tragédia é uma forma de ordenar nossa experiência do tempo, e ele se pergunta se não poderia usar o modelo de Aristóteles para outras narrativas. Aristóteles, segundo Ricoeur, enfatiza a concordância, e um jogo entre concordância e discordância. A concordância aparece como a ideia do mytho como disposição dos fatos. Dispor os fatos, os acontecimentos, de certa maneira, certa configuração. Para Ricoeur isso implica três grandes traços que sublinham a ideia da concordância, que têm como características iniciais – a completude, a totalidade e a expressão apropriada. Para Aristóteles a obra tem começo, meio e fim, e o instante inicial, o começo, não vem pelo antecedente, mas pelo que vem depois. A sucessão dos instantes obedece a um encadeamento que, por sua vez, obedece a certa lógica da própria composição. A composição não é aleatória, mas tem uma lógica interna. Esta, para Ricoeur, é um tipo de inteligibilidade próxima da inteligibilidade da prática (práxis), não da teoria. Fatos soltos não têm sentido. Narrar já é compreender de alguma maneira, dar certo sentido. Em outras palavras, sem a história as coisas ficam ininteligíveis.
Se, sem a história as coisas ficam ininteligíveis, podemos facilmente afirmar que quanto mais história melhor, porque mais inteligíveis se tornam as coisas. Nietzsche, em seus primeiros escritos, discordaria dessa afirmação. Para ele, “o elemento histórico e o elemento a-histórico são igualmente necessários à saúde de um indivíduo, de um povo, de uma cultura”. [1] Segundo ele, história em excesso “mata o homem, e, sem este invólucro de a-historicidade, ele jamais poderia ter começado ou pretendido começar a existir”, e “o excesso de história abala e faz degenerar a vida, e esta degenerescência acaba igualmente por colocar em perigo a própria história”.
Qual razão de tão feroz crítica ao excesso de história? Para o Nietzsche das Considerações Intempestivas é necessário uma medida, uma dosagem, entre lembrança e esquecimento. O homem não poderia viver totalmente sem memória, embora, segundo Nietzsche, ele sinta uma certa inveja do animal, justamente por este viver sem memória, por viver somente o momento presente. Muita lembrança é prejudicial, pois nos faz prisioneiros do passado.

É um verdadeiro milagre: o instante, aparecendo e desaparecendo como um relâmpago, vindo do nada e retornando a ele, volta, no entanto, como um fantasma a perturbar a paz de um instante posterior. Uma após outra, as folhas se soltam do registro do tempo, caem e volteiam, depois voltam repentinamente a se pôr no colo do homem. Então, este diz: “Eu me lembro”, e tem inveja do animal que logo esquece e realmente vê cada instante morrer, caído na noite e na bruma, e desaparecer para sempre. O animal, de fato, vive de maneira a-histórica (unhistorich): ele está inteiramente absorvido pelo presente, tal como um número que se divide sem deixar resto; ele não sabe dissimular, não oculta nada e se mostra a cada segundo tal como é, por isso é necessariamente sincero. O homem, ao contrário, se defende contra a carga sempre mais esmagadora do passado (…) que entrava a sua marcha como um tenebroso e invisível fardo.

Para Nietzsche, o animal, assim como a criança, por não ter um passado a carregar, não tem o que esconder. Vivendo o presente, são sinceros, não precisam dissimular. A criança, porém, um dia aprende a diferenciar o passado do presente, aprende a dizer “foi” – “a fórmula que leva o homem aos combates, ao sofrimento e ao desprezo, e o faz lembrar que no fundo toda a existência é tão-somente uma eterna incompletude. Quando, enfim, a morte trouxer o esquecimento desejado, ela suprimirá também o presente e a existência, selando assim esta verdade, de que 'ser' (Dasein) não é senão um ininterrupto 'ter sido'…”
Enfim, para o Nietzsche da II Consideração Intempestiva, a felicidade depende da faculdade de esquecer. Só esquecendo é que se pode sentir as coisas durante o tempo que a felicidade dura. Felicidade é estar no tempo presente, sentindo. Só conhece a felicidade aquele que “sabe instalar-se no limiar do instante, esquecendo todo o passado (…), colocar-se de pé uma vez sequer, sem medo e sem vertigem (…). Imaginemos, para tomar um exemplo extremo, um homem que não possuísse força suficiente para esquecer e que estivesse condenado a ver em tudo um devir (Werden): um homem assim não acreditaria mais na própria existência, não acreditaria mais em si, veria tudo se dissolver numa multidão de pontos móveis e deixar-se-ia arrastar por esta torrente do devir: como um verdadeiro discípulo de Heráclito, ele acabaria por nem sequer ousar mexer um dedo. Toda ação exige esquecimento.”
O contrário da felicidade seria viver de forma exclusivamente histórica. Isso seria tão nocivo quanto não dormir. Assim como o homem precisa do dia e da noite, precisa da lembrança e do esquecimento. Trata-se de uma necessidade vital. “Há um grau de insônia, de ruminação, de sentido histórico, para além do qual os seres vivos se verão abalados e finalmente destruídos…”
Vemos que para o Nietzsche da II Consideração Intempestiva, o tempo se faz subjetivo. E a saúde e a felicidade de um indivíduo ou de um povo dependem da maneira como lida com o presente. Ricoeur diz que aquilo que aconteceu uma vez, não tem como deixar de ter acontecido, não há como apagar o fato que aconteceu. Nietzsche concordaria com Ricoeur, desde que não precisasse carregar consigo o que aconteceu. Para Nietzsche, feliz é aquele que não arrasta consigo os grilhões de seu passado. Para isso é necessário ter uma força que transforme o que vem do passado, capaz de reparar as perdas e curar as feridas, permitindo que o indivíduo se desenvolva de forma original e independente. Um indivíduo cuja “natureza profunda” possui fortes raízes tem melhores condições para assimilar o passado. Sem essa força plástica e uma natureza profunda com raízes firmes, capaz de transformar o passado em seu “próprio sangue”, o sentido histórico cumpre um papel de usurpador. Para que isso não aconteça o homem tem que ser forte para utilizar o passado em benefício da vida. Segundo Nietzsche, para as pessoas totalmente desprovidas dessa força, basta um único acontecimento, um sofrimento ou injustiça para esvaziá-las de todo o seu sangue, enquanto que aqueles cuja força se faz sentir em maior grau podem passar por grandes catástrofes sem serem muito afetadas. Creio estar Nietzsche se referindo a identidade da pessoa no sentido de “natureza profunda”. A pessoa cuja “natureza profunda” não tem raízes fortes perde sua identidade, perde todo o seu sangue, pela identidade de seu passado. “… a história só é suportável para as personalidades fortes; para as personalidades fracas, ela somente consegue sufocá-las”.
 Me parece que ao dizer que sem o invólucro de a-historicidade o homem nem sequer poderia ter começado a existir, Nietzsche quer mostrar que somente num estado de a-historicidade é possível iniciar algo novo. O espírito criativo, o lutador e o empreendedor são movidos por um tipo de paixão que não vê mais nada em sua frente além do objeto da paixão.

…nenhum artista realizaria a sua obra, nenhum general alcançaria a sua vitória, nenhum povo conquistaria a sua liberdade, sem que estas coisas tivessem sido previamente desejadas e perseguidas num tal estado de a-historicidade. Assim como o homem de ação é sempre, segundo a expressão de Goethe, despojado de escrúpulos, da mesma maneira ele é também privado de consciência, esquece tudo exceto a coisa que quer fazer, é injusto para com aquele que o precede, e não conhece senão um direito, o direito daquele que vai agora nascer.

Dessa perspectiva o novo não nasce do passado, não há uma continuidade. Somente os espíritos históricos veem uma continuidade, e creem que o futuro poderá ser melhor que o passado. Aliás, é o passado que os lança para o futuro. Eles veem a existência como um processo que progride. Talvez isso ocorra pelo fato de que a história narrada produz efeitos em nós. Há, para Nietzsche, três formas de história, que correspondem a três razões pelas quais o homem se interessa pela história: a história monumental, porque os homens agem e perseguem um fim; a história tradicionalista, porque eles conservam e veneram o que foi; e a história crítica, porque eles sofrem e têm necessidade de libertação. Na II Consideração Intempestiva Nietzsche explica detalhadamente as diferenças entre esses três tipos de história. A história tradicionalista pode paralisar o homem de ação, impedindo-o de optar pelo que é novo. Os espíritos supra históricos, no entanto, não veem a existência como um processo. Para eles “o passado e o presente são uma única e mesma coisa, a saber, um conjunto imóvel de tipos eternamente presentes e idênticos a si mesmos, para além de todas as diversidades (…). Assim como as centenas de línguas diferentes exprimem sempre as mesmas necessidades típicas do homem, de maneira que o conhecimento de todas as línguas não ensinaria nada de novo àquele que tivesse sabido compreender estas necessidades, também o pensador supra histórico esclarece a partir de dentro toda a história dos povos e dos indivíduos…” Para eles o mundo é feito de instantes, e cada instante já alcançou o seu fim.
 Se pensarmos o tempo como algo que só ganha substância pela narrativa, ou, só se tornando humano através da narrativa, como diria Ricoeur, o tempo do espírito supra histórico é insubstancial e inumano. Para Nietzsche não existe uma unidade entre os acontecimentos. Ele diz nesse período que “pensar a história como tendo esta objetividade, este é o trabalho secreto do dramaturgo: juntar tudo pelo pensamento, relacionar cada acontecimento particular ao conjunto da trama, com base no princípio de que é preciso introduzir nas coisas uma unidade de plano, quando na realidade ela aí não existe. É assim que o homem estende a sua teia sobre o passado e se torna senhor dele, é assim que se manifesta o seu impulso artístico – mas não o seu impulso para a verdade e para a justiça”. Para Ricoeur, o tempo está ligado à narrativa porque são os acontecimentos narrados que lhe dão consistência. Os instantes se ligariam em uma sucessão, dentro de um encadeamento lógico, formando uma composição. Isso só se faz dentro de uma concepção linear do tempo, tal qual a concepção de tempo judaico-cristã. Em Nietzsche eu não creio que se possa falar em tal concepção de tempo. A concepção cíclica do tempo, como a da Grécia antiga, mesmo de forma diferencial, seria mais adequada. Uma concepção nietzscheana cíclica do tempo esclarece o destronamento que Nietzsche faz da razão, colocando o corpo como sendo a grande razão. Se o tempo em Nietzsche é cíclico, o pensamento racional, lógico, linear, não é o mais adequado. Este não consegue capturar o tempo, não pode abarcar a totalidade. Mas o tempo, de qualquer forma, sendo ele linear ou cíclico, flui, não é fixo, em contraste com a linguagem conceitual, que é estática. Aristóteles já dizia que o tempo não é o movimento, mas está ligado a ele. Tempo e linguagem conceitual mostram-se, portanto, incompatíveis. A concepção cíclica do tempo pode ser mais adequada a Nietzsche, porém não suficiente, se lembrarmos que ele fala em simultaneidade intemporal:

Tempo virá em que abdicaremos sabiamente de elaborar um processo universal ou simplesmente a história da humanidade, uma época na qual não se levará mais em conta as massas, mas apenas os indivíduos que formam uma espécie de ponte sobre a torrente selvagem do devir. Estes não dão continuidade a qualquer processo, mas vivem numa simultaneidade intemporal (zeitlos-gleichzeitig); graças à história que permite a eles unificar os seus esforços, estes indivíduos constroem esta República de gênios da qual Schopenhauer falou em algum lugar: um gigante chama outro através dos intervalos desérticos do tempo, sem levar em conta os anões ruidosos e turbulentos que se agitam a seus pés; assim, eles perpetuam o elevado diálogo dos espíritos. A tarefa da história é a de servir de mediadora entre eles, para, fazendo isso, suscitar constantemente e promover o nascimento da grandeza. Não, o fim da humanidade não pode residir no seu termo, mas somente nos seus exemplares superiores.

Podemos aqui lembrar, a título de comparação, o que diz Sartre a esse respeito. Diz o filósofo que os homens vivem cruamente, sem história e sem significado. Se estamos vivendo, se estamos dentro da existência, não pensamos sobre ela, apenas existimos. Na história há um trabalho no arranjo dos fatos. Os fatos passados se tornam significativos, mas no momento que aconteceram ninguém sabia que iriam ser significativos, pois os acontecimentos em si mesmos são insignificantes. Para Sartre, o narrar é uma ilusão que todos têm em comum. A narrativa de nossa vida é um fazer de conta. Assim, nos iludimos de que nossa vida faz algum sentido. Enquanto para Sartre a relação entre viver e narrar é uma relação de exclusão, para Ricoeur é uma relação de entrelaçamento.

É isso que ilude as pessoas: um homem é sempre um narrador de histórias, vive rodeado por suas histórias e pelas histórias dos outros, vê tudo o que lhe acontece através delas; e procura viver sua vida como se a narrasse.

De qualquer maneira, Nietzsche neste escrito aceita o conhecimento do passado, desde que este não enfraqueça o presente ou corte as raízes de um futuro vigoroso, desde que tenha como função servir ao presente e ao futuro. Ele pergunta, e responde: “O que resta fazer ao homem que possui uma cultura histórica, o fanático moderno do processo que nada e se afoga no fluxo do devir, o que lhe resta fazer para colher o desprezo, que é a uva deliciosa desta vinha? Nada senão continuar a viver como sempre viveu, continuar a amar o que amou, continuar a odiar o que odiou e continuar a ler os jornais que sempre leu – só há para ele um único pecado: viver de modo diferente de como tem vivido. Para Nietzsche, o problema está em querer fazer da história uma ciência, e se respeitar mais a história do que a vida. Ao olhar sua época, indaga: “no que se transformou esta ligação pura, clara e natural que deveria unir a vida e a história?” E diz que “o saber histórico, alimentado por fontes inesgotáveis, o afoga (ao homem moderno) e o invade cada vez mais; ele é assaltado por fatos desconhecidos e incoerentes, a sua memória abre todas as portas, mas ela não está ainda aberta o bastante; a natureza faz todo o possível para acolher, arrumar e honrar esses hóspedes estranhos, mas eles estão em conflito uns com os outros, por isso é preciso dominá-los e controlá-los, para que não se caia vítima destas lutas”.
Como sabemos, na natureza tudo acaba se adaptando, mas essa adaptação tem como consequência a transformação numa segunda natureza, mais fraca e instável que a primeira, e menos sadia. O homem moderno se empanturra de um saber que se dissimula numa certa “interioridade”, e chama esse saber sobre a cultura de “sua cultura”, como se fosse sua. O homem moderno não possui uma cultura autêntica porque ele próprio não é autêntico. Autêntico é aquele que não se deixa permear pelo saber enciclopédico de uma boa memória - um saber de histórias que não são as suas, que não as vive e não as viverá. É essa história em excesso que Nietzsche critica, uma história que pertence a um saber intelectual, muito diferente do saber visceral, do saber da vida. “Ninguém ousa mais ser o que é, cada um se oculta atrás de uma máscara de homem culto, de erudito, de poeta, de político. Se nos ativermos a estas máscaras, acreditando lidar com pessoas reais e não como simples fantoches – pois todas são levadas muito a sério – de repente nos descobriremos com somente trapos e ouropéis variegados nas mãos. Por isso, não se deve deixar enganar; por isso, é urgente gritar para eles: 'Tirai os vossos véus…!”.

NOTA
1. Friedrich Nietzsche. II Consideração Intempestiva sobre a Utilidade e os inconvenientes da História para a Vida, in Escritos sobre História. Tradução de Noéli C. De Melo Sobrinho. RJ: Editora PUC; SP: Edições Loyola, 2005. Todas as citações pertencem a este mesmo trabalho.


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ESTER FRIDMAN (Brasil, 1963). Filósofa e escritora, pesquisadora da linguagem simbólica, seu tema de mestrado foi A Linguagem Simbólica no Zaratustra de Nietzsche. Estudiosa também das filosofias da Índia, escreveu Kriya-Yoga e a Filosofia dos Kleshas no Yoga Sutra de Patanjali. Contato: ester8fri@gmail.com. Página ilustrada com obras de Jair Glass (Brasil, 1948), artista convidado desta edição de ARC.

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Agulha Revista de Cultura
Número 104 | Novembro de 2017
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