A poeta Agathi Dimitroukia (Grécia, 1958) possui uma dessas almas
inquietas que tão bem se encaixam ao transbordamento essencial da criação artística.
Autora de obra múltipla, que inclui poemas, letras de canção, narrativa e contos
infantis, além de um amplo espectro como tradutora, tanto de inglês como de espanhol,
destaca-se ainda como reader de uma das
principais casas editoriais gregas, o selo Patakis. Foi casada com um dos nomes
centrais do surrealismo em seu país, o poeta e notável estudioso de literatura de
língua espanhola, Nikos Gatsos (1911-1992). Na área musical avultam suas colaborações
dom Manos Hadjidakis e Mikis Theodorakis, Zulfu Livaneli e Chales Lloyd, dentre
outros, resultando em canções em grande parte gravadas por Nana Mouskouri e María
Farandouri.
O
trabalho como tradutora é de uma extensão invejável, o que a situa em um patamar
brilhantemente relevante no que tange ao papel que vem desempenhando como introdutora,
ao leitor grego, do que há de mais expressivo no ambiente literário dos idiomas
que traduz. Sua colaboração com o diretor teatral Vasilis Nicolaídis permitiu, até
o momento, a adaptação aos palcos para voz e piano de obras de Garcia Lorca, Bertold
Brecht e Tennessee Williams. Com o diretor Yiannis Carajisaridis montou um espetáculo
com fragmentos do Dom Quixote, de Cervantes.
Também aos palcos, além de diversas dramatizações para público infantil e concertos
musicais, levou, em colaboração com a diretora Mania Papadimitríu, uma adaptação
de sua autobiografia, destacando o período que viveu ao lado do poeta Nikos Gatsos.
Dentre
os inúmeros autores que traduziu, além dos nomes aqui já referidos, se encontram
os de Pablo Neruda, Allan Percy, Fernando Savater, Fiona Watt, Carlo Goldoni, Hans
Christian Anderson, Joyce Dunbar, de cada um deles tendo traduzido várias obras.
Este
final de ano a editorial Patakis publica o excepcional volume Todas as canções, obra completa de Nikos
Gatsos, revisada e organizada por Agathi. Este é um imenso trabalho que tanto honra
a memória de seu marido como revela minúcias de sua dimensão humana, pela dedicação
e cumplicidade perenes.
Agathi
tem me ajudado em minha pesquisa sobre a presença marcante do surrealismo na Grécia.
Em nossas conversas virtuais, ela carinhosamente me confiou dois trechos, que traduziu
ao espanhol, de O amor acaba trágico (2017),
concerto de María Farandouri, em que ela assina roteiro e textos (em prosa e verso).
Ao lhe expressar minha gratidão quero aqui reproduzir minha tradução para os dois
trechos referidos, para que assim nossos leitores conheçam um mínimo que seja o
trabalho exemplar que vem realizando esta imensa poeta.
O AMOR ACABA TRÁGICO | Dois fragmentos
1 – Orfeu e Eurídice
Orfeu, poeta e músico
de Trácia, tocava de modo tão doce a lira que lhe presenteou Apolo que as bestas
se amansavam e as árvores e as rochas se moviam parecendo dançar ao som de sua música.
E quando Eurídice, sua mulher, faleceu de repente, Orfeu, para trazê-la novamente
à vida, desceu com sua lira ao Mundo Inferior. Uma vez ali cantou com tão doce dor
e tocou a lira com tanta tristeza que Hades e Perséfone acordaram e permitiram que
ele levasse Eurídice novamente ao Mundo Superior, sob esta condição: que ele caminhasse
diante dela que o seguiria guiada por sua música e, até que os raios do sol os banhassem,
ele não olharia para trás. Incrédulo, Orfeu? Impaciente? Ao chegar à luz, virou-se
para ver se de verdade Eurídice lhe seguia e a perdeu novamente, porém dessa vez
para sempre, na escuridão tenebrosa.
[Descida de amor
ao reino de Hades] | Referência a Nikos Gatsos
O caminho desde a
luz até a escuridão
por experiência o
chamam os poetas
descida de amor ao
reino de Hades
peregrinação até
o que ontem existiu.
Porém eu me nego
a prostrar-me diante de ti
teu corpo eu o quero
vivo
com nove cordas te
levarei comigo
para que ressuscites
como estrela matinal.
Desde o Mundo Inferior
até o de Acima
a corda é grande
e cega.
Ai, minha Eurídice,
eu te perco novamente
não me havias ensina
a ter paciência.
LETRA EM GREGO
[Ερωτική
κατάβαση στον Άδη] | Αναφορά στον Νίκο Γκάτσο
Το
δρόμο από το φως ως το σκοτάδι
εμπειρικά
τον λεν οι ποιητές
ερωτική
κατάβαση στον Άδη
προσκύνημα
σε ό,τι ζούσε χτες.
Μα
εγώ αρνούμαι να σε προσκυνήσω
το
σώμα σου το θέλω ζωντανό
μ’
εννιά χορδές θα σε τραβήξω πίσω
ν’
αναστηθείς σαν άστρο πρωινό.
Από
τον Κάτω Κόσμο στον επάνω
μεγάλη
η ανηφόρα και τυφλή.
Αχ
Ευρυδίκη μου σε ξαναχάνω
δε
μ’ έμαθες να κάνω υπομονή.
2 – Hero e Leandro
Leandro, nobre jovem
de Abido, enamorou-se de uma sacerdotisa de Afrodite, Hero, de Sesto. Como as duas
cidades estavam construídas no Helesponto, uma diante da outra, a cada noite Leandro
cruzava o estreito nadando e chegava à torre de Hero, tendo por guia único a chama de uma lanterna em sua janela. Porém uma
noite se ergueu uma tempestade, a chama apagou, Leandro perdeu sua orientação, debateu-se
pelas ondas enfurecidas e se afogou. Chegando a manhã, o mar deixou o corpo do amante
trágico sob a janela de sua amada. Porém, como Hero faria para seguir vivendo seu
Leandro? Ela atirou-se pela janela fatal e deixou ali seu último suspiro, em seus
braços mortos.
O amor nos ameaça
com seu beijo mortal.
Não te aproximes,
Leandro meu!
O amor nos ameaça
e a noite pende turva
como um negro estandarte
de guerra.
Impõe ao desejo paciência
que a brisa matinal
afaste
a fatalidade da tormenta.
Impõe ao desejo paciência
que a nova lua surja
para que vejas a
chama furtiva.
Sopram os ventos,
não ouves
meus temores e suspiros.
A onda feroz te abraçou.
Sopram os ventos,
não ouves
e nós dois que roçamos
céus
a tumba do fundo
vamos encontrar.
LETRA EM GREGO
Λέανδρος
και Ηρώ
Ο
έρωτας μας απειλεί
με
το θανάσιμο φιλί:
Μην
πλησιάζεις, Λέανδρέ μου!
Ο
έρωτας μας απειλεί
κι
η νύχτα κρέμεται θολή
σαν
μαύρο λάβαρο πολέμου.
Στον
πόθο βάλε υπομονή
να
διώξει η αύρα η πρωινή
της
καταιγίδας τα μοιραία.
Στον
πόθο βάλε υπομονή
φεγγάρι
νέο να φανεί
να
δεις τη φλόγα τη λαθραία.
Φυσάν
ανέμοι, δεν ακούς
τους
φόβους μου και τους λυγμούς.
Σ’
αγκάλιασε το άγριο κύμα.
Φυσάν
ανέμοι, δεν ακούς
κι
εμείς που αγγίξαμε ουρανούς
θα
βρούμε του βυθού το μνήμα.
FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957). Poeta, ensaísta, tradutor,
dirige a Agulha Revista de Cultura e o
selo ARC Edições. Página ilustrada com obras de Paulo Aguinsky (Brasil), artista
convidado da presente edição.
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Agulha Revista de Cultura
Número 105 | Dezembro de 2017
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO
| FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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o pensamento da revista
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