O NASCIMENTO DE UM JARDIM HÁ MUITO “PROMETIDO” | Em 17 de setembro de 1910, as portas do Theatro José de Alencar (TJA) se abriam pela primeira vez. O prédio era admirável. Segundo José Liberal de Castro (1993), este poderia ser inscrito como um daqueles de “maior valor nos quadros do ecletismo brasileiro”. O seu foyer seguia as tendências afrancesadas da época, valendo, no entanto, ressaltar a magnífica sala de espetáculos composta por uma grande estrutura metálica, grande parte em ferro fundido, projetada e produzida em Glasgow (Escócia) por Walter MacFarlane & Co. Afirma Castro que essa estrutura “mistura elementos compositivos de reminiscências art-nouveau com vocabulário ao gosto da arquitetura vitoriana” configurando, assim, o eminente caráter eclético do edifício.
Apesar de chamado teatro de jardim – em razão de sua destinação descrita em catálogo – a construção, encaixada entre os prédios do Quartel da Polícia e o da Escola Normal (posteriormente ocupado pela faculdade de Medicina e Farmácia e Odontologia, e depois, pelo IPHAN) apresentava apenas uma pequena área descoberta, sem a presença de qualquer elemento vegetal, entre o foyer e o corpo principal. Era, portanto, um teatro de jardim sem nenhum jardim, de fato.
Defronte ao prédio, uma extensa praça do centro da cidade, denominada, à época, Praça Marques do Herval, fazia as vezes de jardim para o teatro. Otacílio de Azevedo (1980) a descreve como um ‘verdadeiro Jardim de Afrodite’ repleto de rosas, dálias, borboletas – é provável que o autor esteja se referindo à espécie Canna x generalis. – ‘e mais uma infinidade de flores e crótons […]’. Além disso, um pavilhão, um coreto, bancos de ferro e madeira, e colunas com vasos chineses repletos de plantas, entre outros, complementavam a beleza dos jardins, que, ainda segundo Castro (1987) era pontuada por cópias de estatuária grega pertencentes ao Museu do Louvre em Paris. Essa praça, hoje denominada José de Alencar, havia sido ajardinada em 1903, como parte de um projeto de aformoseamento da capital.
Da sua inauguração, em 1910, até os dias de hoje, transcorrido mais de um século, a cidade e o seu Theatro, e este e sua praça, passaram por imensas transformações. De uma cidade com pouco menos de 50 mil habitantes no começo do século XX, Fortaleza se encontra hoje entre as cinco maiores metrópoles brasileiras, com uma população beirando os 2,5 milhões de habitantes. Essas transformações, como não podiam deixar de ser, vieram a reboque de um processo de crescimento urbano desordenado, certamente provocado por adversas condicionantes políticas, econômicas, culturais e ambientais, reflexo de transformações semelhantes ocorridas nacionalmente.
De pacato logradouro, palco de retretas vespertinas e do passeio tranqüilo de gente de família até a primeira metade do séc.XX, passando por caótico e barulhento terminal de ônibus urbanos por quase cinco décadas, até 1990 e, hoje – após uma reforma modernizadora inconclusa, objeto de concurso em 1999 – a praça José de Alencar é uma verdadeira arena do circo urbano.
Dessa forma, o TJA e sua praça têm passado por processos sucessivos de degradação e recuperação. O teatro, ao longo do tempo, passou por várias restaurações e uma grande reforma. As primeiras foram em 1918, 1938, 1957, 1973 e a última foi em 1990. Nessas duas últimas, RBM participou ativamente da revitalização desse importante patrimônio cultural brasileiro, projetando os seus jardins.
BURLE MARX E FORTALEZA – BURLE MARX E O THEATRO JOSÉ DE ALENCAR | Apesar de o Nordeste, mais especificamente a cidade de Recife, estar diretamente ligado ao início da sua trajetória profissional, no início dos anos 1930, Burle Marx só produziu seu primeiro projeto em Fortaleza em 1968, no caso a residência Benedito Macedo – em conjunto com projeto do arquiteto Acácio Gil Borsoi. De acordo com Beatriz Nogueira Diógenes e Ricardo Alexandre Paiva (2007), a colaboração entre esses dois profissionais seria responsável pela “inserção do paisagismo moderno em Fortaleza”.
Sua trajetória em Fortaleza segue em projetos esparsos, principalmente, para residências, até sua segunda versão para os jardins do Theatro José de Alencar, em 1990. Entre 1993 e 1994, ele produz o que seria o seu último projeto para a cidade e um dos últimos da sua vida: o desenho para o jardim botânico de Fortaleza, na Fazenda Raposa, projeto esse não executado (cf. Ricardo Bezerra e Newton B. de Moura, 2007).
BURLE MARX E O THEATRO JOSÉ DE ALENCAR | O PRIMEIRO DESENHO (1973) – O JARDIM ESPETÁCULO | Corria o ano de 1973. A essas alturas, o edifício do TJA se encontrava em péssimas condições e o Governo do Estado, resolveu, não somente, recuperar o prédio como, também, demolir a edificação vizinha, o antigo quartel da polícia, então, um centro de saúde, para, aí, ser criado um jardim para o teatro. Desse modo, sessenta e três anos após sua inauguração, o TJA poderia fazer jus à sua classificação de teatro de jardim. E para criar este novo espaço, é chamado Roberto Burle Marx, por sugestão do arquiteto José Liberal de Castro.
A indicação de RBM para elaborar, o que seria a primeira versão do projeto dos jardins do TJA, em 1973, seria natural já que ele estava, naquela época, desenvolvendo alguns trabalhos para a Prefeitura Municipal de Fortaleza.
O primeiro desenho para os jardins do TJA, cujo projeto é também assinado pelos arquitetos Haruyoshi Ono e José Tabacow, é bem representativo da linguagem formal criada por RBM: um equilibrado jogo de linhas retas, paralelas e oblíquas, ligadas por arcos de circunferência, criando uma sensação de planos superpostos onde se definem canteiros, áreas pavimentadas, elementos aquáticos e mobiliário.
Um grande espelho d´água, com uma fonte luminosa, domina toda a composição. Esse elemento, que cobre cerca de um quarto daquele jardim, divide o espaço disponível para circulação e convivência em dois, dando-se a ligação entre esses através de uma pequena ponte sobre o espelho d´água. Percebe-se, igualmente, que esse projeto elaborado em 1974 valoriza, principalmente, o aspecto contemplativo do conjunto: um verdadeiro espetáculo de plantas e água em movimento. Apesar de não existir nesse projeto qualquer alusão ao estilo eclético do edifício a que se presta, conforme Tabacow (em entrevista concedida aos autores, por telefone, em 14/04/2009), havia uma posição firmada pelo paisagista de procurar, em seus projetos para prédios históricos, criar um desenho mais simples, buscando, assim valorizar a edificação em si.
Esse jardim, no entanto, teve vida muito curta, principalmente, devido à sua extensa fonte. Como esse equipamento, dependente de sistemas hidráulico e elétrico para bombeamento e iluminação, era acionado muito esporadicamente, cada vez que era preciso usá-lo, havia necessidade de serviços de manutenção. Nesse sentido, os custos para manter o jardim estavam além dos recursos disponíveis e o jardim, em dois ou três anos, entrou em pleno processo de degradação (cf. jornal O Povo, 27/12/1986).
O arquiteto Francisco Veloso, participante das equipes que trabalharam tanto no projeto de 1974 como no de 1990 lembra que, em uma das visitas que o paisagista fez a Fortaleza junto com o arquiteto José Tabacow, foi aventada a possibilidade de integrar o jardim, a ser criado, à Praça José de Alencar. Por intervenção de Liberal de Castro, esse partido não foi adotado, justificando este, que o espaço estaria, em pouco tempo, indevidamente ocupado por camelôs, principalmente considerando-se que, àquela época, na praça funcionava um dos mais movimentados terminais de ônibus da cidade. Aceita a argumentação, foi adotado um gradil que permitiu a visualização dos jardins a partir do espaço público, restringindo, no entanto, o seu acesso através do teatro.
Levando em consideração que o principal elemento focal do jardim, sua extensa fonte, não mais funcionava e que a área projetada para convivência era, relativamente, de difícil acesso, o espaço do jardim perde importância e apressa-se, assim, seu processo de deterioração. Isso prossegue até que, numa iniciativa do governo estadual, se dá início a uma grande reforma do TJA.
BURLE MARX E O THEATRO JOSÉ DE ALENCAR | O SEGUNDO DESENHO (1990) – O JARDIM UTILITÁRIO | No final dos anos 1980, uma nova geração de políticos cearenses, liderada por Tasso Jereissati, havia assumido o comando do governo estadual após uma sucessão de governantes ligados ao governo militar. Nessa composição política, é indicada, então, para a Secretaria de Cultura, Violeta Arraes Gervaiseau. Essa intelectual, que foi para Paris, em exílio imposto pelo governo militar, em 1964, de família originária do Cariri cearense (irmã de Miguel Arraes), com extensa carreira de militância política, pessoa de reconhecida capacidade aglutinadora, idealiza e toma a frente de um amplo projeto de reforma do Theatro José de Alencar.
Para executar a obra civil, por notória especialização, é selecionada a construtora Método, empresa com sede em São Paulo e para a reforma do jardim é novamente contratado o escritório de Roberto Burle Marx.
O projeto elaborado dessa vez – assinado, além de RBM, pelo arquiteto Haruyoshi Ono, como arquiteto associado e Leonardo de Almeida como paisagista colaborador – diverge por completo do primeiro: é um jardim intrinsecamente utilitário. Agora, em vez da ampla fonte e seu espetáculo de água e luz, temos um extenso piso, de recorte ortogonal, em tijolo cerâmico vermelho e ladrilho hidráulico cinza, com discretos detalhes em granito cinza, o mesmo utilizado na área descoberta, entre o foyer e o corpo principal, anteriormente referida, estendendo-se como elemento de identidade formal ao pátio do anexo.
No conjunto formado, sobressai, ao fundo, um palco descoberto, que surgiu como uma feliz e oportuna solução de projeto para camuflar vários equipamentos técnicos (ar condicionado, cisterna, subestação e quadros elétricos) bem como um camarim (Destaca-se que o projeto desse elemento é do arquiteto Ricardo Rodrigues, membro da equipe técnica responsável pela reforma).
À frente dele, um grande espaço central livre, praticamente circundado por extenso banco em concreto, tem servido para múltiplos fins, principalmente eventos ligados à própria pauta do Theatro.
Comparado ao projeto anterior, de 1973, contrasta a simplicidade da nova proposta, que não apresenta as características peculiares da obra de RBM. Excetuando a maestria do plano de vegetação, nada, ali, poderia revelar, mesmo a um estudioso do paisagismo, a mão daquele artista. Não se vêem seus magníficos pisos de mosaico português, nem seus canteiros em desenhos de sofisticada geometria, tampouco seus costumeiros elementos ornamentais como painéis, murais e esculturas. Ao contrário, no conjunto, como um todo, realçam a sobriedade e singeleza de linhas e volumes. Dessa forma, o projeto destaca dois elementos principais: a edificação do próprio teatro e a vegetação do jardim, que tem hoje, depois de crescida, o importante atributo de isolar o jardim da rua, atualmente repleta de bancas de camelôs, mendigos e barulhentos ônibus.
Este é um trabalho, que, de certa forma, foge aos padrões de desenho de RBM, mas que se sobressai, no conjunto da obra produzida por seu escritório, pela demonstração de saber adotar um partido que seja próprio para a situação em que as características peculiares daquele gênio criador dão lugar a uma solução consciente da sua adequação, mostrando uma preocupação com a utilização do espaço, tanto para a realização de grandes eventos, como para o convívio em espaços sombreados e, principalmente, respeito à edificação histórica a que serve.
O JARDIM DO ANEXO | Até aqui fizemos uma análise do jardim principal do TJA em suas duas versões. No entanto, para que possamos entender os projetos na sua totalidade, em ambos os casos, existe uma porção de jardim, no lado oeste do teatro, que precisa também ser vista.
Para isso, é importante entender o contexto imediato daquele edifício. Quando o teatro foi construído, no início do Séc. XX, na sua lateral oeste já se encontrava o prédio da Escola Normal. Essa edificação, construída entre 1881 e 1884, conforme o Guia dos Bens Tombados do Estado do Ceará, veio posteriormente a ser a sede da Escola de Medicina, e em seguida da Faculdade de Farmácia e Odontologia. Para servir a essas, é construído um anexo na extensão sul do terreno.
Na versão de 1974 RBM propõe derrubar esse prédio anexo mantendo a edificação histórica para abrigar os serviços administrativos do teatro. No entanto, na época da implantação do jardim, o prédio ainda era usado como faculdade, ficando, por esse motivo, postergada, a desocupação e retirada desse anexo.
Analisando o projeto nota-se que este lado não tem maiores ligações formais com o jardim principal. Os elementos mais marcantes deste são as várias áreas de convivência criadas sob as copas das árvores propostas e uma aléia formada por quatorze palmeiras-imperiais (Roystonea oleracea). Além desses, se nota um estacionamento com doze vagas e um acesso para veículos de serviço. O grande valor da idéia seria soltar o prédio do teatro, dando espaço para sua visualização por três das suas fachadas. No entanto, devido à rápida deterioração sofrida pelo jardim principal, ficou fora de cogitação derrubar o prédio anexo que tinha uma boa condição construtiva.
Alguns anos depois, a Faculdade de Odontologia muda-se também para o campus do Porangabussu (onde se concentram os equipamentos da área de ciências da saúde da Universidade Federal do Ceará – UFC) e os dois prédios ficam desocupados. Através de um acordo entre o Ministério da Educação e o Ministério da Cultura, a SPHAN/Pró-Memória (Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) passa a utilizar o prédio histórico com um projeto de ocupação igualmente do anexo. Nessa situação fica, então, totalmente descartada a implantação do jardim oeste, nesta versão de 1974. Dessa forma, quando RBM elabora o projeto de 1990, nele está incluído o prédio do anexo que, após uma extensa reforma, passa a abrigar os serviços administrativos e de apoio ao Theatro.
Nesta versão, tendo sido mantido o prédio do anexo, um pátio central que aí existia passa a ser um ponto focal desse pequeno jardim. Considerando o clima de poucas chuvas e as temperaturas relativamente elevadas o ano todo, dá-se a esse espaço, numa escala menor, uma solução semelhante à do jardim principal sendo aí instalado um pequeno palco para a realização de eventos artísticos. Os materiais de pavimentação de piso e mobiliário seguem a mesma linguagem do jardim principal e no plano de vegetação destacam-se alguns espécimes de macaubeira (Acrocomia intumescens), palmeira nativa do nordeste.
OS PLANOS DE VEGETAÇÃO PARA O JARDIM PRINCIPAL | A descrição e análise dos planos de vegetação das duas versões serão feitas conjuntamente. Dessa forma poderemos compreender, como, num espaço de quase vinte anos, modificações e adaptações foram feitas.
Vale salientar que era bastante normal o paisagista fazer mudanças na indicação de espécies vegetais nos seus projetos durante sua execução. Essas mudanças – fossem por dificuldade de aquisição, de adaptação ao local, ou mesmo por considerar que seria uma melhor solução de desenho – dificilmente eram registradas, sendo esse um sério problema interposto para a documentação e preservação da obra de RBM, principalmente, considerando, ainda, que podiam ocorrer mudanças não autorizadas, o que soma, então, um grau extra de dificuldade nessa tarefa (Ana Rosa de Oliveira, 2008).
No entanto, antes que sejam analisados os planos de vegetação propostos nas duas versões do projeto do TJA, é importante nos referir acerca dos velhos oitizeiros que lá estão.
Quando da derrubada do centro de saúde para dar lugar ao jardim para o teatro, três oitizeiros (Licania tomentosa) foram salvos e essas árvores, de porte magnífico, foram logicamente incorporadas ao projeto paisagístico. É muito provável que essas árvores já existissem lá desde o tempo do quartel da polícia, que ali havia. Aliás, é curioso notar que o uso urbano dessa espécie, em Fortaleza, havia sido recomendado por Pereira Passos – o grande artífice da reforma urbana do Rio de Janeiro no início do Séc. XX – em matéria publicada no jornal Ceará Ilustrado em edição de janeiro de 1925. Na época do primeiro projeto, essas árvores, já de grande porte, passam a ser um importante elemento no desenho da vegetação, servindo como fonte de generosa sombra e pano de fundo para o desenho do jardim, por sua localização na parte posterior deste.
Fazendo-se uma análise comparativa da seleção vegetal para os dois projetos, percebe-se que seguindo uma tendência natural do seu trabalho, no que concerne a seleção de espécies, em ambas as versões do projeto, nota-se a mescla de espécies exóticas e nativas, dispostas, harmonicamente, lado a lado. Ressalte-se, aqui, que RBM foi responsável pela introdução, no Ceará, de várias espécies vegetais exóticas e nativas brasileiras, principalmente das famílias das bromeliáceas, musáceas, orquidáceas, marantáceas, velosiáceas e apocináceas (cf. Flávio Motta, 1983).
No que concerne essa questão de origem das espécies utilizadas, nos dois projetos, nativas brasileiras e exóticas se equivalem. A grande mudança que se pode perceber entre estes planos de vegetação, refere-se ao clima de origem daquelas espécies: tropical seco e tropical úmido. Tomando como fonte de referência básica o trabalho do Instituto Plantarum, dirigido pelo botânico Harri Lorenzi (2004; 2003; 1995; 1992), nota-se que, enquanto no primeiro projeto essas categorias se equivalem, no segundo projeto – não mais existindo a fonte – há um forte predomínio das espécies de clima tropical seco. Nessa seleção, passam a representar cerca de três quartos das espécies utilizadas. Percebe-se, nesse caso, uma preocupação, na definição do plano de vegetação, com a escolha de espécies mais resistentes ao clima local, daí essa mudança, a qual se reflete, diretamente, no nível de manutenção requerido.
No projeto de 1990, o grande ponto focal do jardim é uma aléia de palmeiras-leque-de-fiji (Pritchardia pacifica) que domina toda a parte frontal do espaço, sendo esta, inclusive bem visualizada a partir da rua. Em relação ao desenho dos canteiros do jardim, nessa versão de 1990, a subdivisão rígida do desenho de 1974 dá lugar a uma apresentação mais solta das espécies, com um uso reduzido de delimitadores de canteiros separando os agrupamentos de arbustos, herbáceas e forrações.
O estado do jardim atual merece, aqui, uma ressalva. Muitas plantas foram introduzidas desvirtuando o projeto original. Algumas podem, de certo modo, ser consideradas como contribuições positivas, como a grande touceira de pândano-amarelo (Pandanus sp.), o denso arbusto de uma pleomele (Pleomele reflexa) e três espécimes de palmeira-triangular (Dypsis decary). No mais, o jardim, hoje, carece de toda uma recuperação, para a qual sejam avaliadas as condições de permanência das plantas introduzidas, o controle de crescimento e a reposição das espécies existentes propostas no projeto original.
Um dos elementos mais marcantes do projeto merece destaque: a cascata de tumbérgia. Já no projeto de 1974 é indicada a implantação de uma trepadeira (Thunbergia grandiflora) na parede de fundo do jardim principal. Essa trepadeira foi implantada, de um em um metro, de forma a subir num alambrado afastado cerca de dez centímetros do muro, criando, assim, uma cortina verde de ponta a ponta do plano de fundo do jardim principal.
Quando da implantação do projeto de 1990, no entanto, o prédio vizinho teve mais dois pavimentos adicionados, levando esse muro a uma altura acima de dez metros. Na época, apesar de não constar do plano de vegetação de 1990, foi sugerido, pelos paisagistas, complementar o alambrado até o topo do muro, e Burle Marx, conforme lembra o arquiteto Haruyoshi Ono, ficou na dúvida se a planta conseguiria subir tão alto. Na verdade, ela não só conseguiu como é hoje um dos pontos de destaque do jardim.
CONSIDERAÇÕES FINAIS | Hoje, muitos são os caminhos a trilhar na importante missão de preservar a obra de RBM que alcançou dimensão planetária e é citado, mundo afora, como um dos artistas mais influentes do Séc. XX. Sua obra, em nível nacional e internacional é de grande vulto, e neste meio estão seus trabalhos produzidos no norte e nordeste brasileiros. Mesmo considerando as marcantes desigualdades regionais no Brasil, seus projetos aí realizados, são tão importantes quanto os demais.
Esse estudo, de certo modo, busca resgatar um momento perdido na memória da cidade, o primeiro jardim do Theatro José de Alencar (de 1974). Esse projeto, que se saiba, jamais havia constado das inúmeras publicações acerca da obra do paisagista e hoje já quase se perde na oralidade dos que presenciaram aquele magnífico jardim. Por outro lado, esse estudo busca também fazer uma análise do atual projeto (de 1990), a qual pode vir a servir de base para um necessário trabalho de preservação desse projeto que se insere num espaço tão afetivamente caro à população cearense.
Nesse sentido, é fundamental o registro, a compreensão e, por fim, a preservação desse patrimônio cultural, artístico, histórico e ambiental que o Nordeste possui através dos jardins de Roberto Burle Marx, para seu usufruto pela nossa geração e gerações vindouras, pois ele retrata a obra de um artista que, com absoluta certeza, é fundamental na invenção do Brasil moderno.
Ricardo Figueiredo Bezerra. Doutor em Planejamento Urbano. Contato: rbezerra@arquitetura.ufc.br. Fernanda Cláudia Lacerda Rocha. Especialista em paisagismo. Contato: fernadarocha@unifor.br. Ana Rita Sá Carneiro. Criadora e coordenadora do Laboratório da Paisagem na Universidade Federal de Pernambuco. Contato: anaritacarneiro@hotmail.com. Temístocles Anastácio de Oliveira. Co-organizador do Catálogo de Espécies Vegetais de Interesse Paisagístico no Ceará. Contato: en.br@hotmail.com. Este texto baseia-se em trabalho apresentado no 10º Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil – ENEPEA (Porto Alegre, 2010) e no livro Roberto Burle Marx e o Theatro José de Alencar – um projeto em dois tempos (Fortaleza, 2012). Página ilustrada com obras de Silvia Westphalen (Peru), artista convidada desta edição de ARC.
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