Falar sobre Hermeto Pascoal não é uma tarefa fácil. Um músico “diferente”,
que costuma tocar uma quantidade enorme de instrumentos, dentre os quais chaleiras,
tubos, sons de animais, instrumentos de sopro, vozes e guitarras é, na verdade,
mais um bruxo do que um músico.
Referência da
música brasileira para todo o mundo, arriscando a ir além do samba e outros ritmos
para tornar-se um ícone da música mundial, alcançou a qualidade de uma música universal,
que reúne todos os estilos, envolve todas as manifestações.
Curiosamente,
o único país onde houve tentativas de elitizar a música de Hermeto Pascoal foi no
Brasil...
Aclamado em todo
o mundo, essencialmente brasileiro, Hermeto Pascoal nasceu em 22 de junho de 1936,
em Lagoa da Canoa, Arapiraca, Alagoas. Sua vasta produção musical apresenta, desde
sempre, duas premissas principais: a pesquisa e a inovação.
Explora novos
sons, novas harmonias, estilos e correntes, não havendo estilo musical, do jazz
à música brasileira, com o qual não esteja familiarizado.
Seu interesse
e criatividade são estimulados por todas as coisas. Explora ao máximo os mais diversos
instrumentos para produzir sons únicos, criando traçando sempre novos caminhos na
música, porque descobre a música que reside em todas as coisas.
Desde a expressão
máxima que pode ser alcançada por um instrumento até a harmonia do canto dos pássaros,
não existem limites para o que a sua obra é capaz de produzir.
Inúmeras são
as referências já feitas a ele e sua obra, como um dos maiores, mais virtuosos,
talentosos e criativos multi-instrumentistas e compositores da história da música
latino-americana.
Desde a infância
tocava por longas horas, de maneira autodidata, porque não podia sair ao sol em
virtude do albinismo, e sua curiosidade o levou a conhecer uma infinidade de instrumentos
e, inclusive, a fabricar alguns.
Aos oito anos
já tocava acordeom e começou a tocar tamborim e flauta. Com o irmão mais velho,
começou a tocar todos esses instrumentos nas festas locais.
No início da
década de cinquenta sua família mudou-se para Recife e, aos quatorze anos, passou
a atuar como músico profissional, tocando acordeom e flauta nas rádios locais. Junto
aos irmãos, também albinos, começou a tocar piano, formando seu primeiro trio. Durante
a adolescência e a juventude, ganhava a vida tocando em clubes e rádios.
Em 1958 mudou-se
para o Rio de Janeiro e, em 1961, para São Paulo, em busca de oportunidades. Durante
este tempo converteu-se em exímio pianista e acordeonista, somado a todos os outros
instrumentos que já dominava.
Na segunda metade
dos anos sessenta, contribuiu com diversos álbuns clássicos da bossa nova, dentre
os quais se destacam Edu Lobo, Elis Regina e César Camargo Mariano. Também vinculou-se
a Sivuca.
Em 1964 formou
o Sambrasa Trio, com Airto Moreira e o baixista Humberto Clayber, dedicado a tocar
jazz ao estilo americano. Em 1966, em pleno auge dos programas de televisão, Airto
Moreira, que tocava em um grupo chamado Trio Novo, com Heraldo do Monte e Theo de
Barros, convidou Hermeto a juntar-se ao grupo, com o qual foi conhecido internacionalmente:
o Quarteto Novo, um dos mais importantes grupos de música instrumental da história
do Brasil.
O Quarteto Novo
contava com uma técnica magnífica e uma harmonia refinada e foi um dos pontos de
fusão do jazz com os ritmos brasileiros.
Em seguida, Hermeto Pascoal fez parte do grupo
Brazilian Octopus, onde tocava flauta. Em 1968, escreveu seu primeiro arranjo musical,
para a música Choro do Amor Vivido, de Eduardo Gudin, que estreou no 4º Festival
da Música Popular Brasileira da TV Record.
Com a experiência
adquirida nos anos sessenta, em 1979 se trasladou para os Estados Unidos, a convite
de Airto Moreira, para trabalhar com Miles Davis, primeiramente fazendo alguns arranjos
e, em seguida, colaborando na gravação do disco Live evil, no qual há duas
composições originais de Hermeto Pascoal.
Considerado por
Miles Davis “o músico mais impressionante do mundo”, gravou muitos temas
que Miles queria incorporar ao disco, gravando-os em seu primeiro disco, intitulado
Hermeto e reeditado em CD com o título Brazilian Adventure.
Em 1973 voltou
ao Brasil e gravou A música livre de Hermeto Pascoal, retornando em 1976
aos Estados Unidos.
No retorno, gravou
Missa dos Escravos, onde se destaca a utilização de grunhidos de animais,
um precedente em sua constante experimentação. Seu próximo disco foi Zabumbê-bum-á,
lançado em 1978.
Com um extenso
repertório de temas originais, foi convidado a participar dos mais importantes festivais
do mundo, com um dos músicos mais criativos e talentosos do momento.
Em 1978, participou
do Festival Internacional do Jazz de São Paulo e, no ano seguinte, do Festival de
Jazz de Montreaux, onde gravou seu primeiro disco ao vivo, o que significou a consagração
definitiva de Hermeto como uma estrela do jazz de vanguarda.
Também em 1979
participou do Festival de Jazz de Toquio – Live under the sky -, com enorme
êxito. Em 1980 editou o álbum Cérebro magnético, um dos mais aclamados pela
crítica especializada e o levou a uma extensa turnê por grande parte da Europa.
O trabalho seguinte
foi Hermeto Pascoal & Grupo, de 1982, dando continuidade a sua obra única,
cada vez mais alcançando novas dimensões.
Em 1984 lançou
Lagoa da Canoa, município de Arapiraca, um passo fundamental na exploração
musical, incorporando o que ele chama “o som da aura”, que se refere à musicalização
dos sons e verbalizações cotidianas da vida na cidade. O disco é uma homenagem à
sua terra natal.
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Os próximos discos foram Brasil Universo e Só não toca quem não quer, lançados em 1986 e 1987, respectivamente. Representam o desenvolvimento da versatilidade de Hermeto Pascoal como compositor e a continuidade de sua persistente exploração de elementos experimentais.
Em 1988 lançou
Por diferentes caminhos e, no início da década de setenta, já era considerado
uma lenda viva, pela genialidade e originalidade. Em 1992 gravou Festa dos deuses,
iniciando uma turnê pela Europa que incluiu shows na Alemanha, na Suíça, na Dinamarca,
na Inglaterra e em Portugal.
Entre 23 de junho
de 1996 e 23 de junho de 1997, realizou um ambicioso empreendimento criativo: compor
uma música por dia, durante um ano. Escreveu Calendário do som, que contém
366 composições musicais, uma para cada dia do ano, nos mais diversos gêneros. Sua
ideia era dedicar uma música para cada pessoa, no dia de seu aniversário.
Esse legado foi
publicado em 1999 e muitos músicos interpretaram seus temas, especialmente a Itiberê
Orquestra Família, liderada por Itiberê Zwarg, baixista da banda de Hermeto
por mais de trinta anos, que gravou um disco em 2005 com vinte e sete desses arranjos.
Também a Banda Hermética, da Argentina, arranjou vários temas do livro, lançados
em disco no ano de 2007.
Ainda em 1999
lançou Eu e Eles, no qual toca todos os instrumentos. Em 2003, com Mundo
verde esperança, reuniu antigos temas a novas composições, com alta tecnologia
de som.
Em 2006, junto
com a esposa, a cantora Aline Morena, lançou Chimarrão com rapadura, explorando
as raízes da música brasileira, o jazz e a experimentação. Bodas de Latão,
de 2010, também junto com Aline Morena, deu continuidade estilística ao disco anterior.
No ano de 2009
realizou uma turnê por diversas cidades da América do Sul, incluindo São Paulo,
Recife, Brasília, Goiânia, Santiago do Chile e Buenos Aires.
Inesgotável,
Hermeto Pascoal tem gravados mais de três mil músicas e outras mil escritas, ainda
não gravadas. Suas composições foram interpretadas pela Orquestra Sinfônica do Brooklin,
pela Filarmônica de Berlim, pela Orquestra Sinfônica de São Paulo e diversas outras.
Como um dos músicos
brasileiros mais influentes na segunda metade do século XX, tocou com os maiores
nomes da música brasileira e internacional. Seu virtuosismo impressionante em cada
um dos instrumentos que toca, somados a todos os outros instrumentos que cria com
praticamente qualquer objeto ou som disponível, renova-se a cada ano.
O contato com
a música de Hermeto Pascoal sempre é uma surpresa. Cada um de seus “experimentos”
vai além, comprova uma genialidade que vê no cotidiano um aborrecimento e sempre
se atreve a realizar novas e ousadas experiências nas quais, quando considera limitados
os recursos de um instrumento, busca os sons da natureza, de seu corpo, de qualquer
coisa que esteja à mão.
Afiançando a
genialidade de Hermeto Pascoal, o documentário de Marilia Alvim registra o seu processo
criativo durante a gravação da trilha sonora de Eu Vi o Mundo... Ele Começava
no Recife, de Mário Carneiro.
ACAMPAMENTO MUSICAL
NEIVA DUTRA. Jornalista. Dirige Di anima verbum, onde este texto foi originalmente publicado, 06/22/2015.
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Organização a
cargo de Floriano Martins © 2017 ARC Edições
Artista convidado
| Farnese de Andrade (Brasil, 1926-1996)
Imagens © Acervo
Resto do Mundo / Acervo particular Jorge Mello
Agradecimentos
especiais a Jovino Santos Neto
Esta edição
integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim
estruturado:
1 PRIMEIRA ANTOLOGIA
ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO
SURREALISMO, I
3 O RIO DA MEMÓRIA,
I
4 VANGUARDAS
NO SÉCULO XX
5 VOZES POÉTICAS
6 PROJETO EDITORIAL
BANDA HISPÂNICA
7 VIAGENS DO
SURREALISMO, II
8 O RIO DA MEMÓRIA,
II
9 ACAMPAMENTO
MUSICAL
A Agulha Revista
de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins
e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011
restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica,
sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto
original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.
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