Introdução | No presente artigo sobre o
multi-instrumentista, arranjador e compositor alagoano Hermeto Pascoal (Olho D’Água
da Canoa, 22 de junho de 1936), pretendo dimensionar sua importância singular no
panorama da música instrumental popular no Brasil. As músicas referidas no artigo
serão descritas de maneira acessível ao leitor não especialista, evitando, quando
possível, a terminologia especificamente musical. Para fornecer uma amostra do sistema
musical de Hermeto farei referência acerca de cinqüenta exemplos compostos e/ou
gravados desde antes do LP do Quarteto Novo
(1967), e do primeiro LP autoral intitulado Hermeto
Pascoal: Brazilian Adventure (1972*), [1]
percorrendo as várias fases de sua carreira até a atualidade.
Tomo emprestado do pesquisador
Muniz Sodré o termo ‘biombo cultural’, utilizado originalmente pelo pesquisador
para demonstrar como a polarização choro-rua/samba-fundo de quintal na geografia
da casa de Tia Ciata simbolizava as diferentes posições de resistência da comunidade
negra carioca frente às elites após a Abolição. [2] Utilizo a noção de ‘biombo cultural’ para percorrer simbolicamente
os espaços principais da casa de Hermeto no bairro do Jabour, zona oeste do Rio
de Janeiro. Nesta casa, Hermeto e o Grupo formado por Itiberê Zwarg (1950), Jovino
Santos Neto (1954), Márcio Bahia (1958), Carlos Malta (1960) e Antonio Luis Santana,
apelidado como Pernambuco (1942[1940?]), [3]
ensaiaram diariamente, das 14:00hs. às 20:00hs, durante doze anos consecutivos,
de 1981 a 1993. O trajeto através dos espaços da casa, como a cozinha, a piscina,
a sala escondida onde Hermeto compunha e a sala de ensaio do Grupo no 2º andar,
além dos hábitos dos moradores – como a feijoada aos sábados – e a participação
dos animais de estimação nas músicas gravadas, revelam como ocorria o processo de
composição, arranjo e ensaio de Hermeto e Grupo no período já mencionado, além de
demonstrar aspectos inter-relacionados da personalidade, biografia, cosmologia pessoal
e sistema musical de Hermeto Pascoal. Quando os exemplos musicais analisados no
artigo tiverem sido gravados em outras fases da carreira do músico alagoano, as
datas referentes a estes exemplos serão seguidas de *.
Na parte final deste artigo,
contextualizo a trajetória profissional do músico alagoano relacionando-a com a
história da música popular no Brasil no século XX e início do XXI. Demonstro como
o sistema musical inovador de Hermeto Pascoal funde a tradição, a modernidade e
a contemporaneidade e avalio, finalmente, o papel estratégico da Internet como forma
de resistência cultural pós-moderna.
Uma casa popular moderna, Pça. Onze, 1916 | Entrincheirada na Praça Onze,
junto a outras casas de famílias de origem baiana chefiadas por zeladoras de orixás
(as famosas Tias), a casa da mulata Hilária
Batista de Almeida, a Tia Ciata, [4]
é considerada pelos pesquisadores como a casa “matricial” da música popular urbana
carioca, onde foi gestado um dos primeiros sambas gravados, “Pelo telefone” (Donga,
1916). [5] Muniz Sodré identifica determinados
‘biombos culturais’ na casa de Tia Ciata separando os cômodos, os espaços da casa
e os gêneros musicais neles praticados: na sala de visitas próxima à rua, o choro
e as danças de par entrelaçados (polcas, valsas, lundus etc.); e, no quintal ou
terreiro nos fundos da casa, o samba de partido-alto ou samba-raiado e os batuques
do Candomblé. A separação polarizada dos ‘biombos culturais’ na casa da respeitada
babalaô-mirim Tia Ciata, simbolizava,
segundo Sodré: “A estratégia de resistência musical à cortina de marginalização erguida contra o negro em seguida à
Abolição” (Sodré, 2007 [1979]). Desta maneira, continua Sodré, na frente
da casa – próxima, portanto, aos olhos da elite branca – estavam a música instrumental
do choro e as danças mais “respeitáveis”, enquanto que, nos fundos da casa, escondidos
das autoridades e da polícia, estavam o samba com a “elite negra da ginga e do sapateado”,
e a batucada dos mais velhos “onde se fazia presente o elemento religioso”. (idem)
A casa de Tia Ciata é considerada
pelo pesquisador como um microcosmo da sociedade brasileira da época, exemplificando
o preconceito racial e a marginalização do negro e de sua cultura pela elite branca.
Músicos como Pixinguinha (1897-1973), Donga (1889-1974), Sinhô (1888-1930), João
da Bahiana (1887-1974) e Heitor dos Prazeres (1898-1966) atravessavam constantemente
as fronteiras sutilmente devassáveis entre o território do choro e das danças de influência européia, por um lado, e o território
do samba de partido-alto e do Candomblé africano, por outro. Ao cruzarem estas fronteiras
ou ’biombos’, estes músicos reelaboravam elementos da tradição cultural africana,
possibilitando novas formas de afirmação da etnia negra na vida urbana brasileira,
afirmação da qual são exemplos, em ordem cronológica de aparecimento, o choro [6] e o samba.
Uma casa popular pós-moderna, bairro do Jabour, 1982 | Originalmente uma casa de
apenas um andar, a residência de Hermeto no Jabour, bairro situado na zona oeste,
nos subúrbios da cidade do Rio de Janeiro, foi ampliada quando, após uma turnê internacional
com o Grupo, Hermeto iniciou a construção do 2º andar. Assim, diferentemente da
casa da Tia Ciata, onde os músicos e convidados percorriam o mesmo piso horizontal
para cruzar os ‘biombos culturais’ sucessivos que ligavam, simbolicamente, a Europa
(o choro e as danças na sala de visitas próxima à rua), ao Brasil e à África (o
samba e o Candomblé no quintal ou terreiro, ao fundo), a casa de Hermeto Pascoal
no Jabour apresentava, por sua vez, uma disposição espacial vertical, com dois andares.
Hermeto compunha no 1º andar
da casa silenciosamente, sem instrumentos, escrevendo na partitura e sentado no
sofá de uma sala escondida aos olhos dos visitantes, enquanto que os músicos do
Grupo: Itiberê Zwarg (contrabaixo, piano elétrico, bombardino e tuba), Jovino Santos
Neto (piano elétrico, teclados, clavinete e flautas), Antônio Luis Santana/Pernambuco
(percussão), Márcio Bahia (bateria e percussão) e Carlos Malta (sopros), ensaiavam
no 2º andar da casa. Todos os músicos passaram a morar próximo à casa para não perderem
tempo indo e vindo, diariamente, de suas moradias até o distante bairro do Jabour.
Pouco acostumado às ruas
do bairro na zona oeste, e após perguntar várias vezes aos vizinhos pela localização
da casa do ilustre morador do Jabour, o visitante somente tinha a certeza que havia finalmente
chegado ao endereço certo quando escutava, do lado de fora da casa, o som da música
tocada pelo Grupo. Após se identificar pelo interfone atendido pela dona da casa,
o visitante entrava pelo portão de serviço que dava acesso à cozinha. Antes de chegar
a ela, via, à direita, numa área próxima ao portão, os passarinhos nas gaiolas,
o papagaio Floriano e, eventualmente, os cachorros correndo de um lado para o outro,
além de vislumbrar parte de uma piscina pequena. Ao seguir em frente, e entrando
na casa propriamente dita, sempre orientado pela música cada vez mais forte, o visitante
atravessava a cozinha da pernambucana Dona Ilza da Silva [7] e passava por uma ante-sala pequena (cuja planta-baixa em “L” escondia
do visitante a sala “secreta” onde Hermeto compunha), até subir uma escada que levava
ao 2º andar.
Chegando ao segundo andar
da casa, o visitante identificava então dois espaços: uma saletinha de descanso
com uma geladeira, cadeiras e um banheiro próximo, e a sala grande com os instrumentos
do Grupo: piano, teclados, percussões, bateria, sopros, contrabaixo elétrico, além
de vários objetos sonoros percussivos e pilhas e mais pilhas de partituras manuscritas.
Como isolamento acústico, esteiras de palha compradas por um preço barato em lojas
de materiais de Umbanda foram coladas nas paredes da sala de ensaio, conferindo
ao ambiente uma aparência rústica de choupana. Finalmente, através das janelas eram
vistas as casas da vizinhança e, acima delas, o espaço ilimitado do céu azul ensolarado
que impunha sua presença através do calor quase insuportável, que deixava a laje
em brasa nos dias quentes.
A arquitetura da pequena
casa era constituída, assim, de dois ‘biombos culturais’ principais: o espaço privado
no 1º andar da casa, no qual Hermeto compunha “secretamente”, sem ser visto ou escutado
por ninguém, e o 2º andar, mais acessível, ocupado pelos músicos nos ensaios diários.
O 2º ‘biombo’ deixava entrever o 3º espaço, externo à casa, preenchido, por sua
vez, pelas casas da vizinhança encimadas pelo céu. As janelas possibilitavam uma
troca: as músicas tocadas pelo Grupo vazavam para a vizinhança, enquanto que a paisagem
sonora dos pássaros, cachorros, papagaio, cigarras etc., invadiam a casa e passaram
a habitar, permanentemente, algumas músicas gravadas no período.
As personagens da casa incluíam
os donos Hermeto Pascoal e Dona Ilza, os filhos e filhas do casal, “os meninos do
Grupo” (como Hermeto chamava paternalmente os músicos que o acompanhavam), além
do faz-tudo Mauro Brandão Wermelinger e, finalmente, os pássaros engaiolados, Floriano
o papagaio e os cachorros Spock, Bolão
e Princesa. Os espaços da casa e as personagens acima mencionadas aparecem em determinadas
músicas incluídas nos seis LPs gravados por Hermeto e Grupo no período de 1981 a
1993, seja nos títulos, nas referências sonoras ou, ainda, nas gravações caseiras
que acabavam sendo incluídas nos discos. Como exemplo, as faixas: “Ilza na feijoada”
(1984), uma música modal com rítmica nordestina, que, diga-se de passagem, era um
verdadeiro hit nos shows da época, na
qual ouvimos a voz dos integrantes do Grupo e uma gargalhada de Dona Ilza; e “Aula
de natação” (1992), a “música da aura”, isto é, uma música atonal que tinha como
melodia o diálogo entre a filha de Hermeto, Fabíola – professora de natação – com
as crianças na piscina da casa. Outros exemplos são, por ordem cronológica: a música
“Cores” (1981), na qual é incluído o silvo agudo de uma cigarra gravado na árvore
em frente à casa de Hermeto e afinada com os instrumentos do Grupo; “Spock na escada” (1984), um forró no qual
foram incluídos os latidos sincopados do cachorro de Hermeto; e “Papagaio alegre”
(1984), na qual o papagaio Floriano é solista. [8] Outros exemplos de utilização musical de sons de animais (não gravados
na casa no Jabour) são, para mencionar apenas duas composições: “Arapuá” (1986),
na qual os timbres instrumentais, texturas e harmonias dissonantes simulam o som
da abelha Arapuá, de zumbido grave; e,
“Quando as aves se encontram nasce o som” (1992), faixa onde diversos cantos de
pássaros são utilizados como frases rítmico-melódicas harmonizadas e arranjadas
por Hermeto para os instrumentos do Grupo. [9]
Fazendo uma comparação com
os espaços públicos e privados da arquitetura da casa de Tia Ciata, o 1º andar da
casa de Hermeto – onde o músico compunha longe dos olhos dos demais habitantes da
casa e dos visitantes – corresponderia ao terreiro ou quintal da casa de Tia Ciata,
lugar no qual o samba e os batuques do Candomblé ocorriam secretamente, enquanto
que, o 2º andar da casa de Hermeto, espaço devassado pelas janelas e pelo vazamento
do som produzido pelo Grupo, estaria associado, por sua vez, a sala de visitas próxima
à rua, onde Pixinguinha e os demais chorões da casa de Tia Ciata tocavam suas polcas,
valsas, lundus, schottische e choros.
A disposição básica frente-fundos-exterior
dos ‘biombos culturais’ da casa de Tia Ciata, encontra, então, uma correspondência
com a casa de Hermeto e será utilizada para demonstrar como ocorria o processo de
composição, arranjo e ensaio de Hermeto e Grupo, além de abordar aspectos da personalidade,
da biografia, da cosmovisão e do sistema musical de Hermeto.
Hermeto e Grupo | Da sala onde compunha, Hermeto podia ouvir os músicos
facilmente. Assim, quando acabava de escrever a partitura com o esboço melódico-harmônico
de uma nova composição, Hermeto subia a escada, punha a partitura por debaixo da
porta do 2º andar e descia de volta a seu posto. Como a grafia de Hermeto apresentava
a dupla dificuldade dos acordes dissonantes dificilmente analisáveis pela harmonia
tradicional, além de uma escrita que às vezes deixava dúvidas quanto à localização
exata das notas no pentagrama – devido à deficiência visual de Hermeto causada pelo
albinismo – geralmente os músicos do Grupo reescreviam as partes manuscritas pelo
Campeão. Este era o apelido dado ao alagoano
pelos “meninos do Grupo”, contudo, observo que, por várias vezes, a hierarquia era
invertida, pois os “meninos do Grupo” também eram chamados de Campeões por Hermeto. Após os músicos terminarem
de passar a limpo as partes manuscritas pelo alagoano, eles as tocavam em seus instrumentos
e, neste momento, Hermeto, sentado no 1º andar, ouvia tudo com seu ouvido absoluto
e lá de baixo corrigia a transcrição: “Jovino, não é Sol com 7ª maior, é menor!”
[10] Logo após, o compositor subia novamente
para resolver eventuais detalhes técnicos de execução e fazer o arranjo. O processo
de criação funcionava seguindo estas etapas e, às vezes, uma música era “acabada”
rapidamente, em apenas três horas de trabalho.
Um breve parêntese. A lista
de visitantes e músicos que estiveram nos ensaios no Jabour [11] é grande e inclui nomes como: Chester
Thompson, Alphonso Johnson, Pat Metheny, Ernie Watts, naipes da Orquestra Sinfônica
de Boston, Mauro Senise, Márcio Montarroyos, Zeca Assumpção, Nivaldo Ornellas, Paulo
Moura, etc. Além destes músicos, “medalhões”, uma verdadeira romaria de estudantes
brasileiros e internacionais anônimos se dirigia ao Jabour para assistir aos ensaios
de Hermeto e Grupo. [12] Havia músicos
populares, eruditos, o pessoal do choro, do jazz,
da vanguarda da música popular brasileira, do fusion, etc. Se não é possível encaixar estes visitantes em uma só tendência
musical, creio que todos partilhavam de um ponto de vista em comum: a casa de Hermeto
representava um reduto, longe da zona sul carioca e dos gêneros musicais populares
vocais que dominaram a cena durante a década de 1980, como por exemplo, o BRock. [13] Uma briga ocorrida na imprensa, entre o jornalista Arthur Dapieve
e o cartunista Angelli, ilustra bem o cenário musical de então. Dapieve defendia
a banda carioca Blitz da acusação de plágio
feita por Angelli, que teria acusado a Blitz
de copiar o paranaense Arrigo Barnabé (1951). O embate entre a turma do BRock, apoiada por jornalistas cariocas e
grandes gravadoras, de um lado, e os artistas independentes de origem universitária
ligados à Vanguarda paulista, de outro,
ilustra algumas forças opostas que polarizavam o panorama musical da época. A música
de Hermeto, por sua vez, não tinha a ver nem com a Vanguarda paulista (de influência tropicalista), nem muito menos, com
a Blitz roqueira. [14]
Diga-se que o meio que Hermeto
elege para atuar não é o da vanguarda erudita, nem popular. A tropicália, que é
um exemplo de vanguarda na música brasileira popular, foi um movimento com o qual
Hermeto manteve poucos elos de ligação, como o leitor poderá constatar no decorrer
deste artigo. A vanguarda apesar de “enfrentar sérias dificuldades para ver seu
trabalho realizado”, o que às vezes “pode chegar a não ocorrer”, acaba geralmente
por ser absorvida pela tradição e seus canais convencionais. Isto porque “os inconformistas
vieram de um mundo artístico, foram treinados nele e, num grau considerável, continuam
voltados para ele” (BECKER, 1977). [15]
Este não é o caso de Hermeto, um músico autodidata, vindo do meio rural e sempre
em choque com qualquer tipo de instituição, como, por exemplo, as gravadoras transnacionais
e os meios de comunicação convencionais. Por isso, em outro trabalho (Costa-Lima
Neto, 1999), preferi afirmar que Hermeto seria um músico popular experimental, mesmo que o próprio compositor
não se inclua em nenhuma corrente, movimento artístico ou rótulo já existente. [16]
Na realidade, além do estilo
inconfundível da música criada pelo alagoano, outras particularidades tornavam sua
casa no Jabour um lugar realmente único para todos aqueles músicos, famosos ou anônimos,
que a freqüentavam. De fato, em torno de Hermeto se constituíra uma certa “mística”,
comparável a que cerca determinados compositores eruditos. Não pretendo aqui incentivar
o culto às “excentricidades” do alagoano, que já foram objeto de sensacionalismo
na imprensa, mas somente apontar determinadas habilidades musicais que ele possui
em alto grau. Em primeiro lugar, o ouvido absoluto infalível e a rapidez com que
Hermeto compunha sem instrumentos, utilizando apenas o ouvido interno para imaginar
os sons que ele anotava na partitura. Além disso, Hermeto é um multi-instrumentista
e, ao mesmo tempo, um improvisador virtuose. No LP Hermeto Pascoal ao vivo em Montreux (1979*), por exemplo, ele demonstra
que, em um mesmo solo, podia se alternar tocando instrumentos como o piano elétrico,
teclados eletrônicos, a escaleta, instrumentos de sopro e percussão, às vezes utilizando
dois instrumentos simultaneamente e, ainda, a voz. Mauro Wermelinger [17] relata que outra característica incomum
do alagoano era escrever a partitura e já sair tocando, como se conhecesse, há muito
tempo, a música recém-criada por ele. Além disso, Hermeto compunha nas situações
mais improváveis, como por exemplo, durante a transmissão televisiva de uma partida
de futebol, [18] esporte que ele adora,
ou mentalmente, durante uma entrevista, ou, finalmente, logo após o almoço. Por
isso, ele andava pela casa sempre com um papel de partitura (vazio) dobrado no bolso.
Além de Hermeto ter feito
referência a formas musicais eruditas nos títulos de suas composições, como, por
exemplo, na “Sinfonia em quadrinhos” e na “Suíte Pixitotinha [19] (ambas não gravadas comercialmente),
nas “Suíte Norte, Sul, Leste, Oeste” e “Suite paulistana” (1979*) e também na “Suíte
Mundo Grande” (1987), as associações entre Hermeto e a música erudita incluem, ainda,
a grande importância da escrita musical no processo de criação, interpretação e
arranjo durante o período de 1981 a 1993. Com exceção do percussionista Pernambuco,
os demais integrantes do Grupo tiveram passagens pela música erudita e a abandonaram
para se dedicar à música popular. Por isso, esta formação tinha características
que a tornavam semelhante a um conjunto de música de câmara e, ao mesmo tempo, a
uma banda popular. Hermeto lhes ensinava: “É necessário compor e escrever como se
fosse improviso e improvisar como se fosse escrito.” [20] Na realidade, apesar de indiscutivelmente influenciado pelo jazz (especialmente no que diz respeito ao
aspecto harmônico), a improvisação praticada
por Hermeto ultrapassa o modelo de algumas escolas norte-americanas de jazz, modelo este baseado nos desdobramentos
melódicos (leia-se “escalas de acorde”) das estruturas harmônicas. Para Hermeto,
a improvisação é existencial. Mais do que a capacidade de criar frases a partir
de esquemas harmônicos x, y ou z, a improvisação
é a busca permanente do inusitado, presente
tanto na improvisação propriamente dita, como na composição escrita. [21]
Os ensaios grupais diários,
de 2ª a 6ª feira, das 14:00hs. às 20:00hs., antecedidos pela prática diária matinal,
quando os músicos ensaiavam os trechos mais difíceis de suas partes individuais
– além do processo rápido de criação de Hermeto e Grupo – possibilitaram um fato
inédito na música instrumental brasileira: a manutenção de um repertório de centenas
de músicas que constantemente era acrescido de mais composições. Assim, independente
das músicas novas, compostas diariamente, Hermeto e Grupo tinham um repertório fixo
com “cartas na manga” para os shows, isto é, cerca de 200 músicas, que eles ensaiavam
sempre. Quando chegavam ao show propriamente dito, eles tocavam apenas pequena parte
deste montante, pois as músicas, ao vivo, cresciam de tamanho devido às improvisações
(bem) maiores que nos ensaios. Por isso, cada show tinha duração mínima de duas
horas, mas, dependendo do local, podia se estender por três, quatro ou mais horas.
O recorde ocorreu em Pendotiba (em Niterói / RJ), durante a inauguração de uma casa
noturna especializada em jazz, quando
Hermeto e Grupo tocaram por cinco horas e meia. Antes do final da apresentação,
todo o público pagante já havia se retirado do local, restando apenas, como “platéia”,
os sonolentos garçons da casa. Justamente por causa deste repertório vasto e numeroso,
um show era totalmente diferente do outro. Tal como Jovino Santos Neto afirmou em
entrevista: “A gente ensaia muito porque o repertório é sempre muito grande e sempre
novo. Em doze anos tocando com ele, nunca fiz dois shows iguais” (Rodrigues, 1990).
A fonte realmente parecia
inesgotável, assim como o esforço.
Mauro Wermelinger relatou
que o trabalho dos músicos era realmente exaustivo e que Hermeto não os poupava:
“Mauro, eles hoje vão morrer, hoje eu vou chegar lá e eles vão estar estirados no
chão… Eles não vão conseguir tocar isso porque acho que nem eu vou conseguir tocar
o que escrevi!”, dizia Hermeto. Concordando com o relato de Mauro, o baterista do
Grupo, Márcio Bahia, me relatou em entrevista que, algumas vezes, durante os ensaios
matinais individuais em casa, ele chegava a ser acometido de enxaqueca e tinha que
se deitar para descansar após “quebrar a cabeça” estudando as dificílimas partes
escritas por Hermeto. De fato, estas músicas – observo que também o norte-americano
Frank Zappa (1940-1993) tinha um repertório musical por ele denominado humanly impossible (‘humanamente impossível’)
– estão identificadas, às vezes, pelos próprios títulos: “Correu tanto que sumiu”
(1980*), “Intocável” (1987), “Difícil, mas não impossível” (não gravada), entre
outras. [22] Na realidade, independente
do título, várias músicas do alagoano têm caráter de estudo: “Arapuá” (1986), por
exemplo, é um estudo para sax barítono, no qual nenhum dos demais integrantes do
Grupo é poupado tecnicamente; “Série de Arco” (1982), por sua vez, foi feita inicialmente
para piano e apresenta um alto grau de dificuldade técnica; finalmente, a faixa
“Irmãos Latinos” (1992) tem uma linha de contrabaixo elétrico dificílima com a qual
Hermeto presenteou o amigo e músico Itiberê, num momento delicado da vida do contrabaixista.
Além da dinâmica de trocas
entre Hermeto e Grupo, os ‘biombos culturais’ da casa de Hermeto ilustram como a
biografia do músico alagoano está relacionada a seu sistema musical, sistema este
que, acompanhando as três etapas da trajetória profissional do músico e sua cosmologia
pessoal, funde elementos regionais, nacionais, internacionais e universais.
O 1º andar (1936-1950) | No primeiro andar da casa, encontramos o indivíduo Hermeto, compositor, ligado às
raízes rurais folclóricas nordestinas de sua infância em Lagoa da Canoa, Município
de Arapiraca, Alagoas (onde nasceu e viveu entre 1936 e 1950). No coração das férteis
plantações de tabaco do nordeste brasileiro, Lagoa da Canoa forneceu para Hermeto
as bases de seu idioma musical experimental, pois é a partir das tradições rurais
de sua infância que ele exerce a experimentação. Lá, impedido de brincar sob o sol
com as outras crianças e seguindo a tradição nordestina dos músicos portadores de
necessidades especiais de visão (Cego Aderaldo, Cego Oliveira, Sivuca, Luiz Gonzaga,
entre outros), o albino Hermeto fez da música seu brinquedo sonoro predileto, seja
compondo musiquinhas percutindo pedaços de ferro roubados do monturo (lixo) do avô
ferreiro, seja fazendo duos de flauta de mamona com pássaros e sapos, seja tocando
a sanfona pé-de-bode, de oito baixos,
junto com o irmão e o pai nos forrós e festas de casamento. [23]
Desde Lagoa da Canoa Hermeto
exercita um paradigma, isto é, um modelo musical fundamental, que ele ampliará ao
longo de sua carreira. Segundo este paradigma precocemente experimental, o garoto
Hermeto funde, de maneira improvisada, os ruídos da natureza, dos animais, dos objetos
sonoros não convencionais (como os ferros percutidos, por exemplo) e as melodias
da fala (por ele denominadas, posteriormente, de “música da aura”), aos estilos
musicais ‘convencionais’ e aos sons de altura definida de instrumentos como a sanfona
pé-de-bode e a flauta. A presença dos
pássaros, do papagaio Floriano e dos cachorros próximos à piscina, na casa no Jabour,
demonstra que Hermeto mantinha parte da paisagem sonora e da geografia de sua infância.
Pois como o músico afirmou em entrevista: “Até os quatorze anos eu estive em Lagoa
da Canoa, minha terra, em contato com a natureza. Todo mundo pensa que a natureza
é apenas isso. Não é. Ela pode estar num carro na Avenida Brasil, na hora do rush ou durante a tempestade. Para mim a
natureza é tudo que você vê pela frente. É o cotidiano”. [24]
Percorrendo ainda o 1º andar
da casa no Jabour – espaço que corresponderia ao terreiro de Candomblé na casa de
Tia Ciata – podemos observar uma outra característica importante de Hermeto: sua
cosmologia ou cosmovisão pessoal, relacionadas à religiosidade e a espiritualidade
do músico alagoano, que certamente contribuíram para sua imagem pública de bruxo ou mago do som.
Os ‘biombos culturais’ nos
serão úteis, mais uma vez. A sala onde Hermeto compunha era alcançada somente após
o visitante atravessar a cozinha de Dona Ilza e, em seguida, um trecho algo labiríntico.
Creio que esse percurso geográfico é também simbólico. A pernambucana Dona Ilza
da Silva, cujas feijoadas aos sábados uniam todos os habitantes da casa – além dos
convidados e vizinhos – era, a exemplo de Tia Ciata, adepta de religiões afro-brasileiras
e guardava, da cozinha, a entrada da casa
e dos cômodos onde Hermeto compunha e onde o Grupo ensaiava. Como relatei anteriormente,
era ela a primeira pessoa que o visitante contatava através do interfone, ainda
antes de entrar na casa.
Aparentemente Hermeto e Ilza
partilhavam algumas crenças religiosas comuns e, segundo informação levantada em
entrevistas com os membros do Grupo, o título da música “Magimani Sagei” (1982)
se refere ao nome de um(a) Caboclo(a),
isto é, uma entidade indígena a quem os adeptos da Umbanda atribuem um grau espiritual
muito elevado. Nesta música, o ritmo predomina. Hermeto utiliza a bateria como um
instrumento melódico, construindo sete frases rítmico-melódicas que, dobradas pelo
contrabaixo elétrico, servem como base para o tema tocado pela flauta, flautim e
cavaquinho, e para o livre improviso das flautas de bambu, flauta baixo e ocarinas.
Durante o processo de gravação, o técnico de estúdio Zé Luiz inventou, a pedido
de Hermeto, palavras com sonoridade tupi (“oirê, ogorecotara, tanajura”), enquanto,
nos breques instrumentais, os músicos
falavam palavras desconexas, sopravam apitos e gritavam. Os latidos dos cachorros
Spock, Bolão e Princesa adensavam a textura
geral, enquanto o andamento acelerava até o final free, improvisado. “Magimani Sagei” sugere uma dança tribal e tem raízes
profundas no imaginário de Hermeto e em sua infância em Lagoa da Canoa, próxima
à cidade de Palmeira dos Índios, reduto dos índios Xucuru-Cariri. [25]
Outras referências discográficas,
musicais e bibliográficas ajudarão a ampliar o quadro com mais aspectos relevantes
da espiritualidade e religiosidade de Hermeto. No LP Brasil Universo (1985), por exemplo, uma balada em compasso binário,
com uma longa introdução de piano solo, intitulada “Mentalizando a cruz”, foi composta
por Hermeto e dedicada ao músico Paulo Cesar Wilcox. Hermeto parecia convencido
que o homenageado, recém-falecido, teria “soprado” esta música aos seus ouvidos,
como numa psicografia. [26] No LP Zabumbê-bum-á (1979*), [27] por sua vez, as músicas “São Jorge”
[28] e “Santo Antônio” [29] têm em seus títulos os nomes de santos
cristãos e contam com a participação dos pais de Hermeto: Vergelina Eulália de Oliveira
e Pascoal José da Costa, aos quais as duas músicas foram dedicadas. As duas faixas
remetem à música nordestina folclórica e às festividades populares relacionadas
ao calendário católico. “Santo Antônio”, por exemplo, inicia e acaba com a voz da
mãe de Hermeto descrevendo o cortejo do dia deste santo (13 de junho), acompanhada
de cantos modais religiosos nordestinos, e por Zabelê e Pernambuco imitando as vozes
de crianças pedindo esmolas e outros donativos.
Outro exemplo musical que
alude ao universo religioso do sincretismo popular é “Missa dos escravos”, gravada
no disco homônimo (Slaves Mass, 1977*).
[30] Esta música possui uma rítmica muito
variada, com forte influência afro-brasileira. Após alternar compassos de sete e
cinco pulsos, “Missa dos escravos” chega ao clímax, repetindo um mesmo ciclo de
quatorze pulsos, assimetricamente divididos em grupos de 3, 3, 2, 2, 2 e 2 pulsos.
A frase cantada “Chama Zabelê pra poder te conhecer” é entoada hipnoticamente num
crescendo, em uma mesma nota grave contínua, como em um recitativo (recto tono) de uma missa católica medieval,
acompanhada pelo naipe dissonante de flautas e tendo como base os batuques dançantes
dos tambores da bateria. No final, um duo de porcos grunhindo dialoga com o solo
vocal de gargalhadas, choro e gritos de Flora Purim, superpostos a uma melodia lenta
tocada na flauta transversa em uníssono com a voz cantada, aparentemente inspirada
nos cantos de rezadeiras e nos benditos e incelenças do catolicismo popular nordestino.
“Maracá-maracatu-maracájá-Mará”!
Na letra de “Mestre Mará” (1979*) – música rica em recursos vocais não convencionais,
como sussurros,
chiados, glissandos, ataques glotais, tosse, gritos, etc. – Hermeto utiliza palavras
de sonoridade afim (aliterações), técnica muito comum na embolada nordestina, para
associar a denominação do ritmo afro-brasileiro ‘maracatu’, com o instrumento indígena
‘maracá’, além do gato-do-mato (na língua indígena) ‘maracajá’ e, finalmente, o
nome do mestre ‘Mará’. Nesta música, a melodia cantada por Hermeto está numa velocidade
(andamento) lenta, enquanto o coro explorando recursos vocais não convencionais
está em outro andamento, mais rápido. A superposição incomum dos dois andamentos
em “Mestre Mará” indica a presença de duas dimensões
simultâneas. De fato, além da Umbanda, do espiritismo, e das tradições musicais
relacionadas ao catolicismo popular do nordeste, nesta música o alagoano revela
outra faceta de sua espiritualidade ao cantar: “Ô Mestre, recebi sua mensagem, foi
com muita alegria que musiquei sua imagem.” O ‘mestre’ em questão parece estar relacionado
a outra figura que Hermeto denominou “O dom”, [31] e que, em 1996, o incumbiu da tarefa “devocional” de compor uma
música por dia, durante um ano inteiro, homenageando a todos os aniversariantes
do planeta com um Calendário do som. [32] Este contém 366 partituras, incluindo
os anos bissextos.
Considerados em conjunto,
os aspectos referentes à religiosidade e à espiritualidade de Hermeto revelam sua
visão cosmológica particular, cujas raízes estão fincadas fortemente no sincretismo
popular. A música é um veículo transcendental que o une à natureza e aos animais,
aos demais seres humanos e aos seres das hierarquias espirituais. Neste sentido,
para o bruxo Hermeto, a música é um ritual.
Através do ritual musical, a experiência espiritual e a experiência estética se
interligam, de maneira inseparável. Assim, subindo e descendo a escada que une os
dois andares da casa, Hermeto constrói e simultaneamente participa da ordem harmoniosa
do sagrado, [393 que ele oferece com
devoção a todos os seres humanos, em forma de música.
Creio ainda que uma certa
celebração profana era parte importante do calendário da casa no Jabour: a feijoada
de Dona Ilza, aos sábados, quando a família Pascoal e as famílias dos músicos, além
dos agregados e convidados, se reuniam para confraternizar e repor as energias gastas
na semana. Os instrumentos (piano fender rhodes,
bateria, sopros, etc.) eram transportados do 2º para o 1º andar, até a área aberta
onde ocorria a feijoada e, então, Hermeto e os músicos do Grupo se alternavam comendo,
bebendo e tocando, cercados pelos familiares e pelos convidados, sempre numerosos.
“O dinheiro que o Hermeto ganhava com os shows
no Brasil e com as turnês internacionais era só para isso: comer bem, pagar as contas
e se vestir razoavelmente bem. Eles viviam apenas com o básico. O negócio deles era tocar”. (WERMELINGER, 2008)
A feijoada, um dos símbolos da culinária nacional, é um prato ligado diretamente
à presença dos negros em terras brasileiras e é resultado da mistura dos costumes
alimentares europeus com a criatividade do escravo
africano. A feijoada de Dona Ilza está relacionada simbolicamente ao duo de porcos
solistas e à ‘liturgia pagã’ da música “Missa dos escravos” (1977*), já mencionada.
De fato, música e culinária são duas áreas interligadas no imaginário de Hermeto
Pascoal, como a sua declaração, a seguir, revela: “Eu faço uma panelada, essa música
que eu chamo universal. (…) É o mundo misturado, mas é o Brasil que predomina. Ninguém
come no mundo, como se come no Brasil, com as misturas que têm no Brasil”. (FRANÇA,
2004) [34]
O 2º andar (1950 a 1970) | Continuando o percurso e adentrando ao segundo andar
da casa no Jabour, temos Hermeto em sociedade,
o arranjador e intérprete em contato com o Grupo e com a música popular urbana e
internacional de sua adolescência e juventude nas Rádios e boates de Recife, Caruaru,
Rio de Janeiro e São Paulo, cidades onde viveu de 1950 a 1970.
Após Lagoa da Canoa, em 1950
a família Pascoal se mudou para Recife (PE). Com seu irmão, José Neto, Hermeto tocou
em uma Estação de Rádio local, a Rádio Tamandaré, e depois, na Rádio Jornal do Comércio.
Durante cerca de 15 anos, Hermeto aprendeu, autodidaticamente, a ler e escrever
música, a tocar a sanfona de 32 e 80 baixos, além do piano, flauta, saxofone, baixo,
violão, percussão, e outros instrumentos.
Ele começou sua carreira
profissional como músico prático, tocando choro, frevo, baião e seresta nos grupos
regionais das estações de Rádio. Tocou ainda em conjuntos de baile ou em night-clubs de Recife, Rio de Janeiro (1958)
e São Paulo (1961) e em trios e quartetos de jazz (SambrasaTrio [35] e SomQuatro).
A percepção ampliada, a prática
instrumental intensa de um repertório variado e a observação do trabalho das cantoras
e cantores, instrumentistas, arranjadores e regentes das Rádios – como Clóvis Pereira
dos Santos (1932), César Guerra Peixe (1914-1993) e Radamés Gnatalli (1906-1988),
[36] permitiram
a Hermeto aprender, gradativamente, a arte da instrumentação e arranjo. Os Festivais
da canção, nos quais ele participou como instrumentista e arranjador entre 1967
e 1970, consolidaram sua leitura e escrita musical, ao mesmo tempo em que o desenvolveram
como arranjador.
Em 1966, Hermeto entra no
Trio Novo, o qual, com a entrada do músico
alagoano, passa a se chamar Quarteto Novo.
[37] Este grupo representou o meio do
caminho na carreira de Hermeto, marcando a transição entre o instrumentista contratado
pelas Rádios e boates noturnas, para o arranjador e compositor conhecido internacionalmente.
Além de Hermeto Pascoal (flauta, piano e violão), o Quarteto Novo incluía outros jazzmen
excelentes: os músicos Heraldo do Monte [38]
([1935], viola caipira e guitarra elétrica), Theo
de Barros (violão e baixo) e Airto Moreira ([1941], bateria e percussão. Numa época
em que a música instrumental popular do eixo Rio-São Paulo era dominada por conjuntos
que combinavam o jazz com as harmonias
da bossa nova e os ritmos do samba – e os solos improvisados pelos músicos eram
fortemente influenciados pelo bebop norte-americano
– coube ao pioneiro Quarteto Novo mudar
o sotaque e utilizar escalas, harmonias, timbres e ritmos nordestinos em suas músicas.
Após ter gravado um disco
antológico em 1967 (Gravadora Odeon), o grupo se dissolveu em 1969. Hermeto contou-me
em entrevista que um dos motivos que apressou a curta carreira do Quarteto Novo fora a proposta nacionalista
de Geraldo Vandré: “Quando eu dava um acorde bem moderno, as pessoas falavam criticando:
acorde de jazz não pode. Mas não era acorde
de jazz, era minha cabeça que estava querendo.
A música é do mundo. Querer que a música do Brasil seja só do Brasil é como ensacar
o vento e ninguém consegue ensacar o som.” [39]
Inspirado no modernismo nacionalista
de Mário de Andrade (1893-1945), Geraldo Vandré (1935) propunha a criação de uma
música brasileira “autêntica”, “pura”, baseada no folclore rural e evitando qualquer
forma de influência externa. Naqueles anos de ditadura militar tudo que servisse
como ícone da cultura do colonizador – como o jazz, as guitarras elétricas, o rock’n
roll, o iê-iê-iê da Jovem Guarda e
o tropicalismo – podia ser furiosamente bombardeado pelos intelectuais, estudantes
e artistas da esquerda urbana, da qual Vandré era um militante ardoroso, [40] como suas “canções de barricada” demonstravam.
(NAPOLITANO, 2007) Contudo, para Hermeto, que cresceu no meio rural, a cultura folclórica
não carregava as mesmas associações “autenticamente nacionalistas” que tinha para
Vandré. Se para os artistas da classe média urbana a procura pelo “nacional” significava
a descoberta e preservação da cultura rural “distante”, para Hermeto, no entanto,
tal projeto significava confinamento e repetição: a música folclórica não era algo
que necessitava ser descoberto, reinventado ou produzido artificialmente.
Mas Hermeto não rejeitou
apenas o “purismo” nacionalista de Vandré. Ele recusou, ainda, o outro caminho alternativo
que ocorria na época dos Festivais da canção, a Tropicália, liderada por Caetano Veloso (1942) e Gilberto Gil (1942).
Os tropicalistas invocavam o canibalismo antropofágico de Oswald de Andrade (1890-1954),
fundindo músicas disseminadas pelo rádio, televisão e cinema, com samba, rumba,
baião, pontos de macumba, bolero e rock,
[41] e acrescentavam, ainda, informações
musicais da vanguarda musical erudita e dos poetas concretos paulistas. Em 1967,
o Quarteto Novo foi convidado por Gilberto
Gil para acompanhar o cantor na canção “Domingo no parque”, que concorria no Festival
da canção da TV Record. [42] Inspirado
no modelo recente do álbum dos Beatles, Sgt
Pepper’s Lonely Hearts Club Band (EMI, 1967), Gil pretendia combinar o ritmo
básico da canção, um afoxé de capoeira, com o som nordestino do Quarteto, além de uma orquestra e uma guitarra
elétrica. O projeto foi veementemente rejeitado pelo Quarteto, demonstrando o desdém do grupo pelo iê-iê-iê e pelo rock. As objeções
de Hermeto à Tropicália, contudo, se deviam
mais a algumas características do movimento, tais como a celebração carnavalizada
da modernidade e da música popular comercial, do que o uso de elementos musicais
estrangeiros.
Nem modernismo nacionalista,
nem cosmopolitismo antropofágico. O conflito de Hermeto com a intelligentsia urbana representada por Geraldo
Vandré, de um lado, e com a vanguarda da música popular representada por Gilberto
Gil, de outro, marcaram o caminho pessoal que Hermeto escolheria em seguida.
O espaço externo à casa (1970-1979) | Em 1970, Hermeto viaja aos
EUA, levado pelo casal Airto e Flora Purim (1942), para arranjar as músicas dos
discos: Natural Feelings e Seeds on the ground (Buddah Records, 1970*
e 1971*). Neste último disco, Hermeto grava e arranja uma música criada por seus
pais aproximadamente em 1941, em Alagoas, enquanto trabalhavam na lavoura. A experimental
“O Galho da roseira” (parte I e II) foi considerada uma das melhores músicas do
ano pela crítica inglesa. [43]
Na verdade, a viagem fez
com que Hermeto, literalmente, saísse de casa, ao ultrapassar as fronteiras intercontinentais,
atravessando os limites musicais do folclore nordestino (1º andar) e da música popular
urbana (2º andar). De fato, a viagem representou um importante turning point para Hermeto, pois nos EUA,
o alagoano alcançou reconhecimento internacional como arranjador ao escrever para
orquestras e big bands em seu primeiro
disco autoral em 1972* (Hermeto Pascoal: Brazilian
adventure) e conheceu importantes jazzistas (Ron Carter, Miles Davis, Chick
Corea, Herbie Hancock, Wayne Shorter, Joe Zawinul, entre outros), rapidamente conquistando
espaço nos círculos jazzísticos norte-americanos e europeus através de suas improvisações
virtuosísticas no piano, flauta e saxofone, além de seus arranjos e composições
originais. Foi a mistura heterogênea de jazz
e free jazz com a música folclórica
nordestina, somada ao virtuosismo interpretativo e às composições e arranjos que
combinavam viola caipira, percussão, big band
e orquestra de garrafas afinadas, [44]
que reservaram a Hermeto um lugar especial no exterior. Esta mistura está presente,
por exemplo, no disco antológico Montreux
Jazz Festival (1979*), no qual Hermeto e seu Grupo na época [45] foram ovacionados pela platéia. A faixa
título “Montreux”, uma balada lenta, lindíssima, composta por Hermeto no hotel pouco
antes do show, se tornou parte obrigatória da trilha sonora da vida de muitos fãs
do músico. [46]
Concluindo, Hermeto não pegou
carona nos rótulos da indústria cultural, ele criou o seu próprio, um anti-rótulo, que à maneira de uma pistola
giratória, não pretende respeitar limites nem de gênero, nem de estilo em seu projeto
experimental. Por isso, Música livre e,
principalmente, Música universal são algumas
das categorias “nativas” utilizadas por Hermeto para definir seu sistema musical.
Ritornello (1980 – …) | Em 1980, com 44 anos de idade, após algumas idas
e vindas internacionais (durante as quais grava os LPs já mencionados), Hermeto
retornou ao Brasil e formou finalmente um grupo
fixo de músicos que o acompanhou durante doze anos, do final de 1981 a 1993, período
após o qual esta formação se desfaz. Jovino Santos e Carlos Malta saem para iniciar
carreira solo e foram então substituídos por, respectivamente, André Marques (teclado)
e Vinicius Dorin ([1962], sopros), com os quais Hermeto gravou – após o CD solo
Eu e eles (1999*) – o CD Mundo Verde Esperança (2002*), CD que contou
ainda com a participação especial da ‘Orquestra Itiberê Família’, conjunto excelente
liderado pelo contrabaixista, arranjador e
compositor Itiberê Zwarg. [47]
Hermeto continuou desenvolvendo
e ampliando o mesmo paradigma sonoro-musical de sua infância em Lagoa da Canoa,
ao combinar os instrumentos que aprendeu a tocar e a fundir os estilos musicais
que conheceu ao longo da carreira. Assim, em seu sistema musical, um coco, um frevo,
um maracatu, um baião podem ser vertiginosamente misturados com o choro, o samba,
o jazz, o free jazz ou com a música erudita, da mesma maneira que um ruído pode
ser utilizado como uma nota de altura definida ou vice-versa.
Atravessando simbolicamente
os ‘biombos culturais’ de sua casa, o músico alagoano ultrapassou as barreiras entre
o modalismo nordestino, o tonalismo da música popular e, por fim, o atonalismo,
o ruidismo e o experimentalismo contemporâneos. Desta maneira, criou um sistema
musical original, único no mundo, que problematiza as separações entre o popular
e o erudito, e também entre o pólo nacional-cosmopolita, pois Hermeto “funde elementos
musicais regionais, nacionais, internacionais e universais para criar uma música
desterritorializada que se recusa a negar suas raízes” (REILY, 2000.
Uma casa chamada Brasil Universo | Uma questão recorrente, objeto
de debate entre vários pesquisadores da música popular no Brasil é: como um gênero
marginalizado como o samba acabaria se tornando um dos símbolos musicais mais representativos
da brasilidade? Em outras palavras, como o samba saiu do terreiro no fundo de quintal
para adentrar a sala de todos os brasileiros? [48]
Não cabe a mim, neste artigo,
responder a esta questão complexa, nem discutir as diferentes hipóteses formuladas
pelos especialistas. Limito-me aqui a apontar o que se refere mais diretamente ao
meu tema: durante o século XX, samba e choro, música vocal popular e música instrumental
popular, inverteram seus lugares na “casa”. O samba e os gêneros vocais populares
que o sucederam ao longo do século – como, por exemplo: a bossa nova, o baião, a
jovem guarda, a MPB, o BRock, o sertanejo,
o sertanejo romântico, o funk, etc. –
foram, em maior ou menor grau, massificados pelos meios de comunicação e passaram
a dominar o cenário musical nacional. Ao mesmo tempo, o choro e outros gêneros de
música popular instrumental foram gradativamente para os “fundos da casa” e, embora
sejam objeto do culto apaixonado por um número crescente de pessoas, são freqüentemente
tornados invisíveis aos olhos do grande público.
A seguinte declaração de
Hermeto exemplifica o atual panorama da música popular no Brasil:
Os músicos [instrumentais] que não têm personalidade, que infelizmente
são a maioria, fazem tudo que os cantores querem. Quem tem personalidade tem que
chegar e dizer: Vou te acompanhar, mas eu quero solar (…).Temos piano, baixo e bateria,
e a gente só acompanha você, se tiver dois solos, no mínimo, em cada show.
Neste sentido, a casa de
Hermeto, a exemplo da de Tia Ciata, foi um reduto de músicos e um símbolo de resistência
da música instrumental popular na década de 1980 e início de 1990, na qual prevaleciam
a MPB, o BRock, o sertanejo e a disco music estrangeira, entre outros gêneros.
À sua maneira, Hermeto se filia à tradição do choro e da música instrumental popular
em geral (incluindo o frevo e as bandas de coreto, militares, sinfônicas, de pífanos, etc.), [49] tradição esta que tem em Pixinguinha uma referência indiscutível
e a casa de Tia Ciata um locus simbólico
vital. Além de partilhar com Pixinguinha o gosto pelo jazz e pelas big-band [50]
(vide Os Oito Batutas), Hermeto tem vários choros em seu repertório, [51] dedicou composições a chorões importantes
[52] e no 1º LP autoral de Hermeto no
Brasil, intitulado: A música livre de Hermeto
Pascoal (1973*), o alagoano fez um arranjo para orquestra a partir da canção
“Carinhoso” (Pixinguinha/João de Barro), considerada por alguns músicos como o verdadeiro
Hino Nacional Brasileiro. Exageros à parte, Hermeto e Grupo, assim como os sambistas
e chorões (e jazzistas norte-americanos
de New Orleans) do início do século passado,
foram pioneiros na maneira como reelaboraram elementos musicais rurais, urbanos
e internacionais para inventar novos gêneros musicais. Estes músicos resistiram
e utilizaram a música, cada qual a sua maneira, para se afirmar no mosaico cultural
brasileiro e internacional.
Contudo, se há semelhanças
entre Hermeto e os chorões do início do século XX, também existem diferenças que
devem ser apontadas. Em entrevista recente, Hermeto afirmou:
Tem muita gente de 18 anos tocando coisas velhas
e quadradas. Esse pessoal que toca chorinho, músicas regionais, MPB, começa a tocar
que nem velho, com cara de velho. Quem nasce hoje precisa ser bem informado. O cara
nasce e escuta Pixinguinha. A música é bonita e tem aquela vestimenta quadrada de
acordes. Se o cara nasce hoje e não falarem para ele que isso é música antiga, é
a mesma coisa que ele ver um prédio antigo sem saber que é antigo. Não é que o velho
seja ruim. Mas o novo tem nascido tão velho.
As diferenças a que me refiro
demonstram determinados contrastes entre dois contextos históricos diferentes: o
moderno, no caso da habitação de Tia Ciata, e o contemporâneo, em se tratando da
casa de Hermeto no Jabour. Assim, diferentemente da casa de Tia Ciata, onde os músicos
que atravessavam os ‘biombos culturais’ eram membros da mesma classe social, da
mesma etnia negra e participavam de gêneros musicais que, apesar de suas particularidades,
tinham nos ritmos sincopados do Candomblé um denominador comum, na casa de Hermeto,
contudo, ele e os músicos do Grupo tinham origens geográficas e sociais bem distintas
e a movimentação pelos ‘biombos culturais’ verticais da casa no Jabour, atravessava
fronteiras entre gêneros musicais bem mais heterogêneos. De fato, as práticas musicais utilizadas por Hermeto estão relacionadas
a um contexto contemporâneo que apresenta várias rupturas melódicas, harmônicas,
rítmicas, timbrísticas e formais em relação ao choro tradicional. Isso não impediu,
entretanto, que Hermeto compusesse choros, inovando, por exemplo, a parte harmônica
do gênero, ao introduzir acordes dissonantes e progressões inesperadas, como indica
a entrevista recente citada. Assim, empregando uma metáfora culinária, tão ao gosto
do músico alagoano: as duas casas, separadas uma da outra por um intervalo de cerca
de 70 anos, tinham na feijoada um prato
comum, contudo, a receita se (pós-) modernizou na casa de Hermeto no Jabour e, enquanto
alguns ingredientes foram retirados, uns se mantiveram e outros, ainda, foram modificados
ou acrescentados.
Como observei em artigo anterior
(Costa-Lima Neto, 2000), a singularidade do sistema musical de Hermeto reside na
capacidade incomum do músico alagoano em combinar o ‘convencional’ com o ‘natural’,
isto é, estabelecer um diálogo entre, de um lado, o vocabulário dos instrumentos
e estilos musicais ‘convencionais’ étnicos (música indígena e afro-brasileira),
regionais (música folclórica nordestina), nacionais (música popular urbana: choro,
frevo, bandas, etc.) e internacionais (jazz,
música erudita) e, de outro lado, as sonoridades atonais e inarmônicas “universais”,
encontradas na ‘natureza’ (sons de animais, da fala humana) e nos objetos sonoros
não convencionais cotidianos (pedaços de ferro, panelas, tamancos, frascos de higiene
bucal etc.). “A natureza é o cotidiano”, afirma Hermeto. [53] Esta é, a meu ver, a chave para compreender o sistema musical singular
do alagoano. Ao combinar o ‘convencional’ com o ‘natural’, o compositor cria uma
terceira substância, que já não é mais
nem natureza nem cotidiano, mas a fusão musical dos dois.
Do choro ao jazz, da música erudita ao coco nordestino.
A receita singular da “feijoada musical” contemporânea de Hermeto não parece ter
combinado bem com as propostas modernistas de Mário de Andrade (1893-1945) e Oswald
de Andrade (1890-1954), tal como estas propostas foram reinterpretadas por determinados
músicos populares durante a segunda metade do século XX. Como já mencionei, as idéias
modernistas de Mário e Oswald influenciaram, respectivamente, o projeto nacionalista de Geraldo Vandré à época do
Quarteto Novo – durante os Festivais da
Canção das décadas de 1960/70 – e a estética tropicalista antropofágica de Gilberto Gil e Caetano Veloso, que serviu como inspiração,
por sua vez, aos artistas da Vanguarda Paulista,
como Arrigo Barnabé, na década de 1980.
[54] A meu ver a música de Hermeto Pascoal
deve servir de alerta aos pesquisadores ao demonstrar que a Tropicália não detém
o monopólio da inovação na música popular no Brasil. [55] De fato, Hermeto é moderno sem ser modernista, é nacional sem ser nacionalista
e pratica, a sua maneira, a “antropofagia”, sem nunca ter sido tropicalista e nem mesmo ter lido o Manifesto Antropofágico (1928) de Oswald
de Andrade.
É necessário que a especificidade
de Hermeto Pascoal seja corretamente compreendida para que as associações não ofusquem
as características intrínsecas ao próprio Hermeto, mas revelem, através da comparação,
o que estas características possuem de particular. As diferenças entre Hermeto e
os artistas e movimentos acima citados não foram somente musicais. Pois enquanto
no Modernismo “os artistas oriundos das elites e da burguesia procuravam estabelecer
um novo modo de relacionamento com as culturas do povo” (TRAVASSOS, 2000), Hermeto,
por sua vez, fez o percurso inverso, isto é, partiu do 1º andar, de “baixo”, das
classes economicamente menos favorecidas da região nordestina, para, então, ultrapassar
algumas barreiras geográficas e de classe ao migrar para as grandes cidades. Assim,
ao invés da cosmovisão racionalmente orientada, civilizada, científica, teórica
e letrada dos intelectuais e artistas urbanos, em Hermeto a ênfase parece recair
sobre o pólo oposto, isto é, sobre o sensível, a natureza, a intuição, a religiosidade
ou espiritualidade, a prática e a improvisação. Semelhantemente a Pixinguinha, que
aprendeu os códigos da música culta, também o autodidata Hermeto utiliza e domina
a notação musical, mesmo que esta nunca seja o ponto de partida em seu processo
de criação. Além disso, a busca do alagoano pelo inusitado é alegre e não racionaliza
muito o experimento, tal como ocorre em algumas correntes musicais de vanguarda.
Na citação a seguir, o próprio
compositor esclarece:
A música pelo músico, sem experiências nem vanguardas, apenas
música sentida, nota por nota, formando arranjos nos quais os instrumentos, num
só tempo, convivem e são individualmente explorados. Escute.
Dessa maneira, fundindo a
tradição, a modernidade e a contemporaneidade sem aderir a nenhuma escola ou movimento,
o território estético traçado por Hermeto Pascoal adquire propositadamente limites
movediços. Ao evitar qualquer identificação com rótulos comerciais e movimentos
artísticos ele se emancipa profissional e esteticamente. Considerando, entretanto,
que o músico instrumental alagoano está inserido no contexto da indústria cultural
contemporânea, é necessário verificar, então, quais estratégias de resistência e
de sobrevivência ele adotou ao longo de sua carreira, enquanto tentava manter a
autenticidade de seu sistema musical singular
na arena comercial.
Este caminho, algo utópico,
não foi percorrido facilmente.
Migrando de Lagoa da Canoa
para as grandes cidades do Brasil e do mundo, Hermeto atravessou a era do rádio
nas décadas de 1940-1950, a expansão da TV na década de 1960 e o seu boom na década de 1970, o monopólio das grandes
gravadoras multinacionais [56] acentuado
pelas majors, o surgimento do CD, o movimento
das gravadoras indie e músicos independentes
na década de 1990, [57] até chegar à
era da Internet.
Nos anos 1940 e 1950 o rádio
era o meio de comunicação de massa mais importante do Brasil e a maior parte da
música veiculada era tocada ao vivo pelos conjuntos regionais, bandas, cantoras(es)
e orquestras. A consolidação do samba como símbolo musical da identidade nacional
foi possível graças a dinâmicas e trocas culturais amplas entre agentes e formadores
de opinião de setores diversos da sociedade. A nacionalização do gênero musical
está vinculada fortemente à história do rádio e à maneira como o Estado Novo (1937-1945)
de Getúlio Vargas (1882-1954) utilizou este meio de comunicação para cooptar os
sambistas e promover a “integração nacional” e a “democracia racial” através dos
sambas-exaltação cívicos. Nos anos 1950, lembrados na história como os “anos dourados”
do governo Juscelino Kubitschek (1902-1976), surge a bossa nova, gênero que mantém
a tradicional ênfase melódica da música brasileira, ao mesmo tempo em que, influenciada
pelo jazz, utiliza harmonias mais dissonantes
que as do samba tradicional. O violão torna-se mais percussivo, dialogando com arranjos
orquestrais sofisticados e um tipo de emissão vocal sussurrada e cool, bem diferente dos maneirismos operísticos
dos cantores populares da geração anterior. A bossa nova foi fruto do desejo dos
artistas de classe média em “modernizar” artisticamente e tecnologicamente a música
popular no Brasil, passando “da fase da agricultura para a fase da indústria”. [58] Na década de 1950, as rádios se tornaram
uma excelente escola prática para Hermeto e, ao mesmo tempo, uma fonte importante
de sustento para o músico adolescente, recém-chegado do campo. Passados mais de
50 anos, ainda hoje Hermeto encontra nas rádios oportunidades profissionais importantes,
como, por exemplo, ao gravar pelo selo da rádio estatal MEC em 1999* e em 2002*.
Na década de 1960, quando
é instaurada a ditadura militar (1964-1985) – e enquanto o alagoano se desdobrava
tocando seresta, choro, bossa nova e jazz em boates, nos regionais das rádios e
nos trios e quartetos instrumentais já mencionados – os programas musicais televisivos,
o teatro, os Festivais da Canção e a indústria fonográfica, de olho nas novas demandas
do mercado, foram ao encontro do público do circuito universitário. Surgiria, assim,
a MPB, que possibilitou aos artistas de classe média alta uma articulação, ainda
que provisória, entre estética, ideologia e mercado. Contudo, a explosão comercial
da jovem guarda (iê-iê-iê), que fez sucesso
entre a juventude de classe média baixa e ultrapassou a vendagem da MPB em 1965
(com o disco homônimo de Roberto Carlos) [59]
desequilibrou a balança, prenunciando o brega, a música sertaneja e a música romântica
das duas décadas seguintes. Neste sentido, a jovem guarda foi a vanguarda da música
de massa no Brasil. [60] Por não aderir
à velha guarda do samba, à bossa nova, à MPB politizada, à vanguarda tropicalista
e nem, muito menos, ao iê-iê-iê, Hermeto
teve que buscar outros espaços comerciais para sua música instrumental viajando
ao exterior em 1970, com o casal de amigos músicos Airto e Flora Purim, como a entrevista
abaixo citada exemplifica:
Fui aos EUA com o meu jeito de trabalhar e a vontade de mudar
o hábito que obrigava os brasileiros a irem lá para aprender com os músicos norte-americanos.
(…) Eu quis mostrar outra coisa que não é jazz, nem samba, nem bossa nova, pois
tudo isso me cansa! (…) Sim, eu faço música e sou brasileiro. Que entendam como
quiserem.
Como já mencionei anteriormente,
nos EUA, em 1972, Hermeto grava seu primeiro disco solo. Contudo, a exemplo do que
ocorrera na época dos Festivais da Canção, o músico alagoano mais uma vez estava
na contramão da indústria fonográfica. De fato, a trajetória de Hermeto é oposta
ao processo de formação e expansão das majors,
isto é, os conglomerados de grandes gravadoras multinacionais, consolidados durante
as décadas de 1970 e 1990. [61] É prova
disso a recusa de Hermeto em integrar, como tecladista, a banda fusion de Miles Davis na gigantesca gravadora
multinacional Sony, preferindo, ao invés
do estrelato subalterno, começar sua carreira solo como compositor, arranjador e
instrumentista numa gravadora relativamente desconhecida (Buddah Records).
Em contraponto à trajetória
profissional do músico instrumental alagoano, o poder das majors influenciou toda a indústria cultural desde meados da década
de 1970, chegando ao clímax na década de 1990. Criou modas como a disco music e a lambada, lançou produtos
voltados ao mercado infantil, como a apresentadora de TV, modelo e cantora (?) Xuxa,
além de estilos voltados ao público jovem de classe média – como o BRock e o pop nos anos 1980 – e, finalmente, gêneros de grande consumo dirigidos
ao “povão”, como o axé, o pagode, a música sertaneja e a música romântica. [62] Os produtos trabalhados em conjunto
pelas majors, jornais, rádios, filmes
de cinema (Saturday Night Fever, Lambada),
videoclipes da MTV (“Thriller”, de Michael Jackson), programas de TV (Xou da Xuxa) e novelas televisivas (Dancin’ Days, Pantanal, O Rei do gado, etc.),
tinham em comum o fato de serem dirigidos a grandes fatias do mercado. A mudança
de formato, de LP para CD, e a diversidade destes produtos não escondiam, contudo,
sua redundância musical. De fato, em busca do maior público consumidor possível,
na trilha sonora do final do século XX “os múltiplos sons, estilos, gêneros, agentes,
lugares e autores [pareciam] entoar, na realidade, uma única canção”. (Dias, 2000)
Contudo, o movimento das
gravadoras e músicos independentes nos anos 1980-1990 – período no qual Hermeto
e Grupo gravaram seis discos pela gravadora paulistana independente Som da Gente – iniciou uma mudança gradativa
no cenário dominado pelo apetite insaciável da indústria cultural transnacional.
Muito criticadas devido ao preço caro do CD – cuja venda rende ao artista apenas,
aproximadamente, 13% do valor unitário do produto (Dias, 2000) – as grandes gravadoras
foram obrigadas a abaixar seus preços devido ao movimento das gravadoras indie, mas isto não impediu que, após a virada
do milênio, as primeiras entrassem em vertiginosa decadência, enquanto que a Internet
não pára de crescer, interligando mais de trinta milhões de brasileiros e cerca
de um bilhão de pessoas no mundo. Considerando os recentes sites, [63] blogs [64] e comunidades virtuais de aficionados por Hermeto no Orkut (com mais
de 16.000 participantes), [65] o alagoano
parece estar mais à vontade do que nunca. Ao facilitar o acesso de brasileiros e
estrangeiros a diversos materiais audiovisuais e bibliográficos, a Internet vem
sendo utilizada pelos usuários como uma estratégia de resistência contemporânea,
possibilitando, parcialmente, furar o isolamento que as majors e a mídia em geral [66]
impuseram aos gêneros musicais que pertencem ao campo de produção restrita, de menor
vendagem e consumo, dentre os quais a música erudita, o choro e a música instrumental
em geral, e a música de Hermeto Pascoal,
mais especificamente.
O compositor alagoano afirmou
em entrevista recente que as gravadoras nunca interferiram na escolha do repertório
que seria gravado nos seus discos e que o problema, na realidade, estava na distribuição
inadequada e na falta de pagamento dos direitos autorais:
[As gravadoras] ficam usando você como catálogo, só. Aí tem um
Festival de jazz e eles põem, lá, o disco do Hermeto Pascoal. E vende, vende mais
do que todo mundo. Acabou aquele Festival, eles recolhem tudo. (…) E não existe
isso deles pagarem o que deviam pagar. (…) De vez em quando, eles mandam R$100,00,
e pronto. Vou falar uma coisa leve: isso que as gravadoras fazem não é nada mais,
nada menos, que roubo. É roubo.. (…) As minhas músicas todo mundo pode piratear.
Eu não vou nunca ser contra, porque é muito mais fácil para elas estarem no ouvido
das pessoas. Música independente é essa que a gente faz.
Realmente, por várias vezes
Hermeto recomendou aos fãs que gravassem seus shows utilizando gravadores caseiros.
A falta de distribuição das gravadoras é facilmente
comprovada por todos aqueles que buscam, em vão, pelos discos de Hermeto Pascoal
nas prateleiras das lojas e nos sites das megastores
brasileiras. À guisa de pesquisa, durante a redação deste artigo procurei dezesseis
discos gravados por Hermeto a partir de 1971*. [67] Com exceção dos dois CDs lançados pelo selo da Rádio MEC (1999*
e 2002*) e do CD independente de 2006*, os demais discos de Hermeto (onze itens)
estão fora de catálogo no Brasil e no exterior, e os dois títulos restantes (1977*
e 1987) estão disponíveis apenas se forem importados. O mercado crescente de LPs
e vinis raros lucra com isso, mas é no espaço virtual da Internet que a obra do
alagoano vem experimentando um autêntico renascimento. Além dos onze discos de carreira
deixados fora de catálogo pelas gravadoras, os usuários da rede vêm disponibilizando
várias outras gravações e registros audiovisuais inéditos [68] do alagoano e dos grupos que o acompanharam. Considerando o barateamento
dos custos das tecnologias de gravação, reprodução e do preço dos computadores caseiros,
bem como o alcance mundial da Internet e o fato de Pascoal ser um compositor possuidor
de uma obra vasta (com cerca de 4.200 composições) [69] – da qual apenas uma pequena parte foi gravada comercialmente –
acredito que o potencial de divulgação de sua música na Internet seja promissor.
O lugar-comum e o ‘não-lugar’ |
Hoje em dia
entendo que a mídia não alcança o trabalho sério. E isso no mundo todo. Por isso
grandes músicos se desesperam. (…) Como se o povo não estivesse gostando do que
eles faziam. Eu penso justamente o contrário. (…) Estou com o povo que me quer.
O povo que me quer é aquele que não está procurando saber o que vai querer. É o
povo que está querendo querer. [HP]
Desde as gravações dos primeiros fonogramas no Brasil,
dentre os quais o samba “Pelo telefone” (1916), gestado nas rodas dos bambas da
casa de Tia Ciata, até os arquivos de áudio dos bambas Hermeto Pascoal e Grupo,
compartilhados pelos usuários da Internet, os músicos populares vêm negociando o
seu lugar na sociedade brasileira dos séculos XX e XXI. Atravessando os ‘biombos
culturais’ que ligam os cômodos de uma casa, da mesma maneira que ligam a casa à
rua, a cidade ao campo, a colônia à metrópole e o local ao internacional, os artistas
populares efetuaram trocas entre gêneros musicais heterogêneos, criando, assim,
novos gêneros híbridos.
Nesta casa urbana de janelas
abertas, as músicas das Américas se fundiram com as músicas da África e da Europa,
garantindo misturas variadas. A música folclórica, o choro, o samba, a bossa nova,
a jovem guarda, a MPB, a tropicália, a música romântica, o brega, o BRock, a música experimental popular de Hermeto
Pascoal, etc. constituem diferentes expressões musicais de sujeitos com identidades
regionais, de classe e etnias distintas. As diferenças não impedem, contudo, que
os diversos moradores da casa reivindiquem sua parcela comum de brasilidade musical.
Apesar da diversidade musical
do Brasil, apenas três gêneros: samba, bossa nova e MPB, são incluídos numa mesma
linha formativa, aceita canonicamente pelos artistas, produtores, audiência e crítica
como sendo a tradição principal da música
popular no Brasil. À tropicália é atribuído o papel de quebra desta tradição ao
introduzir elementos musicais do pop,
do rock, da jovem guarda e da música erudita
de vanguarda, tecendo uma paródia crítica da música brasileira ‘tradicional’. Contudo,
à margem da historiografia oficial construída em torno de apenas três ou quatro
gêneros musicais da região sudeste do Brasil, existem várias outras tradições musicais
populares do nordeste, norte, sul e centro-oeste do país e, além destas, os músicos
brasileiros que tocam gêneros musicais não-brasileiros,
como, por exemplo, o rock, o metal, o
punk, o funk e o hip-hop. Na realidade,
a era industrial problematiza as categorias ‘povo’ e ‘nação’, na medida em que a
indústria promove uma espécie de desterritorialização musical generalizada, através
da qual as tradições musicais populares nacionais são “midiaizadas”, isto é, são
“transplantadas e libertas das fronteiras de tempo e espaço” pela “interação com
o sistema de comunicação de massa” (disco, rádio, TV, Internet). A transnacionalização
moderna, da época do rádio e do disco, tende à mundialização contemporânea, com
a TV e a Internet. Por isso, em teoria, independente das tradições musicais nacionais,
qualquer estilo ou gênero pode ser massificado pelos meios de comunicação atuais
e se tornar “música popular”. [70]
Assim como sua música, a
personalidade de Hermeto Pascoal é complexa. No músico alagoano, o arcaico e as
raízes da tradição rural nordestina se fundem com as linguagens e costumes da modernidade
e da contemporaneidade. [71] A citação
do início desta conclusão, quando Hermeto afirma que não busca com sua música agradar
ao povo, demonstra a personalidade aguerrida do compositor nordestino. Seu discurso
de contestação frente à sociedade de consumo deve ser entendido como um gesto amplo
de rebeldia e insubordinação, que ultrapassa o registro oral e abrange aspectos
diversos de sua personalidade, interligados, inextrincavelmente, ao sistema musical
do alagoano. Assim, a personalidade, a música de Hermeto e o contexto na qual ela
está inserida, são três espaços complementares que se interpenetram como ‘biombos’
conceituais, entremostrando ao observador detalhes insuspeitos, apenas vislumbrados
ou mesmo invisíveis, até então. Desta maneira, a arquitetura simbólica da moradia
de Hermeto Pascoal, sua localização geográfica, as origens sociais dos seus moradores,
freqüentadores e visitantes, seus hábitos alimentares, suas práticas religiosas,
o vestuário que utilizam, bem como a música que produzem, são aspectos vitais da
análise etnomusicológica neste artigo.
A localização da casa no
bairro humilde do Jabour, no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, bem longe da
zona sul, das praias e dos cartões postais turísticos, revelava aos visitantes nacionais
e estrangeiros da casa, um outro lado do Brasil, bem diferente do oficial. Ir ao
Jabour para assistir aos ensaios de Hermeto e Grupo significava reentrar no Brasil
pela porta dos fundos e, desta maneira, ter acesso a tudo àquilo que parecia estar
recalcado pelo complexo de inferioridade étnica e cultural da sociedade brasileira:
a culinária popular, os caboclos indígenas,
os escravos negros, a Umbanda, o catolicismo popular nordestino e o espiritismo,
isto é, as coordenadas mais importantes do sistema cosmológico sincrético do alagoano,
que coabitam e se fundem em seu sistema musical singular.
“Não vou fazer propaganda
da fábrica de sampler!”, bradava Hermeto
durante um show no Circo Voador carioca
[782] na década de 1980, enquanto surrava
o teclado Ensonic com seu sapato, irritado
pela demora do teclado em carregar os cartuchos de timbres e de sons de animais.
De nada adiantou o produtor e faz-tudo Mauro Wermelinger ficar embaixo do teclado
de três mil dólares, apoiando-o para que este não caísse com os golpes desferidos
por Hermeto, porque, logo em seguida, o alagoano deu o golpe de misericórdia entornando
um copo de cerveja no teclado, que não agüentou a surra e o banho de chopp, e acabou
“fritando”… A tradição popular nordestina como uma atividade artesanal e autônoma,
com base nas unidades familiares, parece explicar parcialmente a desconfiança de
Hermeto com a tecnologia dos samplers,
sintetizadores e similares, bem como a rebeldia constante frente aos donos de rádio,
casas noturnas e gravadoras. Exercendo a experimentação a partir das tradições populares
rurais do nordeste e como resquício da autonomia do sanfoneiro agricultor que não
se enquadra como músico empregado, Hermeto recusa ser mão-de-obra fácil para a indústria
cultural. Por isso, ele não se tornou tecladista de Miles Davis na gravadora transnacional
Sony. [73] Da mesma forma, ele retoma a tradição de fazer música em família,
opondo ao anonimato da mão-de-obra empregada pela indústria a formação de uma comunidade
constituída através dos laços de vizinhança e parentesco com os músicos do Grupo
na casa no Jabour, de 1981 a 1993. [74]
Assim nasceu a Família Hermeto Pascoal,
comunidade ampliada simbolicamente pelo músico em 1996 – quando o alagoano completou
60 anos de idade – passando a incluir todos os seres humanos do planeta através
do Calendário do som, segundo Hermeto
(2000), um antídoto musical para a violência e as guerras que assolam o mundo contemporâneo.
O visual pop é outra característica da personalidade
rebelde e dissonante de Hermeto que não deve ser menosprezada. As camisas multicoloridas,
os chapéus e os longos cabelos brancos do músico albino parecem remeter à contracultura
e aos hippies dos anos 1970, quando Hermeto
esteve nos EUA, no auge do psicodelismo, do free
jazz e da música experimental erudita. Observo
que, pouco antes de sua viagem aos EUA, na época do Quarteto Novo e sob a patrulha ideológica do nacionalista Geraldo Vandré,
Hermeto trajava terno e gravata e mantinha o cabelo bem curto. Seu “novo” visual
‘anos 1970’, somado a outros fatores incomuns – como, por exemplo, a utilização
musical de sons de animais e de objetos sonoros não convencionais – contribuíram
para a formação de uma imagem pública “exótica” que, se de um lado, lhe conferiu
fama, de outro, o tornou alvo permanente de críticas de músicos ortodoxos. Entretanto,
para confundir as categorias ainda mais e chocar os puristas eruditos e populares,
o mesmo músico irreverente que fez duetos improvisados com porcos, cachorros, galinhas,
pássaros e cigarras, transita livremente entre o quintal e a sala de concertos,
fundindo a embolada com a música erudita nas composições para orquestras sinfônicas,
big bands, grupos instrumentais e conjuntos
de câmara do Brasil e do exterior. [75]
Neste sentido, muito mais do que mero “exotismo” ou “excentricidade”, a vestimenta
de Hermeto é um símbolo identitário que assinala a ruptura do músico alagoano com
o nacionalismo musical, como confirma a declaração a seguir: “Eu não toco música brasileira. Eu sou brasileiro
e tenho muito orgulho disso, mas o único rótulo que eu aceito para a minha música
é Universal.” [76]
É importante observar que
a denominação Música Universal, com a
qual Hermeto define seu sistema musical é, ironicamente, o nome da maior gravadora
do planeta, a major Universal Music Corporation. Acredito que
jamais o conceito de “universalidade” possuiu significados tão opostos. A posição
de Hermeto Pascoal no cenário da indústria cultural contemporânea ilustra, de maneira
dramática, a oposição deflagrada entre, de um lado, “arte” e “qualidade” – categorias
relacionadas ao campo musical de produção restrita, onde, dentre outros gêneros,
a Música universal de Hermeto está incluída
– e, de outro lado, “dinheiro” e “quantidade” – categorias relacionadas, por sua
vez, ao campo musical da grande produção, onde a major Universal Music ocupa
a liderança.
O último disco de Hermeto
com o Grupo que o acompanhou de 1981 a 1993 – formado por Itiberê Zwarg, Jovino
Santos Neto, Antônio Santana, Márcio Bahia e Carlos Malta – o CD Festa dos deuses (1992), gravado na PolyGram (atualmente Universal Music), exemplifica bem o embate entre Hermeto e as majors. Vinte anos após ter recusado o convite
para se tornar tecladista da banda de Miles Davis na gravadora Sony, doze anos após ter encerrado seu contrato
na Warner Bros. gravando o LP Cérebro Magnético (1980), e depois dos seis
discos gravados na independente Som da Gente,
Hermeto via na oportunidade de gravar pela PolyGram
uma chance dele e dos “meninos do Grupo” obterem algum retorno, depois de um longo
jejum financeiro. Em seu sonho, o músico alimentava o desejo de comprar, com a receita
da venda do novo CD, um ônibus-palco que o pudesse levar pelo Brasil afora apresentando
shows com o Grupo. Contudo, o sonho mambembe
de Hermeto não se concretizou, nem tampouco a expectativa do Grupo. A gravadora
atrasou a entrega do CD e, como conseqüência, a turnê européia de lançamento do
disco – realizada entre setembro e novembro de 1992 – ocorreu sem o produto estar
à venda. Como mais uma prova de desinteresse pelo novo contratado, a PolyGram também não divulgou o show oficial
de lançamento do CD na Sala Cecília Meireles/RJ, [77] nem disponibilizou os CDs para serem vendidos na Sala, durante o
evento. [78] Esta foi a gota d’água.
Sentindo-se boicotado, Hermeto não conteve a irritação durante o show e, logo após, rompeu o contrato com
a poderosa gravadora transnacional PolyGram.
Dessa maneira, alguns meses depois destes incidentes e sem perspectivas de sobrevivência
financeira, esta formação do Grupo se desfez. Após doze anos de convivência e muita
música, a Festa dos deuses da Família Hermeto Pascoal chegara ao fim.
Afirmei antes que a trajetória
profissional do compositor alagoano na segunda metade do século XX era algo “utópica”.
A palavra “utopia” pode ser definida como “não-lugar” ou “lugar que não existe”
e é empregada normalmente no sentido de uma busca por um mundo “idealizado” e “fantasioso”,
diferente do “mundo real”. Em sua utopia, Hermeto recusa o “mundo real”, “profano”,
e luta para manter intacta a autenticidade singular de sua Música universal, “sagrada”, mesmo na arena comercial da indústria cultural
contemporânea, onde a música perde sua “aura” artística para tornar-se mercadoria.
Disputando um espaço no cenário da música instrumental popular, que inclui ainda
o choro, o frevo e o jazz, e afastado
da tradição nacional-popular construída ao redor do samba, da bossa nova e da MPB,
bem como da vanguarda tropicalista, o compositor, arranjador e multi-instrumentista
experimental Hermeto Pascoal, não ocupa um lugar-comum na música popular no Brasil.
Entretanto, driblando as gravadoras transnacionais e as majors através de uma surpreendente estratégia de resistência cultural,
o bruxo foi incorporado pela pós-modernidade,
atravessou o ritual de renovação e reencontrou seu público num ‘outro mundo’, no
espaço virtual da Internet. Quem sabe, dessa maneira, aquele que é considerado por
muitos como o maior músico instrumental brasileiro vivo, possa sentir-se, finalmente,
em casa.
NOTAS
1.
Gravadora Buddah Records (relançado em 1988 pela Muse Records). Algumas fontes indicam
1970, 1971, 1972 ou, ainda, 1973, como sendo o ano de lançamento deste 1º disco
autoral de Hermeto. A confusão pode ser observada também com relação à grafia correta
do sobrenome de Hermeto: ‘Pascoal’ ou ‘Paschoal'? Acredito que o ano de lançamento
seja 1972, segundo informação em SANTOS NETO, Jovino. Tudo é som: the music of
Hermeto Pascoal. USA: Universal Edition, 2001, p. 9.
A grafia correta
é ‘Pascoal’, de acordo com o manuscrito autografado e fotocopiado no Calendário do som, no qual o próprio Hermeto
assina seu nome. Ver PASCOAL, Hermeto. Calendário
do Som. São Paulo: Editora SENAC, 2000, p. 17. Observo que os nomes de Tia Ciata
e de Pixinguinha também foram grafados de várias formas: Siata, Aciata, Assiata
ou Asseata, e Pizindim ou Pizinguim.
2. Ver SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Editora Mauad, 2007,
2ª. Edição, [1979], p. 9-18.
3.
Segundo Jovino Santos Neto o ano de nascimento do percussionista Pernambuco seria
1942 ou, ainda, 1940, no dia 15 de setembro. Infelizmente, não consegui encontrar
o percussionista para definir sua data exata de nascimento. Em 1988, o filho de
Hermeto, Fabio Pascoal, juntou-se ao Grupo.
4.
Nascida em Salvador, em 23/4/1854, tendo chegado ao Rio de Janeiro em 1876. Ver
NAPOLITANO, Marcos, A síncope das idéias:
a questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2007, p. 18.
5.
Nelson Fernandes, citado por NAPOLITANO, Marcos, ibidem, afirma que antes de “Pelo telefone” ao menos outros dois sambas
já haviam sido gravados.
6.
Gênero surgido nas últimas décadas do século XIX, inicialmente como uma maneira
sincopada dos músicos populares tocarem danças européias como a valsa, polca, mazurca,
schottish etc. O choro foi consolidado
por Pixinguinha e outros músicos no início do século XX. Ver KAURISMAKI, Mika, Brasileirinho: grandes encontros do choro contemporâneo.
DVD, Rob digital/Studio Uno, e, ainda, CAZES, Henrique. Choro, do quintal ao Municipal. São Paulo: Edit. 34, 1998.
7. Com a qual Hermeto se casou em Pernambuco, em 1954. Viveram juntos
durante 48 anos e tiveram seis filhos. Infelizmente, Dona Ilza faleceu há alguns
anos. Ver SANTOS NETO, op. cit..
8.
Escutar, ainda, “Caminho do sol, Tributo ao papagaio Floriano” (1999*), música com
instrumentação constituída de naipe de assobios, zabumba e prato de choque, simulando
uma banda de pífanos nordestina.
9.
Ver COSTA-LIMA NETO, Luiz, op. cit., 1999, para uma lista mais completa das músicas
de Hermeto nas quais sons de animais são incluídos, além de outras formas de utilização
de sons de animais no sistema musical do alagoano.
10. Conforme relato de Mauro
B. Wermelinger, em entrevista já citada.
11. Os ensaios às sextas-feiras
eram abertos ao público.
12.
Fui a quatro ensaios no Jabour entre 1987-1992. Em 1998-1999, durante o mestrado,
novamente estive algumas vezes na casa para entrevistar Hermeto.
13.
Ver DAPIEVE, Arthur, BRock: o rock brasileiro
dos anos 80. São Paulo, Editora 34. (5ª edição), 2000 [1995], p. 55.
14.
Contudo, observo que apesar das diferenças musicais marcantes, Hermeto e Grupo,
de um lado, e os artistas e grupos da Vanguarda
Paulista, de outro, partilhavam alguns territórios comuns, como, por exemplo,
a gravadora independente paulista Som da Gente,
utilizada tanto por Hermeto e Grupo como pelos artistas paulistas de vanguarda ligados
ao teatro Lira Paulistana.
15.
In VELHO, Gilberto (org.). Arte e sociedade
– ensaios de sociologia da arte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977, p. 9-25.
16.
Ver NYMAN, Michael. Experimental music: Cage
and beyond. London: Studio Vista, 1974.
17.
Em entrevista já citada.
18.
A informação de Mauro é confirmada pela nota de rodapé escrita por Hermeto no Calendário do som (para os aniversariantes
do dia 2 de agosto): “Música feita vendo o jogo molenga de nossa seleção.” Ver PASCOAL,
Hermeto, 2000*. Calendário do Som. Editora
SENAC, p. 63. Observo que Hermeto parece ter a mesma capacidade que Heitor Villa-Lobos
(1887-1959) tinha, segundo relatos de observadores que atestaram que o compositor
erudito escrevia e compunha música sem se importar com o barulho do rádio, TV, das
crianças brincando a seu redor, de gente falando, etc.
19.
Ver, também a “Sinfonia do Alto da Ribeira” e www.hermetopascoal.com.br/orquestra/audio.asp.
20. Conforme relato de Jovino
Santos Neto, em entrevista concedida a mim em 1997.
21.
Observo que determinados modelos improvisacionais de origem folclórica também são
utilizados por Hermeto, como, por exemplo, a embolada, gênero poético-musical no
qual “as dificuldades de dicção transformam o canto em um jogo de destreza vocal
que desvia a atenção do ouvinte do conteúdo semântico para o ‘valor sonoro’ das
palavras”. Ver TRAVASSOS, Elizabeth. “’O avião brasileiro’: análise de uma embolada”
in Ao encontro da palavra cantada. Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2001, p. 91. A este respeito, escutar o improviso vocal “embolado”
de Hermeto em “Remelexo” (1979*) e, escutar ainda, “Viva Jackson do Pandeiro” (2002*).
Ver COSTA-LIMA NETO, Luiz, op. cit., 1999, capítulo III, para uma explicação mais
detalhada sobre o conceito de improvisação em Hermeto Pascoal.
22.
Escutar, também, os finais humanly impossible
das músicas “Chorinho para ele” (1977*) e, especialmente, “Aluxan” (2002*).
23.
Escutar “Forró em Santo André” e “Forró Brasil” (1979*), “Arrasta pé alagoano” (1980*)
e “O tocador quer beber” (1986).
24. Ver GONÇALVES
E EDUARDO, “Vivendo música”. Rio de Janeiro: Revista Backstage. 1998, 39: 46-57.
25.
Escutar, também, “Dança da selva na cidade grande” (1980*), música com sonoridade
bastante experimental e “indígena”, na qual a voz falada é combinada à percussão
e ao improviso de flauta de bambu.
26.
Conforme o relato de Mauro W., em entrevista citada. Escutar, também, a música “Cannon”
(1977*), dedicada ‘espiritualmente’ ao saxofonista alto Cannonball Adderley. “Cannon”
é um longo solo lento de flauta transversa de Hermeto, acompanhado pelos sons de
pássaros e pela voz do próprio Hermeto, como se estivesse rezando.
27.
Na época deste disco excelente, o Grupo que acompanhava Hermeto era constituído
de Nenê, Zabelê, Cacau, Jovino, Pernambuco e Itiberê. O disco contou ainda com a
participação de Antonio Celso, na guitarra.
28. Observo que no sincretismo
popular afro-brasileiro este santo corresponde ao Orixá Ogum.
29. Popularmente Santo Antônio
é considerado o santo “casamenteiro”.
30.
O Grupo constituído por Hermeto à época era constituído de: Ron Carter, Airto Moreira,
Flora Purim, Raul de Souza, Chester Thompson, David Amaro, Hugo Fatoruso e Alphonso
Johnson.
31.
Segundo Mauro W., em entrevista citada. Ver também a contracapa do LP de 1982, onde
Hermeto escreve: “O dom para mim é uma imagem, uma figura. Meu professor foi meu
dom. O músico é um cara mágico, com energia diferente, que se comunica com as pessoas
através da música. Quando ele consegue passar essa energia, e da mesma forma receber,
ele consegue o maior êxito.”
32.
Ver PASCOAL, Hermeto, 2000, op. cit., p. 16-9. Escutar ‘Itiberê Orquestra Família’,
2005. CD duplo, Calendário do Som. Gravadora
Maritaca.
33.
Sobre a relação entre ritual, experiência e música ver REILY, Suzel Ana. Voices of the Magi: Enchanted
Journeys in Southeast Brazil. Chicago University Press,
2005, p. 11-17.
34.
Escutar, ainda, a música lenta e atonal “Religiosidade” (1980*), a experimental
“Velório” (1972*) e, também, “Santa Catarina” (1984), além de “Tacho (Mixing Pot)”
(1977*).
35.
Com o qual gravou a faixa “Coalhada” no LP de 1966, uma das primeiras composições
gravadas de Hermeto. Ver http://www.miscelaniavanguardiosa.com
36.
Hermeto dedicou a ele a música “Mestre Radamés” (1984). Além do arranjo variado
e rico desta música, escutar, especialmente, a divisão rítmica dificílima da bateria
tocada por Márcio Bahia.
37.
Agradeço ao gentleman pesquisador da música
brasileira, Prof. Dr. Sean Stroud, por ter me presenteado com cópias de discos raros
de Hermeto, anteriores ao Quarteto Novo. Observo
que estes discos foram encontrados em lojas de Londres, Inglaterra (!). Não é de
hoje que alguns estrangeiros parecem valorizar a música brasileira mais do que muitos
brasileiros.
38. Em 1965, no LP Os
Cinco-pados, de Heraldo do Monte, Hermeto teria gravado sua primeira composição
em disco, a faixa “Sete contos”. Agradeço ao pesquisador Ricardo Sá Reston pela
informação. Ver http://abracadabra-br.blogspot.com/2007/02/os-cinco-pados-os-cinco-pados-1965-here.html
39. Em entrevista concedida
a mim em março de 1999.
40.
Ver CALADO, Carlos. Tropicália: a história
de uma revolução musical. São Paulo: Edit. 34, 1997, p. 106-13 e, ainda, NAPOLITANO,
Marcos, op. cit, 2007, p.114-29.
41. Ver FAVARETTO, Celso.
Tropicália, alegoria, alegria. São Paulo:
Ateliê Editorial, 1996, p. 106.
42. Ver CALADO, Carlos. O jazz como espetáculo. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1990, p. 121-2.
43.
Ver MARCONDES, Marcos Antônio (org.). Enciclopédia
da Música Brasileira erudita, folclórica e popular. São Paulo: PubliFolha, 1998,
p. 606-607.
44.
Na faixa “Velório”, (1972*), além desta música, Hermeto utiliza 52 garrafas afinadas
em “Crianças, cuida de lá” (1985).
45.
Nenê, Cacau, Itiberê Zwarg, Jovino Santos, Pernambuco, Zabelê e Nivaldo Ornellas.
46.
No disco, Hermeto fala para a platéia, ao vivo, que fez a música “Montreux” da sua maneira “habitual”, isto é, utilizando
somente o ouvido interno, sem a ajuda de nenhum instrumento. Alguém na platéia deve
ter duvidado ao que o alagoano retrucou: “Não é cascata, não, é sério!”. Conferir
escutando o disco.
47.
A título de complementação, informo ainda que, em 1989, Hermeto grava pela gravadora
Som da Gente o LP de piano-solo Por diferentes caminhos e, em 2006*, o CD
independente Chimarrão com rapadura, com
a cantora Aline Morena, a atual companheira de Hermeto.
48.
Além da obra já citada de Muniz Sodré, confira, por exemplo: SQUEFF, Enio e WISNIK,
José Miguel. O Nacional e o Popular na Cultura
brasileira. 1982. VIANNA, Hermano, O mistério
do samba, 1995. SANDRONI, Carlos, O Feitiço
decente, 2001. NUNES, Santuza Cambraia.
O violão azul, 1998. Ver bibliografia.
49.
Escutar, por exemplo, “Frevo” (1972*), “Frevo em Maceió” (1984), “Briguinha de músicos
malucos no coreto” (1982) e “Parquinho do Passado, Presente e Futuro – dedicado
às crianças e aos parques” (2002*).
50.
Escutar as gravações de composições de Hermeto para big-band em:
http://www.hermetopascoal.com.br/bigband/audio.asp
51.
Escutar, por exemplo, “Chorinho para ele” (1977*), “Chorinho MEC” (1999*) e “Choro
árabe” (?)
(disponível em: http://www.hermetopascoal.com.br/bigband/audio.asp).
52.
Escutar, por exemplo, “Salve Copinha” (1985), além de “Mestre Radamés” (1984).
53. Em entrevista já citada.
54.
NAPOLITANO, Marcos, op. cit., relativiza a influência de Oswald de Andrade nos tropicalistas
e observa que, apesar das diferenças, há pontos em comum entre os nacionalistas e os vanguardistas.
55.
Conforme a observação importante do Prof. Dr. TREECE, David. Journal of Latin América
Studies no. 35 (reviews). Londres: King’s College,
2003, p. 207-13.
56.
Hermeto gravou com as seguintes gravadoras multinacionais: EMI (1967*); Polygram
(1973* e 1992); WEA (de 1977* a 1980*). A última tentativa, desastrosa, foi no CD
Festa dos Deuses (PolyGram, 1992), quando
Hermeto rompeu o contrato logo após o lançamento comercial do CD.
57.
Como, por exemplo, a gravadora paulista Som
da Gente, já mencionada, com a qual Hermeto e Grupo gravaram seis dos sete discos
feitos no período 1981-1993 (um dos discos não foi lançado).
58. Tom Jobim citado por
NAPOLITANO, op. cit., p. 69.
59. Ver NAPOLITANO, Marcos
op. cit., p. 87-98.
60.
Ver ULHÔA, Martha Tupinambá. ‘Nova história, velhos sons: Notas para ouvir e pensar
a música brasileira popular’. In: Debates:
Cadernos do programa de pós-graduação em música. Rio de Janeiro: UNIRIO, 1997,
p. 87.
61.
As majors que detém mais de dois terços
do mercado mundial de discos são: EMI + Odeon = EMI (1969); Phonogram + Polydor
= PolyGram (1978); Sony Corp. + CBS = Sony Music (1987);
Bertelsman + Ariola + RCA = BMG-Ariola (1987); e, finalmente; Time-Warner + WEA
+ Toshiba + Continental = Warner Music (1991-93). A fusão
da PolyGram com o grupo MCA, em 1998, deu origem a Universal Music Group, desde 2006 a maior gravadora do mundo. Ver
DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da voz. São
Paulo: BoiTempo Editorial, 2000: 41-3 e ULHÔA, op. cit., 1997, p. 85.
62.
Ver ULHÔA, Martha Tupinambá de, ibidem, p. 80-100 e ‘Música Romântica em Montes
Claros’. In: REILY, Suzel Ana. British Journal of Ethnomusicology
9/i, 2000. p. 11-40.
63. Ver: http://www.hermetopascoal.com.br
65. Ver: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=62155
66.
As TVs educativas e a Rádio MEC representam uma exceção. Como já mencionei antes,
Hermeto lançou, em 1999, no selo da MEC, o CD solo Eu e eles, no qual o alagoano toca todos os instrumentos, além do CD
Mundo Verde Esperança (2002), com a nova
formação da banda.
67.
Em procura feita no início de 2008, nos sites da megastore virtual Submarino
e na megaloja especializada Modern Sound.
Esta loja tinha, em estoque, três CDs de Hermeto gravados na Warner Bros, e relançados
no mercado nacional em 2001, porque o dono da loja se precaveu e comprou uma quantidade
relativamente grande destes três itens antes da gravadora retirá-los do mercado,
em 2004. “Os discos do Hermeto sempre vendem bem!”, disse-me o dono da loja, Pedro
Passos Filho.
68. Ver a lista de endereços
eletrônicos no anexo, depois da bibliografia.
69.
De acordo com informação de Hermeto em GARCIA, Renata, Revista Br@sil.net, Londres, p. 27. Ver http://www.brasil.net.co.uk
70.
Ver MALM, Krister. “Music on the Move: Traditions
and Mass Mídia”, Ethnomusicology
v. 37, no. 03 (1993), citado por Ulhôa, op. cit., 1997, p. 85 e, ainda, DIAS, op.
cit.
71.
Escutar a música “Linguagens e costumes” (1999*), na qual Hermeto utiliza instrumentos
tradicionais, como a zabumba, a flauta de bambu, os apitos e a voz, além de objetos
sonoros não convencionais, como os bonecos de brinquedo, para criar uma música bastante
experimental e improvisada. Escutar, também, a música “Mercosom” (1999*), um trocadilho
com a palavra ‘Mercosul’.
72.
Observo que o Circo Voador foi um espaço importante para os artistas alternativos
e independentes apresentarem seus trabalhos durante os anos 1980 no Rio de Janeiro.
Hermeto e Grupo se apresentaram inúmeras vezes neste espaço.
73.
Escutar a música “Capelinha & Lembranças – dedicada ao irmão de som Miles Davis”,
(1999*), na qual Hermeto se alterna tocando o naipe de flughel horn e o piano acústico, além de usar a voz cantando na panela
d’água.
74.
Agradeço à Prof. Dra. Elizabeth Travassos pela comunicação pessoal importante relacionando
as tradições rurais e o experimentalismo em Hermeto Pascoal.
75. Ver o site
oficial de Hermeto com trechos de músicas compostas pelo alagoano para formações
instrumentais variadas, além dos vídeos postados no YouTube e os arquivos disponibilizados no blog http://www.miscelaneavanguardiosa.blogspot.com.
Ver a listagem de endereços eletrônicos em anexo.
76. Frase de Hermeto Pascoal
publicada em SANTOS NETO, op. cit., 2001, p. 8.
77.
Observo que a Sala Cecília Meireles é um espaço tradicional da música erudita no
Rio de Janeiro, que eventualmente recebe artistas populares do choro e da música
instrumental. Hermeto e Grupo não se apresentavam freqüentemente neste espaço.
78.
Segundo o relato de Hermeto Pascoal em 04/10/1998 e de Mauro Brandão Wermelinger
e Jovino Santos Neto em fevereiro de 2008. Ver bibliografia/entrevistas.
ACAMPAMENTO
MUSICAL
LUIZ COSTA-LIMA NETO
(Brasil). Música, ensaísta e professor de música. Texto originalmente publicado
em 2008, na Revista Música e Cultura,
da Associação Brasileira de Etnomusicologia.
*****
Organização a cargo de Floriano
Martins © 2017 ARC Edições
Artista convidado | Farnese
de Andrade (Brasil, 1926-1996)
Imagens © Acervo Resto do
Mundo / Acervo particular Jorge Mello
Agradecimentos especiais
a Jovino Santos Neto
Esta edição integra
o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:
1 PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC
FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO SURREALISMO,
I
3 O RIO DA MEMÓRIA, I
4 VANGUARDAS NO SÉCULO XX
5 VOZES POÉTICAS
6 PROJETO EDITORIAL BANDA
HISPÂNICA
7 VIAGENS DO SURREALISMO,
II
8 O RIO DA MEMÓRIA, II
9 ACAMPAMENTO MUSICAL
A Agulha Revista de Cultura
teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio
Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu
seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob
a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto
original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.
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