quarta-feira, 15 de maio de 2019

CLAUDIO WILLER E FLORIANO MARTINS | Surrealismo hoje


CLAUDIO WILLER | A discussão do surrealismo hoje convida a rever cronologias. A presença surrealista não é compatível com uma história da literatura, das artes plásticas e do pensamento que descreva o século XX literário e artístico como série cronológica, uma sucessão de movimentos e tendências artísticas. Aliás, o modo como o século XX é descrito nos manuais acaba por desembocar em aporias, absurdos lógicos. Aceita a ideia de uma série de vanguardas (cubismo, simultaneísmo, futurismo, dadá, surrealismo, etc), chega-se a categorias inconsistentes, como a de pós-modernidade, e a uma intensa discussão ao redor de falsas questões. O mercado de arte acreditou nessas séries, adotou-as e acelerou seu andamento, engendrando modismos, prejudicando a recepção de obras de qualidade, e acabando por imitar o marketing dos produtos de consumo e seu fetichismo da inovação.
Pode ser mais produtivo entender que, ao longo do século XX, houve (ao menos em literatura) duas vigas mestras, surrealismo e formalismo, em uma polaridade que apresenta semelhanças com outras, anteriores: simbolismo e parnasianismo na segunda metade do século XIX, românticos e clássicos no início daquele século, e talvez os barrocos e clássicos nos dois séculos anteriores (por mais que ambos, formalismo e surrealismo, houvessem nascido no mesmo solo simbolista). Muito aproximativamente, seriam variantes do apolíneo e dionisíaco? Ou de racionalismo e misticismo?
A partir do agora, do que vemos hoje (se quisermos prestar atenção, é claro), mudam as noções do que é passado e presente. Já observei isso em outras ocasiões: no plano da história, dez, vinte anos, um quarto de século, equivalem a quase nada ou a bem pouco. Esclareço: se periodizarmos o século XIX desse jeito, como série cronológica de movimentos, então o simbolismo teria que ser datado de 1883, com o manifesto de Moréas. Rimbaud, o Rimbaud hermético e inovador de 1871-73, estaria fora, seria quando muito um precursor; igualmente, a poesia de Tristan Corbière e de Laforgue. E uma parte importante da obra de Mallarmé, inclusive Um lance de dados, corresponderia a um simbolismo tardio, ou tardo-simbolismo. Portanto, na periodização estreita, análoga ao modo como são descritos movimentos artísticos do século XX, simbolismo teria tido uma duração de no máximo uns quinze anos, até a morte de Mallarmé. Na outra, iria desde a adoção das correspondências baudelairianas por Verlaine e Mallarmé, na década de 1860, até a década de 1930, com Rilke e Yeats; portanto, com setenta anos de existência, e isso, sem contar o modo como o surrealismo, de um lado, e o formalismo de Pound e Eliot, de outro, absorveram e incorporaram o simbolismo.
Voltando ao surrealismo, e tocando no meu caso específico, e de alguns amigos e contemporâneos: ao promovermos reuniões surrealistas em 1963, e até antes disso, e ao escrever textos com afinidade ou identidade com surrealismo (é importante frisar: reuniões, grupo, são algo complementar, o que importa é a produção, a poesia de cada um), estávamos sintonizados com manifestações contemporâneas. São do mesmo período, em termos históricos, o surrealismo português, que teve Mário Cesariny como principal animador e vai de 1947 a 1963 (ou até hoje, se levarmos em conta a significativa produção afim ao surrealismo em Portugal); movimentos hispano-americanos, principalmente o Techo de la Ballena venezuelano, de 1963; e o grupo surrealista norte-americano com Franklin Rosemont, também iniciado na década de 60. Um poeta surrealista da melhor qualidade, como Raúl Henao, nascido em 1944, é rigorosamente nosso contemporâneo. E há outros mais recentes ainda, cronologicamente.
Tudo isso desmonta esquemas, diagramas, séries cronológicas, tentativas de circunscrever surrealismo a uma duração temporal determinada, bem como a idéia de um surrealismo tardio ou tardo-surrealismo. Por isso, a duração ou extensão temporal do surrealismo sempre acaba por ser revista pela crítica: primeiro, ia até a década de 30; depois, até o final da Segunda Guerra Mundial (é a cronologia de Maurice Nadeau, por exemplo); em seguida, até a morte de André Breton em 1966 e a auto-dissolução do grupo ou movimento surrealista francês em 1969 (sustentada, entre outros, por Jean-Pierre Schuster, legatário de Breton). E o presente, o surrealismo vivo e atuante, acaba por ser negado, por não se ajustar a essas periodizações.
Essa revisão cronológica e, principalmente, de categorias, também leva a rejeitar a ideia, apresentada por Schuster, Courtot e outros, de um surrealismo eterno versus surrealismo histórico, supostamente encerrado. [1] Se algo é “eterno”, não pode ter começo, marco inicial. E o surrealismo tem um início cronológico, que pode ser localizado entre 1916, quando Breton conheceu Jacques Vaché, e em seguida Aragon e Soupault, 1919, com a eclosão da escrita automática, e 1924, com o primeiro Manifesto do surrealismo. Em outras palavras: xamãs e construtores de totens em sociedades tribais, gregos participantes de rituais iniciáticos e subterrâneos, gnósticos licenciosos e adamitas, líricos trovadorescos, visionários da renascença, românticos místicos e exaltados, simbolistas herméticos, surrealistas, são o que são. Têm sua especificidade, embora haja afinidades, analogias, possíveis continuidades. Relacionam-se com contextos distintos. Falar em “surrealismo eterno” equivale a afirmar que é tudo a mesma coisa, em uma generalização redutora.
No período mais recente, de 1969 até hoje, há tendências e manifestações ligadas ao surrealismo que merecem atenção. Uma delas corresponde ao que eu chamaria de surrealismo universitário. Um dos marcos pode ser o estudo de Michel Rifaterre, aplicando semiótica ao surrealismo. O maior interesse por surrealismo no ambiente universitário, entre pesquisadores e teóricos da literatura, tem relações com a atuação de um Centre de Recherche sur le Surréalisme, dirigido por Henri Béhar, do C. N. R. S. Personalidades que faziam parte do grupo ou movimento encabeçado por Breton, e que se institucionalizaram, passando a dedicar-se à ensaística e pesquisa acadêmica. Não por acaso, dos 44 redatores do substancioso Dictionnaire général du Surréalisme et de ses environs, [2] a grande maioria foi de professores universitários, e nove pertenciam ao C. N. R. S.
Ao mesmo tempo, há um surrealismo militante, a apresentar-se como Movimento Surrealista Internacional, constituído por grupos e núcleos em diversos lugares. E, pelo que consegui entender da leitura do recente A estrela da manhã – surrealismo e marxismo de Michel Löwy, [3] um porta-voz desse surrealismo militante, inclusive de suas entrelinhas, a relação entre ambos, surrealismo militante e universitário, é idiossincrática.
Pessoalmente, não vejo razão de ser para esse antagonismo. Estudos mais técnicos e acadêmicos sobre a obra de Breton, Desnos, Péret, Cesariny etc., podem ser parciais, unilaterais, por vezes redutores. Mas também podem mostrar a riqueza dessas obras, sugerindo o quanto ainda há para ser lido, interpretado, entendido. É a impressão que tive ao ler um ensaio como Les surprises de L’Amour Fou, de Jean-Luc Steinmetz. [4] É um trabalho tipicamente universitário, de um scholar, utilizando um instrumental da teoria literária que inclui noções como a de intertextualidade e inconsciente do texto, mas que me expôs algumas camadas a mais de sentido e algumas possibilidades adicionais de interpretação de uma obra como O Amor Louco de Breton. O mesmo vale para o que li de outros pesquisadores e estudiosos acadêmicos: Jacqueline Chénieux-Gendron, Anna Balakian, Mary-Ann MacCaw, Michel Rifaterre etc. E também o trabalho monumental de Marguerite Bonnet, inclusive na preparação da Oeuvre Complète de Breton para a coleção Pléiade da Gallimard, e que começa na universidade (seu André Breton – Naissance de l’aventure surréaliste [5] foi inicialmente apresentado como tese). Mas isso, observando que também há crítica e pesquisa de qualidade sobre surrealismo não necessariamente vinculada à universidade.
Quanto ao surrealismo militante, por mais que se concorde com a precedência da relação com o mundo, da visão de mundo e do homem, de um pensamento especificamente surrealista, não o reduzindo a uma “estética”, a uma doutrina da arte, mesmo assim, não adianta: tem que haver criação, produção artística, literária, até mesmo ensaística, que seja de qualidade, original, e não recaia na repetição, no mero chavão. Não havendo, é inútil proclamar-se surrealista, apenas para repetir as idéias e propostas de Breton e de outros dos seus pensadores e ideólogos.
Mas, ao lado disso, além disso, há tanta coisa... Há essa quantidade de obras e seus autores que dialogam, é certo que com diferentes graus de aproximação e intimidade, com surrealismo. Isso, em escala mundial. Minha impressão é que o mapeamento do surrealismo, o levantamento de sua presença e produção ao longo do século XX, nessa escala mundial, mal começa a ser feito. É o que sugere algo como o Dictionnaire Général du Surréalisme et de ses environs, de Biro e Passéron: enorme, múltiplo, e ainda assim incompleto, com lacunas evidentes, além de chegar apenas até 1980. Desde então, aconteceu tanta coisa… Trabalhos teus, inclusive as antologias O Começo da Busca [6] e Un Nuevo Continente, [7] são passos nessa direção. Idem, os levantamentos recentes sobre surrealismo em Portugal, como os de Maria de Fátima Marinho [8] e de Perfecto Cuadrado, [9] e em outras literaturas. Mas ainda há muito chão a percorrer. Muita coisa a ser pesquisada e mostrada.
Enfim, surrealismo não é capítulo encerrado, porém, antes, algo em aberto.

FLORIANO MARTINS | A presença do deslumbrante ou do desconcertante no tratamento dado à imagem poética é certamente um componente a ser mencionado no que diz respeito à atualidade do surrealismo. Contudo, há que saber distinguir quando esse componente está a serviço unicamente de uma retórica. O próprio Breton já havia mencionado que a imagem mais forte é justamente aquela “que apresenta o grau de arbitrariedade mais elevado, a que leva mais tempo a ser traduzida à linguagem prática”, ou seja, a que se arrisca mais, aquela que não compactua com as facilidades de uma linguagem cotidiana, linguagem esta cada vez mais condicionada por uma sociedade que busca erradicar qualquer mínimo sinal de sensibilidade, que tem na individuação seu mais ostensivo inimigo. René Magritte já chamava a atenção para o fato de que “uma imagem não pode se fazer sem a orientação do pensamento pela liberdade”. Há mais justificativa formal do que sinceridade vertiginosa nas imagens que se produzem atualmente, seja na poesia ou nas artes plásticas, de maneira tal que aspectos como onirismo, analogia, inconsciente etc., requerem ainda – creio que o requerem sempre – uma maior atenção, considerando que atitude ou visão de mundo implica estar permanentemente atento aos pequenos vícios de linguagem que acabam por reduzir o espaço de ação do surrealismo.
Observando, por exemplo, o que se dispõe em termos de Internet para consulta hoje, surrealismo vive demasiado em função de repetições de lugares-comuns, aderências excessivas à pele dos manifestos – cadáveres-esquisitos raramente surpreendem, parecem sempre cópias distorcidas –, reflexo irrefletido dos mergulhos paradigmáticos de Magritte e Dalí – o que seguramente faz o cadáver de Breton retorcer-se todo –, rara poesia que vá além do que se havia proposto. Ora, e a proposição maior era exatamente a de que não se poderia cessar a imaginação, jamais. O que nos individua é justamente a capacidade de imaginar. A arte se justifica por essa afirmação de um imaginário intransferível. Torna-se valiosa na medida da identificação, mas nunca na inclinação para um clichê. Os clichês ligados ao surrealismo não são distintos daqueles que conformam o grande equívoco do que se poderia chamar de arte contemporânea. Nenhuma esquisitice por si só pode ser convertida em surrealismo. Magritte tinha uma observação valiosa que se aplica aos dias de hoje: a de que “o mistério é uma das possibilidades do real”, confirmando: “o mistério é o que é absolutamente necessário para que exista o real”. Ora, uma coisa é o mistério e outra é a estripulia em torno do insólito. Aberração não é sinônimo de mistério. E o surrealismo acabou se confundindo com uma leitura aberrante da realidade, a ponto de muitos simpatizantes não irem muito além desse entendimento.
Em tese, seria muito fácil invalidar toda atualidade no surrealismo considerando a maneira fácil com que qualquer estranheza se apresenta como surrealista. Qualquer coisa que haja de estranho na existência de um poema ou de uma pessoa, isto não terá importância alguma se não for o suficiente para mudar a vida dessa pessoa ou desse poema. Aí se distingue o mistério da retórica. Neste último caso, a mudança é apenas aparente, um colorido dado à vida ou ao poema. A ação proposta pelo surrealismo deve ir ainda além desse ambiente. O que o poema pode propor, em termos de virada substanciosa, à vida de alguém? Um dilema complexo em uma atualidade que se mostra inteiramente manipulável por mecanismos ativados justamente para criar certa, e decisiva, ambiguidade.
Mencionei aqui aspectos em um plano mais amplo. Estariam na raiz do assunto. Caberia rever alguns pontos, pesando inflexão dos mesmos no que temos pela frente. A perspectiva cronológica requer distanciamento, e muita coisa ainda está se processando, a ponto de tornar confusas certas leituras que temos dos desdobramentos do surrealismo em diversas instâncias. Pensemos que na Argentina, por exemplo, onde foi fortíssima e renovadora a sua presença, somente agora se está cuidando da edição de obras fundamentais, e aqui vale mencionar o importante trabalho editorial de Mario Pellegrini através da Editorial Argonauta, por onde vem sendo publicada a obra de poetas como Aldo Pellegrini, Enrique Molina, Francisco Madariaga. [10] Também no Chile, outro grande foco de ação surrealista, se está tratando de recuperar documentos referentes ao grupo Mandrágora. [11] Publica-se agora, neste 2004, coincidindo com o centenário de seu nascimento, a Obra Completa do peruano César Moro. Persiste uma carência, no entanto, no que diz respeito a uma perspectiva crítica do surrealismo em âmbito latino-americano, ou seja, uma melhor compreensão de sua atuação em tal instância. Os poucos referenciais existentes não possuem ainda uma afluência continental [12] que permita desativar equívocos firmados pelo trabalho de um Stefan Baciu, por exemplo. Este crítico inclinou-se por uma ortodoxia que recusava desdobramentos bastante significativos em termos de aclimatação do surrealismo no continente americano. Estabeleceu uma falsa pista a que intitulou de “para-surrealismo”, onde toda estranheza não declaradamente surrealista poderia receber a insígnia do clã. [13]
Tal referência nos conduz ao domínio das falsas questões, considerando por base as contradições teimosamente evocadas em nome do que chamas de “duas grandes vigas mestras: surrealismo e formalismo”. Com acentuada irresponsabilidade, uma instância acabou se intrometendo em território alheio, quase sempre na tentativa de miná-lo, confundi-lo, desautorizá-lo. Um imenso equívoco, se considerarmos que não há criação artística sem os seus correspondentes aspectos formais, no próprio sentido de uma afirmação de linguagem. É curioso observar a pouca atenção dada à forma surrealista. O que acaso teria proposto o surrealismo seria uma rejeição de toda perspectiva formal? E de que maneira então declarar um gemido que seja, senão através de uma forma? Onde quer que soe o corpo, um testemunho de voz sangrada, a imagem no espelho se desfazendo a cada frase, o dorso cravejado por mil furos da jovem mulher encontrada e que teria sido a voz, ah a voz, alguém que finalmente denunciaria tantas atrocidades… Onde quer que seja, qual a forma? De nada adianta que um homem esteja partido ao meio por uma janela. O espaço que há entre o que sou e o que desejo ser não pode ser convertido em dádiva se não o experimento em sua inteireza. A metáfora aconselha que cada homem aprenda a morrer consigo. Qual a matéria, qual o objeto, desse interlúdio que ninguém se atreve a revelar? Indaguemos com todas as letras: quem sabe o que significa ser surrealista hoje em dia?
Claro que tua referência ao formalismo assume outra consonância, mas cabe lembrar aqui a maneira como o parnasianismo se sobrepôs ao simbolismo no Brasil, o mesmo acento com que se mantém até hoje uma corrente parnasiana em nossa tradição lírica, quando menos criando obstáculos para esse sentido de liberdade evocado por Magritte. O regime de falsas questões extrapola qualquer âmbito a ser considerado. Cabe aqui mencionar, por exemplo, os estudos de Perfecto Cuadrado e Cyril Brian Morris acerca, respectivamente, do surrealismo em Portugal e Espanha. [14] São dois livros fundamentais, indiscutivelmente, ao mesmo tempo em que tocam no assunto com olhos de quem está dissecando um cadáver. Não há disposição para conferir atualidade ao surrealismo nos dois estudiosos. Em seu estudo, o inglês Morris diz que “o surrealismo na Espanha carecia das coordenadas teóricas que permitiram falar de um movimento”. Por sua vez, o espanhol Cuadrado revela que “o surrealismo português afirmou-se, estruturou-se e desenvolveu-se como um autêntico movimento, um movimento de vanguarda”, embora o enclausure cronologicamente, sem perceber sua vibrante atualidade. No caso brasileiro, para outro exemplo, não dispomos entre nós de absolutamente ninguém que tenha se dedicado a um estudo sério, despojado de todos os preconceitos de turno. São falsas questões, no geral, onde se desconhece, sobretudo, o que principia o surrealismo, o que propõe em suas raízes, o que renova, o que afirma.
Haveria que tentar entender o que se passou com a Escuela de Vallecas ou atentar para a presença atual do Grupo Surrealista de Madrid e a publicação da revista Salamandra. No caso português, ainda hoje se está descobrindo perspectivas novas ou confirmações a partir de recuperação da obra plástica de Risques Pereira ou poética de Cruzeiro Seixas. Também caberia maior atenção ao espólio de Luís Miguel Nava (1957-1995) e Mário Botas (1952-1983). O Brasil, por sua vez, ainda teima em não se orgulhar da obra de uma Maria Martins, ao mesmo tempo em que se vive aqui uma contradição das mais simplórias: recusa-se o surrealismo por ortodoxia ou defasagem, e diz-se amém a toda forma de defasagem e ortodoxia que venha de instâncias exacerbadamente formalistas. Ao se apresentar como uma não-escola, o surrealismo dá um cheque-mate nessa cronologia corrente das classificações. Evidente que não propõe que a partir daí tudo passe a girar em torno de si. Vale aqui menção à atenção destacada por Jean Schuster (1929-1995) no sentido de que é preciso evitar a “degradação da surpresa em vulgaridade”, da “esclerose do princípio em dogma”.
Dentre as grandes falsas questões se encontra essa tentativa de construção de um tecnosurrealismo, recorrendo ao termo empregado por Richard Coyne, onde se estabelece uma contradição entre realidade desejada e realidade permitida, repetindo o mesmo encantamento vazio diante das miríades tecnológicas. É evidente que um cyborg somente poderia ingressar no universo surrealista se acaso fosse convertido em um modelo de Belmer, de maneira que tentar uma aproximação entre Primeiro Manifesto do surrealismo e Manifesto Cyborg (Haraway), como insiste o português José Augusto Mourão, chega a soar como um artificialismo dedicado a desterrar o surrealismo, uma primazia da tecnologia sobre o que Enrique Molina chamava de “humanismo poético”. [15] A realidade reconfigura-se, não há dúvida, porém segue sendo o mesmo biombo, como a compreendia René Crevel, onde qualquer um pode esconder-se, ignorando todos os planos da existência humana. Há que observar aspectos distintos em sua atuação em cada circunstância. Exemplo disto é a afirmação de Deleuze & Guattari de que a “transcendência é uma doença especificamente européia”. Imaginemos uma inversão igualmente irresponsável de valores que afirme que a imanência é uma doença especificamente americana. Ah, como a realidade torna tão vigentes todos os postulados dos manifestos surrealistas!
A presença dos dicionários temáticos é outra grande fonte de equívocos, por mais que atendam aos interesses do mercado editorial. Em grande parte, tendem a uma visão historicista. E, curiosamente, são inconclusos, incompletos. Aqueles que são regidos por uma aceitação total da cartilha Breton, por exemplo, deixam de fora discussões essenciais que tornam o surrealismo mais real, que o aparentam a este sentido de mais realidade que tanto buscou. Por que Ángel Pariente evitou tocar, em seu Diccionario temático del surrealismo (Alianza Editorial, 1996), em verbetes que evidenciariam as contradições radicais de Breton? É preciso discutir em aberto todas as dissonâncias, compreender equívocos do surrealismo, realçar suas contribuições valiosas, enfim, desmitificar o tema.
Sua presença no Brasil, por exemplo, tem sido traçada sempre no sentido de um exagero, seja da parte de quem o defende ou de quem o ataca. Seja pela idiossincrasia – aceito teu eufemismo – sustentada por Michel Löwy ou pela simplificação esquemática de Sérgio Lima, o fato é que o assunto anda pendente, entre nós, para uma leitura recorrente de natureza historicista, em termos gerais, o que reduz a quase nada a presença de surrealismo no Brasil, dada a gama de equívocos gerada, dentre outras coisas, pelas articulações quando menos impúberes da Semana de Arte Moderna. Não tivemos surrealismo aqui em um sentido de declaração formal, exceto naquelas instâncias em que tal afirmação esperava poder trazer a lume quando menos uma discussão preciosa sobre o que se passava então – situação hoje bastante piorada – com a arte contemporânea. As instâncias formais valem o registro, mas rigorosamente não interferiram onde teriam que fazê-lo. Não tínhamos o sentido de uma história a ser recuperada e/ou de uma atualidade a ser questionada. O país segue até hoje enfrentando aí seu maior dilema: não há perspectiva sistemática para um conhecimento mínimo de nossas raízes culturais. É um grande dilema (de)formador de toda a cultura no Brasil, não resta dúvida, e não confrontá-lo foi a ruína de qualquer perspectiva de afirmação do surrealismo entre nós.
A grande atualidade do surrealismo está em não torná-lo uma lembrança. Estamos diante dos mesmos sintomas decorrentes do descrédito da imaginação, de anulação do pensamento mágico, de embrutecimento de qualquer forma de sensibilidade, de tal maneira que a vigília requer mais atenção, sobretudo considerando que todos os postulados dos anos 20, por exemplo, já foram absorvidos pela indústria do entretenimento, o que faz com que as posturas matrizes do surrealismo permaneçam ainda mais vigorosas. As sociedades contemporâneas não mudaram radicalmente em nada, foram apenas agravando os mesmos dilemas que já encontramos denunciados tanto por um Artaud quanto por um Ginsberg. A arbitrariedade defendida por Breton, no que respeita à imagem, não se limita a um jogo de combinações, mas antes de tudo a uma afirmação de caráter.

CLAUDIO WILLER | Há muito a ser comentado e observado na questão da imagem, entendida como aproximação de realidades diferentes e distantes. Breton (comento isso em meu ensaio sobre poesia e poética no surrealismo, nesta edição) acabou por deixar claro que não se trata de qualquer aproximação de realidades, ao expor o que entendia por signo ascendente. De um dos termos da imagem para outro, haveria uma direção: a imagem aponta para o alto. É a pimenta com asas transformada em libélula, e não a libélula sem asas transformada em pimenta. Portanto, equipara a criação à sublimação. Ao ver a imagem desse modo, é coerente com sua formação e fundamentação esotérica, hermética, especialmente de alquimia, rica em metáforas da sublimação (e em operações efetivas de sublimação, até no sentido originário da palavra): são as etapas do nigredo até a pedra filosofal, as operações de destilação, purificação pelo fogo, branqueamento, etc. As idéias de alto e baixo, de um eixo do mundo e um movimento ao redor desse eixo (representado pela árvore iniciática invertida, a torre, etc) são imemoriais.
Assim, é estabelecida uma diferenciação clara com relação, entre outras coisas, à criação combinatória, de empreendimentos como o OuLiPo, e seus desdobramentos e extensões pelo mundo digital, onde, em princípio, vale o que vier, ou o que for gerado pela aplicação de um programa ou um algoritmo. Observaria – e em teu comentário o assunto já é examinado – que haveria uma distinção adicional: na criação não apenas surreal, porém romântica, há duas instâncias: uma delas, a subjetividade; outra, o mundo das coisas; e um choque entre ambos. Filósofos já chegaram a observar que essa perspectiva, ao questionar o cogito cartesiano em sua relação antagônica com a res extensa, também o perpetua, ou lhe confere definitivamente um estatuto ontológico. Os procedimentos do tipo combinatório suprimem uma dessas instâncias, a do sujeito. Pode-se observar uma des-dialetização, a supressão de um dos pólos de uma contradição fundamental; e uma conseqüente despolitização: no fundo, é suprimida a rebelião individual contra o que está aí, a ordem estabelecida. Ou então, a desordem, o des-ordenamento do que está aí, é deixada por conta de um programa e não de um sujeito.
Contudo, a defesa bretoniana do movimento ascendente está sujeita a outras observações. Aceita incondicionalmente, excluiria de vez do âmbito surreal o pensamento e a obra de Antonin Artaud, cuja crítica radical não comporta as noções de alto e baixo, e de Georges Bataille, cujo movimento, nessa ótica, seria diametralmente oposto: seus signos são descendentes, e esse movimento descendente equivale a aprofundar-se, pela via da transgressão, até chegar a um conhecimento e aos domínios do Outro. Mas torna-se algo estranha, nessa perspectiva, a presença de autores cujo surrealismo é declarado e cuja catalogação como surrealista não é mais posta em dúvida. Um deles, Mário Cesariny. Algo como O Virgem Negra, a sátira demolidora, nem tanto a Fernando Pessoa, mas a pessoanos, a rigor não teria lugar no surrealismo.
A polaridade, tão bem exposta por Octavio Paz em Os Filhos do Barro, entre analogia e ironia, torna possível expor mais claramente meu raciocínio, mostrando onde quero chegar. Aceita essa polaridade, vê-se que a ironia já está presente no surrealismo francês, o mais bretoniano, digamos assim. No entanto, o surrealismo português, em geral, e a obra de Cesariny, em especial, pendem muito mais fortemente para o pólo da ironia, pois nele a escrita satírica e paródica tem importância e presença maior.
Penso em uma discussão focalizando a criação artística e literária que, tomada em sua escala mundial, ultrapasse algumas das balizas e limites propostos ou sustentados por Breton e alguns seguidores diretos. Sua viabilidade se torna evidente ao examinarmos o surrealismo norte-americano, do grupo de Chicago encabeçado por Franklin Rosemont. Contrapondo-se à histórica surdez musical de Breton, e por extensão do surrealismo, adotaram o blues como música surreal. Além disso, incorporaram ícones e conteúdos de uma cultura pop – o mais invocado, o Coelho Pernalonga, é erigido a ícone, mito ou herói – de um modo inovador, estranho ao surrealismo francês, assim como seria estranha a idéia de continuidade ou conexão com relação à geração beat (bem herética no âmbito parisiense, a julgar pelo bate-boca a respeito que tive em 1968 com Vincent Bounure).
Enfim, esses exemplos, dentre muitos outros possíveis, mostram que o surrealismo se expande, se refaz, sem com isso diluir-se ou perder a identidade e especificidade. Contudo, os problemas e dúvidas suscitadas pela idéia do signo ascendente vão mais longe. Cabe indagar como fica, afinal de contas, a questão da transgressão, até mesmo nos termos postos por Breton. Humor negro, categoria fundamental no surrealismo, nada tem a ver com sublimação. É, antes, des-sublimação, uma negatividade extrema que não poupa nada e não deixa pedra sobre pedra.
E toda a apologia surrealista da perversão, especialmente a admiração pelo Marquês de Sade, assim como por Lautréamont, fica mal explicada. Em seus Entrétiens, [16] Breton tenta uma explicação dialética dessa admiração, a meu ver fraca, ao afirmar que a devassidão do Marquês de Sade é como um pano de fundo negro, contra o qual brilha com mais força ainda a chama do amor único.
A defesa incondicional do amor único, tal como a encontramos em Breton ou em Péret, apresentada de um modo tão dogmático, exclui a libertinagem, ou a aceita apenas como etapa ou contraponto. Pode acabar derivando para uma espécie de defesa do perfeito casamento surrealista, preservando a instituição da família. Aí está um tipo de suspeita que poderia ser lançada contra o surrealismo, porém nunca contra a geração beat.
O ensaio O nó do cometa de Péret [17] apresenta uma visão distorcida, a meu ver, do tema do amor e da sublimação em Baudelaire. Deixa de lado sua ambivalência e suas contradições. É possível apresentá-lo como exemplo do amor sublime; e também do contrário, tomando as passagens nas quais a mulher é vista como assombração, e o amor como afundar-se no abismo e no inferno (em passagens do texto e em episódios da sua vida).
Péret, nisto dando continuidade ao pensamento de Breton, sugere, nesse ensaio, que recuperar o amor cortês e romântico é uma resposta a um tempo de maior liberdade, menor repressão da vida sexual. É o mesmo raciocínio desenvolvido por Octavio Paz em A Dupla Chama, [18] em sua defesa do amor cortês e romântico. Entendo, em primeiro lugar, que ver nossa época como liberada é um equívoco. Do que temos hoje até a vigência de Eros ainda vai uma enorme distância. Além disso, se o surrealismo propõe a superação das antinomias, então tem que propor algo que vá além da dicotomia de amor único versus devassidão. E como é possível, pergunto, ao mesmo tempo apresentar-se como continuador do gnosticismo, obviamente na vertente licenciosa e não naquela do maniqueísmo, bem como do paganismo?
Além disso, é contraditório com relação à defesa do Eros, e com a idéia do desejo como força motriz do mundo. E mais, também diante da própria noção surrealista do outro, de uma alteridade encarnada em sociedades tribais, nos povos primitivos e em civilizações pré-cristãs. Iniciações tribais – estou justamente a ler um livro de Mircea Eliade a respeito [19] – podem incluir uma extrema licenciosidade, uma intensa atividade sexual. E temos alguma noção do que ocorria nos cultos subterrâneos, como o de Dionísio, bem como nas práticas dos gnósticos dissolutos, e naquelas dos tantristas. Sem dúvida, é sublime o poeta, em um encontro ou relação amorosa, reviver ou reencarnar a relação de Novalis com Sophia Von Kuhn, de Hölderlin com sua Diotima, de Nerval e sua Aurélia. Excluir essa relação, ao menos como possibilidade, como aspiração, algo no horizonte de cada um, seria niilismo. Contudo, nos domínios de Eros, do dionisíaco, da realização do desejo, há muito mais, pois o desejo, e nisso concordo com argumentações como as de Lacan e de Deleuze e Guattari, é maior que seu objeto e sempre procurará ultrapassá-lo.
Isso não chega a ser uma crítica. Estou apenas apontando para questões que não fecham no surrealismo, ou, ao menos, que não podem ser dadas como encerradas com o que disseram e propuseram Breton ou Péret ou seus legatários e continuadores imediatos. E que, no contexto dessa ampliação, ou dessa visão mais ampla de surrealismo que é possível hoje, podem ou poderão ser reabertas e reexaminadas. Breton já observava que surrealismo é sistema aberto, e não uma doutrina fechada. E Anna Balakian comenta, com razão, que poder-se apontar aparentes inconsistências em diferentes passagens e etapas da obra de Breton não é um defeito, porém uma qualidade do surrealismo. [20]
Há outras questões abertas no surrealismo, a meu ver. Uma delas, a da relação com a ação política. Espanta-me, nesta altura dos acontecimentos, grupos e intelectuais defenderem a adesão do surrealismo à Quarta Internacional. Isso me parece regressivo, a negação ou desconhecimento do que ocorreu, no âmbito do surrealismo e no restante do mundo, de 1940 para cá.
O que é central ou fundamental no surrealismo? Descartada a idéia da “estética” ou “estilo” surrealista, insustentável ao se examinar a produção em artes visuais, tanto histórica quanto contemporânea, permanece como essência aquilo que já havia sido apontado em tua intervenção neste diálogo: o deslumbramento, o maravilhar-se, o êxtase, que se traduz ou projeta na criação automática ou visionária. Acho que, com isso, temos algumas coordenadas para uma melhor discussão do surrealismo hoje (e do surrealismo sempre, é claro). E para responder a algumas questões que volta e meia nos são apresentadas. Por exemplo, à pergunta de se as cenas das batalhas dos clones em Guerra dos Planetas, parte II, são ou não surreais. Não são, por isso: falta-lhes esse fundamento, essa experiência do maravilhar-se. Não estão associadas a alguém romper e ultrapassar limites.

FLORIANO MARTINS | Retomemos essa questão pelo silêncio, ou seja, pela perfeita observação de Leon Botstein de que John Cage e René Magritte “tentaram penetrar a essência do silêncio de uma maneira revolucionária”. Recordemos antes que Hans Arp, já em 1946, preconizara que “logo se falará do silêncio como de uma lenda”. Por que não somente Breton, mas a quase totalidade de seus seguidores e comentaristas se recusara a sequer perceber a presença de um segmento artístico que curiosamente buscava nos postulados surrealistas aproximações para vencer um dilema que se apresentava na música idêntico ao denunciado pelo surrealismo na poesia e nas artes plásticas? Mesmo considerando no surrealismo apenas uma tendência à emancipação do homem no que respeita ao canônico, por que pensar como distinta a ruptura levada a termos por compositores como o belga André Souris (1899-1970) e os franceses Charles Koechlin (1867-1950) e Francis Poulenc (1899-1963), dentre outros? Um pouco antes deles se poderia mencionar Erik Satie (1866-1925). A obra desses compositores está repleta de associações, collages, fragmentações, aspectos que unem maravilhoso e cotidiano, a ponto de Botstein referir-se à construção de “uma narrativa musical surrealista”.
Mencionas a aproximação do Grupo Surrealista de Chicago ao blues, e também se poderia pensar na relação íntima estabelecida pela Beat Generation com o jazz. Esse aspecto de uma narrativa musical transfigurada pode ser encontrado em compositores como Keith Jarrett ou Hermeto Pascoal, com um acento cosmogônico impressionante. E em todos eles está bem colocada a cilada a que chegamos por conta de nossa ausência de percepção do silêncio, ou seja, vivemos em uma sociedade pautada pelo ruído extremo, um ruído que aniquila todos os sentidos, dominada pelos tais monstros da razão alertados por Goya. Magritte não era o único a perceber essa grande contradição do surrealismo, basta pensar na referência a Arp. Contudo, havia nele uma expressão dialética que possibilitava saber que nem sempre o maravilhoso é belo, ou seja, o maravilhar-se deveria fundar a beleza e não ser refém da mesma. Breton defendia, ao contrário, que o maravilhoso é sempre belo, qualquer que seja o maravilhoso. Mas por que não entender o silêncio como um ritmo, uma pausa, uma nuança, uma dança? Por que razão temer o maravilhoso do ritmo entrando e saindo pela imaginação melódica, a palpitação da existência humana desfiada em uma escala harmônica?
Em quantas questões essenciais ao surrealismo – Sexualidade, Religião, Juventude, Loucura – não ficaram faltando pedaços pela ausência da compreensão na influência da música no desdobramento de seus mecanismos vitais? John Cage dizia que nos afastávamos da vida na medida em que desconhecíamos os rudimentos. Somos demasiado simétricos para perceber nossas ações dissociadas do hábito. Naturalmente o surrealismo chamou a atenção sobre isto, de maneira que também eu insisto que a crítica que aqui faço tem a mesma conotação defendida por Anna Balakian, ou seja, estamos a ampliar um campo de entendimento que previa mesmo uma abertura, um desdobramento. Mesmo assim, a ideia de ritmo ficou tão quebrada quanto o que mencionas sobre o dionisíaco. Restringiu-se ao plano do sublime. A licenciosidade está ligada diretamente à música. O monoteísmo estaria assim vinculado à ausência de ritmo? Sem ritmo não há mistura. Sem mistura, como saber que algo é realmente delicioso? A experiência da delícia é a de uma confrontação. Contrapor amor único e devassidão é descartar um abismo inesgotável de possibilidades harmônicas, musicalmente falando, que fazem o corpo dos amantes ser, de fato, um altar dedicado à imensidão. É quando menos ingênuo achar que não vivemos ainda sob o legado de uma repressão sexual, por exemplo. Repressão transfigurada ou simplesmente disfarçada em certas regras mínimas de tolerância.
Isto nos leva de volta ao plano cartesiano em que situas um conceito como o de literatura potencial defendido pelo OuLiPo. Ora, o fogo pode ter uma conotação de combustão ou iluminação, porém jamais existirá sem atrito. Leio um Daniel Gomes dizer que “seja através de caminhos mais racionais e estruturados, seja através de escolhas arbitrárias, percebe-se que a teoria da composição caminha sempre em torno de um método definido, que cada vez mais procura inserir o leitor no processo criativo”. [21] Há uma teoria da composição, quando eu pensei que houvesse apenas uma teoria da conspiração. O fato é que autores como Georges Pérec, Jacques Roubaud ou Italo Calvino, por mais interessantes que sejam, não constituem aqui um caso de desdobramento ou atualização do surrealismo. De volta a Magritte, quando dizia que “o que é preciso pintar é a imagem da semelhança – se o pensamento deve tornar-se visível no mundo”. Que método aplicar para fazer alguém se desfazer de toda sensibilidade? Até que ponto a sensibilidade faz planos ou considera o passado? Apostar no enciclopédico ou no combinatório, assimilando-o a Jorge Luís Borges ou Ítalo Calvino ou Peter Greenaway, pode interessar em plano algorítmico, mas não cria uma nervura dialética que permita inclusive perceber que a obra desses autores mencionados não tem um caráter tão restritivo. Teríamos aí uma obra em completa dissociação com o criador, isto sim. Basta pensar em Calvino, por exemplo, que via o homem como “uma combinatória de experiências”, “uma amostragem de estilos”.
Esta mesma situação nós a encontramos hoje nos artifícios tecnológicos que fazem constantemente com que confundamos sujeito e objeto, ou seja, projetamos no recurso a essência, no método a existência. Uma questão de estilo, pois não? O homem é uma questão de estilo, a despeito do surrealismo? Quando mencionas que uma das questões abertas diz respeito à ação política, eu volto a pensar neste abismo entre o falante e a fala. Ora, onde difere o político do poético, o ruído do silêncio, a imagem da semelhança? Sinceramente, a mim não espantam em nada manifestações de declarados surrealistas em favor de sistemas totalitários atuantes, ou mesmo simpatizantes de um saudosismo comunista. Creio que isto faz parte do grande ramo de equívocos propiciado pelo surrealismo em raiz. Considere-se ainda um império que hoje assume proporções as mais virulentas, que é a presença da mídia nas sociedades contemporâneas. Observemos os centros de estudos surrealistas localizados em alguns países, sobretudo na Europa. Em grande parte são estações retransmissoras das mesmas ortodoxias que até aqui questionamos. E há aquelas catalogações infames, dentre as quais o surgimento, nos Estados Unidos, de livros destacando a presença da mulher no surrealismo. Observar qualquer questão por um prisma da exclusão ou da minoria é sempre uma forma de desprover o assunto de real argumentação. Setorizar uma questão como essa é contribuir para o empobrecimento de seu entendimento.
Mencionas uma relação entre criação artística e literária, mas particularmente já não vejo sentido para essa quase dicotomia. Ao romper com estética e estilo, não mais caberia ao surrealismo se preocupar com essa distinção. Relacionemos quantos nomes estiveram ligados à poesia e às artes plásticas, simultaneamente. Pensar em uma escala mundial, isto me parece um tanto arriscado, pelo simples fato de que a ideia que temos da escala mundial seja propiciada pela mídia. Não haveria hoje acaso mais dificuldade em compreender o que se passa em escala mundial do que no momento em que surrealistas aderiram ao comunismo? Matutemos sobre uma ideia enfocada por ti a princípio: a sublimação da realidade. A primazia midiática descarta toda ontologia. Somos induzidos a uma opção sem a mínima coerência: catalogar ou descartar. Música, literatura, artes
plásticas, nada tem escapado a esta voragem que ultrapassa todos os limites. Acaso não haveria mais espaço para analogia ou ironia? A cultura pop que tenta satirizar o grupo surrealista de Chicago de alguma maneira bate no vazio, pois seus referenciais já foram completamente absorvidos pela indústria cinematográfica e da propaganda. O Brasil, por exemplo, aposta pobres fichas no mercado cinematográfico, ao mesmo tempo em que desprestigia sua inclinação natural para a música. Questão de estilo? Dilema estético?

CLAUDIO WILLER | Queria retornar ao tema da presença evidente do surrealismo, aqui e agora. Manifesta-se através de obras poéticas, inclusive de autores novos, até estreantes, com o predomínio da imagem poética, ou seja, da imagética surrealista. São obras oníricas, regidas pelo pensamento analógico. E estão associadas a um efetivo interesse, a um diálogo com o surrealismo, e mais, à identidade ou afinidade com aquilo que eu chamaria de atitude ou de visão de mundo surrealista. A separação que faço entre artes plásticas e poesia é um viés meu. É que, simplesmente, estou mais a par do que se passa em um campo do que em outro. Mas, nas artes visuais, parece-me que ocorre o mesmo. Nesse sentido, o surrealismo está aí. Ou aqui. Chega-me o original de um estreante, com uma poesia em prosa admirável, toda de imagens poéticas. Há diversos poetas jovens escrevendo assim, e essa retomada de uma dicção surreal me entusiasma, não só pela qualidade, mas por contrariar expectativas, subverter conceitos e categorias já estabelecidas pela crítica. Genericamente (e ainda detalharei, examinarei isso de modo menos genérico e vago) “geração 90” da poesia brasileira, ou boa parte dela, dialoga com surrealismo – alguns, nossos amigos do DeCollage, prepararam algo para os 80 anos do primeiro Manifesto bretoniano [22] – e isso, quando a crítica universitária e jornalística já dava como definitivamente excluída qualquer chance de uma presença do surrealismo entre nós. Suponho que o mesmo aconteça na produção visual (acontece – saio hoje para ir à mostra de uma talentosa aluna brasileira de Víctor Chab), e gostaria que fosse possível a prospecção disso em nível mundial. Enfim, tudo isso me entusiasma, pela minha própria vocação surrealista, e por espírito de provocação (que não deixa de ser uma das dimensões disso que chamei de vocação surrealista).

FLORIANO MARTINS | Tuas expectativas são, de fato, compartilhadas por mim, não resta dúvida, muito embora eu tenha certa parcela de desconfiança não somente aos rumos tomados pela arte em si como, sobretudo, pela interferência de crítica e mercado, em muitos casos agentes alinhados em uma consonância a que vem se juntar a pobre alma do artista demasiado ansioso por um lugar ao sol; o sol artificial das lâmpadas da mídia, bem entendido. Vejamos o caso dessa artista que mencionas, a carioca Gilce Velasco, que tem mesmo uma obra substanciosa, repleta de uma sugestibilidade intensa em termos de imagens que seguramente a conectariam com o surrealismo. Há, no entanto, uma dificuldade da crítica – pensemos em Edla van Steen ou Alberto Beuttenmüller, em apreciações críticas ventiladas no site da artista – em situá-la dentro de uma tradição surrealista. Fala-se em invenção ou visão contemporânea, mas em momento algum se toca na perspectiva – ainda que mínima – de um diálogo com o surrealismo. A própria artista diz que, ao pintar, “mais do que expressar o meu universo de emoções através das cores, exerço diariamente a minha grande paixão: a liberdade de ser na criação – o verdadeiro poder pessoal do artista”. Gosto muito da obra da Gilce, mas me parece que todos os poderes constituídos que envolvem produção e difusão artística não estão (mais) interessados no assunto. A atualidade da imagem necessita ser enfocada como uma invenção perpétua, onde ridiculamente a cumplicidade com a tradição soa desconexa, de tal maneira que a sensação de déjà vu é o que há de mais presente em qualquer exposição que se vá nos dias de hoje.
Pensemos em dois outros exemplos atuais: a retrospectiva do argentino Víctor Chab e a mostra da coleção particular do português Cruzeiro Seixas. [23] São dois momentos de uma afirmação do surrealismo. Muito bem, se poderia dizer que a instância é distinta, porque são nomes já de todo vinculados ao movimento. Mas acaso não poderiam hoje estar dizendo os dois artistas que sua obra busca uma perspectiva outra do moderno e que o surrealismo foi apenas uma sinalização inaugural? Não poderiam acaso dizer que defendem a máxima expressão da liberdade em um meio que bem o sabemos é quase em sua totalidade determinado pelos agentes produtores? O que quero dizer com isto é que segue vigente uma questão colocada pelo surrealismo: a afirmação do caráter. Não nos contagiam as falsas aparências, o jogo de luzes, porque sabemos muito bem perceber onde e quando fracassa o essencial. Isto me lembra o Luis Buñuel quando disse que “o surrealismo triunfou no acessório e fracassou no essencial”. Esta é a grande pergunta que nos fazemos todos agora: como distinguir o acessório do essencial?
Breton referiu-se a obras que não sendo exatamente surrealistas seriam assim identificadas por uma afinação de espírito. Mas quem determina essa afinação, qual seu diapasão? A imagem, pura e simplesmente? Até que ponto um artista quer hoje ter seu trabalho aproximado do surrealismo? E que percepção crítica acaso terá esse mesmo artista acerca dessa hipotética aproximação? De volta a Buñuel, que dizia que Rafael Alberti e Vicente Aleixandre, por exemplo, podiam muito bem parecer surrealistas, mas não o eram, e por uma simples razão: o surrealismo “é uma moral”. (Minha grande preocupação hoje não é a de manter um princípio moral – ainda que defenda o que tenho como sensível e substancioso –, mas a de não entender (sim, não entender) como se pode levar os dias adiante em uma sociedade como a brasileira em que não se tem a menor preocupação com o fato de que estamos a descoberto no preparo para o dia de amanhã.) Buñuel tinha razão? Em grande parte, a chamada geração do 27, espanhola, possuía um viés formalista bem acentuado. Por outro lado, o próprio Buñuel não avançou muito em uma estética cinematográfica que conseguisse se livrar das teias do inusitado.
Posso me referir a mais exemplos em termos de artes plásticas, mas creio que caberia observar o mesmo em relação à publicação de livros de poetas, ensaios etc. Chegaríamos à mesma dúvida: por mais que imaginemos desdobramentos todos do surrealismo, mesmo pensando naquela leitura deliciosa de Jacques Sénelier, de que o primeiro desejo do surrealismo indica que “é necessário desmoralizar” (e está bem em itálico, porque a recusa a uma moral é sempre uma nova moral; bom, pois que surjam novas recusas), a meu ver, caímos na vulgaridade, na mais torpe falta de princípio. Queremos apostar em quem nos sucede, mas não há pontos com os quais nos pegarmos. Sim, o grupo DeCollage é uma perspectiva. São bem jovens, e com uma disposição rara entre nós, a da afirmação de caráter. Boa expectativa. Mas não se pode esquecer que no Brasil, por exemplo, desprezamos reincidentemente o diálogo, desconfiamos da tradição e apostamos em uma cultura fashion, desprovida, dentre outras coisas, de qualquer componente ontológico, em face do cabe aqui ressaltar uma leitura inicial tua, a de que estaríamos a cunhar duplicatas do “marketing dos produtos de consumo e seu fetichismo da inovação.”
De qualquer maneira, já de muito não cabe discutir filiações surrealistas, mas sim afinidades, considerações em torno de novas maneiras de lidar com a imagem, percepção do entrelaçamento entre vida e obra, articulações entre as figuras mais esquisitas que se possa imaginar, com mil diabos, afinal o que distingue do surrealismo qualquer borrão encontrado com frequência em galerias e museus por toda parte do mundo, um borrão que a curadoria afirma tratar-se de arte contemporânea? Com isto não quero dizer que tudo seja surrealismo ou que em nada mais importa sê-lo. A evidência a ser posta em destaque é que há uma confusão geral no que diz respeito ao que esperar da arte em nosso tempo. Há um esgotamento que não traduz propriamente falta de impulso criativo, mas antes uma ação sanguessuga do mercado. Evidente que os artistas são cúmplices disto, eternos deslumbrados pelos efeitos primários do tempo sobre as suas pretensas aventuras estéticas.
Gosto de uma declaração do português Cruzeiro Seixas, nas notas autobiográficas do catálogo já aqui referido: “Dizem alguns que sou um surrealista ortodoxo na obra que vou realizando; aproveito no entanto a ocasião para esclarecer a quem queira ser esclarecido que o serei, mas tão só enquanto não descobrir uma outra porta, que me leve a um outro espaço. É isso o que mais desejo, é nisso que se consomem todos os meus dias.” Eis aí uma defesa brilhante da contra-ortodoxia a que nos deve levar o surrealismo, considerando o entendimento de Breton de um “livre pensamento integral”. E o Aldo Pellegrini observa ainda que “a poesia não é distinta da natureza, pareceria melhor como sua própria essência, como o sentido secreto que se oculta por trás da muda aparência das coisas”. Enfim, não se projetou o surrealismo como uma escola, disto já o sabemos, embora a todo momento as reações deem prova em contrário. O surrealismo confunde-se com a própria entrega à vida, ou seja, reflete um estado de espírito de quem se dispõe a arriscar-se ao conhecimento de si sem as algemas do hábito, dos vícios cortantes que confundem repulsões e preconceitos, e, a rigor, nem precisaríamos mesmo escrever poemas, compor músicas, pintar telas. A baliza mais sensível seria aquela que permitiria denunciar oscilações entre valores constituídos e espírito humano.
Ao princípio sugerimos aqui como essencial rever cronologias. A edição do volume em que se insere este ensaio já é um valioso aceno neste sentido. Há evidências evocadas, pistas sugeridas, enfim, este livro constitui-se como uma baliza empenhada no desenho geral das áreas frutíferas de ação do surrealismo. Sua atualidade está ligada diretamente ao absurdo que possa haver entre uma lógica e sua perpetuidade, ou seja, o surrealismo lida acentuadamente com extravios, e os extravios parecem não ter fim. Quem se sentiria feliz sendo surrealista a qualquer tempo? Mas como evitá-lo?

NOTAS
1. Didaticamente exposta por Claude Courtot em L’Être ou le paraître surréaliste, em Organon 22, Aspectos do surrealismo, Revista do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Volume 8, número 22, 1994, organizada por Robert Ponge.
2. Office du Livre, Fribourg, 1982, dirigido por Adam Biro e René Passeron.
3. A estrela da manhã – surrealismo e marxismo, de Michael Löwy, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2002.
4. Steinmetz, Jean-Luc, André Breton et les surprises de l’amour fou, Presses Universitaires de France, Paris, 1994
5, Marguerite Bonnet, André Breton – Naissance de l’aventure surréaliste, Librairie José Corti, Paris, 1988.
6. Floriano Martins, O Começo da Busca (O surrealismo na poesia da América Latina). Escrituras Editora. São Paulo. 2001.
7. Floriano Martins, Un nuevo continente – Antologia del Surrealismo en la Poesía de Nuestra América. Ediciones Andrómeda, San José, Costa Rica, 2004
8. Maria de Fátima Marinho, O surrealismo em Portugal, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1987.
9. A única real tradição viva – Antologia da poesia surrealista portuguesa, organizada e prefaciada por Perfecto E. Cuadrado. Assírio & Alvim, Lisboa, 1998.
10. No catálogo da Editorial Argonauta é possível encontrar tanto uma edição completa dos Manifestos do surrealismo, como livros de Antonin Artaud, Paul Éluard, Lautréamont, Sade, Rimbaud, e até mesmo uma tradução de Los arcanos mayores de la poesia surrealista (org. por José Pierre e Jean Schuster). Por esta editora se tem publicado toda a obra de Aldo Pellegrini – La valija de fuego (poesia completa) e La conquista del maravilloso (ensaios completos) –, bem como livros de Francisco Madariaga (Criollo del universo e País garza real) e Enrique Molina (Hacia una isla incierta). Vale também mencionar o trabalho de recuperação levado a termo por Javier Cófreces, seja na reedição da poesia de Carlos Latorre (Los móviles secretos, Ediciones em Danza, Buenos Aires, 2001) ou na recente organização da antologia Siete surrealistas argentinos (Leviatan, Buenos Aires, s/d).
11. Fundamental, neste sentido, o empenho de Luis G. de Mussy, não somente pela substanciosa publicação de Mandrágora. La raiz de la protesta o el refugio inconcluso (Universidad Finis Terrae, Santiago de Chile, 2001) – edição fac-similar de todas as revistas publicadas pelo grupo surrealista chileno –, como também por uma série extensa de entrevistas realizadas com poetas chilenos ligados ao surrealismo.
12. A publicação de Un nuevo Continente (Ediciones Andrômeda, San José, 2004) é única até o momento, se pensarmos em uma percepção do surrealismo em âmbito continental, uma vez que este livro aborda o que há de mais expressivo na poesia vinculada ao surrealismo em todo o continente americano, na extensão dos quatro idiomas aí falados: português, espanhol, francês e inglês.
13. Baciu, Stefan. Antologia de la poesia surrealista latinoamericana. Ediciones Universitárias de Valparaiso. Chile. 1981.
14. No caso de Perfecto Cuadrado, além da referência que já fizeste à Antologia da poesia surrealista portuguesa, cabe mencionar todo o trabalho de criação de um acervo de obras surrealistas através da Fundação Cupertino de Miranda, em Vila nova de Famalicão, Portugal. Quanto ao inglês C. B. Morris, mereceria já publicação no Brasil o largo volume Surrealism and Spain 1920-1936 (1972).
15. Referências a Richard Coyne e D. J. Haraway encontramos no ensaio “surrealismo e tecnosurrealidade: rotas convergentes?”, de José Augusto Mourão, revista Atalaia-Intermundos # 10/11 (Lisboa, 2002), dossier dedicado ao surrealismo, organizado por Maria Estela Guedes e Floriano Martins.
16. El surrealismo – Puntos de Vista y Manifestaciones, Barral Editores, Barcelona, 1977, edição espanhola de Entrétiens, as entrevistas radiofônicas de Breton.
17. Na edição brasileira de Benjamin Péret, Amor Sublime – Ensaio e poesia, 1985, organização de Jean Puyade, tradução de Sérgio Lima e Pierre Clemens, Brasiliense, São Paulo.
18. Octavio Paz, A dupla chama – Amor e Erotismo, tradução de Wladyr Dupont, Editora Siciliano, São Paulo, 1993.
19. Mircea Eliade, Initiation, rites, societés secretes, Folio, Gallimard, Paris, 1992.
20. Na introdução de André Breton today, coletânea organizada por Anna Balakian e Rudolf E. Kuenzli, Willis, Locker & Owens, New York, 1989.
21. “A favor do método”. Rev. Bizarrona # 19, publicação virtual, s/d.
22. Refiro-me à mostra e ciclo de palestras Convocação de cúmplices pelo Grupo Surrealista Decollage, na AAMAM, Associação dos Amigos do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em outubro de 2004.
23. Embora já tenha registrado aqui menção à exposição O surrealismo abrangente, que exibe o acervo particular de Cruzeiro Seixas (1920), cabe ressaltar a publicação de um extenso catálogo de obras do artista português, por ocasião da recepção do prêmio Soctip (Portugal, 1989), volume em que se encontra expressiva cronologia e uma seleção rara de textos críticos a seu respeito. E o mesmo em relação ao argentino Victor Chab (1930), que teve um igualmente largo catálogo de obras editado por ocasião da retrospectiva no Palais de Glacê (Buenos Aires, 2002). Cruzeiro Seixas e Víctor Chab são possivelmente os mais influentes artistas ligados ao surrealismo em toda a tradição pictórica portuguesa e argentina.


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EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidado: Jan Dočekal (República Checa, 1943)


Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 134 | Maio de 2019
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